O documento descreve como a cultura empresarial brasileira influenciou a cervejaria belga InBev após a fusão com a AmBev. Embora os acionistas brasileiros detenham apenas 25% das ações, eles compartilham o controle da empresa e implementaram mudanças como corte de custos e bônus variáveis que agradam investidores, mas causam desconforto entre alguns funcionários belgas acostumados a um ambiente de trabalho mais descontraído e paternalista.
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Como a cultura empresarial brasileira influencia a matriz belga da cervejaria InBev
1. 20/07/2010 Época NEGÓCIOS - EDT MATERIA IMPRI…
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Reportagem de Capa / Gestão
Gestão exportada
Como a cultura empresarial de Lemann e seus sócios influencia a
matriz belga da cervejaria InBev e por que ela é adorada por
acionistas e polêmica entre trabalhadores e jornalistas europeus
Época Negócios
Três anos atrás, quando a fusão entre a brasileira AmBev e a belga
Interbrew foi anunciada, ninguém esperava que os brasileiros iriam ganhar a
influência que possuem hoje na companhia. Pelo menos não na Bélgica. O
casamento entre as duas empresas, que deu origem à InBev, foi anunciado
para funcionários e para o público em geral como a compra de uma
empresa brasileira pela tradicional Interbrew. Aos poucos, percebeu-se que
não era bem assim.
Embora detenha apenas 25% do capital da companhia, o grupo de
QUARTEL-GENERAL Sede da
acionistas formado por Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos
InBev, a 30 quilômetros de
Alberto Sicupira compartilha legalmente com as famílias belgas o controle
Bruxelas. Dos 14 principais
da holding que detém 52,3% do direito de voto na InBev. Ali prepondera o
executivos da matriz, 8 são
sistema meritocrático na escalação da diretoria. Dos 14 principais
brasileiros, inclusive o CEO
executivos, oito são brasileiros (incluindo o CEO, Carlos Brito), quatro são
belgas, um é português (com histórico profissional atrelado à AmBev, no Brasil) e uma é alemã. A sede do
grupo, é verdade, está em Leuven, a 30 quilômetros de Bruxelas. Mas a língua que hoje se fala lá é o inglês,
para o qual foram traduzidas expressões caras à AmBev, como meritocracia, remuneração variável e
Orçamento Base Zero.
Constatada a realidade, o que pensam os belgas da presença dos brasileiros? Depende. Os acionistas estão
adorando. Os volumes vendidos pela InBev passaram de 108 milhões de hectolitros de cervejas e refrigerantes
em 2003 para 270,6 milhões em 2006. As ações da companhia praticamente triplicaram de valor. Partindo de
20 euros por papel na época da fusão, chegaram à casa dos 65 euros e hoje, dada a crise financeira
internacional, estão cotadas a aproximadamente 55 euros. No final de fevereiro, ao divulgar seus resultados
financeiros em 2007, a empresa superou as expectativas do mercado. O faturamento foi recorde: 14,4 bilhões
de euros, 7,2% acima do registrado no ano anterior. A geração de caixa cresceu 16,5% em relação a 2006,
chegando a 4,9 bilhões de euros.
E os trabalhadores? Bem, é na relação capital-trabalho que se materializa o choque cultural entre países e
empresas tão diferentes. "Os brasileiros não entendem que aqui não é o Brasil. Estalam os dedos e mandam as
pessoas embora, querem mexer até no salário...", afirma Gaetan Barracato, funcionário sindicalizado responsável
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pela higiene e segurança na fábrica da InBev em Liège. "Não podemos aceitar condições de trabalho que se
degradam. O clima familiar e de confiança acabou."
Há um trauma por trás da bronca. Em 2006, durante uma reestruturação, 400 funcionários da InBev perderam o
emprego na Bélgica. Há também uma boa carga de nacionalismo. "Esta era uma empresa 100% belga, os
principais executivos eram belgas e os acionistas eram sensíveis às questões sociais", diz o sindicalista Marc
Sparmont, da central sindical socialista FGTB. Mas quem viu de perto o "clima familiar" a que se refere o
funcionário da InBev identifica nele costumes que beiram o anedótico. "Quando cheguei à Bélgica tomei um
choque. Os escritórios eram deprimentes, sujos, com plantas apodrecendo. E as pessoas não queriam trabalhar,
ou pelo menos resistiam", afirma Alexandre Mesquita, um engenheiro brasileiro que passou sete anos na Bélgica
como dirigente de uma empresa americana de médio porte. "Tinha gente que levava o cachorro para o trabalho.
De repente, largava o posto e ia dar comida para o cachorro, levá-lo para passear", diz Mesquita. "Um homem
chegou a me pedir seis semanas de licença-paternidade."
Dentro da Interbrew, o símbolo desse convívio familiar era a oferta gratuita e ilimitada de cerveja para os
funcionários, ao final do expediente, no bar da empresa. Quem viveu aquela rotina garante que não era nenhuma
esbórnia. "Além de desfrutar um clima agradável, os funcionários podiam discutir sobre o produto: cor, gosto e
outras qualidades", afirma Hans Erike Rhodius, um ex-funcionário que chegou a ocupar o posto de diretor-
financeiro da Interbrew na Ásia. "As pessoas conheciam o produto e a empresa para a qual trabalhavam. Muitas
coisas resolviam-se ali, em pequenas reuniões informais."
Foto_Geert Vanden Wijngaert/AP Photo; Edição de imagens_Marcelo Biscola
O "estilo belga" no ambiente de trabalho pode ser visto como a materialização da
cultura européia de bem-estar social, levada ao extremo no país que funciona como
capital do velho continente. Não por acaso, o modo de administração trazido pelos
brasileiros é rechaçado como "americano demais" ou, simplesmente, "anglo-saxão".
Sobretudo pelos mais velhos - o que contrasta com o interesse dos jovens em
trabalhar na InBev. A companhia recebe, em média, 2 mil currículos de estudantes
belgas a cada ano. Para o Programa de Trainees 2007-2008, 17 estagiários foram
selecionados na Europa Ocidental, sendo sete da Bélgica.
Nas queixas contra a InBev, há espaço para o suposto predomínio do volume de
vendas sobre a qualidade da cerveja. "A impressão que tenho é de que os brasileiros
são operadores de mercado e vendem cerveja como venderiam sabonete", afirma a
SABOR MEIO
jornalista Sandrine Vandendooren, da revista Trend. Trata-se aqui de uma questão de
AMARGO Carlos Brito
orgulho nacional. A Bélgica demanda o status de "país da cerveja". Produzem-se mais
bebe uma Stella Artois
de 300 tipos da bebida em seu território, com base na matriz deixada pelos pioneiros
durante evento na sede da
monges trapistas da Idade Média. "A cerveja é para os belgas o que o vinho é para
InBev, em 2006. O CEO
os franceses", diz Sparmont, da FGTB.
é considerado
Outro sindicalista, Marc Delzenne, da central católica CSC, esteve no Brasil em 2005 competente, mas
e acompanhou uma manifestação sindical em uma fábrica da AmBev no interior de obcecado por custos
São Paulo. Um dos sindicalistas brasileiros teria lhe dito, na ocasião: "Bem-vindos ao inferno". A maior vitória de
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Delzenne numa mesa de negociações com os brasileiros foi barrar a introdução, para todos os trabalhadores, do
sistema de remuneração variável. O máximo que a InBev conseguiu foi condicionar 10% dos rendimentos dos
funcionários com cargo de gerência a resultados. Para os novos empregados, a empresa quer estabelecer 70%
de salário fixo e 30% em bônus.
O foco da admiração dos acionistas e do rancor de alguns trabalhadores é o presidente-executivo da InBev, o
brasileiro Carlos Brito. Engenheiro de formação, 47 anos, ele fez carreira nos setores de finanças, operações e
vendas da AmBev. Chegou à presidência da companhia em 2004, dirigiu a Labatt, empresa canadense do grupo
no início do ano seguinte e, na seqüência, assumiu o comando da matriz. Bem de acordo com a cartilha AmBev,
Brito já é conhecido na Bélgica pelo hábito de acordar cedo para se exercitar e pela aversão a paletós e
gravatas. Sempre que pode, é ele quem leva os quatro filhos à escola, a International School of Brussels. O
presidente da InBev faz parte do grupo de sponsors & donors (patrocinadores e doadores) da instituição, ao
lado de diplomatas e outros executivos expatriados.
O analista de mercado Win Hoste, do banco KBC, descreve Brito como um homem "forte e ambicioso". Seu
colega Marc Leemans, do banco de investimentos Degroof, sugere uma análise menos bairrista da cúpula da
companhia. "Brasileira ou de outra nacionalidade, a InBev segue a tendência natural do mercado. Empresas
precisam gerar lucros. Brito cortou os custos onde pôde", diz.
Seu antecessor na presidência da InBev, John Brock, um americano mais conhecido nos corredores da empresa
como "carecão", já trabalhava numa reestruturação. Mas não com a velocidade desejada pelos controladores
brasileiros. Brock trabalhou na InBev de fevereiro de 2003 a dezembro de 2005, quando foi demitido. No ano
passado, recebeu um polpudo pacote de 20 milhões de euros de indenização (metade dos quais em stock
options), após um litígio de dois anos com o antigo empregador.
Foto_Geert Vanden Wijngaert/AP Photo
Questionada sobre o aparente desconforto de alguns funcionários belgas diante da presença dos executivos
brasileiros na InBev, a assessora de imprensa da companhia, Marianne Amssoms, nega a existência de um
choque cultural. "A InBev tem uma só cultura corporativa. Não se trata de culturas nacionais", afirma. "Nossos
empregados ainda têm seus costumes e feriados locais, e continuam a ouvir sua música favorita." Pelas contas de
Marianne, a sede da empresa - um prédio novo em folha encravado na zona industrial de Leuven - reúne
funcionários de 30 nacionalidades. Um exemplo de que ainda há espaço para belgas na cúpula da companhia
seria a contratação de Chris Burggraeve, de 44 anos, novo diretor de marketing global. Ele chegou no ano
passado, vindo de 12 anos na Coca-Cola, arqui-rival da AmBev no Brasil.
No momento, a InBev, como muitas empresas da Europa Ocidental, desloca-se em direção ao Leste Europeu,
onde os incentivos fiscais são mais atraentes, os custos de produção, menores - e há um exército de
trabalhadores loucos por oportunidades de emprego. Em 2006, quando a InBev transferiu parte de suas
atividades administrativas (contabilidade, compras e exportações) para a Hungria e a República Tcheca, os
sindicatos belgas "denunciaram" o desejo da companhia de procurar gente mais ativa.
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Inevitavelmente, algumas das decisões da cúpula brasileira da InBev resultaram em tropeços. Uma delas foi o
lançamento da Brahma na Bélgica. Os belgas estão acostumados com cervejas encorpadas, com sabor mais
amargo e teor alcoólico mais alto. A marca brasileira teve de entrar, então, no segmento das cervejas light, como
as mexicanas Corona e Sol, que são vendidas em garrafinhas long neck transparentes. O processo de
fermentação da Brahma, vendida no Brasil na tradicional garrafa marrom, que protege a bebida contra o sol,
teve de ser adaptado. A empresa garante que o sabor não foi alterado, mas a marca nunca "pegou" na Bélgica e
hoje só é vendida em bares especializados.
O clima na empresa, antes da Outro equívoco foi a tentativa de transferir a produção da tradicionalíssima
chegada dos brasileiros, era cerveja de trigo Hoegaarden, feita há séculos na cidade de mesmo nome,
descrito como familiar. O símbolo para outra fábrica, em Jupille. A unidade de Hoegaarden chegou a ser
da camaradagem era a oferta fechada, mas o complexo processo de fabricação daquela cerveja
gratuita e ilimitada de cerveja ao simplesmente não funcionou no novo endereço. Depois de lidar até com a
fim do expediente criação de bactérias nos tanques, a InBev voltou atrás e, até maio, reabre a
velha fábrica.
Desde o dia em que publicaram reportagens sobre a "compra da AmBev pela Interbrew", os jornalistas belgas
já traçaram o perfil profissional dos brasileiros da InBev. "São homens acostumados com o mercado de ações e
que sabem perfeitamente onde podem cortar custos. Foi isso que a Interbrew foi buscar e certamente não se
arrependeu", afirma Jean Michel Lalieu, do jornal L'Echo, especializado em economia e finanças. Lalieu reclama
que, depois que Brito assumiu, a imprensa nunca mais teve acesso às pessoas que trabalham na companhia. "Os
jornalistas até insistem, mas a InBev controla toda a informação."
A busca por resultados parece algo negativo quando vista pelas lentes da imprensa local. "A InBev não faz mais
parte da tradição belga", afirma Jean-François Munster, do diário Le Soir. "Os diretores agora só querem saber
de cortar, cortar e cortar, para gerar lucros. Parece uma obsessão." Entraram na tesoura tradicionais mimos
para jornalistas. Com a palavra, Sandrine Vandendooren, da revista Trend: "Antigamente, as coletivas de
imprensa eram em locais luxuosos na Bélgica, com lauto bufê. Agora, a empresa realiza as coletivas na própria
sede. Com bufê modesto."
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