SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 272
Baixar para ler offline
Universidade Federal Fluminense
Centro de Estudos Sociais Aplicados
Faculdade de Educação
Programa de Pós-Graduação
Lições da Botânica:
Um ensaio para as aulas de Ciências
Simone Rocha Salomão
Niterói – RJ
2005
i
Universidade Federal Fluminense
Centro de Estudos Sociais Aplicados
Faculdade de Educação
Programa de Pós-Graduação
Lições da Botânica:
Um ensaio para as aulas de Ciências
Simone Rocha Salomão
Tese apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade
Federal Fluminense como requisito parcial
para a obtenção do título de DOUTORA EM
EDUCAÇÃO. Campo de Confluência: Lin-
guagem, Subjetividade e Cultura.
Orientadora: Profa. Dra. Dominique Colinvaux
Co-Orientadora: Profa. Dra. Cecilia Maria Goulart
Niterói – RJ
2005
ii
Universidade Federal Fluminense
Centro de Estudos Sociais Aplicados
Faculdade de Educação
Programa de Pós-Graduação
Lições da Botânica:
Um ensaio para as aulas de Ciências
Simone Rocha Salomão
Tese apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade
Federal Fluminense como requisito parcial
para a obtenção do título de DOUTORA EM
EDUCAÇÃO. Campo de Confluência: Lin-
guagem, Subjetividade e Cultura.
Banca Examinadora:
___________________________________________
Profa. Dra. Dominique Colinvaux – Orientadora – UFF
______________________________________________________
Profa. Dra. Cecilia Maria Goulart – Co-Orientadora – UFF
_______________________________________________________
Prof. Dr. José Luiz Fiorin – USP
____________________________________________
Prof. Dr. Pedro da Cunha Pinto Neto – Unicamp
____________________________________________
Profa. Dra. Isabel Martins – NUTES/UFRJ
____________________________________________
Profa. Dra. Sandra Escovedo Selles – UFF
iii
AGRADECIMENTOS
Não podemos negar nem esquecer as dimensões dialógica e coletiva que constituem
todos os trabalhos acadêmicos. São muitos os companheiros da caminhada, os que trouxe-
ram e discutiram idéias e os que interviram nas condições de produção. A muitos deles
quero agradecer:
À minha Professora Orientadora Dra. Dominique Colinvaux e à minha Professora
Co-orientadora Dra. Cecilia Maria Goulart, pelo carinho, paciência e apoio em todos os
momentos desse trabalho e por sua imensa generosidade em compartilhar conhecimentos.
À Professora Dra. Sandra Escovedo Selles e ao Professor Dr. José Luiz Fiorin, pelo
incentivo, pela leitura atenciosa que fizeram do texto de qualificação do Projeto de Tese e
pelas contribuições que trouxeram ao desenvolvimento do trabalho.
À Professora Maria Helena de Siqueira Salles, pelo estímulo e apoio à minha per-
manência no Programa de Doutorado, enquanto esteve à frente da Secretaria Municipal de
Educação de Macaé.
À Professora Milmar Madureira Pinheiro, Secretária Municipal de Educação de
Macaé, por compreender as dificuldades e pelo apoio efetivo à conclusão desse Programa.
Ao Professor Marcos Aurélio Pereira Maciel, professor de Ciências da Escola Esta-
dual Municipalizada Polivalente Anísio Teixeira, que, tão gentilmente, aceitou participar
desse trabalho, implementando em suas turmas as atividades empíricas da Pesquisa.
Aos alunos das turmas 601 e 603, do ano letivo de 2004 da Escola Estadual Muni-
cipalizada Polivalente Anísio Teixeira, pelo seu empenho e comprometimento em partici-
par das atividades propostas, com atenção, entusiasmo e alegria.
À Direção e aos Funcionários da Escola Estadual Municipalizada Polivalente Aní-
sio Teixeira pela acolhida em seu meio e pelo apoio durante o desenvolvimento das ativi-
dades.
iv
À minha ex-aluna Aline de Paula Barreto Cortez, hoje licencianda de Ciências Bio-
lógicas, com quem pude contar como Auxiliar de Pesquisa e que, tão cuidadosamente,
conduziu e apoiou as atividades de montagem do herbário junto às turmas.
Aos alunos Bira, Daniele Thaís, Lalita, Nynna e Thiago, do Colégio Módulo, pela
disposição em compor o elenco da peça Lição de Botânica, pelo brilhante desempenho e
pela dedicação enquanto durou a história.
Aos colegas do Colégio Módulo, de Macaé, representados pelos Professores Ledir
da Silva Rocha e Seila Maria Tavares Quinteiro Moreira, pelo carinho e incentivo.
A todos os colegas de trabalho da Casa da Educação de Macaé, representados pelas
Professoras Derli Santuchi Pinheiro e Tânia Márcia Carvalho Aguiar, amigas e companhei-
ras solidárias, que me incentivaram e apoiaram, em todos os momentos.
Ao Marcelo, pela ternura e pelo apoio constantes, sem os quais não se teria come-
çado e nem terminado esse trabalho.
Às minhas filhas, Helena e Luiza, pelo carinho e pela torcida para que a tese fosse
concluída.
v
DEDICATÓRIA
Dedico esse trabalho a:
Regina e Iambá, meus pais,
fonte constante de carinho e atenção,
no ano de suas Bodas de Ouro.
Marcelo, Helena e Luiza, amores,
junto aos quais a vida tem sentido.
vi
RESUMO
O presente trabalho procura investigar e compreender as aproximações entre ciência e lite-
ratura e entre linguagem científica e linguagem literária, suas relações com o ensino e a
aprendizagem em ciências e o possível papel potencializador do texto literário na aprendi-
zagem de conteúdos científicos no Ensino Fundamental. Para tanto, utiliza como fio
condutor da pesquisa a peça Lição de Botânica, de Machado de Assis, a partir da qual são
geradas questões para a discussão teórica e caminhos para a pesquisa empírica. Tal
pesquisa, implementada com turmas de 6a
série de uma escola pública de Macaé – RJ,
constitui-se da apresentação de uma montagem da peça aos alunos, discussão junto a eles
sobre a peça, atividades escritas e montagem de um herbário. As atividades escritas, reali-
zadas antes e após a apresentação da peça, incluíram questionários de perguntas abertas e
exercícios que solicitaram dos alunos reflexão e análise sobre a peça e, em particular, sobre
aspectos relacionados com a botânica e sua linguagem e, ainda, sobre a própria atividade
científica. Entre as referências teóricas mobilizadas, destacam-se as considerações do
Círculo de Bakhtin sobre linguagem, sobretudo as noções de exotopia e plurilingüismo. As
reflexões desenvolvidas são traçadas através de dois eixos – Ciência e Literatura e
Linguagem e Aprendizagem – envolvendo aspectos relativos às diferentes linguagens, à
história da biologia e da botânica e à produção de linguagem e de significados pelos
alunos, inserida em sua dinâmica de aprendizagem.
vii
ABSTRACT
The present work aims to investigate and understand the approaches between science and
literature, and between scientific language and literary language, their relations with teach-
ing and learning in science, and the possible activator role of the literary text in the learn-
ing of scientific subjects in the basic education. For such a way, it uses the play Lição de
Botânica, from Machado de Assis, as a conductor line of the research, from which it gener-
ates questions to the theoretical discussion, and pathways to the empirical research. Such
research, implemented with classes of 6a
series of fundamental teaching in a public school
in Macaé – RJ, consists of the presentation of the play to the pupils, discussion with them
about the play, written activities, and construction of a herbary. The written activities, car-
ried through before and after the presentation of the play, include questionnaires of open
questions and tasks that request from the pupils reflection and analysis about the play and,
in particular, about aspects related with the botany and its language and, still, about the
own scientific activity. Among the mobilized theoretical references, the considerations of
the Circle of Bakhtin on language are distinguished, over all the notions of exotopy and
heteroglossia. The developed reflections are traced through two axes - Science and Litera-
ture, and Language and Learning - involving aspects related to different languages, to his-
tory of biology and botany, and to the production of language and meanings by the pupils,
inserted in their dynamic of learning.
viii
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Questão 1/1: Respostas da Turma 601............................................................. 60
Tabela 2 – Questão 1/1: Respostas da Turma 603............................................................. 60
Tabela 3 – Questão 1/1: Referências a outros profissionais na Turma 601 ...................... 62
Tabela 4 – Questão 1/1: Referências a outros profissionais na Turma 603 ...................... 62
Tabela 5 – Questão 1/2: Respostas da Turma 601............................................................. 63
Tabela 6 – Questão 1/2: Respostas da Turma 603............................................................. 63
Tabela 7 – Questão 1/3: Respostas da Turma 601............................................................. 69
Tabela 8 – Questão 1/3: Respostas da Turma 603............................................................. 70
Tabela 9 – Questão 1/4: Respostas da Turma 601............................................................. 72
Tabela 10 – Questão 1/4: Respostas da Turma 603........................................................... 73
Tabela 11 – Questão 1/5: Respostas da Turma 601........................................................... 85
Tabela 12 – Questão 1/5: Respostas da Turma 603........................................................... 85
Tabela 13 – Questão 1/6: Respostas da Turma 601........................................................... 90
Tabela 14 – Questão 1/6: Respostas da Turma 603........................................................... 90
Tabela 15 – Questão 1/7: Respostas da Turma 601........................................................... 94
Tabela 16 – Questão 1/7: Respostas da Turma 603........................................................... 94
Tabela 17 – Questão 1/8: Respostas da Turma 601........................................................... 99
Tabela 18 – Questão 1/8: Respostas da Turma 603......................................................... 100
Tabela 19 – Questão 2/1: Respostas das Turmas 601 e 603 ........................................... 127
Tabela 20 – Questão 2/3: Respostas das Turmas 601 e 603 ........................................... 131
Tabela 21 – Questão 2/4a: Respostas das Turmas 601 e 603 ......................................... 137
Tabela 22 – Questão 2/5: Respostas das Turmas 601 e 603 ........................................... 143
Tabela 23 – Questão 2/8: Respostas das Turmas 601 e 603 ........................................... 153
ix
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
1 – Apresentação da peça Lição de Botânica ..........................................................109 a 111
2 – Dissecção de flores de Hibiscus rosa-sinensis ............................................................183
3 – Montagem do Herbário: coleta e prensagem dos espécimes .......................................184
4 – Montagem do Herbário: confecção das pranchas e classificação dos espécimes .......185
5 – Cópias das pranchas do Herbário ..................................................................... 186 a 202
x
LISTA DE ANEXOS
Anexo 1- Texto da atividade no
1 de pesquisa .................................................................. 239
Anexo 2- Texto da atividade no 2 de pesquisa ..................................................................240
Anexo 3- Texto da atividade no 3 de pesquisa ................................................................. 241
Anexo 4- Textos fornecidos para consulta nas atividades no 2 e 3 de pesquisa .............. 242
Anexo 5- Texto adaptado da peça Lição de Botânica ...................................................... 245
Anexo 6- Texto preparado para o apresentador da peça .................................................. 257
Anexo 7- Resumo do trabalho apresentado no IX EPEB – FE-USP/SP,
julho de 2004 .................................................................................................... 259
xi
xii
SUMÁRIO
1 – Sobre como se criou o enigma .................................................................................... 1
1.1 – Primeiras idéias ......................................................................................................... 2
1.2 – Ciência e literatura .................................................................................................... 4
1.3 – Linguagem e aprendizagem ....................................................................................... 7
2 – Do risco de ser devorado ........................................................................................... 10
2.1 – Na atmosfera da peça ................................................................................................ 11
2.1.1 – A peça e seu autor ................................................................................................... 13
2.1.2 – O autor da peça, outros autores e a ciência do Brasil ............................................. 17
2.1.3 – A ciência da peça ................................................................................................... 21
2.2 – Em outros ares ........................................................................................................... 30
2.2.1 – Textos alternativos em aulas de ciências ............................................................... 30
2.2.2 – Bakhtin: um ponto teórico central ......................................................................... 38
2.2.3 – Pesquisas sobre aprendizagem e linguagem ......................................................... 44
3 – No caminho da esfinge .............................................................................................. 53
3.1 – Trabalho empírico a partir da Lição de Botânica ..................................................... 54
3.2 – Primeiras questões .................................................................................................... 59
3.2.1 – Sobre a ciência ....................................................................................................... 59
3.2.2 – Sobre a linguagem científica ................................................................................. 71
3.2.3 – Sobre as classificações biológicas ........................................................................ 80
3.2.4 – Sobre as flores ....................................................................................................... 92
4 – Imagens da peça ........................................................................................................ 108
4.1 – Imagens ................................................................................................................... 109
4.2 – O que se diz sobre ela .............................................................................................. 112
5 – Frente a frente com a esfinge ................................................................................. 124
Novas questões ................................................................................................................. 125
5.1 – Sobre a peça e a ciência ........................................................................................... 125
5.2 – Sobre o Sr. Barão de Kernoberg............................................................................... 135
5.3 – Sobre a linguagem do Sr. Barão .............................................................................. 142
5.4 – Sobre a nomenclatura científica ............................................................................. 148
5.5 – Sobre o estudo da Botânica .................................................................................... 156
5.6 – Tal qual os botânicos .............................................................................................. 180
6 – Respondendo ao enigma ......................................................................................... 203
7 – Referências Bibliográficas ...................................................................................... 230
8 – Anexos ....................................................................................................................... 238
1
2
1 – SOBRE COMO SE CRIOU O ENIGMA
“Minha vida, nossas vidas
formam um só diamante.
Aprendi novas palavras
e tornei outras mais belas.”
Carlos Drummond de Andrade
1.1 – Primeiras idéias
Na cena XII da peça de teatro Lição de Botânica, escrita por Machado de Assis em
1906, Dona Leonor, questionando a importância dos conhecimentos da Botânica e surpresa
com o interesse de Helena por esse assunto, pergunta a sua sobrinha para que lhe serve
saber tal ciência. Ao que a moça responde, com naturalidade e exatidão: “Serve para co-
nhecer as flores dos meus bouquets, para não confundir jasmíneas com rubiáceas, nem
bromélias com umbelíferas”. Porém, mais à frente na história, em meio à perplexidade da
tia assustada com tantos nomes estranhos em “uma língua de gentios, avessa à gente cris-
tã”, Helena vai mostrar o uso estratégico que faz de seus conhecimentos e desconhecimen-
tos da fitologia, apoiada pela irmã Cecília que está convicta de que “a ciência é uma gran-
de coisa e não há remédio senão adorar a botânica”.
A intenção, como professora e pesquisadora, de prosseguir na reflexão sobre meto-
dologia do ensino de Ciências e o desejo de aproximar, de forma mais sistemática, textos
literários desse ensino, identificaram nessa peça de Machado de Assis uma interessante
oportunidade. Logo em uma primeira leitura, algumas colocações significativas sobre as
relações entre ciência e senso comum e entre a linguagem comum e a linguagem científica
podem ser destacadas da singela trama narrada, como por exemplo a imagem de um pes-
quisador isolado da realidade social, na figura do Barão sueco Sigismundo de Kernoberg; a
consideração de um completo desconhecimento das outras pessoas sobre assuntos da ciên-
cia; as dificuldades da linguagem científica, no caso, a da Botânica e a possibilidade de
ensinar e de aprender ciências.
E à medida que se vai relendo o texto da peça, com a atenção agora voltada para es-
se campo de idéias, procurando estabelecer relações e atribuir sentidos nessa linha de in-
vestigação, outros trechos da história se destacam, são mobilizados e evidenciam novas
questões para ampliar a discussão. Assim, considerando que a literatura pode fecundar nos-
so pensamento e que os projetos de pesquisa têm sempre, ainda que implicitamente, um
3
mote através do qual se conduzem as idéias sobre o que se quer tratar, pensamos em utili-
zar o texto da peça como referência para a lapidação do objeto de estudo e do percurso
metodológico desse trabalho.
Em estudo anterior (Salomão, 1998), desenvolvemos aproximações teóricas acerca
do espaço cultural da escola pública, visto em sua constituição pelos saberes da ciência e
da arte, produções humanas, históricas e sociais, e sobre o papel dos professores como me-
diadores nesse espaço. Como se fosse o fio de Ariadne conduzindo Teseu à saída do labi-
rinto, o texto da dissertação seguiu o fio da linguagem – linguagem das máscaras, do tea-
tro, linguagem literária e linguagem científica – como eixo para se pensar algumas ques-
tões sobre esse espaço de cultura em suas relações com o ensino de Ciências.
As reflexões então desenvolvidas inspiraram-se, por sua vez, na noção de espaço,
delineada por Michel de Certeau (1994) como lugar vivido e praticado através de movi-
mentos táticos, e na noção de condução da vida, apontada por Agnes Heller (1992) como
possibilidade de os indivíduos, através de iniciativas refletidas, emergirem de uma
cotidianidade alienante.
É na perspectiva de retomar a linguagem como fio condutor da pesquisa, agora co-
mo se fosse o fio do bordado de Penélope, que vai sendo retramado à procura de novos
sentidos, que a Lição de Machado de Assis se coloca como ponto de partida para esse tra-
balho, que tem como objetivos gerais investigar as aproximações entre linguagem científi-
ca e linguagem literária, suas relações com o ensino e a aprendizagem de ciência e o possí-
vel papel potencializador do texto literário na aprendizagem de conteúdos científicos no
Ensino Fundamental.
Se num primeiro momento, há o entusiasmo com a graça e a riqueza da peça ma-
chadiana, que se encaixa como a mão e a luva na proposta de utilizar textos literários em
aulas de ciências, e com as possibilidades de dissecá-la segundo nossos propósitos, existe
também o desafio de traçar e selecionar, em meio à gama de relações que se enunciam na
história, aquelas mais relevantes para o contexto de pesquisa. Há que se configurar um
campo teórico-metodológico para a investigação e traçar suas questões centrais, inserindo-
as no movimento das pesquisas em Educação em Ciências e dos Estudos da Linguagem.
Em seu ensaio sobre algumas funções da literatura, Umberto Eco (2003), de certa
maneira superando sua conhecida afirmação de que a literatura não deve servir para nada,
arrola uma série de importantes funções que ela assume para a vida individual e para a vida
social. Segundo o escritor, não sendo de forma alguma apenas um bem que se consuma
4
gratia sui, esse poder imaterial chamado literatura pode fazer muitas coisas, inclusive nos
educar para a liberdade e, também, para aceitar os desígnios da vida e a certeza da morte.
Como uma tentativa de acompanhar Umberto Eco nesse inventário, gostaríamos de
poder acrescentar às funções das produções literárias a possibilidade de enriquecer os pro-
cessos escolares de ensino e aprendizagem de conteúdos científicos. É essa a nossa hipóte-
se inicial de trabalho. Porém, reconhecemos que os textos literários, que propõem um dis-
curso com muitos planos de leitura e expõem a ambigüidade da linguagem e da vida, não
têm responsabilidades e nenhum compromisso com estratégias de ensino e com as exigên-
cias que um trabalho científico nos impõe. Assim, sem querer exigir que Machado de Assis
dê conta de tudo sozinho, procuraremos compreender as contradições e completar as lacu-
nas que surgirem durante a reflexão.
Conduzidos pela Lição de Botânica, podemos estabelecer dois eixos para a discus-
são que se quer empreender. Por um lado, a questão teórica de aproximação entre lingua-
gens científica e literária, como estratégia de ensino-aprendizagem de ciências, particular-
mente de Biologia/Botânica na 6a
série do Ensino Fundamental; e por outro lado, em um
sentido mais amplo e em termos mais gerais, as relações existentes entre linguagem e a-
prendizagem. Cada um desses eixos será melhor explorado no Capítulo 2 onde trataremos
do referencial teórico-metodológico da pesquisa, mas é brevemente esboçado a seguir, com
o intuito de configurar a problemática considerada e permitir explicitar as questões que
norteiam este trabalho.
1.2– Ciência e Literatura
Características e especificidades da linguagem científica, tomadas em confronto
com a linguagem cotidiana, têm sido abordadas, com bases teóricas distintas, por diversos
textos, entre eles Possenti (1997), Mortimer & Chagas & Alvarenga (1997) e Lopes (1999,
2000). Esses trabalhos, voltados em maior ou menor grau para implicações de ordem pe-
dagógica, abordam particularidades das diferentes linguagens, destacando, sobretudo, a
formalização e o caráter estruturado e de autoridade da linguagem científica.
Partindo da idéia de que a linguagem é condição transcendental e também limite
para qualquer tipo de conhecimento, Possenti (1997), baseando-se em Granger1
, destaca
1
GRANGER, Giles-Gaston. Filosofia do estilo. São Paulo: Perspectiva – Editora da Universidade de São
Paulo, 1974.
5
como importante característica da linguagem e do discurso científico uma forte estrutura-
ção, que se configura em uma progressiva eliminação do vivido, do vivido enquanto repre-
sentado na linguagem cotidiana não-científica. Tal estruturação buscaria diminuir o mais
intensamente possível a relação entre o enunciado e o sujeito que o produz e, ainda que a
subjetividade permaneça presente em todo o trabalho, o sistema de produção dos enuncia-
dos científicos não se remeteria a ela e se esforçaria para obter uma linguagem estruturada
livre das experiências, dos interesses pessoais e da ideologia. O autor assinala, assim, que o
critério de cientificidade de um enunciado não é, como se costuma pensar, a verdade da
proposição que ele veicula, mas seu sistema, suas condições e suas regras de produção.
Sobre a objetivação e precisão também atribuídas à linguagem científica, Possenti
observa, apoiando-se em Michel Pêcheux, que a linguagem das ciências exatas produz dis-
cursos logicamente estabilizados, que se propõem não sujeitos a interpretações variadas,
leituras particulares ou controvérsias e teriam ênfase no domínio da linguagem técnica,
condição para as comunicações eficientes entre os profissionais do grupo institucional e a
continuação das pesquisas. Possenti considera, então, que a propalada precisão da lingua-
gem das ciências da natureza, geralmente revestida pela linguagem matemática, é, mais do
que uma propriedade da linguagem e das palavras que comporta, o efeito de um trabalho
histórico de desideologização e, principalmente, de um aprendizado e treinamento peculia-
res dos cientistas.
Reforçando essas idéias, o caráter predominantemente estruturado da linguagem ci-
entífica, em contraposição à linguagem cotidiana, também é focalizado no trabalho de
Mortimer et al (1997), com bases, entre outros, em Halliday & Martin (1993). Em suas
análises e considerações teóricas, esses autores destacam o esforço da linguagem científica
para promover tanto uma espécie de congelamento dos acontecimentos e dos processos,
transformando-os em grupos nominais, ligados por verbos que exprimem relações, quanto
o apagamento dos sujeitos, empenhando-se em retirar de seus enunciados a perspectiva de
um narrador. A linguagem científica demandaria, então, uma atenção permanente em seu
uso, atribuindo uma maior densidade léxica, pela qual os termos usados carregam signifi-
cados interligados em uma estrutura conceitual pré-determinada.
Para lançar pontes entre a linguagem científica e a linguagem literária, Gaston Ba-
chelard (1996a) é, sem dúvida, um interessante referencial teórico e que, ao que parece,
não contradiz essas afirmações. No percurso de sistematizar o processo de desenvolvimen-
6
to do espírito científico moderno, Bachelard destaca a importância da linguagem como um
obstáculo epistemológico e como verdadeira armadilha para os pesquisadores.
Analisando livros científicos do século XVIII, ele observa o diálogo que os autores
estabeleciam com seus leitores e o grande vínculo de seus textos com a vida cotidiana. Já
os livros de ensino científico produzidos em sua época não querem saber de conversa, e
têm, efetivamente, uma outra linguagem, que se pretende mais objetiva e estruturada, atra-
vés da qual a ciência nos é apresentada ligada a uma teoria geral, e onde não há espaço
para as perguntas do leitor.
Mas se Bachelard é vigilante em relação à linguagem que vê como condição neces-
sária ao progresso do conhecimento científico, pois as metáforas seduzem a razão (p.97),
permite-se também, em vários outros estudos, considerar o valor de um outro saber, nasci-
do do imaginário e da força criadora do não-racional. E nesse caminho, que tomamos como
precioso argumento, reconhece a capacidade das imagens poéticas de liberar e movimentar
nossa atividade lingüística e de fertilizar o pensamento humano, despertando-o, rejuvenes-
cendo-o e restituindo-lhe a faculdade de se maravilhar (Bachelard, 1996b). Idéias que ve-
mos ligarem-se às do biólogo e historiador da Biologia Ernst Mayr (1998a), ao discutir os
métodos de pesquisa e afirmar que, em última instância, a imaginação é o pré-requisito
mais importante de todo progresso científico.
Tais questões carregam em si uma grande complexidade. Tradicionais incompatibi-
lidades e discretas afinidades entre a ciência e a literatura têm sido discutidas, também,
fora do âmbito educacional por pesquisadores das ciências humanas e das ciências natu-
rais. No contexto de tais considerações, Vierne (1994) analisa as relações renovadas e fe-
cundas que se esboçam entre alguns desses cientistas das diferentes áreas do conhecimen-
to, pautadas numa recuperação do diálogo entre ciência e imaginário.
Mas, segundo a autora, em confronto com tais iniciativas de aproximação, as rela-
ções entre literatura e ciências nem sempre foram simples; marcadas historicamente, têm
refletido um processo crescente de estranhamento, desde os tempos em que o poeta, sem
fronteiras nítidas entre o filósofo e o físico, se apropriava da ciência sem trair suas teorias,
e essas se deixavam transmitir sem complexos pela poesia. O próprio desenvolvimento da
ciência e de seus modos de falar, envoltos por áureas de verdade, vai promovendo seu afas-
tamento da literatura, estabelecendo novas relações, às vezes tempestuosas, às vezes peri-
gosas, até o divórcio [pois um desconfia demasiadamente do outro], mas onde os parceiros
não cessam de lançar-se olhares de desejo (Vierne, 1994, p.79).
7
Outro conjunto de argumentos preciosos que puxamos para essa problemática, por
oferecer aportes teóricos para a reflexão sobre as diferentes linguagens e seus embates na
vida social concreta, são as idéias desenvolvidas pelo círculo de pensadores liderados por
Mikhail Bakhtin. As noções por eles discutidas acerca das palavras como signos e como
arena, da polifonia, das distintas linguagens sociais e gêneros de fala, dos híbridos discur-
sivos, dos discursos de autoridade e internamente persuasivos, das palavras alheias e pró-
prias e as interessantes categorias de exotopia e de excedente de visão são idéias fortes que
podem movimentar as análises de dados de linguagem. E se já têm sido empregadas em
diversas pesquisas sobre as aventuras das interações discursivas em aulas de ciências, po-
dem também vir a iluminar a discussão sobre a inserção de textos literários nessas aulas.
Essas referências serão discutidas mais à frente.
Consideramos, por fim, estudos como os de Ricon & Almeida (1991), Zanetic
(1997 e 1998), Silva (1998), Silva & Almeida (1998), Souza (2000), Lajolo (2001), Morei-
ra (2002), Salomão (2000, 2005), Salomão & Souza (2001, 2003) e Salomão et al. (2003)
que, com enfoques teóricos diferenciados, vêm discutindo as relações entre linguagem,
discurso, literatura e ciência e vêm analisando as condições práticas de aproximação ao
ensino de Ciências de textos variados, inclusive literários. Enfraquecendo barreiras disci-
plinares, esses autores procuram aproximações entre as produções da literatura e o conhe-
cimento científico, tomando como importante argumento de análise a dimensão cultural, e
têm ponderado sobre as implicações positivas da historicidade e da polissemia, próprias
dos textos literários, para o enriquecimento do processo de ensino-aprendizagem de temas
científicos e sobre a contribuição das aulas de ciências para o desenvolvimento de práticas
de leitura nas escolas.
1.3 – Linguagem e Aprendizagem
Em paralelo à discussão das relações entre linguagens literária e científica, a pes-
quisa educacional aborda também o tema da aprendizagem. Um número expressivo de
pesquisas em Educação em Ciências tem, sob a ótica da psicologia sócio-cultural e com
focos de atenção variados, estudado questões relativas ao funcionamento da linguagem nas
situações de ensino-aprendizagem e discutido a dinâmica das interações discursivas em
aulas de ciências.
Tais estudos, entre os quais mencionamos Mortimer & Machado (1997), Machado
(1999), Wertsch & Smolka (1999), Machado & Colinvaux (2000), Machado (2000), Gui-
marães (2000), Dumrauf & Cordero & Colinvaux (2001) e Mortimer & Scott (2002), vêm
8
dedicando significativos esforços a evidenciar o papel central da linguagem nos processos
escolares de ensino-aprendizagem e têm conseguido levantar interessantes questões e for-
mular um conjunto de dimensões e categorias que possibilitam as análises e a compreensão
acerca dos embates da linguagem cotidiana com a linguagem científica, em sua manifesta-
ção nesse contexto específico.
Mas, se já são abundantes os resultados empíricos sobre essa temática, várias ques-
tões permanecem, todavia, em aberto, estimulando a discussão, a articulação entre idéias e
a busca por refinamentos teóricos. Podemos, então, apontar questões que, em nosso enten-
der, merecem atenção e que, por estarem intimamente vinculadas ao eixo anterior, podem
contribuir para o entendimento das relações entre linguagem científica e linguagem literá-
ria e da pertinência de sua aproximação.
No tocante ao eixo da aprendizagem, o ponto de partida é a visão de que aprendiza-
gem é um processo que envolve a produção/criação de novas significações e ocorre, por
caminhos diversos, tanto em sala de aula como em outros contextos sociais. Nesta perspec-
tiva, o fenômeno da aprendizagem está estreitamente associado a processos de compreen-
são do mundo material e simbólico. O movimento construtivista de educação em ciências
(MCA/Movimento das Concepções Alternativas em Ciências) tem sido fundamental para
delinear esta visão de aprendizagem e, mais recentemente, os trabalhos sustentando esta
perspectiva teórica costumam buscar referências nos estudos de Edwards & Mercer (1987),
Lemke (1990) e Wertsch (1991) e incluir noções e categorias desenvolvidas por Bakhtin e
seu Círculo, como assinalamos anteriormente.
Assim pressupondo, formulamos algumas questões para a pesquisa, a fim de enca-
minharem a reflexão e as articulações teóricas e orientarem o desenvolvimento e as análi-
ses do trabalho empírico, pois como nos lembra Moisés (2001, p.9) – um dos autores em
que procuramos referências a Machado de Assis: “com toda a evidência, a questão nos
parecerá ociosa se não a crivarmos de interrogações”.
O estudo que desenvolveremos sobre o uso do texto literário em sala de aula de Ci-
ências baseia-se nos pressupostos de que a aprendizagem é um processo de significação, no
qual a linguagem tem um papel central, e as linguagens científica e literária têm especifici-
dades e guardam possibilidades de aproximação. Assim sendo, as questões de estudo po-
dem ser formuladas como segue.
9
• quais são as especificidades da linguagem literária e da linguagem científica?
• como essas características podem se manifestar e ser percebidas em sala de aula
de ciências?
• quais são as implicações práticas da aproximação entre a linguagem científica e
a linguagem literária para o ensino e a aprendizagem de ciências?
• quais são os impactos do uso do texto literário para a formação e o trabalho dos
professores na escola?
• quais as implicações teóricas da produção e do uso da linguagem, em suas espe-
cificidades, na sala de aula?
Essas são as questões para a investigação, que procuraremos atender ao longo do
desenvolvimento do trabalho. A complexidade da realidade da sala de aula e das manifes-
tações de linguagem que a constituem, em confronto com as exigências epistemológicas
próprias de um trabalho de pesquisa, nos cobrará empenho, calma e atenção. Pois como
nos lembra o Barão de Kernoberg, referindo-se à Botânica, “a ciência não se colhe de afo-
gadilho; é preciso penetrá-la com segurança e cautela”.
10
11
2 – DO RISCO DE SER DEVORADO
“Que multidão de dependências na vida, leitor!
Umas coisas nascem de outras, enroscam-se,
Desatam-se, confundem-se, e perdem-se,
E o tempo vai andando sem se perder a si.”
Machado de Assis (Esaú e Jacó)
2.1- Na atmosfera da peça
Segundo Pablo e Ranoi, alunos de uma das turmas de 6a
série com as quais foi de-
senvolvido o trabalho empírico com a Lição de Botânica, a peça “é a historia de um barão
e seu sobrinho Henrique. Dona Leonor e suas duas sobrinhas Cecília e Helena. Henrique
se apaixonou por Cecília e queria se casar com ela, mas o Barão não queria que Henrique
se casasse com Cecília porque queria que ele fosse botânico e a botânica exige muito dele
e ele não podia se casar. Então foi falar com dona Leonor para não permitir o encontro
dos dois e esqueceu seu livro de botânica sueco. Cecília implorou para Helena ajudá-la a
se casar com Henrique. Helena encontrou o livro do barão e teve uma idéia, o Barão vol-
tou para pegar seu livro e Helena comentou que gostava de botânica e o Barão se encan-
tou com a sabedoria de Helena e se ofereceu para ser seu professor e ele foi se apaixo-
nando por ela e pediu sua mão em casamento Helena pediu três meses para pensar e libe-
rou Henrique para casar com Cecília.”.
Esse resumo, redigido pelos dois alunos após assistirem à apresentação da peça, as-
sinala bem os elementos essenciais da trama. Nada escapou aos meninos: os personagens e
seu parentesco; a paixão entre os jovens vizinhos; a proibição do casamento, vista a voca-
ção para a Botânica e sua pressuposta incompatibilidade com o matrimônio; a visita para
impedir o namoro; o livro esquecido; o desespero da jovem apaixonada; a idéia a partir do
livro encontrado; o interesse pelo estudo; a sedução do mestre e os pedidos de casamento.
Não faríamos melhor.
A síntese da história é realmente essa. Uma história simples de romance proibido,
tecida em meio a assuntos de ciências costurados com fina ironia pelo escritor. “A ciência
do amor e o amor à ciência”, conforme anuncia seu apresentador. E como o texto apresen-
12
ta diversas referências diretas a conceitos e conteúdos de Botânica, que estão ali prêt-a-
porter, as aulas de ciências poderiam seguir explorando essas pistas.
“As gramíneas têm ou não tem perianto?... Perianto compõe-se de duas palavras
gregas: peri, em volta, e anthos, flor... Posso compará-la à violeta, Viola odorata de Li-
neu, que é formosa e recatada... Estudaremos uma por uma todas as famílias: as orquí-
deas, as jasmíneas, as rubiáceas, as oleáceas, as narcisas, as umbelíferas... .”
Como nos apontou Umberto Eco (2003), os textos literários, pelos diferentes planos
de leitura que permitem, podem nos valer para muitas coisas. Nesse sentido, tentando a-
proveitar mais amplamente o texto da peça, localizando outros pontos interessantes que ele
oferece para as aulas e, sobretudo, para a reflexão pelos professores de ciências, outros fios
colocados por Machado de Assis nas artimanhas de Helena junto ao Barão poderiam ser
puxados.
“Que tenho eu com a ciência?... Botânico e sueco, duas razões para ser grave-
mente aborrecido... Acabo de receber esse livro da Europa; é obra que vai fazer revolu-
ção na ciência... Sou o Barão de Kernoberg, seu vizinho, botânico de vocação, profissão
e tradição, membro da Academia de Estocolmo, e comissionado pelo governo da Suécia
para estudar a flora da América do Sul... Henrique está começando a estudar botânica
comigo. Tem talento, há de vir a ser um luminar da ciência. Se o casamos está perdido...”
As falas acima, entre outras, são exemplos de diálogos da peça que despertam nossa
atenção para o confronto entre a época em que foi escrita e os dias atuais em que é lida,
suscitando algumas perguntas que apontam para continuidades e rupturas: qual é a posição
dessa peça no conjunto da obra de Machado de Assis e da literatura realista brasileira na
passagem ao século XX? Como era o contexto sócio-histórico e de produção científica do
Brasil nessa época e quais as suas representações sobre o conhecimento, a ciência e os ci-
entistas? A quantas andava o processo de inserção da ciência e das idéias científicas na
cultura brasileira? Estudava-se ciências nas escolas? Quais as especificidades da Biologia
entre as ciências naturais e as da Botânica entre as Ciências Biológicas?
“Vocês me fazem perder o juízo! Aqui andam bruxas decerto. Perianto de um lado,
bromélias de outro; uma língua de gentios, avessa à gente cristã. Que quer dizer tudo is-
13
so... Eu não passo de aparências, minha senhora, aparências de homem, de linguagem e
até de ciência...”
O espanto de Dona Leonor e a confissão do Barão nos sugerem perguntar: quais di-
ferentes vozes sociais se enunciam no texto da peça? Quais as características da linguagem
científica? Aprender ciência envolve aprender a falar cientificamente? Quais os diferentes
gêneros de discurso e linguagens sociais que se manifestam em aulas de ciências?
Esse rol de perguntas contém articulações possíveis a partir da peça, nesse jogo de
buscar relações e atribuir sentidos. Não procuraremos responder a todas elas, e algumas,
por se mostrarem mais promissoras à reflexão, serão priorizadas à medida que se avançar
pelos dois eixos estabelecidos na problemática – literatura e ciência e linguagem e aprendi-
zagem – visando responder às questões formuladas para a pesquisa.
Essas indagações, eixos e questões se constituem ou se remetem a diversos traba-
lhos de pesquisa em Educação em Ciências e a estudos sobre linguagem e aprendizagem, a
respeito dos quais estamos em processo de conhecer, aproximar e confrontar. Assim, am-
pliando as considerações já citadas na descrição da problemática desse trabalho, apresen-
tamos a seguir, o referencial teórico no qual nos apoiamos.
2.1.1 – A peça e seu autor
Consideramos relevante procurar conhecer um pouco sobre o escritor ou o poeta de
quem emprestaremos um texto para trabalho em sala de aula. Tanto para ampliar as opor-
tunidades de conhecimento literário dos próprios professores de ciências, e suas chances de
maior diálogo com os professores de Língua Portuguesa, como para poder melhor apreciar
esse texto frente aos condicionamentos de sua época e poder contextualizar e indicar para
os alunos alguns significados da obra e de seu autor. Ah! O texto literário sempre tem um
autor!
Segundo o que foi colocado por alguns trabalhos já citados, uma das tendências da
linguagem científica seria um esforço em diminuir, nos enunciados que produz, as marcas
do sujeito que os falam ou escrevem, como se os textos científicos quisessem despistar o
leitor, impondo-se pelo distanciamento, fazendo-o esquecer de que foram escritos por al-
guém em algum determinado momento. Nos textos científicos, se vemos bem destacadas
as condições de produções do conhecimento, já não podemos enxergar tão bem o autor.
Nesse sentido, os textos literários se diferenciam pois geralmente podem ser apreciados em
14
função de propriedades e marcas de estilo próprias de cada escritor que, em diferentes me-
didas, sempre se manifestam e se revelam em seus escritos.
Com o intuito de sistematizar referências a respeito de Joaquim Maria Machado de
Assis, recorremos a alguns textos sobre a vida e a obra do escritor. O mestre ou bruxo, co-
mo alguns o chamam. Sabemos que Machado de Assis, já desde os últimos anos de sua
vida, é reconhecido e reverenciado como expressão maior de nossa literatura. Mas, ao que
nos parece, a apreciação crítica de sua extensa obra e do alcance de seu olhar, longe de
estar esgotada ou de ter deixado de despertar interesses, é objeto de consideráveis polêmi-
cas e ainda instiga muitos pesquisadores.
Em “O viajante imóvel – Machado de Assis e o Rio de Janeiro de seu tempo”, Tri-
go (2001), como um fotógrafo urbano ou geógrafo disfarçado, segue o escritor para, atra-
vés de extratos de crônicas, contos, poemas e romances, descrever lugares, imagens e emo-
ções e tentar entender a cidade do Rio de Janeiro na época do Segundo Reinado.
Em “Machado de Assis, Historiador”, Chalhoub (2003) com interesse de historia-
dor que já pesquisara a escravidão e as epidemias no Rio imperial, encontrando nos ro-
mances machadianos uma fonte de consulta rica e prazerosa, assume a empreitada de de-
monstrar com novos nuances a hipótese, que ele nos alerta já ser bem investigada, de que
ao contar suas histórias, Machado de Assis escreveu e reescreveu a história do Brasil no
século XIX.
Alfredo Bossi (2000) em Machado de Assis – O enigma do olhar” retoma a distin-
ção que gosta de traçar entre os atos de ver e olhar, explorando a visão móvel construída
pelo escritor e a originalidade de seu foco narrativo. São textos de pesquisas recentes que
nos reafirmam a importância de Machado de Assis para a cultura brasileira e atestam que
sua vida e seus escritos ainda dão muito o que falar.
Mas não cuidemos de biografias. Contornaremos, então, a tarefa de apresentar da-
dos sobre a vida de Machado de Assis, destacando, apenas, que nas fontes consultadas2
,
entre tantas disponíveis, encontramos o mesmo entusiasmo para com o mestre e encanto
para com o bruxo, autor de nossa Lição. Mas não deixa de ser instigante a história do me-
nino pobre, nascido no Morro do Livramento em 1839, neto de escravos alforriados, torna-
do órfão muito cedo, vendedor de doces para garantir seu sustento e que, ao que parece,
muito pouco freqüentou a escola.
2
Buscamos dados biográficos e da produção literária de Machado de Assis em: MOISÉS, M. Machado de
Assis: Ficção e utopia. São Paulo: Cultrix, 2001; BAGNO, M. (Org.) Machado de Assis para principiantes.
São Paulo: Ática, 1998; LAJOLO, M. Machado de Assis. (Literatura Comentada). São Paulo: Abril Educa-
ção, 1980; WERNECK, M. H. O Homem Encadernado. Ed. UERJ, 1996.
15
Uma dimensão da obra de Machado de Assis que também podemos considerar, vis-
to que tomamos como motor da pesquisa um texto para teatro, é a discussão proposta por
Loyola (1997) acerca do teatro produzido por Machado de Assis. Travando polêmica com
críticas anteriores, encabeçadas já por Quintino Bocaiúva, que o cristalizaram como pouco
teatral, com baixo potencial para ser encenado, comédias mais para serem lidas do que
representadas, a autora procura mostrar, em meio à ironia e comicidade das tramas, a sin-
gularidade e a modernidade de sua dramaturgia, buscando compreendê-la à luz do conjunto
da obra do autor.
Na argumentação da pesquisadora, a Lição de Botânica, última peça escrita por
Machado, serve como importante ponto de análise no percurso de demonstrar o alcance
cênico do teatro machadiano, observando que suas comédias promovem o encontro e a
problematização de duas esferas convencionais: as convenções sociais (formalidades, pro-
tocolos, excessos de mesuras, justificativas) e as convenções teatrais da época (sucessão de
acontecimentos conflituosos, provocando grandes quedas, desencontros, lágrimas, traves-
timentos ou efeitos de ridículo). O que se tem no palco, embalada por fina ironia, é a que-
bra dessas convenções. “A ironia derradeira de Machado de Assis em Lição de Botânica
coincide com a última frase da peça; ao desfecho súbito dado por Helena diante de uma
espécie de afasia do barão e do espanto de D. Leonor (após o pedido de casamento), a
personagem encerra o assunto: ‘Não se admire tanto, titia; tudo isso é botânica aplicada.’
” (Loyola, 1997, p.71).
Buscando referências em um estudo desenvolvido anteriormente (Salomão, 1998),
voltado ao espaço cultural da escola pública, podemos continuar essa história e contextua-
lizar a obra teatral de Machado de Assis, um apaixonado pelo teatro, com a análise de Faria
(1993) sobre as motivações ideológicas dos escritores brasileiros, que se dedicaram à dra-
maturgia em meados do século XIX, fortemente influenciados pelo realismo francês.
Ele afirma que “encarar o teatro como uma arte regeneradora da sociedade tor-
nou-se uma atitude comum a toda uma geração dos jovens intelectuais que se agruparam
em torno do Ginásio para apoiar a reforma realista” (p.144). “Ginásio” aqui é o Ginásio
Dramático, pequeno teatro inaugurado no Rio de Janeiro em 1855. Por seu repertório e
pela estética das encenações, tornou-se reduto realista, em declarada oposição ao Teatro
São Pedro de Alcântara, maior e principal casa de espetáculos da corte, onde ainda reinava
absoluto o famoso empresário e ator romântico João Caetano. “Ginásio” em tributo ao
Théâtre Gymnase Dramatique , de Paris, que a partir de 1852 iniciara a renovação realista,
apresentando as novas comédias, dramas de casaca, acompanhadas por significativas modi-
16
ficações na mise em scène. Boa parte desses textos dramáticos foi traduzida e representada
no Brasil com pouco tempo de atraso em relação à França.
Faria nos apresenta um panorama do trabalho desses jovens autores já expoentes da
intelectualidade brasileira da época, e através de suas obras e de suas opiniões veiculadas
pela imprensa da época discute o papel que atribuíam ao teatro nacional. Para Quintino
Bocaiúva, o teatro era um meio de propaganda bastante eficaz. Impressionado com as pri-
meiras peças francesas apresentadas no ginásio, representando o retrato de uma sociedade
civilizada, moralizada e regida por uma ética burguesa impecável, o intelectual considera-
va que esse tipo de dramaturgia exerceria uma influência benéfica no espírito dos brasilei-
ros.
José de Alencar, que viria a se tornar nosso maior dramaturgo realista, também ti-
nha idéias muito claras a respeito do teatro que desejava para o Brasil. Impulsionado pelo
entusiasmo com a reforma realista, chega a interromper a carreira de romancista para arris-
car-se no território da “alta comédia”, ainda não explorado pelos autores brasileiros. Escre-
ve, à maneira de Dumas Filho, a peça O Demônio familiar, dedicada à imperatriz Teresa
Cristina e encenada no Ginásio em 1857. Na história do teatro brasileiro, esta peça se cons-
titui em um divisor de águas, marcando a ruptura com o romantismo e o início da discus-
são nos palcos, sob a ótica burguesa, dos problemas sociais da época, aspirando à regene-
ração de nossa sociedade.
Acompanhando esse movimento, também Machado de Assis, nas palavras de Faria,
vai definir o teatro como “verdadeiro meio de civilizar a sociedade e os povos. Essa foi
uma idéia jamais abandonada por ele, que criticava duramente o gosto do público pelo
“gênero artisticamente inferior” das farsas “ movidas a pancadaria”. Machado “queria um
teatro que não fosse mero passatempo das massas, mas um instrumento de civilização e
moralização dos costumes, pois acreditava na função educativa da arte, que devia ‘cami-
nhar na vanguarda do povo como uma preceptora’” (Faria, 1993, p.152).
E para educar o público era necessário um repertório de peças nacionais que retra-
tasse os costumes da vida social para poder moralizá-los. “Favorável ao teatro utilitário,
ao palco transformado em espaço para debate de questões sociais, Machado recheou seu
texto com referências ao teatro como ‘canal de iniciação’, um meio de educação pública,
aproximando-o da imprensa e da tribuna. Porém mais insinuante e eficaz do que a palavra
escrita ou falada, a palavra dramatizada é que tinha melhores condições de inocular nas
veias do povo ‘o sangue da civilização’”.
17
Ao que parece, será mesmo a cor desse sangue que vai tingir as relações entre a li-
teratura e a ciência no Brasil que se encaminha ao século XX.
2.1.2 – O autor da peça, outros autores e a ciência do Brasil
Num tempo em que, no Brasil, a formação de cientistas e a produção de pesquisa
científica ainda lutavam com precários recursos, já se produziam, socialmente, representa-
ções sobre a ciência e suas façanhas. Circulando nos salões e nas praças públicas daquela
época, por meio da literatura e demais produções culturais, essas representações podem,
hoje, nos ajudar a compreender o processo de inserção da ciência e de suas idéias na cultu-
ra brasileira. O trabalho de doutorado de Pinto Neto (2001), através de análises da produ-
ção literária brasileira do final do século XIX e das primeiras décadas do século XX, pro-
cura entender o processo de produção dessas representações e a formação de um imaginá-
rio científico e seus significados sociais. Mais uma vez, lembramos Umberto Eco: a litera-
tura pode servir para muitas coisas.
A pesquisa destaca um conjunto de romances da época, nos quais a ciência se mani-
festa diretamente, através de três caminhos: pelas imagens literárias que expunham
elementos da ciência daquele momento; pelo uso explícito de explicações e teorias
científicas em seus textos e, ainda, pelas inúmeras definições que se apresentavam para o
papel da ciência na sociedade. Manifestações indiretas à ciência também ocorrem nesses
textos, quando teorias científicas são usadas para definir e explicar as ações e o destino
final de algumas personagens. Quanta ciência!
Ao longo do século XIX, os homens puderam vislumbrar um futuro no qual a ciên-
cia e seus produtos passariam a compor a vida cotidiana. Segundo Pinto Neto (2001),
transformavam-se intensamente as relações entre esse homem e a natureza e dele com a
própria sociedade. Começam a ser inseridos nas produções culturais os novos modos de
viver fundados nas contribuições da ciência e nos ícones e conceitos que marcam esses
novos tempos: velocidade, racionalidade, conforto e produtividade. Configuram-se novos
objetos do desejo. Segundo Sevcenko, citado pelo autor, foram três os grandes saltos dados
pelas ciências naturais nessa época, marcando a verdadeira revolução social que se proces-
sava: a teoria darwinista, os avanços na microbiologia permitindo a Revolução Sanitária e
as pesquisas aplicadas de Química e Física que permitiriam a Revolução Tecnológica.
Nesse período, sobretudo na Europa e na América do Norte, intensificam-se os me-
canismos de divulgação das conquistas científicas e tecnológicas para toda a sociedade.
Pinto Neto (2001) destaca, entre eles, as grandes Exposições Mundiais que, com caráter
18
educativo e concebidas como grandes vitrines, propiciavam às elites e aos homens comuns
o contato direto com as novas produções científicas. A magnitude da ciência também podia
ser exibida através dos grandes monumentos arquitetônicos que marcavam essas exposi-
ções e que possuíam um grande valor simbólico. Pois, enquanto aos olhos saltavam os a-
vanços as técnicas de engenharia, no imaginário dos indivíduos, inseria-se a possibilidade
de uma vida nova, propiciada pelo progresso científico e tecnológico.
No século XX, esse processo de produção de representações sobre a vida moderna
se dinamizou através do desenvolvimento dos veículos de comunicação, com destaque para
os livros e jornais. O autor analisa que, curiosamente, a circulação desses impressos permi-
tia que as representações sobre as novas conquistas chegassem a lugares onde os próprios
objetos e seu uso não conseguiam chegar. Nas páginas dos livros, dois tipos de literatura se
constituem nesse momento. Uma “literatura de antecipação”, da qual Júlio Verne será o
grande expoente, que divulga o progresso científico e dele se nutre para projetar o futuro,
recheando de inovações e aventuras a vida cotidiana de seu mundo de ficção. O outro tipo
de literatura que se manifesta, e que será a expressão do positivismo que idolatra a ciência,
é o “romance experimental”, que se alicerçava com base nos princípios das ciências natu-
rais, sobretudo a fisiologia de Claude Bernard, e que tem em Emile Zola seu principal ar-
quiteto. Momento delicado da relação entre ciência e literatura, pois, como assinala Pinto
Neto, “esta nova ‘fórmula’ para a produção literária pretende afastá-la justamente do que
lhe é mais peculiar, a sua relação com o universo simbólico” (p.29).
Simone Vierne (1994), também citada pelo autor, caracteriza como “efeito Júlio
Verne” o interessante recurso literário empregado pelo próprio escritor, que consistia em
citar em seus romances imensas listas de termos ou objetos científicos. Dois efeitos podem
ser observados a partir dessa estratégia: um papel didático, despertando o interesse e até a
paixão do leitor pelos assuntos científicos e, o mais intrigante, fazer-nos emergir da ciên-
cia, fugir de suas garras racionais para os braços do imaginário, por meio de uma maciça
referência à própria ciência. Questão interessante que guarda aproximações com os estudos
de Bachelard sobre as imagens poéticas e que nos apresenta mais um elemento para essa
discussão sobre o uso do texto literário no ensino de Ciências.
Na Europa em meados do século XIX, ao mesmo tempo em que se consolidavam
os métodos e as conquistas científicas, constituía-se uma literatura que trazia a cientifici-
dade como marca pungente. Pinto Neto (2001) chama a nossa atenção para o fato de que,
nessa simultaneidade, uma fazia a propaganda da outra. E atravessando os mares, essa lite-
ratura chega ao Brasil, um país monárquico ainda fortemente agrícola e com mão de obra
19
escrava. Sua chegada coincide com o interesse crescente pelos debates sobre doutrinas com
ares de ciência, com as primeiras publicações de ficção científica e com iniciativas de for-
mar instituições de pesquisas nos moldes europeus. Os assuntos da ciência entram na mo-
da, através da literatura, em meio às discussões acerca do desenvolvimento da nação, en-
quanto alguns de seus produtos e benefícios vão aos poucos se fazendo presentes nas prin-
cipais cidades.
Nesse percurso, muitos intelectuais brasileiros, inspirados pelos escritos franceses,
se convertem em dedicados mosqueteiros em prol de nossa modernização, voltando seus
interesses e suas letras para o longo combate que se inicia. Isso reafirma o que comenta-
mos, anteriormente, acerca dos primeiros autores realistas brasileiros verem o teatro como
inoculador (reparemos o termo de cunho científico) do sangue da civilização. Algum tem-
po se passa e surge o romance naturalista brasileiro, que nos anos seguintes produzirá mui-
tos frutos, tendo como modelo sempre as novidades francesas. Tais escritores acreditavam
que ao difundir idéias e saberes do mundo civilizado contribuíam para construir nossa pró-
pria urbanidade e civilização.
Assim, a literatura assume os papéis de veículo de idéias e saberes científicos e de
produtora de contextos onde é representada uma vida social para a qual a ciência é condi-
ção de modernidade e progresso. O autor nos lembra, ainda, que somando-se a esse movi-
mento, ocorre a adesão de muitos de nossos escritores a doutrinas filosóficas de cunho ci-
entificista, das quais é um exemplo o positivismo que, ao final daquele século, contava
com grande aceitação no Brasil.
Se tomarmos como uma convenção social a valorização da ciência e a distinção dos
indivíduos que a praticavam, expressão das representações sociais burguesas que se consti-
tuíam naquela época, podemos retornar à tese de Loyola (1997) sobre a originalidade do
teatro de Machado de Assis e considerar que, com a nossa Lição, o autor desafia mais uma
convenção. Não vemos nas mulheres da história nenhum deslumbramento para com os
assuntos científicos. “Que tenho eu com a ciência!”, dizia Dona Leonor. E os exageros do
Barão na dedicação ao estudo de sua amada ciência são cuidadosamente trabalhados pelo
texto, provocando o efeito cômico da elegante comédia. Podemos, assim, entender a peça,
junto a outros de seus textos que colocam a ciência na berlinda – entre os quais o conto O
Alienista é exemplo modular, como uma evidência da ironia refinada e do ceticismo tenaz
que nos são apresentados como marcas da obra do escritor. O texto de Machado de Assis,
para usar uma expressão de Possenti (1997), não é um discurso daqueles que babam
ingenuamente pela ciência.
20
A Lição de Botânica foi escrita em 1906. Machado de Assis vem a falecer em
1908, ano em que ainda publica Memorial de Aires, iniciado em 1907. Os últimos anos de
sua vida foram marcadamente sofridos com a amargura pela perda da esposa Carolina, em
1904, com quem vivera 35 anos. Datas são números. Datas são pontas de icebergs. Com
essa metáfora, Bosi (in Novaes, 1996, p.19) nos lembra que a memória das sociedades pre-
cisa repousar em sinais inequívocos, sempre iguais a si mesmos e, nisso os números são
muito bons.
Para ele, datas são pontos de luz sem os quais a escuridão, provocada pelo acúmulo
de eventos através dos séculos, impediria a visão dos vultos das personagens e o desenho
de seu movimento. E a força e a resistência dessas combinações de algarismos viria da
relação inextrincável entre o acontecimento, que elas fixam com a sua simplicidade arit-
mética, e a polifonia do tempo social, do tempo cultural, do tempo corporal, que pulsa sob
a linha de superfície dos eventos (p.19).
Assim, podemos articular, ainda que de forma breve, alguns icebergs. A passagem
do século XIX ao século XX na história do Brasil se coloca como um período fértil quando
se quer focalizar o desenvolvimento de nosso universo científico. Só para citar grandes
pontas: em 1893, é criado em São Paulo o Instituto Bacteriológico, onde Adolfo Lutz tra-
balha na modernização dos laboratórios. Na fazenda paulista do Butantã, em 1899, Vital
Brasil inicia a fabricação de soro antipeçonha e funda-se o Instituto Butantã em 1901. Em
1900 no Rio de Janeiro, é criado o Instituto Soroterápico Municipal, passando a Instituto
Federal em 1901 e a Instituto de Medicina Experimental de Manguinhos em 1907, cujos
trabalhos representaram o Brasil na Exposição de Berlim daquele ano, e a personagem cen-
tral é Oswaldo Cruz. Em 1909 são divulgadas as descobertas de Carlos Chagas sobre a
tripanossomíase humana (Martins, 1994).
Muitos pesquisadores trabalharam nesse desenvolvimento científico e muitos outras
datas e outros nomes poderiam ser destacados. Lidar com a Lição, um texto escrito nessa
mesma época, suscita o desejo de olhar essa história procurando, sobretudo, compreender o
conturbado cenário sócio-cultural de final de século em que ela se faz. E ainda aí Machado
de Assis nos provoca: “Quanto ao século, os médicos que estavam presentes ao parto re-
conhecem que este é difícil, crendo uns que o que agora aparece é a cabeça do XX, outros
que são os pés do XIX. Eu sou pela cabeça, como sabe” (citado por Faraco in Bagno, 1998,
161).
Atribuir sentidos a um emaranhado de datas que sinalizam acontecimentos signifi-
cativos, simultâneos, e muitas vezes contraditórios e conflituosos, entre os quais o episódio
21
da “Revolta da Vacina”, em 1904, é exemplar, pode contribuir para suprir lacunas concre-
tas de nossa formação docente, no tocante à história das ciências, e nos fazer concordar
com Bosi (1996), quando afirma que “a memória carece de nomes e de números e que o
ato de narrar paga tributo ao deus Chronos”.
2.1.3 – A ciência da peça
A adoção de uma nomenclatura específica para a Botânica pode ser considerada, na
história das ciências naturais, como um marco importante no processo de separação entre o
modo popular e o erudito de se ver o mundo. Na Europa, segundo Thomas (1989), a sepa-
ração entre a terminologia popular e a erudita para identificação e descrição de plantas e
animais já era antiga e vai se intensificar no século XVIII, à medida que os cientistas pas-
saram a escrever manuais padronizados, em latim, para um público internacional.
Os nomes populares e “pitorescos” das plantas e dos animais baseavam-se em
conotações religiosas, semelhanças com partes do corpo humano ou de animais,
propriedades medicinais e várias outras referências. A grande variedade de nomes para
uma mesma planta ou animal, variando em cada região, era fortemente lamentada pelos
naturalistas, que viviam a compilar dicionários de Botânica; por muitos cultivadores, que
tinham seus negócios complicados visto as confusões e as fraudes; pelos protestantes, na
refutação às referências à Virgem e aos santos e ainda por sensibilidades refinadas que se
feriam com a excessiva “grosseria” dos nomes vernáculos, ligados aos aspectos corporais.
O sistema de nomenclatura proposto por Lineu em 1735, e amplamente adotado en-
tre os botânicos, eliminava os nomes vulgares, tidos como um obstáculo à ciência, e esta-
belecia para todas as plantas o uso de dois nomes latinos, indicando gênero e espécie. Es-
ses nomes não podiam ser baseados em características consideradas subjetivas, como o
cheiro, o gosto ou as propriedades medicinais.
O protesto enunciado por um inglês contemporâneo a Lineu, com relação à substi-
tuição dos nomes das plantas – “classificá-las botanicamente... de modo que ninguém a
não ser um botânico possa encontrá-las, se assemelha a escrever em hebraico uma gramá-
tica inglesa. Explica-se a coisa, tornando-a ininteligível” (Thomas, 1989, p.103) – já pres-
sentia a progressiva especialização da linguagem científica e seu futuro isolamento num
domínio exclusivo aos estudiosos. Podemos lembrar aqui uma recorrência assinalada por
Machado de Assis, quando expressa o estranhamento do homem comum para com os no-
mes científicos, na voz de Dona Leonor, indignada com tantos nomes estranhos.
22
Em Thomas, encontramos exemplos que mostram que a exigência de novos termos
refletia-se também na descrição dos animais e evidenciam o complexo processo histórico
de racionalização científica moderna, permeado pela linguagem.: “O pai de sir William
Petty observava que um açougueiro rural podia ser um excelente anatomista, mas empre-
gava uma linguagem diferente, chamando um tendão de ‘fivela’, uma membrana de ‘vil-
me’ e uma artéria de ‘tubo’. Ou ainda: “‘Oh, cavalheiro’, dizia um cavalariço do século
XVIII, depois de se provar incapaz de responder a uma longa série de perguntas que lhe
dirigira um fidalgo sobre o animal aos seus cuidados, ‘considerando que vivi treze anos
em um estábulo, é incrível como eu sei pouco de um cavalo’ ” (Thomas, 1989, p. 96; 102).
Esse, entre outros exemplos são colocados pelo autor para mostrar como a sabedoria popu-
lar passa a ser deliberadamente desprezada pelos pesquisadores cultos da Europa, na parte
final do século XVIII.
A introdução da nova terminologia latina, eliminando os nomes vernáculos que as
pessoas usavam para identificar as plantas e os animais, alargaria, pela linguagem, o dis-
tanciamento que se instalava entre os modos popular e erudito de ver e falar o mundo. “Os
nomes populares eram um obstáculo à ciência e aqueles que desejassem permanecer igno-
rantes da linguagem latina, dizia John Berkenhout em 1789, nada tinham a ver com o es-
tudo da botânica.” (Thomas, 1989, p. 103).3
Se considerarmos o esforço por uma estruturação como característica marcante da
linguagem científica, que busca progressivamente a eliminação do vivido enquanto repre-
sentado na linguagem (Possenti, 1997), podemos avaliar a importância desse tema na histó-
ria do desenvolvimento das ciências biológicas. O conhecimento sobre as plantas é um dos
mais antigos produzidos pela humanidade, que dele sempre dependeu para a obtenção de
alimentos, remédios e substâncias para sua defesa. Podemos pensar então que o objeto de
estudo da Botânica é ao mesmo tempo conhecimento popular por excelência e um marcan-
te exemplo, em termos de linguagem, de ruptura epistemológica.
Mas eliminar as marcas do vivido não é tarefa simples e nem rápida. E essa parece
ser uma distinção interessante entre a Biologia e as outras ciências naturais. Jacob (1983)
considera que a história da hereditariedade ilustra bem esse fato. Pois se o homem logo
descobriu como cultivar plantas e criar animais, o que demanda grande experiência, supõe-
se que já desenvolvera alguma idéia de hereditariedade e a aplicava em seu benefício. Mas,
3
Em um movimento dialético, devemos contrapor que tais considerações acerca deste distanciamento, que se
fez inerente à produção do conhecimento científico, não desejam promover um apagamento dos aspectos
positivos da linguagem científica.
23
considerava, ainda, que na hora de semear, além de escolher bem as sementes, também era
preciso esperar pela lua mais propícia e rezar ao deus encarregado das colheitas.
O autor cita o exemplo literário de um herói de Voltaire, que enfrentava seus inimi-
gos com uma mistura de rezas, encantamentos e arsênico, e considera que foi provavelmen-
te no mundo vivo que foi mais difícil de separar o arsênico do encantamento (p. 9). En-
quanto a Física disparava seus estudos confiante nas virtudes do método científico, o estu-
do da continuidade dos seres vivos conservava em seu referencial as crenças e curiosida-
des.
Outras distinções da Biologia em relação às demais ciências são traçadas por Mayr
(1998a), quando analisa a história do pensamento biológico. Para o homem comum, a mar-
ca da ciência é a descoberta de um fato novo. Para o autor, tratando-se da ciência biológi-
ca, mais do que a descoberta de novos fatos, são importantes o desenvolvimento e o apri-
moramento dos conceitos, sendo que os avanços nas diversas áreas da Biologia se deveram
mais à introdução de melhorias nos conceitos existentes do que propriamente a novas des-
cobertas.
Também é avaliado como uma característica de toda atividade científica, incluindo
as biológicas, o rigor das diversas metodologias. E Mayr observa que, devido à filosofia
das ciências estar sendo descrita na maior parte das vezes por físicos, a experimentação
tem sido considerada como o método primordial da ciência, desmerecendo a importância
que outras metodologias desempenham nas outras ciências. Mas a Biologia se constituiu e
se beneficiou, sobremaneira, pelo método observacional-comparativo que, a seu ver, tem
toda a legitimidade para produzir conhecimentos científicos: a “observação, na biologia,
forneceu, provavelmente, mais conhecimentos do que todos os experimentos juntos”.
Para apontar as especificidades da Biologia, Mayr (1998a) cita a juventude dessa
ciência, visto que só no século XIX ela ganha maior estatuto científico, inclusive porque é
quando o próprio termo é criado – aparecendo por volta em 1802, usado por Lamarck e
Treviranus, articulando o estudo dos animais e dos vegetais em um objeto único, os seres
vivos, excluindo os minerais que também eram estudados pelos naturalistas da época. Os
temas que se tornariam “biológicos” eram até então tratados pela medicina (anatomia e
fisiologia) ou pela história natural. Divisão que o historiador vê hoje como sinal de notável
bom senso, dado que já refletiria a distinção entre as causas próximas (fisiológicas) e as
causas últimas (evolutivas) que, concomitantemente, regem os fenômenos biológicos. E,
concordando com a observação de Jacob (1983), o autor afirma que a revolução nas ciên-
24
cias físicas nos séculos XVII e XVIII não provocou efeitos nas ciências biológicas, que
esperaram pelos séculos seguintes para se inovarem.
Uma outra diferença significativa apontada nesse contexto é a importância das leis.
Se na Física elas desempenham um papel demonstrativo essencial e permitem previsões
exatas do curso dos fenômenos, na Biologia elas foram perdendo a força e o sentido que
tinham no início, pois, nesse campo, percebeu-se que as regularidades são menos contun-
dentes e as generalizações só podem ser pensadas em termos probabilísticos. A vida sem-
pre nos reserva surpresas.
Como já citamos, Mayr (p.61) vê como uma particularidade marcante da Biologia a
“importância avassaladora dos conceitos”. Os biologistas abdicaram das leis e organiza-
ram as suas generalizações em estruturas conceituais, mais flexíveis e com maior poder
heurístico. O desenvolvimento da Biologia tem sido, assim, construído com a introdução
de novos conceitos ou princípios, refutação de outros e, principalmente, com a cristaliza-
ção e refinamento de conceitos-chaves para cada um dos seus ramos. E dada à complexi-
dade e extensão do tema, uma história mais consistente dos conceitos biológicos ainda es-
taria para ser escrita.
E aqui, pensando nessas palavras caras à Biologia, traçamos um vínculo forte com
as noções de linguagem do Círculo de Bakhtin, com relação ao processo de constituição
das diferentes linguagens sociais e à palavra como fenômeno ideológico, já que o destino
da palavra é o da sociedade que fala (Bakhtin/ Volochinov, 1988).
Uma última característica da Biologia destacada por Mayr (1998a) é sua relação
mais direta com a dimensão ética. Ele considera que, numa tradição moderna (embalada
pela ideologia burguesa) que se interessou por isentar as ciências físicas de maiores com-
promissos com os valores humanos (desideologizando o mundo da matéria), liberando-as
para avançar desenfreadamente na produção do conhecimento, as diversas ciências bioló-
gicas, em diferentes graus, parecem sentir mais fortemente o peso das explicações que
formulam e dos conflitos que levantam, percebendo mais claramente suas implicações e
responsabilidades. E sabemos que tais conflitos, sem dúvida, refletem-se e emergem, tam-
bém, no contexto do ensino escolar de Biologia.
Com relação à questão dos conceitos usados na Biologia, podemos fazer uma breve
ponderação. A noção de que alguns de seus conceitos-chaves sofreram, ao longo do tempo,
um melhoramento, refinando-se e mantendo-se em sua rede conceitual pode, a princípio,
passar a idéia de continuidade histórica e de desenvolvimento científico estritamente por
25
acumulação. Tal idéia é discutida por Canguilhem (1977, p. 20) ao refletir, com bases no
pensamento de Bachelard, sobre o desenrolar da história das ciências da vida.
O autor destaca que o historiador da ciência deve lançar sobre o passado do pensa-
mento e da experiência uma luz recorrente. Iluminação essa que deve impedir que se con-
funda a persistência dos termos (perpetuados por inércia lingüística) com a identidade dos
conceitos, e a inovação de fatos de observação análogos com parentescos de métodos e de
problematização. Analisando episódios do processo de constituição da Biologia, ele afirma
a descontinuidade histórica e o desenvolvimento científico por rupturas e invenções. Com
essa perspectiva, formula que a história da Biologia realizou-se através da superação de
certas noções e da efetiva produção de um “novo objeto científico”, elaborado na interse-
ção de várias disciplinas.
Nesse contexto, a Biologia vai traçando sua trajetória de desenvolvimento, marcada
por acirrados debates, e construindo e conquistando a unificação de seu domínio científico,
ao mesmo tempo em que se diversificava em diversos territórios. E em todos eles, como
um aspecto característico da vida, a diversidade podia ser notada. Assim, apesar de a Bio-
logia ser considerada jovem, a quase infinita riqueza da vida orgânica foi sempre objeto de
construção de conhecimento pelos homens, que desde os mais remotos tempos, cada um no
seu canto, às vezes no canto alheio, e com motivações diversas, se ocuparam em explorá-la
e estudá-la.
Segundo Mayr (1998a), sempre que se trate da diversidade, as classificações se tor-
nam necessárias, o que justificaria a quase obsessão dos naturalistas dos séculos XVII,
XVIII e XIX por desenvolver classificações, algumas bem mais interessantes que outras. A
dedicação desses estudiosos à ordenação do mundo vivo chegava a nutrir um verdadeiro
desprezo por parte dos cientistas da Física e alguns biologistas experimentais, que conside-
ravam a História Natural, em seus esforços essencialmente descritivos, como uma forma de
filatelia, até indigna de status científico. Pura arrogância e incompreensão da parte deles,
segundo o autor. Pois não puderam perceber a sua fertilidade e originalidade e a grande
contribuição que trouxeram às pesquisas em outras áreas da Biologia. Pois, ao que parece,
de Aristóteles a Darwin, sem a História Natural, teriam ficado todos de mãos vazias.
Uma outra ponderação que podemos apresentar refere-se à questão dos métodos.
Mayr (1998a) exalta a validade e a contribuição dos métodos de observação e comparação,
utilizados pelos que se dedicavam aos estudos biológicos. Parece-nos que uma certa birra
do autor para com a visão mecaniscista de mundo e seus adeptos o leva a fazer tal distinção
e a tocar sempre nessa tecla. São inegáveis a riqueza e o valor do trabalho dos naturalistas
26
classificadores, mas havia outras coisas importantes acontecendo no terreno dos estudos
biológicos.
Prestes (2003) vai destacar que acirrar a rivalidade entre os pesquisadores descriti-
vos e os que se dedicavam à experimentação, tem determinado uma visão histórica pela
qual a Biologia, como ciência experimental, só teria se evidenciado no século XIX, influ-
enciada sobremaneira pela fisiologia de Claude Bernard. Para a autora, tal perspectiva leva
a negligenciarmos o relevante trabalho desenvolvido, no século anterior, por pesquisadores
experimentadores como Bonnet, Needham, Trembley e Spallanzani, que contribuíam para
a definição dos seres vivos como objeto de estudo e para a constituição da Biologia e, tam-
bém, leva a mascarar os intensos debates que ocorriam, internamente, nos dois campos de
investigação, como se fossem dois blocos uniformes de idéias e procedimentos.
Voltando à grande importância que, indiscutivelmente, as classificações exercem
para a Biologia, destacamos a distinção que Mayr estabelece ao afirmar que “esquemas de
identificação não são classificações” (1998a, p.175). A identificação tem apenas o objetivo
de enquadrar um indivíduo estudado em uma das classes de uma classificação já existente,
observando-se um número reduzido de caracteres. A classificação, ao contrário, utiliza um
grande número de caracteres e trata de reunir os indivíduos em grupos cada vez mais com-
plexos. As chamadas “classificações de objetivo especial”, como por exemplo a classifica-
ção de plantas medicinais baseadas em suas propriedades curativas, correspondem a es-
quemas de identificação.
A história da taxonomia começa séculos antes de Cristo, com Aristóteles, que é ce-
lebrado como o pai da ciência da classificação. O eminente filósofo demonstrava um imen-
so interesse pela diversidade do mundo vivo. Nas classificações de animais que desenvol-
veu, não utilizou seu método de definição por divisão lógica e dicotômica, como é comum
se pensar, mas procedeu de uma maneira muito moderna, conforme é destacado por Mayr
(1998a). Formava grupos baseados na observação e, posteriormente, selecionava em cada
um deles caracteres diferenciadores significativos. Os grupos formados tinham seus atribu-
tos avaliados e eram ordenados em diferentes seqüências.
Essa sistemática de classificação, que nas suas categorias refletia a grande impor-
tância atribuída por Aristóteles aos quatro elementos: fogo, água, terra e ar, não tinha o
objetivo de servir a uma rápida identificação dos animais. Apesar da originalidade de sua
metodologia de classificação, a divisão lógica dicotômica, prezada por ele em outros do-
mínios, vai triunfar na História Natural até a época de Lineu, inclusive referida como “mé-
todo aristotélico”.
27
Após a morte de Aristóteles, a história natural decaiu e, nos períodos seguintes, os
animais deixaram de ser objetos de investigação e se tornaram muito mais símbolos de
virtudes morais e religiosas, sendo observados apenas com uma preocupação espiritual ou
estética. Segundo Mayr (1998a), somente a partir do século XIII, com a redescoberta dos
escritos biológicos de Aristóteles e o interesse crescente pelas ervas medicinais, o estudo
dos seres vivos ganhou novo ânimo. No fim da idade Média e na Renascença, o prestígio
da filosofia de Aristóteles vai contribuir para despertar o interesse e revalorizar o estudo
dos animais, ajudando a zoologia a se desenvolver como ciência.
Como os escritos de Aristóteles sobre as plantas foram perdidos, a história oficial
da Botânica começa com os estudos de seu aluno Theofrasto (371-287 a.C.), que não che-
gou a adotar nenhum sistema formal de classificação vegetal. Muitos anos mais tarde, o
médico grego Dioscórides (60 d. C.) vai dar uma importante contribuição para o desenvol-
vimento da fitologia, conseguindo reunir, sob critérios de uso prático para o homem, uma
grande quantidade de informações sobre as plantas. Foi considerado a maior autoridade
sobre o assunto, principalmente sobre as propriedades medicinais, e seu livro Matéria me-
dica foi o livro-texto de Botânica por mil e quinhentos anos. É interessante notar o forte
vínculo inicial da Botânica com a medicina, sendo que até o século XVI todos os autores
de livros sobre a natureza eram médicos. Nessa época, a crescente descoberta de novas e
ricas floras e o grande interesse pelas ervas medicinais levaram à implantação de cátedras
de Botânica nas escolas de medicina da Europa.
O desenvolvimento da Botânica toma um novo fôlego ao longo do século XVI.
Conforme destaca Mayr (1998a), inicia-se a era dos “pais alemães da Botânica”, pesquisa-
dores que deixaram de compilar os textos gregos para observar as plantas diretamente, e
dedicaram seus esforços para descrever e agrupar as plantas em grupos afins, dando uma
grande contribuição para o desenvolvimento da Botânica Sistemática. O minucioso traba-
lho de ordenação das plantas realizado pelos herbaristas não se baseava em nenhum siste-
ma consistente e não tinham o objetivo de classificar os indivíduos focalizados, mas, de
reconhecer-lhes as propriedades individuais. Os livros que publicavam se constituíam em
belos catálogos ilustrados de descrições e de nomes de plantas e alcançavam enorme popu-
laridade, visto o interesse crescente despertado pelas novas e ricas floras locais que esta-
vam sendo descobertas.
Nos séculos seguintes, vários naturalistas se destacaram e cada um desenvolvia seus
próprios métodos de observação e de classificação das plantas. Cesalpino ainda no século
XVI e Ray e Tournefort no século XVII são vultos importantes desse percurso e que irão
28
exercer grande influência sobre o futuro trabalho de Lineu. O avanço técnico que, em gran-
de parte, possibilitou esse progresso da Botânica foi a invenção do herbário, no início do
século XVI, que permitia a conservação adequada e por longos períodos dos espécimes
coletados. Para incrementar os estudos botânicos, seguiram-se o desenvolvimento das téc-
nicas de gravura em madeira e a criação dos jardins botânicos.
A flora brasileira também foi objeto de estudo dos herbaristas europeus. Inúmeros
deles, principalmente de procedência alemã, sueca, inglesa e suíça, estiveram no Brasil a
partir do século XVII e, sobretudo, ao longo dos séculos seguintes, participando de expedi-
ções em diversas partes do país, tendo descrito e classificado inúmeras espécies de plantas
nativas brasileiras. Ferri (1994) traça um panorama detalhado das aventuras desses inúme-
ros pesquisadores “nativos” e “exóticos”, que em seus percursos, escreviam a história des-
se campo da ciência no Brasil. Vários deles não retornaram a seus países, aqui se instalan-
do definitivamente e exercendo uma participação bastante significativa na vida científica
brasileira. Os livros que publicaram, junto às obras dos pesquisadores brasileiros, foram de
um imenso valor para o conhecimento de nossas plantas e para o desenvolvimento da Bo-
tânica em nosso meio.
Reforçando essas referências, Nogueira (2000) também destaca que desde o século
XVII, o país abrigou naturalistas viajantes, grandes expedições científicas e convênios
bilaterais, propiciando à comunidade científica local o estabelecimento de parcerias. Enten-
dendo-se, assim, que a formação e a condição atual da Botânica no Brasil espelham de
forma marcante os desdobramentos das ações de nosso Estado e os interesses estrangeiros.
Para Ferri (1994), a Botânica no Brasil começou com os próprios índios, com as
observações que procediam no intuito de obter alimentação e demais recursos para sua
vida em geral, e com a transmissão oral que faziam desses conhecimentos às gerações se-
guintes, que por sua vez os enriqueciam com suas próprias descobertas. A história escrita
de nossa Botânica, sistematizada pelo autor (apud. Nogueira, 2000) identifica cinco perío-
dos distintos: (i) dos cronistas, que inclui as cartas escritas por Nóbrega e Anchieta no sé-
culo XVI até meados do século XVII; (ii) período científico inicial, durante a permanência
dos holandeses no Nordeste, cujo marco é a publicação do livro Historia Naturalis Brasili-
ae, escrita por Marcgrave e publicada em 1648 – segundo Nogueira (2000), tal período foi
pouco significativo para a evolução de nossa Botânica uma vez que não teve maiores re-
percussões científicas; (iii) período da ida de brasileiros para estudar em Coimbra, a partir
de meados do século XVIII; (iv) período dos naturalistas viajantes, abrangendo o século
XIX e início do XX, com uma efervescente produção de conhecimento sobre a flora brasi-
29
leira. Nesse período também ocorre a chegada da Família Real, em 1808, fato que causou
um grande impacto em nossa Botânica, pela criação de jardins botânicos e outros empre-
endimentos relevantes; (v) período contemporâneo, pontuado com a criação da Universi-
dade de São Paulo, em 1934, quando inicia-se efetivamente a institucionalização da Botâ-
nica no Brasil, e com a criação da Sociedade Brasileira de Botânica, em 1950.
Nogueira (2000) destaca que, com relação à institucionalização da ciência no Bra-
sil, os pesquisadores concordam que, em função da riqueza biológica aqui existente, foi
através das ciências naturais que teve início “nossa cultura científica”. Em nenhum outro
campo científico existiu maior número de pesquisadores estrangeiros explorando e estu-
dando as regiões do Brasil, a que somam-se os esforços de vários brasileiros, ligados ao
Jardim Botânico e ao Museu Nacional.
Iniciamos esse tópico sobre “a ciência da peça” falando da importância que teve pa-
ra a Botânica a adoção de uma terminologia científica, gestada nos séculos XVII e XVIII.
E vamos encerrá-lo lembrando de Carl Lineu, em geral, um dos únicos nomes de toda essa
história que é citado nos atuais livros de ciências do Ensino Fundamental.
Lineu, que viveu entre 1707 e 1778, já era uma celebridade em sua época. Segundo
Mayr (1998a), nenhum outro naturalista gozou tão grande fama durante sua vida. Dizem as
más línguas que era muito pedante e tinha um gênio difícil, mas, suas importantes
contribuições ao desenvolvimento da Botânica sistemática lhe garantiram um lugar seguro
na memória das gerações seguintes. Os critérios interessantes que utilizou nas
classificações, as regras para grafia dos nomes científicos, a terminologia para a
morfologia vegetal, o número reduzido de taxa que empregava, entre outros aspectos,
permitiram o êxito de suas classificações, que tinham como intuito principal uma
identificação segura das plantas. Seu prestígio servia para divulgar a taxomonia e, ainda
que refutasse as idéias de evolução dos seres vivos, contribui para seu desenvolvimento, ao
participar do debates teóricos sobre a seleção natural.
Ao longo desse estudo, estaremos trazendo novas referências à figura de Lineu.
Mas vale destacar, aqui, o fato de que, por maior êxito que tenha alcançado em seu traba-
lho e por maior que tenha sido a autoridade que conquistou junto à comunidade científica
de sua época, Lineu não tinha a concordância e a admiração de todos os seus contemporâ-
neos naturalistas. Não devemos imaginar que não existiam diferenças, debates, e mesmo
disputas, entre os pesquisadores. O próprio Mayr (1998a), que mostra claramente sua ad-
miração e a grande importância que atribui ao botânico sueco, comenta algumas discor-
dâncias e críticas dirigidas a Lineu. Em Prestes (2003), também encontramos exemplos de
30
ferrenhas oposições mantidas a ele, como vemos com Trembley, acerca da falta de experi-
mentação em seus trabalhos, com Spallanzani, sobre métodos descritivos, ausência de ex-
perimentos, dedicação excessiva à nomenclatura, uso de um número restrito de caracteres
classificatórios ou explicações equivocadas sobre a fecundação externa de anfíbios e, ain-
da, com Buffon, que parece ter sido seu principal e declarado opositor.
Embora nascidos no mesmo ano de 1707, o mundo conceitual onde Lineu vivia era
totalmente diferente do de Buffon. Para Mayr (1998a), os dois formaram duas tradições
distintas na História Natural. O livro de Buffon, Histoire naturelle (1749), lido por prati-
camente todo europeu educado, promoveu grande impacto entre os pesquisadores. Suas
atenções se voltavam para os animais e para os aspectos utilitários dos seres vivos, para
classificá-los empregava o maior número possível de caracteres e afirmava a continuidade
entre eles. Abominava o sistema lineano de descrição telegráfica e de rápida identificação.
Em Prestes (2003), que analisa a importância científica de Spallanzani no século XVIII,
evidenciamos uma melhor apreciação da obra de Buffon, em comparação ao trabalho de
Lineu, posição provavelmente apoiada na maior afinidade e ligação entre Buffon e Spal-
lanzani.
É curioso observar que Machado de Assis, imaginamos que sem perceber, faz uma
provocação entre Lineu e Buffon, colocando os dois juntos, harmoniosamente, na mesma
cena da Lição de Botânica. O primeiro vendo suas famosas regras de nomenclatura sendo
empregadas pelo Barão – Viola odorata, de Lineu”, o segundo aparece filosofando: “A
paciência é o espírito do gênio, dizia Buffon”.
2.2 – Em outros ares
2.2.1 – Textos alternativos em aulas de Ciências
As pesquisas que têm tratado das possíveis implicações positivas da utilização de
textos alternativos aos textos didáticos no ensino de Ciências configuram parte do campo
de pesquisa no qual julgamos inserir-se o nosso estudo.
Nessa perspectiva, dois trabalhos de Zanetic (1997, 1998) nos apresentam subsídios
relevantes para essa reflexão. São estudos precursores de nossa problemática que, no con-
texto do ensino de Física em nível médio e superior, desenvolvem outros argumentos a
favor da integração de textos literários com a aprendizagem científica. Os dois textos se
remetem à tese do autor, “Física também é cultura”, de 1990, na qual são discutidos os
pressupostos educacionais, históricos e filosóficos que, em sua visão, devem orientar a
31
construção do saber em Física nas escolas. Alguns dos argumentos levantados pelo autor
poderão contribuir para nossa reflexão orientada na direção das relações entre linguagem e
os processos de aprendizagem de conteúdos de Biologia.
Zanetic (1997) discute a possível integração entre o ensino de Física e a Literatura
Universal, favorecendo a aprendizagem conceitual e estimulando, nos alunos, a continui-
dade do interesse por temas científicos após a permanência na escola. Para refletir sobre a
convivência com as produções literárias, o autor parte, a exemplo de outros escritores, da
consideração de sua própria história como leitor. E são muito densas e positivas essas me-
mórias, que ainda guardam entusiasmo com as aventuras de Emília operando a chave do
tamanho ou com a epopéia dos Lusíadas.
O artigo destaca exemplos do potencial que a literatura oferece ao ensino de Ciên-
cias: a promoção de uma perspectiva interdisciplinar; a possibilidade de reparar e contem-
plar as diferenças individuais entre os alunos; o aprimoramento da formação dos professo-
res e, sobretudo, o desenvolvimento do hábito e do prazer da leitura, que são reconhecidos
pelo autor como fatores fundamentais para o estudo de qualquer disciplina e como desafio
a ser empreendido por toda a escola. A base teórica para a discussão desses pontos é bus-
cada em Bachelard e Snyders.
Vários escritores da literatura universal de todas as épocas, de origens filosóficas,
científicas ou literárias, são apresentados como opções para experiências com diferentes
textos nas aulas de Física e para a reflexão junto aos professores. Entre eles, Platão, Gali-
leu, Giordano Bruno, Kepler, Descartes, Newton, Milton, Camões, Poe, Dostoievski, Eins-
tein, Brecht e Ítalo Calvino. O artigo apresenta ainda alguns parâmetros para a escolha de
textos de leitura e possibilidades de discussão dos mesmos.
Em estudo posterior, Zanetic (1998) retoma essa temática, discutindo com bases te-
óricas diferenciadas as relações entre as grandes sínteses científicas e as obras da literatura.
Possivelmente exemplificando aquela perspectiva de maior intimidade e de olhares de de-
sejo que Vierne (1994) nos lembrou, o trabalho aponta as contribuições de cientistas que
produziram verdadeiras obras literárias e mostra a utilidade desses textos em sala de aula,
favorecendo o ensino de Física e de outras disciplinas, apontando também as possíveis
lições que se depreendem dessa discussão.
Duas diferentes famílias são apresentadas como categorização dos escritores consi-
derados – cientistas com veia literária, quando a produção científica pode ser lida como
32
obra literária, a exemplo dos textos de Giordano Bruno, Kepler, Galileu, Newton, Darwin,
Einstein, entre outros; e escritores com veia científica, referindo-se a escritores que utiliza-
ram o conhecimento científico como fonte inspiradora de conteúdo e como guia metodoló-
gico/filosófico, entre os quais se destacam Camões, Milton, Goethe, Poe, Flaubert, Dostoi-
evski, Júlio Verne, Monteiro Lobato, Bertolt Brecht, Jorge Luiz Borges e Ítalo Calvino.
O livro Diálogos de Galileu é tomado como exemplo para uma interessante análise
científico-literária. As considerações de Feyerabend, acerca da “metodologia anárquica de
Galileu”, e de Alexandre Koyré, sobre os Diálogos subentenderem várias obras – obra de
polêmica e combate, pedagógica, filosófica e histórica, são trazidas para aferição do valor
pedagógico que esses textos podem conter. Segundo o autor, uma ótima oportunidade para
um leitor contemporâneo se iniciar nos meandros da Física Clássica, compreendendo a
essência galeliana do movimento de queda dos corpos e o papel da matemática como
linguagem da Física.
A apreciação de textos dos cientistas-escritores é aprofundada com bases na teoria
epistemológica de Bachelard e na teoria lingüístico-literária de Umberto Eco, observando
uma aproximação e uma relação de complementaridade entre essas visões teóricas, no sen-
tido de que ambas tentam mostrar a articulação, em uma via de mão dupla, da produção de
uma obra de arte com a produção de conhecimento científico e não mais um pertencimento
a mundos metodológicos distintos e sem analogias.
Em sua Obra Aberta, Umberto Eco traça paralelos entre a construção do conheci-
mento científico e o desenvolvimento da criação literária, apontando a aproximação epis-
temológica entre ciência e arte e caracterizando uma verdadeira lição gnosiológica, relativa
à construção de todas as formas de conhecimento. As operações mentais desses dois cam-
pos do conhecimento humano acabariam se cruzando e se complementando.
Experiências de abertura ou fechamento das obras de arte, por exemplo, permitindo
diferentes leituras ou exigindo leituras uniformizadas, estariam, segundo o autor, estreita-
mente vinculadas às diferentes visões de mundo dos artistas nas diferentes épocas e estas
se alimentariam das concepções construídas pelos cientistas naqueles momentos sócio-
históricos. Consideramos que a influência das idéias científicas nas produções literárias em
fins do século XIX, conforme citamos com base em Pinto Neto (2001), exemplificam bem
essas relações.
33
Zanetic observa também que um caminho similar é empreendido por Bachelard, na
encruzilhada de suas vertentes epistemológica e poética, ao admitir que o mundo da razão
pode entrar em contato com o mundo da imaginação e que essas duas formas de diálogo
inteligente com o mundo, efetivamente, se tocam em seus momentos de maior inventivida-
de e se complementam na construção total sobre a realidade. Como as idéias de Bachelard
acerca das relações entre as imagens poéticas e o pensamento racional já compõem nossas
referências iniciais, as conexões traçadas por Zanetic contribuem para nossa maior reflexão
sobre elas.
O autor encontra motivação para esses estudos, que propõem uma leitura do bosque
cultural onde se cruzam os caminhos da ciência e da arte, em diversos elementos. Na recu-
sa de um ensino de Física pautado pela exploração excessiva de fórmulas, de conceitos e
de leis, seguida de resolução de exercícios descontextualizados, através do qual nunca são
abordados o significado físico de tais teorias, suas limitações e suas possibilidades de
transformação e de tentativas de diálogo com o cotidiano; nas premissas de que a ciência
tem vários componentes culturais que podem ser trabalhados em sala de aula e de que exis-
tem diferentes dimensões pelas quais o currículo escolar poderia explorar os conteúdos da
Física, articulando elementos históricos, filosóficos e ideológicos, num convite interdisci-
plinar; e ainda na insatisfação pessoal com o fato de que Galileu, Kepler ou Newton, entre
outros incríveis personagens da história da Física, continuem como ilustres desconhecidos
dos alunos e de muitos dos professores. São, sem dúvida, argumentos relevantes que inte-
ressam a todos nós professores, no contexto de nossas disciplinas.
O conjunto de estudos considerados a seguir, voltados para a utilização de textos al-
ternativos no ensino de Física, aborda questões relativas às condições de leitura nas escolas
e às contribuições que textos de diferentes naturezas podem trazer ao ensino de Ciências.
Algumas referências teóricas tomadas em comum por esses artigos são buscadas nos traba-
lhos de Snyders, Apple, Khun, Vygotsky e Orlandi.
Ricon e Almeida (1991) focalizam as relações entre linguagem científica e aprendi-
zagem de Física e as práticas de leitura na escola. Desenvolvem uma análise sobre a intro-
dução de crônicas, poemas e textos de divulgação científica, em aulas de Física, como op-
ção à leitura exclusiva de textos didáticos. O trabalho discute a forma padrão de apresenta-
ção dos conteúdos de Física nos livros didáticos e suas implicações para o ensino; a neces-
sidade de se reconhecer posições ideológicas perante o conhecimento científico e de traçar
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula
Lições de Botânica na sala de aula

Mais conteúdo relacionado

Mais procurados

Anais Eletrônicos - IH2011
Anais Eletrônicos - IH2011Anais Eletrônicos - IH2011
Anais Eletrônicos - IH2011Igor Prado
 
Artigo reflexões sobre o uso de gêneros do discurso em aulas de matemática
Artigo reflexões sobre o uso de gêneros do discurso em aulas de matemáticaArtigo reflexões sobre o uso de gêneros do discurso em aulas de matemática
Artigo reflexões sobre o uso de gêneros do discurso em aulas de matemáticaJoelma Santos
 
História das Ciências e Educação em Ciências
História das Ciências e Educação em CiênciasHistória das Ciências e Educação em Ciências
História das Ciências e Educação em CiênciasCatir
 
Explorando ensino literatura_Ens Fundamental
Explorando ensino literatura_Ens FundamentalExplorando ensino literatura_Ens Fundamental
Explorando ensino literatura_Ens FundamentalKelly Arduino
 
Relatório de observação
Relatório de observaçãoRelatório de observação
Relatório de observaçãoArte Tecnologia
 
Buriti mais interdisc cie hist-geo 5º ano
Buriti mais interdisc cie hist-geo 5º anoBuriti mais interdisc cie hist-geo 5º ano
Buriti mais interdisc cie hist-geo 5º anoNivea Neves
 
Artigo conedu aceito ( BEATRIZ)
Artigo conedu aceito  ( BEATRIZ)Artigo conedu aceito  ( BEATRIZ)
Artigo conedu aceito ( BEATRIZ)PIBIDSolondeLucena
 
MPEMC AULA 10: Alfabetização Científica
MPEMC AULA 10: Alfabetização CientíficaMPEMC AULA 10: Alfabetização Científica
MPEMC AULA 10: Alfabetização Científicaprofamiriamnavarro
 
Cenário acadêmico-institucional dos cursos de Arquivologia, Biblioteconomia e...
Cenário acadêmico-institucional dos cursos de Arquivologia, Biblioteconomia e...Cenário acadêmico-institucional dos cursos de Arquivologia, Biblioteconomia e...
Cenário acadêmico-institucional dos cursos de Arquivologia, Biblioteconomia e...Briquet de Lemos
 
Interferência da oralidade na escrita uma análise de erros ortográficos
Interferência da oralidade na escrita uma análise de erros ortográficosInterferência da oralidade na escrita uma análise de erros ortográficos
Interferência da oralidade na escrita uma análise de erros ortográficosUNEB
 
Conteudos e metodologias_de_ensino_de_historia_e_geografia
Conteudos e metodologias_de_ensino_de_historia_e_geografiaConteudos e metodologias_de_ensino_de_historia_e_geografia
Conteudos e metodologias_de_ensino_de_historia_e_geografiaSergio Soeiro Soeiro
 
Conteudos e metodologias_de_ensino_de_historia_e_geografia
Conteudos e metodologias_de_ensino_de_historia_e_geografiaConteudos e metodologias_de_ensino_de_historia_e_geografia
Conteudos e metodologias_de_ensino_de_historia_e_geografiaColegio Mario Evaldo Morski
 
A prática didático pedagógica do professor com relação ao ensino da leitura
A prática didático pedagógica do professor com relação ao ensino da leitura A prática didático pedagógica do professor com relação ao ensino da leitura
A prática didático pedagógica do professor com relação ao ensino da leitura UNEB
 

Mais procurados (17)

Entrevista com nóvoa
Entrevista com nóvoaEntrevista com nóvoa
Entrevista com nóvoa
 
Anais Eletrônicos - IH2011
Anais Eletrônicos - IH2011Anais Eletrônicos - IH2011
Anais Eletrônicos - IH2011
 
Artigo reflexões sobre o uso de gêneros do discurso em aulas de matemática
Artigo reflexões sobre o uso de gêneros do discurso em aulas de matemáticaArtigo reflexões sobre o uso de gêneros do discurso em aulas de matemática
Artigo reflexões sobre o uso de gêneros do discurso em aulas de matemática
 
História das Ciências e Educação em Ciências
História das Ciências e Educação em CiênciasHistória das Ciências e Educação em Ciências
História das Ciências e Educação em Ciências
 
Dissertação sobre teatro na escola
Dissertação sobre teatro na escolaDissertação sobre teatro na escola
Dissertação sobre teatro na escola
 
Tcc final
Tcc   finalTcc   final
Tcc final
 
Explorando ensino literatura_Ens Fundamental
Explorando ensino literatura_Ens FundamentalExplorando ensino literatura_Ens Fundamental
Explorando ensino literatura_Ens Fundamental
 
Relatório de observação
Relatório de observaçãoRelatório de observação
Relatório de observação
 
Buriti mais interdisc cie hist-geo 5º ano
Buriti mais interdisc cie hist-geo 5º anoBuriti mais interdisc cie hist-geo 5º ano
Buriti mais interdisc cie hist-geo 5º ano
 
Artigo conedu aceito ( BEATRIZ)
Artigo conedu aceito  ( BEATRIZ)Artigo conedu aceito  ( BEATRIZ)
Artigo conedu aceito ( BEATRIZ)
 
MPEMC AULA 10: Alfabetização Científica
MPEMC AULA 10: Alfabetização CientíficaMPEMC AULA 10: Alfabetização Científica
MPEMC AULA 10: Alfabetização Científica
 
Cenário acadêmico-institucional dos cursos de Arquivologia, Biblioteconomia e...
Cenário acadêmico-institucional dos cursos de Arquivologia, Biblioteconomia e...Cenário acadêmico-institucional dos cursos de Arquivologia, Biblioteconomia e...
Cenário acadêmico-institucional dos cursos de Arquivologia, Biblioteconomia e...
 
Interferência da oralidade na escrita uma análise de erros ortográficos
Interferência da oralidade na escrita uma análise de erros ortográficosInterferência da oralidade na escrita uma análise de erros ortográficos
Interferência da oralidade na escrita uma análise de erros ortográficos
 
Conteudos e metodologias_de_ensino_de_historia_e_geografia
Conteudos e metodologias_de_ensino_de_historia_e_geografiaConteudos e metodologias_de_ensino_de_historia_e_geografia
Conteudos e metodologias_de_ensino_de_historia_e_geografia
 
Conteudos e metodologias_de_ensino_de_historia_e_geografia
Conteudos e metodologias_de_ensino_de_historia_e_geografiaConteudos e metodologias_de_ensino_de_historia_e_geografia
Conteudos e metodologias_de_ensino_de_historia_e_geografia
 
3ª série -_história_-_manual
3ª série -_história_-_manual3ª série -_história_-_manual
3ª série -_história_-_manual
 
A prática didático pedagógica do professor com relação ao ensino da leitura
A prática didático pedagógica do professor com relação ao ensino da leitura A prática didático pedagógica do professor com relação ao ensino da leitura
A prática didático pedagógica do professor com relação ao ensino da leitura
 

Destaque

Globalización y el efecto en las organizaciones
Globalización y el efecto en las organizacionesGlobalización y el efecto en las organizaciones
Globalización y el efecto en las organizacionesMarce F.
 
Método cuantitativo y sistema de operador
Método cuantitativo y sistema de operadorMétodo cuantitativo y sistema de operador
Método cuantitativo y sistema de operadorMarce F.
 
Técnicas de planeación y control
Técnicas de planeación y controlTécnicas de planeación y control
Técnicas de planeación y controlMarce F.
 
Aula introdutoria compacta
Aula introdutoria   compactaAula introdutoria   compacta
Aula introdutoria compactaEdicléia Bonini
 
Topografia i
Topografia iTopografia i
Topografia iMarce F.
 
Seminario de investigación i aída villalobos
Seminario de investigación i aída villalobosSeminario de investigación i aída villalobos
Seminario de investigación i aída villalobosPrograma De Economia
 
2.3.1.5 packet tracer configuring rapid pvst+ answer
2.3.1.5 packet tracer   configuring rapid pvst+ answer2.3.1.5 packet tracer   configuring rapid pvst+ answer
2.3.1.5 packet tracer configuring rapid pvst+ answerNarayana Samy
 
Seminario de investigación i adrian marín
Seminario de investigación i adrian marínSeminario de investigación i adrian marín
Seminario de investigación i adrian marínPrograma De Economia
 
Taller de economía mexicana ii gregorio silva
Taller de economía mexicana ii gregorio silvaTaller de economía mexicana ii gregorio silva
Taller de economía mexicana ii gregorio silvaPrograma De Economia
 
Abastecimiento
AbastecimientoAbastecimiento
AbastecimientoMarce F.
 
14 Steps to Branding a Restaurant Franchise
14 Steps to Branding a Restaurant Franchise14 Steps to Branding a Restaurant Franchise
14 Steps to Branding a Restaurant FranchiseGina Mims
 

Destaque (17)

Consolidado
ConsolidadoConsolidado
Consolidado
 
Words together
Words togetherWords together
Words together
 
Consolidado
ConsolidadoConsolidado
Consolidado
 
Texto base aula 9
Texto base aula 9Texto base aula 9
Texto base aula 9
 
Globalización y el efecto en las organizaciones
Globalización y el efecto en las organizacionesGlobalización y el efecto en las organizaciones
Globalización y el efecto en las organizaciones
 
Defend
DefendDefend
Defend
 
Método cuantitativo y sistema de operador
Método cuantitativo y sistema de operadorMétodo cuantitativo y sistema de operador
Método cuantitativo y sistema de operador
 
Técnicas de planeación y control
Técnicas de planeación y controlTécnicas de planeación y control
Técnicas de planeación y control
 
Words together 2
Words together 2Words together 2
Words together 2
 
Aula introdutoria compacta
Aula introdutoria   compactaAula introdutoria   compacta
Aula introdutoria compacta
 
Topografia i
Topografia iTopografia i
Topografia i
 
Seminario de investigación i aída villalobos
Seminario de investigación i aída villalobosSeminario de investigación i aída villalobos
Seminario de investigación i aída villalobos
 
2.3.1.5 packet tracer configuring rapid pvst+ answer
2.3.1.5 packet tracer   configuring rapid pvst+ answer2.3.1.5 packet tracer   configuring rapid pvst+ answer
2.3.1.5 packet tracer configuring rapid pvst+ answer
 
Seminario de investigación i adrian marín
Seminario de investigación i adrian marínSeminario de investigación i adrian marín
Seminario de investigación i adrian marín
 
Taller de economía mexicana ii gregorio silva
Taller de economía mexicana ii gregorio silvaTaller de economía mexicana ii gregorio silva
Taller de economía mexicana ii gregorio silva
 
Abastecimiento
AbastecimientoAbastecimiento
Abastecimiento
 
14 Steps to Branding a Restaurant Franchise
14 Steps to Branding a Restaurant Franchise14 Steps to Branding a Restaurant Franchise
14 Steps to Branding a Restaurant Franchise
 

Semelhante a Lições de Botânica na sala de aula

Historia da ciencia no ensino medio
Historia da ciencia no ensino medioHistoria da ciencia no ensino medio
Historia da ciencia no ensino medioFabiano Antunes
 
Dissertação da Gabrielle Tanus. Cenário acadêmico-institucional dos cursos de...
Dissertação da Gabrielle Tanus. Cenário acadêmico-institucional dos cursos de...Dissertação da Gabrielle Tanus. Cenário acadêmico-institucional dos cursos de...
Dissertação da Gabrielle Tanus. Cenário acadêmico-institucional dos cursos de...briquetdelemos
 
A cultura escolar como categoria de análise e como campo de investigação na h...
A cultura escolar como categoria de análise e como campo de investigação na h...A cultura escolar como categoria de análise e como campo de investigação na h...
A cultura escolar como categoria de análise e como campo de investigação na h...Mônica Santos
 
TÓPICOS DE FÍSICA MODERNA E CONTEMPORÂNEA NO ENSINO MÉDIO: INTERFACES DE UMA ...
TÓPICOS DE FÍSICA MODERNA E CONTEMPORÂNEA NO ENSINO MÉDIO: INTERFACES DE UMA ...TÓPICOS DE FÍSICA MODERNA E CONTEMPORÂNEA NO ENSINO MÉDIO: INTERFACES DE UMA ...
TÓPICOS DE FÍSICA MODERNA E CONTEMPORÂNEA NO ENSINO MÉDIO: INTERFACES DE UMA ...Marivane Biazus
 
Tcc 2014.1 A IMPORTÂNCIA DAS HQ's COMO RECURSO DIDÁTICO NO ENSINO DE CIÊNCIAS...
Tcc 2014.1 A IMPORTÂNCIA DAS HQ's COMO RECURSO DIDÁTICO NO ENSINO DE CIÊNCIAS...Tcc 2014.1 A IMPORTÂNCIA DAS HQ's COMO RECURSO DIDÁTICO NO ENSINO DE CIÊNCIAS...
Tcc 2014.1 A IMPORTÂNCIA DAS HQ's COMO RECURSO DIDÁTICO NO ENSINO DE CIÊNCIAS...Leilany Campos
 
Materiais didáticos de botânica contribuição na formação de discentes do curs...
Materiais didáticos de botânica contribuição na formação de discentes do curs...Materiais didáticos de botânica contribuição na formação de discentes do curs...
Materiais didáticos de botânica contribuição na formação de discentes do curs...bio_fecli
 
Os Sentidos da Educação Escolar na Metáfora do Desenvolvimento Sustentável do...
Os Sentidos da Educação Escolar na Metáfora do Desenvolvimento Sustentável do...Os Sentidos da Educação Escolar na Metáfora do Desenvolvimento Sustentável do...
Os Sentidos da Educação Escolar na Metáfora do Desenvolvimento Sustentável do...Luciano Lugori
 
Relação das oficinas pedagógicas e gt's eneseb 2013
Relação das oficinas pedagógicas e gt's  eneseb 2013Relação das oficinas pedagógicas e gt's  eneseb 2013
Relação das oficinas pedagógicas e gt's eneseb 2013Fellipe Madeira
 
Livros didáticos em dimensões materiais e simbólicas
Livros didáticos em dimensões materiais e simbólicasLivros didáticos em dimensões materiais e simbólicas
Livros didáticos em dimensões materiais e simbólicasDafianaCarlos
 
CONTRIBUIÇÕES DA PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL:...
CONTRIBUIÇÕES DA PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL:...CONTRIBUIÇÕES DA PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL:...
CONTRIBUIÇÕES DA PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL:...Marcelo Valle
 
A matemática do colégio: livros didáticos e história de uma disciplina escolar
A matemática do colégio: livros didáticos e história de uma disciplina escolarA matemática do colégio: livros didáticos e história de uma disciplina escolar
A matemática do colégio: livros didáticos e história de uma disciplina escolarFrancisco De Oliveira Filho
 
Educacao e diversidade
Educacao e diversidadeEducacao e diversidade
Educacao e diversidadeMagno Oliveira
 
Tese - Metodologia do ensino de ciências da natureza
Tese -  Metodologia do ensino de ciências da naturezaTese -  Metodologia do ensino de ciências da natureza
Tese - Metodologia do ensino de ciências da naturezaRosineia Oliveira dos Santos
 
Dissertação de mestrado
Dissertação de mestradoDissertação de mestrado
Dissertação de mestradoJuliane Silva
 
exercícios vestibular.pdf
exercícios vestibular.pdfexercícios vestibular.pdf
exercícios vestibular.pdfGilson Moura
 
Cadernos dos Cursinhos Pré-Universitários da UNESP
Cadernos dos Cursinhos Pré-Universitários da UNESPCadernos dos Cursinhos Pré-Universitários da UNESP
Cadernos dos Cursinhos Pré-Universitários da UNESPmaarceeloricardo
 
Professor Investigador versus Ensino de Biologia
Professor Investigador versus Ensino de BiologiaProfessor Investigador versus Ensino de Biologia
Professor Investigador versus Ensino de Biologiahyguer
 

Semelhante a Lições de Botânica na sala de aula (20)

Historia da ciencia no ensino medio
Historia da ciencia no ensino medioHistoria da ciencia no ensino medio
Historia da ciencia no ensino medio
 
Dissertação da Gabrielle Tanus. Cenário acadêmico-institucional dos cursos de...
Dissertação da Gabrielle Tanus. Cenário acadêmico-institucional dos cursos de...Dissertação da Gabrielle Tanus. Cenário acadêmico-institucional dos cursos de...
Dissertação da Gabrielle Tanus. Cenário acadêmico-institucional dos cursos de...
 
A cultura escolar como categoria de análise e como campo de investigação na h...
A cultura escolar como categoria de análise e como campo de investigação na h...A cultura escolar como categoria de análise e como campo de investigação na h...
A cultura escolar como categoria de análise e como campo de investigação na h...
 
TÓPICOS DE FÍSICA MODERNA E CONTEMPORÂNEA NO ENSINO MÉDIO: INTERFACES DE UMA ...
TÓPICOS DE FÍSICA MODERNA E CONTEMPORÂNEA NO ENSINO MÉDIO: INTERFACES DE UMA ...TÓPICOS DE FÍSICA MODERNA E CONTEMPORÂNEA NO ENSINO MÉDIO: INTERFACES DE UMA ...
TÓPICOS DE FÍSICA MODERNA E CONTEMPORÂNEA NO ENSINO MÉDIO: INTERFACES DE UMA ...
 
Tcc 2014.1 A IMPORTÂNCIA DAS HQ's COMO RECURSO DIDÁTICO NO ENSINO DE CIÊNCIAS...
Tcc 2014.1 A IMPORTÂNCIA DAS HQ's COMO RECURSO DIDÁTICO NO ENSINO DE CIÊNCIAS...Tcc 2014.1 A IMPORTÂNCIA DAS HQ's COMO RECURSO DIDÁTICO NO ENSINO DE CIÊNCIAS...
Tcc 2014.1 A IMPORTÂNCIA DAS HQ's COMO RECURSO DIDÁTICO NO ENSINO DE CIÊNCIAS...
 
Fabulas
FabulasFabulas
Fabulas
 
Materiais didáticos de botânica contribuição na formação de discentes do curs...
Materiais didáticos de botânica contribuição na formação de discentes do curs...Materiais didáticos de botânica contribuição na formação de discentes do curs...
Materiais didáticos de botânica contribuição na formação de discentes do curs...
 
Os Sentidos da Educação Escolar na Metáfora do Desenvolvimento Sustentável do...
Os Sentidos da Educação Escolar na Metáfora do Desenvolvimento Sustentável do...Os Sentidos da Educação Escolar na Metáfora do Desenvolvimento Sustentável do...
Os Sentidos da Educação Escolar na Metáfora do Desenvolvimento Sustentável do...
 
Relação das oficinas pedagógicas e gt's eneseb 2013
Relação das oficinas pedagógicas e gt's  eneseb 2013Relação das oficinas pedagógicas e gt's  eneseb 2013
Relação das oficinas pedagógicas e gt's eneseb 2013
 
Livros didáticos em dimensões materiais e simbólicas
Livros didáticos em dimensões materiais e simbólicasLivros didáticos em dimensões materiais e simbólicas
Livros didáticos em dimensões materiais e simbólicas
 
CONTRIBUIÇÕES DA PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL:...
CONTRIBUIÇÕES DA PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL:...CONTRIBUIÇÕES DA PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL:...
CONTRIBUIÇÕES DA PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL:...
 
Pg ppgect m_molina, mallany camargo_2013
Pg ppgect m_molina, mallany camargo_2013Pg ppgect m_molina, mallany camargo_2013
Pg ppgect m_molina, mallany camargo_2013
 
000035 a2. rosilene
000035 a2. rosilene000035 a2. rosilene
000035 a2. rosilene
 
A matemática do colégio: livros didáticos e história de uma disciplina escolar
A matemática do colégio: livros didáticos e história de uma disciplina escolarA matemática do colégio: livros didáticos e história de uma disciplina escolar
A matemática do colégio: livros didáticos e história de uma disciplina escolar
 
Educacao e diversidade
Educacao e diversidadeEducacao e diversidade
Educacao e diversidade
 
Tese - Metodologia do ensino de ciências da natureza
Tese -  Metodologia do ensino de ciências da naturezaTese -  Metodologia do ensino de ciências da natureza
Tese - Metodologia do ensino de ciências da natureza
 
Dissertação de mestrado
Dissertação de mestradoDissertação de mestrado
Dissertação de mestrado
 
exercícios vestibular.pdf
exercícios vestibular.pdfexercícios vestibular.pdf
exercícios vestibular.pdf
 
Cadernos dos Cursinhos Pré-Universitários da UNESP
Cadernos dos Cursinhos Pré-Universitários da UNESPCadernos dos Cursinhos Pré-Universitários da UNESP
Cadernos dos Cursinhos Pré-Universitários da UNESP
 
Professor Investigador versus Ensino de Biologia
Professor Investigador versus Ensino de BiologiaProfessor Investigador versus Ensino de Biologia
Professor Investigador versus Ensino de Biologia
 

Lições de Botânica na sala de aula

  • 1. Universidade Federal Fluminense Centro de Estudos Sociais Aplicados Faculdade de Educação Programa de Pós-Graduação Lições da Botânica: Um ensaio para as aulas de Ciências Simone Rocha Salomão Niterói – RJ 2005
  • 2. i Universidade Federal Fluminense Centro de Estudos Sociais Aplicados Faculdade de Educação Programa de Pós-Graduação Lições da Botânica: Um ensaio para as aulas de Ciências Simone Rocha Salomão Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense como requisito parcial para a obtenção do título de DOUTORA EM EDUCAÇÃO. Campo de Confluência: Lin- guagem, Subjetividade e Cultura. Orientadora: Profa. Dra. Dominique Colinvaux Co-Orientadora: Profa. Dra. Cecilia Maria Goulart Niterói – RJ 2005
  • 3. ii Universidade Federal Fluminense Centro de Estudos Sociais Aplicados Faculdade de Educação Programa de Pós-Graduação Lições da Botânica: Um ensaio para as aulas de Ciências Simone Rocha Salomão Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense como requisito parcial para a obtenção do título de DOUTORA EM EDUCAÇÃO. Campo de Confluência: Lin- guagem, Subjetividade e Cultura. Banca Examinadora: ___________________________________________ Profa. Dra. Dominique Colinvaux – Orientadora – UFF ______________________________________________________ Profa. Dra. Cecilia Maria Goulart – Co-Orientadora – UFF _______________________________________________________ Prof. Dr. José Luiz Fiorin – USP ____________________________________________ Prof. Dr. Pedro da Cunha Pinto Neto – Unicamp ____________________________________________ Profa. Dra. Isabel Martins – NUTES/UFRJ ____________________________________________ Profa. Dra. Sandra Escovedo Selles – UFF
  • 4. iii AGRADECIMENTOS Não podemos negar nem esquecer as dimensões dialógica e coletiva que constituem todos os trabalhos acadêmicos. São muitos os companheiros da caminhada, os que trouxe- ram e discutiram idéias e os que interviram nas condições de produção. A muitos deles quero agradecer: À minha Professora Orientadora Dra. Dominique Colinvaux e à minha Professora Co-orientadora Dra. Cecilia Maria Goulart, pelo carinho, paciência e apoio em todos os momentos desse trabalho e por sua imensa generosidade em compartilhar conhecimentos. À Professora Dra. Sandra Escovedo Selles e ao Professor Dr. José Luiz Fiorin, pelo incentivo, pela leitura atenciosa que fizeram do texto de qualificação do Projeto de Tese e pelas contribuições que trouxeram ao desenvolvimento do trabalho. À Professora Maria Helena de Siqueira Salles, pelo estímulo e apoio à minha per- manência no Programa de Doutorado, enquanto esteve à frente da Secretaria Municipal de Educação de Macaé. À Professora Milmar Madureira Pinheiro, Secretária Municipal de Educação de Macaé, por compreender as dificuldades e pelo apoio efetivo à conclusão desse Programa. Ao Professor Marcos Aurélio Pereira Maciel, professor de Ciências da Escola Esta- dual Municipalizada Polivalente Anísio Teixeira, que, tão gentilmente, aceitou participar desse trabalho, implementando em suas turmas as atividades empíricas da Pesquisa. Aos alunos das turmas 601 e 603, do ano letivo de 2004 da Escola Estadual Muni- cipalizada Polivalente Anísio Teixeira, pelo seu empenho e comprometimento em partici- par das atividades propostas, com atenção, entusiasmo e alegria. À Direção e aos Funcionários da Escola Estadual Municipalizada Polivalente Aní- sio Teixeira pela acolhida em seu meio e pelo apoio durante o desenvolvimento das ativi- dades.
  • 5. iv À minha ex-aluna Aline de Paula Barreto Cortez, hoje licencianda de Ciências Bio- lógicas, com quem pude contar como Auxiliar de Pesquisa e que, tão cuidadosamente, conduziu e apoiou as atividades de montagem do herbário junto às turmas. Aos alunos Bira, Daniele Thaís, Lalita, Nynna e Thiago, do Colégio Módulo, pela disposição em compor o elenco da peça Lição de Botânica, pelo brilhante desempenho e pela dedicação enquanto durou a história. Aos colegas do Colégio Módulo, de Macaé, representados pelos Professores Ledir da Silva Rocha e Seila Maria Tavares Quinteiro Moreira, pelo carinho e incentivo. A todos os colegas de trabalho da Casa da Educação de Macaé, representados pelas Professoras Derli Santuchi Pinheiro e Tânia Márcia Carvalho Aguiar, amigas e companhei- ras solidárias, que me incentivaram e apoiaram, em todos os momentos. Ao Marcelo, pela ternura e pelo apoio constantes, sem os quais não se teria come- çado e nem terminado esse trabalho. Às minhas filhas, Helena e Luiza, pelo carinho e pela torcida para que a tese fosse concluída.
  • 6. v DEDICATÓRIA Dedico esse trabalho a: Regina e Iambá, meus pais, fonte constante de carinho e atenção, no ano de suas Bodas de Ouro. Marcelo, Helena e Luiza, amores, junto aos quais a vida tem sentido.
  • 7. vi RESUMO O presente trabalho procura investigar e compreender as aproximações entre ciência e lite- ratura e entre linguagem científica e linguagem literária, suas relações com o ensino e a aprendizagem em ciências e o possível papel potencializador do texto literário na aprendi- zagem de conteúdos científicos no Ensino Fundamental. Para tanto, utiliza como fio condutor da pesquisa a peça Lição de Botânica, de Machado de Assis, a partir da qual são geradas questões para a discussão teórica e caminhos para a pesquisa empírica. Tal pesquisa, implementada com turmas de 6a série de uma escola pública de Macaé – RJ, constitui-se da apresentação de uma montagem da peça aos alunos, discussão junto a eles sobre a peça, atividades escritas e montagem de um herbário. As atividades escritas, reali- zadas antes e após a apresentação da peça, incluíram questionários de perguntas abertas e exercícios que solicitaram dos alunos reflexão e análise sobre a peça e, em particular, sobre aspectos relacionados com a botânica e sua linguagem e, ainda, sobre a própria atividade científica. Entre as referências teóricas mobilizadas, destacam-se as considerações do Círculo de Bakhtin sobre linguagem, sobretudo as noções de exotopia e plurilingüismo. As reflexões desenvolvidas são traçadas através de dois eixos – Ciência e Literatura e Linguagem e Aprendizagem – envolvendo aspectos relativos às diferentes linguagens, à história da biologia e da botânica e à produção de linguagem e de significados pelos alunos, inserida em sua dinâmica de aprendizagem.
  • 8. vii ABSTRACT The present work aims to investigate and understand the approaches between science and literature, and between scientific language and literary language, their relations with teach- ing and learning in science, and the possible activator role of the literary text in the learn- ing of scientific subjects in the basic education. For such a way, it uses the play Lição de Botânica, from Machado de Assis, as a conductor line of the research, from which it gener- ates questions to the theoretical discussion, and pathways to the empirical research. Such research, implemented with classes of 6a series of fundamental teaching in a public school in Macaé – RJ, consists of the presentation of the play to the pupils, discussion with them about the play, written activities, and construction of a herbary. The written activities, car- ried through before and after the presentation of the play, include questionnaires of open questions and tasks that request from the pupils reflection and analysis about the play and, in particular, about aspects related with the botany and its language and, still, about the own scientific activity. Among the mobilized theoretical references, the considerations of the Circle of Bakhtin on language are distinguished, over all the notions of exotopy and heteroglossia. The developed reflections are traced through two axes - Science and Litera- ture, and Language and Learning - involving aspects related to different languages, to his- tory of biology and botany, and to the production of language and meanings by the pupils, inserted in their dynamic of learning.
  • 9. viii LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Questão 1/1: Respostas da Turma 601............................................................. 60 Tabela 2 – Questão 1/1: Respostas da Turma 603............................................................. 60 Tabela 3 – Questão 1/1: Referências a outros profissionais na Turma 601 ...................... 62 Tabela 4 – Questão 1/1: Referências a outros profissionais na Turma 603 ...................... 62 Tabela 5 – Questão 1/2: Respostas da Turma 601............................................................. 63 Tabela 6 – Questão 1/2: Respostas da Turma 603............................................................. 63 Tabela 7 – Questão 1/3: Respostas da Turma 601............................................................. 69 Tabela 8 – Questão 1/3: Respostas da Turma 603............................................................. 70 Tabela 9 – Questão 1/4: Respostas da Turma 601............................................................. 72 Tabela 10 – Questão 1/4: Respostas da Turma 603........................................................... 73 Tabela 11 – Questão 1/5: Respostas da Turma 601........................................................... 85 Tabela 12 – Questão 1/5: Respostas da Turma 603........................................................... 85 Tabela 13 – Questão 1/6: Respostas da Turma 601........................................................... 90 Tabela 14 – Questão 1/6: Respostas da Turma 603........................................................... 90 Tabela 15 – Questão 1/7: Respostas da Turma 601........................................................... 94 Tabela 16 – Questão 1/7: Respostas da Turma 603........................................................... 94 Tabela 17 – Questão 1/8: Respostas da Turma 601........................................................... 99 Tabela 18 – Questão 1/8: Respostas da Turma 603......................................................... 100 Tabela 19 – Questão 2/1: Respostas das Turmas 601 e 603 ........................................... 127 Tabela 20 – Questão 2/3: Respostas das Turmas 601 e 603 ........................................... 131 Tabela 21 – Questão 2/4a: Respostas das Turmas 601 e 603 ......................................... 137 Tabela 22 – Questão 2/5: Respostas das Turmas 601 e 603 ........................................... 143 Tabela 23 – Questão 2/8: Respostas das Turmas 601 e 603 ........................................... 153
  • 10. ix LISTA DE ILUSTRAÇÕES 1 – Apresentação da peça Lição de Botânica ..........................................................109 a 111 2 – Dissecção de flores de Hibiscus rosa-sinensis ............................................................183 3 – Montagem do Herbário: coleta e prensagem dos espécimes .......................................184 4 – Montagem do Herbário: confecção das pranchas e classificação dos espécimes .......185 5 – Cópias das pranchas do Herbário ..................................................................... 186 a 202
  • 11. x LISTA DE ANEXOS Anexo 1- Texto da atividade no 1 de pesquisa .................................................................. 239 Anexo 2- Texto da atividade no 2 de pesquisa ..................................................................240 Anexo 3- Texto da atividade no 3 de pesquisa ................................................................. 241 Anexo 4- Textos fornecidos para consulta nas atividades no 2 e 3 de pesquisa .............. 242 Anexo 5- Texto adaptado da peça Lição de Botânica ...................................................... 245 Anexo 6- Texto preparado para o apresentador da peça .................................................. 257 Anexo 7- Resumo do trabalho apresentado no IX EPEB – FE-USP/SP, julho de 2004 .................................................................................................... 259
  • 12. xi
  • 13. xii SUMÁRIO 1 – Sobre como se criou o enigma .................................................................................... 1 1.1 – Primeiras idéias ......................................................................................................... 2 1.2 – Ciência e literatura .................................................................................................... 4 1.3 – Linguagem e aprendizagem ....................................................................................... 7 2 – Do risco de ser devorado ........................................................................................... 10 2.1 – Na atmosfera da peça ................................................................................................ 11 2.1.1 – A peça e seu autor ................................................................................................... 13 2.1.2 – O autor da peça, outros autores e a ciência do Brasil ............................................. 17 2.1.3 – A ciência da peça ................................................................................................... 21 2.2 – Em outros ares ........................................................................................................... 30 2.2.1 – Textos alternativos em aulas de ciências ............................................................... 30 2.2.2 – Bakhtin: um ponto teórico central ......................................................................... 38 2.2.3 – Pesquisas sobre aprendizagem e linguagem ......................................................... 44 3 – No caminho da esfinge .............................................................................................. 53 3.1 – Trabalho empírico a partir da Lição de Botânica ..................................................... 54 3.2 – Primeiras questões .................................................................................................... 59 3.2.1 – Sobre a ciência ....................................................................................................... 59 3.2.2 – Sobre a linguagem científica ................................................................................. 71 3.2.3 – Sobre as classificações biológicas ........................................................................ 80 3.2.4 – Sobre as flores ....................................................................................................... 92 4 – Imagens da peça ........................................................................................................ 108 4.1 – Imagens ................................................................................................................... 109 4.2 – O que se diz sobre ela .............................................................................................. 112 5 – Frente a frente com a esfinge ................................................................................. 124 Novas questões ................................................................................................................. 125 5.1 – Sobre a peça e a ciência ........................................................................................... 125 5.2 – Sobre o Sr. Barão de Kernoberg............................................................................... 135 5.3 – Sobre a linguagem do Sr. Barão .............................................................................. 142 5.4 – Sobre a nomenclatura científica ............................................................................. 148 5.5 – Sobre o estudo da Botânica .................................................................................... 156 5.6 – Tal qual os botânicos .............................................................................................. 180 6 – Respondendo ao enigma ......................................................................................... 203 7 – Referências Bibliográficas ...................................................................................... 230 8 – Anexos ....................................................................................................................... 238
  • 14. 1
  • 15. 2 1 – SOBRE COMO SE CRIOU O ENIGMA “Minha vida, nossas vidas formam um só diamante. Aprendi novas palavras e tornei outras mais belas.” Carlos Drummond de Andrade 1.1 – Primeiras idéias Na cena XII da peça de teatro Lição de Botânica, escrita por Machado de Assis em 1906, Dona Leonor, questionando a importância dos conhecimentos da Botânica e surpresa com o interesse de Helena por esse assunto, pergunta a sua sobrinha para que lhe serve saber tal ciência. Ao que a moça responde, com naturalidade e exatidão: “Serve para co- nhecer as flores dos meus bouquets, para não confundir jasmíneas com rubiáceas, nem bromélias com umbelíferas”. Porém, mais à frente na história, em meio à perplexidade da tia assustada com tantos nomes estranhos em “uma língua de gentios, avessa à gente cris- tã”, Helena vai mostrar o uso estratégico que faz de seus conhecimentos e desconhecimen- tos da fitologia, apoiada pela irmã Cecília que está convicta de que “a ciência é uma gran- de coisa e não há remédio senão adorar a botânica”. A intenção, como professora e pesquisadora, de prosseguir na reflexão sobre meto- dologia do ensino de Ciências e o desejo de aproximar, de forma mais sistemática, textos literários desse ensino, identificaram nessa peça de Machado de Assis uma interessante oportunidade. Logo em uma primeira leitura, algumas colocações significativas sobre as relações entre ciência e senso comum e entre a linguagem comum e a linguagem científica podem ser destacadas da singela trama narrada, como por exemplo a imagem de um pes- quisador isolado da realidade social, na figura do Barão sueco Sigismundo de Kernoberg; a consideração de um completo desconhecimento das outras pessoas sobre assuntos da ciên- cia; as dificuldades da linguagem científica, no caso, a da Botânica e a possibilidade de ensinar e de aprender ciências. E à medida que se vai relendo o texto da peça, com a atenção agora voltada para es- se campo de idéias, procurando estabelecer relações e atribuir sentidos nessa linha de in- vestigação, outros trechos da história se destacam, são mobilizados e evidenciam novas questões para ampliar a discussão. Assim, considerando que a literatura pode fecundar nos- so pensamento e que os projetos de pesquisa têm sempre, ainda que implicitamente, um
  • 16. 3 mote através do qual se conduzem as idéias sobre o que se quer tratar, pensamos em utili- zar o texto da peça como referência para a lapidação do objeto de estudo e do percurso metodológico desse trabalho. Em estudo anterior (Salomão, 1998), desenvolvemos aproximações teóricas acerca do espaço cultural da escola pública, visto em sua constituição pelos saberes da ciência e da arte, produções humanas, históricas e sociais, e sobre o papel dos professores como me- diadores nesse espaço. Como se fosse o fio de Ariadne conduzindo Teseu à saída do labi- rinto, o texto da dissertação seguiu o fio da linguagem – linguagem das máscaras, do tea- tro, linguagem literária e linguagem científica – como eixo para se pensar algumas ques- tões sobre esse espaço de cultura em suas relações com o ensino de Ciências. As reflexões então desenvolvidas inspiraram-se, por sua vez, na noção de espaço, delineada por Michel de Certeau (1994) como lugar vivido e praticado através de movi- mentos táticos, e na noção de condução da vida, apontada por Agnes Heller (1992) como possibilidade de os indivíduos, através de iniciativas refletidas, emergirem de uma cotidianidade alienante. É na perspectiva de retomar a linguagem como fio condutor da pesquisa, agora co- mo se fosse o fio do bordado de Penélope, que vai sendo retramado à procura de novos sentidos, que a Lição de Machado de Assis se coloca como ponto de partida para esse tra- balho, que tem como objetivos gerais investigar as aproximações entre linguagem científi- ca e linguagem literária, suas relações com o ensino e a aprendizagem de ciência e o possí- vel papel potencializador do texto literário na aprendizagem de conteúdos científicos no Ensino Fundamental. Se num primeiro momento, há o entusiasmo com a graça e a riqueza da peça ma- chadiana, que se encaixa como a mão e a luva na proposta de utilizar textos literários em aulas de ciências, e com as possibilidades de dissecá-la segundo nossos propósitos, existe também o desafio de traçar e selecionar, em meio à gama de relações que se enunciam na história, aquelas mais relevantes para o contexto de pesquisa. Há que se configurar um campo teórico-metodológico para a investigação e traçar suas questões centrais, inserindo- as no movimento das pesquisas em Educação em Ciências e dos Estudos da Linguagem. Em seu ensaio sobre algumas funções da literatura, Umberto Eco (2003), de certa maneira superando sua conhecida afirmação de que a literatura não deve servir para nada, arrola uma série de importantes funções que ela assume para a vida individual e para a vida social. Segundo o escritor, não sendo de forma alguma apenas um bem que se consuma
  • 17. 4 gratia sui, esse poder imaterial chamado literatura pode fazer muitas coisas, inclusive nos educar para a liberdade e, também, para aceitar os desígnios da vida e a certeza da morte. Como uma tentativa de acompanhar Umberto Eco nesse inventário, gostaríamos de poder acrescentar às funções das produções literárias a possibilidade de enriquecer os pro- cessos escolares de ensino e aprendizagem de conteúdos científicos. É essa a nossa hipóte- se inicial de trabalho. Porém, reconhecemos que os textos literários, que propõem um dis- curso com muitos planos de leitura e expõem a ambigüidade da linguagem e da vida, não têm responsabilidades e nenhum compromisso com estratégias de ensino e com as exigên- cias que um trabalho científico nos impõe. Assim, sem querer exigir que Machado de Assis dê conta de tudo sozinho, procuraremos compreender as contradições e completar as lacu- nas que surgirem durante a reflexão. Conduzidos pela Lição de Botânica, podemos estabelecer dois eixos para a discus- são que se quer empreender. Por um lado, a questão teórica de aproximação entre lingua- gens científica e literária, como estratégia de ensino-aprendizagem de ciências, particular- mente de Biologia/Botânica na 6a série do Ensino Fundamental; e por outro lado, em um sentido mais amplo e em termos mais gerais, as relações existentes entre linguagem e a- prendizagem. Cada um desses eixos será melhor explorado no Capítulo 2 onde trataremos do referencial teórico-metodológico da pesquisa, mas é brevemente esboçado a seguir, com o intuito de configurar a problemática considerada e permitir explicitar as questões que norteiam este trabalho. 1.2– Ciência e Literatura Características e especificidades da linguagem científica, tomadas em confronto com a linguagem cotidiana, têm sido abordadas, com bases teóricas distintas, por diversos textos, entre eles Possenti (1997), Mortimer & Chagas & Alvarenga (1997) e Lopes (1999, 2000). Esses trabalhos, voltados em maior ou menor grau para implicações de ordem pe- dagógica, abordam particularidades das diferentes linguagens, destacando, sobretudo, a formalização e o caráter estruturado e de autoridade da linguagem científica. Partindo da idéia de que a linguagem é condição transcendental e também limite para qualquer tipo de conhecimento, Possenti (1997), baseando-se em Granger1 , destaca 1 GRANGER, Giles-Gaston. Filosofia do estilo. São Paulo: Perspectiva – Editora da Universidade de São Paulo, 1974.
  • 18. 5 como importante característica da linguagem e do discurso científico uma forte estrutura- ção, que se configura em uma progressiva eliminação do vivido, do vivido enquanto repre- sentado na linguagem cotidiana não-científica. Tal estruturação buscaria diminuir o mais intensamente possível a relação entre o enunciado e o sujeito que o produz e, ainda que a subjetividade permaneça presente em todo o trabalho, o sistema de produção dos enuncia- dos científicos não se remeteria a ela e se esforçaria para obter uma linguagem estruturada livre das experiências, dos interesses pessoais e da ideologia. O autor assinala, assim, que o critério de cientificidade de um enunciado não é, como se costuma pensar, a verdade da proposição que ele veicula, mas seu sistema, suas condições e suas regras de produção. Sobre a objetivação e precisão também atribuídas à linguagem científica, Possenti observa, apoiando-se em Michel Pêcheux, que a linguagem das ciências exatas produz dis- cursos logicamente estabilizados, que se propõem não sujeitos a interpretações variadas, leituras particulares ou controvérsias e teriam ênfase no domínio da linguagem técnica, condição para as comunicações eficientes entre os profissionais do grupo institucional e a continuação das pesquisas. Possenti considera, então, que a propalada precisão da lingua- gem das ciências da natureza, geralmente revestida pela linguagem matemática, é, mais do que uma propriedade da linguagem e das palavras que comporta, o efeito de um trabalho histórico de desideologização e, principalmente, de um aprendizado e treinamento peculia- res dos cientistas. Reforçando essas idéias, o caráter predominantemente estruturado da linguagem ci- entífica, em contraposição à linguagem cotidiana, também é focalizado no trabalho de Mortimer et al (1997), com bases, entre outros, em Halliday & Martin (1993). Em suas análises e considerações teóricas, esses autores destacam o esforço da linguagem científica para promover tanto uma espécie de congelamento dos acontecimentos e dos processos, transformando-os em grupos nominais, ligados por verbos que exprimem relações, quanto o apagamento dos sujeitos, empenhando-se em retirar de seus enunciados a perspectiva de um narrador. A linguagem científica demandaria, então, uma atenção permanente em seu uso, atribuindo uma maior densidade léxica, pela qual os termos usados carregam signifi- cados interligados em uma estrutura conceitual pré-determinada. Para lançar pontes entre a linguagem científica e a linguagem literária, Gaston Ba- chelard (1996a) é, sem dúvida, um interessante referencial teórico e que, ao que parece, não contradiz essas afirmações. No percurso de sistematizar o processo de desenvolvimen-
  • 19. 6 to do espírito científico moderno, Bachelard destaca a importância da linguagem como um obstáculo epistemológico e como verdadeira armadilha para os pesquisadores. Analisando livros científicos do século XVIII, ele observa o diálogo que os autores estabeleciam com seus leitores e o grande vínculo de seus textos com a vida cotidiana. Já os livros de ensino científico produzidos em sua época não querem saber de conversa, e têm, efetivamente, uma outra linguagem, que se pretende mais objetiva e estruturada, atra- vés da qual a ciência nos é apresentada ligada a uma teoria geral, e onde não há espaço para as perguntas do leitor. Mas se Bachelard é vigilante em relação à linguagem que vê como condição neces- sária ao progresso do conhecimento científico, pois as metáforas seduzem a razão (p.97), permite-se também, em vários outros estudos, considerar o valor de um outro saber, nasci- do do imaginário e da força criadora do não-racional. E nesse caminho, que tomamos como precioso argumento, reconhece a capacidade das imagens poéticas de liberar e movimentar nossa atividade lingüística e de fertilizar o pensamento humano, despertando-o, rejuvenes- cendo-o e restituindo-lhe a faculdade de se maravilhar (Bachelard, 1996b). Idéias que ve- mos ligarem-se às do biólogo e historiador da Biologia Ernst Mayr (1998a), ao discutir os métodos de pesquisa e afirmar que, em última instância, a imaginação é o pré-requisito mais importante de todo progresso científico. Tais questões carregam em si uma grande complexidade. Tradicionais incompatibi- lidades e discretas afinidades entre a ciência e a literatura têm sido discutidas, também, fora do âmbito educacional por pesquisadores das ciências humanas e das ciências natu- rais. No contexto de tais considerações, Vierne (1994) analisa as relações renovadas e fe- cundas que se esboçam entre alguns desses cientistas das diferentes áreas do conhecimen- to, pautadas numa recuperação do diálogo entre ciência e imaginário. Mas, segundo a autora, em confronto com tais iniciativas de aproximação, as rela- ções entre literatura e ciências nem sempre foram simples; marcadas historicamente, têm refletido um processo crescente de estranhamento, desde os tempos em que o poeta, sem fronteiras nítidas entre o filósofo e o físico, se apropriava da ciência sem trair suas teorias, e essas se deixavam transmitir sem complexos pela poesia. O próprio desenvolvimento da ciência e de seus modos de falar, envoltos por áureas de verdade, vai promovendo seu afas- tamento da literatura, estabelecendo novas relações, às vezes tempestuosas, às vezes peri- gosas, até o divórcio [pois um desconfia demasiadamente do outro], mas onde os parceiros não cessam de lançar-se olhares de desejo (Vierne, 1994, p.79).
  • 20. 7 Outro conjunto de argumentos preciosos que puxamos para essa problemática, por oferecer aportes teóricos para a reflexão sobre as diferentes linguagens e seus embates na vida social concreta, são as idéias desenvolvidas pelo círculo de pensadores liderados por Mikhail Bakhtin. As noções por eles discutidas acerca das palavras como signos e como arena, da polifonia, das distintas linguagens sociais e gêneros de fala, dos híbridos discur- sivos, dos discursos de autoridade e internamente persuasivos, das palavras alheias e pró- prias e as interessantes categorias de exotopia e de excedente de visão são idéias fortes que podem movimentar as análises de dados de linguagem. E se já têm sido empregadas em diversas pesquisas sobre as aventuras das interações discursivas em aulas de ciências, po- dem também vir a iluminar a discussão sobre a inserção de textos literários nessas aulas. Essas referências serão discutidas mais à frente. Consideramos, por fim, estudos como os de Ricon & Almeida (1991), Zanetic (1997 e 1998), Silva (1998), Silva & Almeida (1998), Souza (2000), Lajolo (2001), Morei- ra (2002), Salomão (2000, 2005), Salomão & Souza (2001, 2003) e Salomão et al. (2003) que, com enfoques teóricos diferenciados, vêm discutindo as relações entre linguagem, discurso, literatura e ciência e vêm analisando as condições práticas de aproximação ao ensino de Ciências de textos variados, inclusive literários. Enfraquecendo barreiras disci- plinares, esses autores procuram aproximações entre as produções da literatura e o conhe- cimento científico, tomando como importante argumento de análise a dimensão cultural, e têm ponderado sobre as implicações positivas da historicidade e da polissemia, próprias dos textos literários, para o enriquecimento do processo de ensino-aprendizagem de temas científicos e sobre a contribuição das aulas de ciências para o desenvolvimento de práticas de leitura nas escolas. 1.3 – Linguagem e Aprendizagem Em paralelo à discussão das relações entre linguagens literária e científica, a pes- quisa educacional aborda também o tema da aprendizagem. Um número expressivo de pesquisas em Educação em Ciências tem, sob a ótica da psicologia sócio-cultural e com focos de atenção variados, estudado questões relativas ao funcionamento da linguagem nas situações de ensino-aprendizagem e discutido a dinâmica das interações discursivas em aulas de ciências. Tais estudos, entre os quais mencionamos Mortimer & Machado (1997), Machado (1999), Wertsch & Smolka (1999), Machado & Colinvaux (2000), Machado (2000), Gui- marães (2000), Dumrauf & Cordero & Colinvaux (2001) e Mortimer & Scott (2002), vêm
  • 21. 8 dedicando significativos esforços a evidenciar o papel central da linguagem nos processos escolares de ensino-aprendizagem e têm conseguido levantar interessantes questões e for- mular um conjunto de dimensões e categorias que possibilitam as análises e a compreensão acerca dos embates da linguagem cotidiana com a linguagem científica, em sua manifesta- ção nesse contexto específico. Mas, se já são abundantes os resultados empíricos sobre essa temática, várias ques- tões permanecem, todavia, em aberto, estimulando a discussão, a articulação entre idéias e a busca por refinamentos teóricos. Podemos, então, apontar questões que, em nosso enten- der, merecem atenção e que, por estarem intimamente vinculadas ao eixo anterior, podem contribuir para o entendimento das relações entre linguagem científica e linguagem literá- ria e da pertinência de sua aproximação. No tocante ao eixo da aprendizagem, o ponto de partida é a visão de que aprendiza- gem é um processo que envolve a produção/criação de novas significações e ocorre, por caminhos diversos, tanto em sala de aula como em outros contextos sociais. Nesta perspec- tiva, o fenômeno da aprendizagem está estreitamente associado a processos de compreen- são do mundo material e simbólico. O movimento construtivista de educação em ciências (MCA/Movimento das Concepções Alternativas em Ciências) tem sido fundamental para delinear esta visão de aprendizagem e, mais recentemente, os trabalhos sustentando esta perspectiva teórica costumam buscar referências nos estudos de Edwards & Mercer (1987), Lemke (1990) e Wertsch (1991) e incluir noções e categorias desenvolvidas por Bakhtin e seu Círculo, como assinalamos anteriormente. Assim pressupondo, formulamos algumas questões para a pesquisa, a fim de enca- minharem a reflexão e as articulações teóricas e orientarem o desenvolvimento e as análi- ses do trabalho empírico, pois como nos lembra Moisés (2001, p.9) – um dos autores em que procuramos referências a Machado de Assis: “com toda a evidência, a questão nos parecerá ociosa se não a crivarmos de interrogações”. O estudo que desenvolveremos sobre o uso do texto literário em sala de aula de Ci- ências baseia-se nos pressupostos de que a aprendizagem é um processo de significação, no qual a linguagem tem um papel central, e as linguagens científica e literária têm especifici- dades e guardam possibilidades de aproximação. Assim sendo, as questões de estudo po- dem ser formuladas como segue.
  • 22. 9 • quais são as especificidades da linguagem literária e da linguagem científica? • como essas características podem se manifestar e ser percebidas em sala de aula de ciências? • quais são as implicações práticas da aproximação entre a linguagem científica e a linguagem literária para o ensino e a aprendizagem de ciências? • quais são os impactos do uso do texto literário para a formação e o trabalho dos professores na escola? • quais as implicações teóricas da produção e do uso da linguagem, em suas espe- cificidades, na sala de aula? Essas são as questões para a investigação, que procuraremos atender ao longo do desenvolvimento do trabalho. A complexidade da realidade da sala de aula e das manifes- tações de linguagem que a constituem, em confronto com as exigências epistemológicas próprias de um trabalho de pesquisa, nos cobrará empenho, calma e atenção. Pois como nos lembra o Barão de Kernoberg, referindo-se à Botânica, “a ciência não se colhe de afo- gadilho; é preciso penetrá-la com segurança e cautela”.
  • 23. 10
  • 24. 11 2 – DO RISCO DE SER DEVORADO “Que multidão de dependências na vida, leitor! Umas coisas nascem de outras, enroscam-se, Desatam-se, confundem-se, e perdem-se, E o tempo vai andando sem se perder a si.” Machado de Assis (Esaú e Jacó) 2.1- Na atmosfera da peça Segundo Pablo e Ranoi, alunos de uma das turmas de 6a série com as quais foi de- senvolvido o trabalho empírico com a Lição de Botânica, a peça “é a historia de um barão e seu sobrinho Henrique. Dona Leonor e suas duas sobrinhas Cecília e Helena. Henrique se apaixonou por Cecília e queria se casar com ela, mas o Barão não queria que Henrique se casasse com Cecília porque queria que ele fosse botânico e a botânica exige muito dele e ele não podia se casar. Então foi falar com dona Leonor para não permitir o encontro dos dois e esqueceu seu livro de botânica sueco. Cecília implorou para Helena ajudá-la a se casar com Henrique. Helena encontrou o livro do barão e teve uma idéia, o Barão vol- tou para pegar seu livro e Helena comentou que gostava de botânica e o Barão se encan- tou com a sabedoria de Helena e se ofereceu para ser seu professor e ele foi se apaixo- nando por ela e pediu sua mão em casamento Helena pediu três meses para pensar e libe- rou Henrique para casar com Cecília.”. Esse resumo, redigido pelos dois alunos após assistirem à apresentação da peça, as- sinala bem os elementos essenciais da trama. Nada escapou aos meninos: os personagens e seu parentesco; a paixão entre os jovens vizinhos; a proibição do casamento, vista a voca- ção para a Botânica e sua pressuposta incompatibilidade com o matrimônio; a visita para impedir o namoro; o livro esquecido; o desespero da jovem apaixonada; a idéia a partir do livro encontrado; o interesse pelo estudo; a sedução do mestre e os pedidos de casamento. Não faríamos melhor. A síntese da história é realmente essa. Uma história simples de romance proibido, tecida em meio a assuntos de ciências costurados com fina ironia pelo escritor. “A ciência do amor e o amor à ciência”, conforme anuncia seu apresentador. E como o texto apresen-
  • 25. 12 ta diversas referências diretas a conceitos e conteúdos de Botânica, que estão ali prêt-a- porter, as aulas de ciências poderiam seguir explorando essas pistas. “As gramíneas têm ou não tem perianto?... Perianto compõe-se de duas palavras gregas: peri, em volta, e anthos, flor... Posso compará-la à violeta, Viola odorata de Li- neu, que é formosa e recatada... Estudaremos uma por uma todas as famílias: as orquí- deas, as jasmíneas, as rubiáceas, as oleáceas, as narcisas, as umbelíferas... .” Como nos apontou Umberto Eco (2003), os textos literários, pelos diferentes planos de leitura que permitem, podem nos valer para muitas coisas. Nesse sentido, tentando a- proveitar mais amplamente o texto da peça, localizando outros pontos interessantes que ele oferece para as aulas e, sobretudo, para a reflexão pelos professores de ciências, outros fios colocados por Machado de Assis nas artimanhas de Helena junto ao Barão poderiam ser puxados. “Que tenho eu com a ciência?... Botânico e sueco, duas razões para ser grave- mente aborrecido... Acabo de receber esse livro da Europa; é obra que vai fazer revolu- ção na ciência... Sou o Barão de Kernoberg, seu vizinho, botânico de vocação, profissão e tradição, membro da Academia de Estocolmo, e comissionado pelo governo da Suécia para estudar a flora da América do Sul... Henrique está começando a estudar botânica comigo. Tem talento, há de vir a ser um luminar da ciência. Se o casamos está perdido...” As falas acima, entre outras, são exemplos de diálogos da peça que despertam nossa atenção para o confronto entre a época em que foi escrita e os dias atuais em que é lida, suscitando algumas perguntas que apontam para continuidades e rupturas: qual é a posição dessa peça no conjunto da obra de Machado de Assis e da literatura realista brasileira na passagem ao século XX? Como era o contexto sócio-histórico e de produção científica do Brasil nessa época e quais as suas representações sobre o conhecimento, a ciência e os ci- entistas? A quantas andava o processo de inserção da ciência e das idéias científicas na cultura brasileira? Estudava-se ciências nas escolas? Quais as especificidades da Biologia entre as ciências naturais e as da Botânica entre as Ciências Biológicas? “Vocês me fazem perder o juízo! Aqui andam bruxas decerto. Perianto de um lado, bromélias de outro; uma língua de gentios, avessa à gente cristã. Que quer dizer tudo is-
  • 26. 13 so... Eu não passo de aparências, minha senhora, aparências de homem, de linguagem e até de ciência...” O espanto de Dona Leonor e a confissão do Barão nos sugerem perguntar: quais di- ferentes vozes sociais se enunciam no texto da peça? Quais as características da linguagem científica? Aprender ciência envolve aprender a falar cientificamente? Quais os diferentes gêneros de discurso e linguagens sociais que se manifestam em aulas de ciências? Esse rol de perguntas contém articulações possíveis a partir da peça, nesse jogo de buscar relações e atribuir sentidos. Não procuraremos responder a todas elas, e algumas, por se mostrarem mais promissoras à reflexão, serão priorizadas à medida que se avançar pelos dois eixos estabelecidos na problemática – literatura e ciência e linguagem e aprendi- zagem – visando responder às questões formuladas para a pesquisa. Essas indagações, eixos e questões se constituem ou se remetem a diversos traba- lhos de pesquisa em Educação em Ciências e a estudos sobre linguagem e aprendizagem, a respeito dos quais estamos em processo de conhecer, aproximar e confrontar. Assim, am- pliando as considerações já citadas na descrição da problemática desse trabalho, apresen- tamos a seguir, o referencial teórico no qual nos apoiamos. 2.1.1 – A peça e seu autor Consideramos relevante procurar conhecer um pouco sobre o escritor ou o poeta de quem emprestaremos um texto para trabalho em sala de aula. Tanto para ampliar as opor- tunidades de conhecimento literário dos próprios professores de ciências, e suas chances de maior diálogo com os professores de Língua Portuguesa, como para poder melhor apreciar esse texto frente aos condicionamentos de sua época e poder contextualizar e indicar para os alunos alguns significados da obra e de seu autor. Ah! O texto literário sempre tem um autor! Segundo o que foi colocado por alguns trabalhos já citados, uma das tendências da linguagem científica seria um esforço em diminuir, nos enunciados que produz, as marcas do sujeito que os falam ou escrevem, como se os textos científicos quisessem despistar o leitor, impondo-se pelo distanciamento, fazendo-o esquecer de que foram escritos por al- guém em algum determinado momento. Nos textos científicos, se vemos bem destacadas as condições de produções do conhecimento, já não podemos enxergar tão bem o autor. Nesse sentido, os textos literários se diferenciam pois geralmente podem ser apreciados em
  • 27. 14 função de propriedades e marcas de estilo próprias de cada escritor que, em diferentes me- didas, sempre se manifestam e se revelam em seus escritos. Com o intuito de sistematizar referências a respeito de Joaquim Maria Machado de Assis, recorremos a alguns textos sobre a vida e a obra do escritor. O mestre ou bruxo, co- mo alguns o chamam. Sabemos que Machado de Assis, já desde os últimos anos de sua vida, é reconhecido e reverenciado como expressão maior de nossa literatura. Mas, ao que nos parece, a apreciação crítica de sua extensa obra e do alcance de seu olhar, longe de estar esgotada ou de ter deixado de despertar interesses, é objeto de consideráveis polêmi- cas e ainda instiga muitos pesquisadores. Em “O viajante imóvel – Machado de Assis e o Rio de Janeiro de seu tempo”, Tri- go (2001), como um fotógrafo urbano ou geógrafo disfarçado, segue o escritor para, atra- vés de extratos de crônicas, contos, poemas e romances, descrever lugares, imagens e emo- ções e tentar entender a cidade do Rio de Janeiro na época do Segundo Reinado. Em “Machado de Assis, Historiador”, Chalhoub (2003) com interesse de historia- dor que já pesquisara a escravidão e as epidemias no Rio imperial, encontrando nos ro- mances machadianos uma fonte de consulta rica e prazerosa, assume a empreitada de de- monstrar com novos nuances a hipótese, que ele nos alerta já ser bem investigada, de que ao contar suas histórias, Machado de Assis escreveu e reescreveu a história do Brasil no século XIX. Alfredo Bossi (2000) em Machado de Assis – O enigma do olhar” retoma a distin- ção que gosta de traçar entre os atos de ver e olhar, explorando a visão móvel construída pelo escritor e a originalidade de seu foco narrativo. São textos de pesquisas recentes que nos reafirmam a importância de Machado de Assis para a cultura brasileira e atestam que sua vida e seus escritos ainda dão muito o que falar. Mas não cuidemos de biografias. Contornaremos, então, a tarefa de apresentar da- dos sobre a vida de Machado de Assis, destacando, apenas, que nas fontes consultadas2 , entre tantas disponíveis, encontramos o mesmo entusiasmo para com o mestre e encanto para com o bruxo, autor de nossa Lição. Mas não deixa de ser instigante a história do me- nino pobre, nascido no Morro do Livramento em 1839, neto de escravos alforriados, torna- do órfão muito cedo, vendedor de doces para garantir seu sustento e que, ao que parece, muito pouco freqüentou a escola. 2 Buscamos dados biográficos e da produção literária de Machado de Assis em: MOISÉS, M. Machado de Assis: Ficção e utopia. São Paulo: Cultrix, 2001; BAGNO, M. (Org.) Machado de Assis para principiantes. São Paulo: Ática, 1998; LAJOLO, M. Machado de Assis. (Literatura Comentada). São Paulo: Abril Educa- ção, 1980; WERNECK, M. H. O Homem Encadernado. Ed. UERJ, 1996.
  • 28. 15 Uma dimensão da obra de Machado de Assis que também podemos considerar, vis- to que tomamos como motor da pesquisa um texto para teatro, é a discussão proposta por Loyola (1997) acerca do teatro produzido por Machado de Assis. Travando polêmica com críticas anteriores, encabeçadas já por Quintino Bocaiúva, que o cristalizaram como pouco teatral, com baixo potencial para ser encenado, comédias mais para serem lidas do que representadas, a autora procura mostrar, em meio à ironia e comicidade das tramas, a sin- gularidade e a modernidade de sua dramaturgia, buscando compreendê-la à luz do conjunto da obra do autor. Na argumentação da pesquisadora, a Lição de Botânica, última peça escrita por Machado, serve como importante ponto de análise no percurso de demonstrar o alcance cênico do teatro machadiano, observando que suas comédias promovem o encontro e a problematização de duas esferas convencionais: as convenções sociais (formalidades, pro- tocolos, excessos de mesuras, justificativas) e as convenções teatrais da época (sucessão de acontecimentos conflituosos, provocando grandes quedas, desencontros, lágrimas, traves- timentos ou efeitos de ridículo). O que se tem no palco, embalada por fina ironia, é a que- bra dessas convenções. “A ironia derradeira de Machado de Assis em Lição de Botânica coincide com a última frase da peça; ao desfecho súbito dado por Helena diante de uma espécie de afasia do barão e do espanto de D. Leonor (após o pedido de casamento), a personagem encerra o assunto: ‘Não se admire tanto, titia; tudo isso é botânica aplicada.’ ” (Loyola, 1997, p.71). Buscando referências em um estudo desenvolvido anteriormente (Salomão, 1998), voltado ao espaço cultural da escola pública, podemos continuar essa história e contextua- lizar a obra teatral de Machado de Assis, um apaixonado pelo teatro, com a análise de Faria (1993) sobre as motivações ideológicas dos escritores brasileiros, que se dedicaram à dra- maturgia em meados do século XIX, fortemente influenciados pelo realismo francês. Ele afirma que “encarar o teatro como uma arte regeneradora da sociedade tor- nou-se uma atitude comum a toda uma geração dos jovens intelectuais que se agruparam em torno do Ginásio para apoiar a reforma realista” (p.144). “Ginásio” aqui é o Ginásio Dramático, pequeno teatro inaugurado no Rio de Janeiro em 1855. Por seu repertório e pela estética das encenações, tornou-se reduto realista, em declarada oposição ao Teatro São Pedro de Alcântara, maior e principal casa de espetáculos da corte, onde ainda reinava absoluto o famoso empresário e ator romântico João Caetano. “Ginásio” em tributo ao Théâtre Gymnase Dramatique , de Paris, que a partir de 1852 iniciara a renovação realista, apresentando as novas comédias, dramas de casaca, acompanhadas por significativas modi-
  • 29. 16 ficações na mise em scène. Boa parte desses textos dramáticos foi traduzida e representada no Brasil com pouco tempo de atraso em relação à França. Faria nos apresenta um panorama do trabalho desses jovens autores já expoentes da intelectualidade brasileira da época, e através de suas obras e de suas opiniões veiculadas pela imprensa da época discute o papel que atribuíam ao teatro nacional. Para Quintino Bocaiúva, o teatro era um meio de propaganda bastante eficaz. Impressionado com as pri- meiras peças francesas apresentadas no ginásio, representando o retrato de uma sociedade civilizada, moralizada e regida por uma ética burguesa impecável, o intelectual considera- va que esse tipo de dramaturgia exerceria uma influência benéfica no espírito dos brasilei- ros. José de Alencar, que viria a se tornar nosso maior dramaturgo realista, também ti- nha idéias muito claras a respeito do teatro que desejava para o Brasil. Impulsionado pelo entusiasmo com a reforma realista, chega a interromper a carreira de romancista para arris- car-se no território da “alta comédia”, ainda não explorado pelos autores brasileiros. Escre- ve, à maneira de Dumas Filho, a peça O Demônio familiar, dedicada à imperatriz Teresa Cristina e encenada no Ginásio em 1857. Na história do teatro brasileiro, esta peça se cons- titui em um divisor de águas, marcando a ruptura com o romantismo e o início da discus- são nos palcos, sob a ótica burguesa, dos problemas sociais da época, aspirando à regene- ração de nossa sociedade. Acompanhando esse movimento, também Machado de Assis, nas palavras de Faria, vai definir o teatro como “verdadeiro meio de civilizar a sociedade e os povos. Essa foi uma idéia jamais abandonada por ele, que criticava duramente o gosto do público pelo “gênero artisticamente inferior” das farsas “ movidas a pancadaria”. Machado “queria um teatro que não fosse mero passatempo das massas, mas um instrumento de civilização e moralização dos costumes, pois acreditava na função educativa da arte, que devia ‘cami- nhar na vanguarda do povo como uma preceptora’” (Faria, 1993, p.152). E para educar o público era necessário um repertório de peças nacionais que retra- tasse os costumes da vida social para poder moralizá-los. “Favorável ao teatro utilitário, ao palco transformado em espaço para debate de questões sociais, Machado recheou seu texto com referências ao teatro como ‘canal de iniciação’, um meio de educação pública, aproximando-o da imprensa e da tribuna. Porém mais insinuante e eficaz do que a palavra escrita ou falada, a palavra dramatizada é que tinha melhores condições de inocular nas veias do povo ‘o sangue da civilização’”.
  • 30. 17 Ao que parece, será mesmo a cor desse sangue que vai tingir as relações entre a li- teratura e a ciência no Brasil que se encaminha ao século XX. 2.1.2 – O autor da peça, outros autores e a ciência do Brasil Num tempo em que, no Brasil, a formação de cientistas e a produção de pesquisa científica ainda lutavam com precários recursos, já se produziam, socialmente, representa- ções sobre a ciência e suas façanhas. Circulando nos salões e nas praças públicas daquela época, por meio da literatura e demais produções culturais, essas representações podem, hoje, nos ajudar a compreender o processo de inserção da ciência e de suas idéias na cultu- ra brasileira. O trabalho de doutorado de Pinto Neto (2001), através de análises da produ- ção literária brasileira do final do século XIX e das primeiras décadas do século XX, pro- cura entender o processo de produção dessas representações e a formação de um imaginá- rio científico e seus significados sociais. Mais uma vez, lembramos Umberto Eco: a litera- tura pode servir para muitas coisas. A pesquisa destaca um conjunto de romances da época, nos quais a ciência se mani- festa diretamente, através de três caminhos: pelas imagens literárias que expunham elementos da ciência daquele momento; pelo uso explícito de explicações e teorias científicas em seus textos e, ainda, pelas inúmeras definições que se apresentavam para o papel da ciência na sociedade. Manifestações indiretas à ciência também ocorrem nesses textos, quando teorias científicas são usadas para definir e explicar as ações e o destino final de algumas personagens. Quanta ciência! Ao longo do século XIX, os homens puderam vislumbrar um futuro no qual a ciên- cia e seus produtos passariam a compor a vida cotidiana. Segundo Pinto Neto (2001), transformavam-se intensamente as relações entre esse homem e a natureza e dele com a própria sociedade. Começam a ser inseridos nas produções culturais os novos modos de viver fundados nas contribuições da ciência e nos ícones e conceitos que marcam esses novos tempos: velocidade, racionalidade, conforto e produtividade. Configuram-se novos objetos do desejo. Segundo Sevcenko, citado pelo autor, foram três os grandes saltos dados pelas ciências naturais nessa época, marcando a verdadeira revolução social que se proces- sava: a teoria darwinista, os avanços na microbiologia permitindo a Revolução Sanitária e as pesquisas aplicadas de Química e Física que permitiriam a Revolução Tecnológica. Nesse período, sobretudo na Europa e na América do Norte, intensificam-se os me- canismos de divulgação das conquistas científicas e tecnológicas para toda a sociedade. Pinto Neto (2001) destaca, entre eles, as grandes Exposições Mundiais que, com caráter
  • 31. 18 educativo e concebidas como grandes vitrines, propiciavam às elites e aos homens comuns o contato direto com as novas produções científicas. A magnitude da ciência também podia ser exibida através dos grandes monumentos arquitetônicos que marcavam essas exposi- ções e que possuíam um grande valor simbólico. Pois, enquanto aos olhos saltavam os a- vanços as técnicas de engenharia, no imaginário dos indivíduos, inseria-se a possibilidade de uma vida nova, propiciada pelo progresso científico e tecnológico. No século XX, esse processo de produção de representações sobre a vida moderna se dinamizou através do desenvolvimento dos veículos de comunicação, com destaque para os livros e jornais. O autor analisa que, curiosamente, a circulação desses impressos permi- tia que as representações sobre as novas conquistas chegassem a lugares onde os próprios objetos e seu uso não conseguiam chegar. Nas páginas dos livros, dois tipos de literatura se constituem nesse momento. Uma “literatura de antecipação”, da qual Júlio Verne será o grande expoente, que divulga o progresso científico e dele se nutre para projetar o futuro, recheando de inovações e aventuras a vida cotidiana de seu mundo de ficção. O outro tipo de literatura que se manifesta, e que será a expressão do positivismo que idolatra a ciência, é o “romance experimental”, que se alicerçava com base nos princípios das ciências natu- rais, sobretudo a fisiologia de Claude Bernard, e que tem em Emile Zola seu principal ar- quiteto. Momento delicado da relação entre ciência e literatura, pois, como assinala Pinto Neto, “esta nova ‘fórmula’ para a produção literária pretende afastá-la justamente do que lhe é mais peculiar, a sua relação com o universo simbólico” (p.29). Simone Vierne (1994), também citada pelo autor, caracteriza como “efeito Júlio Verne” o interessante recurso literário empregado pelo próprio escritor, que consistia em citar em seus romances imensas listas de termos ou objetos científicos. Dois efeitos podem ser observados a partir dessa estratégia: um papel didático, despertando o interesse e até a paixão do leitor pelos assuntos científicos e, o mais intrigante, fazer-nos emergir da ciên- cia, fugir de suas garras racionais para os braços do imaginário, por meio de uma maciça referência à própria ciência. Questão interessante que guarda aproximações com os estudos de Bachelard sobre as imagens poéticas e que nos apresenta mais um elemento para essa discussão sobre o uso do texto literário no ensino de Ciências. Na Europa em meados do século XIX, ao mesmo tempo em que se consolidavam os métodos e as conquistas científicas, constituía-se uma literatura que trazia a cientifici- dade como marca pungente. Pinto Neto (2001) chama a nossa atenção para o fato de que, nessa simultaneidade, uma fazia a propaganda da outra. E atravessando os mares, essa lite- ratura chega ao Brasil, um país monárquico ainda fortemente agrícola e com mão de obra
  • 32. 19 escrava. Sua chegada coincide com o interesse crescente pelos debates sobre doutrinas com ares de ciência, com as primeiras publicações de ficção científica e com iniciativas de for- mar instituições de pesquisas nos moldes europeus. Os assuntos da ciência entram na mo- da, através da literatura, em meio às discussões acerca do desenvolvimento da nação, en- quanto alguns de seus produtos e benefícios vão aos poucos se fazendo presentes nas prin- cipais cidades. Nesse percurso, muitos intelectuais brasileiros, inspirados pelos escritos franceses, se convertem em dedicados mosqueteiros em prol de nossa modernização, voltando seus interesses e suas letras para o longo combate que se inicia. Isso reafirma o que comenta- mos, anteriormente, acerca dos primeiros autores realistas brasileiros verem o teatro como inoculador (reparemos o termo de cunho científico) do sangue da civilização. Algum tem- po se passa e surge o romance naturalista brasileiro, que nos anos seguintes produzirá mui- tos frutos, tendo como modelo sempre as novidades francesas. Tais escritores acreditavam que ao difundir idéias e saberes do mundo civilizado contribuíam para construir nossa pró- pria urbanidade e civilização. Assim, a literatura assume os papéis de veículo de idéias e saberes científicos e de produtora de contextos onde é representada uma vida social para a qual a ciência é condi- ção de modernidade e progresso. O autor nos lembra, ainda, que somando-se a esse movi- mento, ocorre a adesão de muitos de nossos escritores a doutrinas filosóficas de cunho ci- entificista, das quais é um exemplo o positivismo que, ao final daquele século, contava com grande aceitação no Brasil. Se tomarmos como uma convenção social a valorização da ciência e a distinção dos indivíduos que a praticavam, expressão das representações sociais burguesas que se consti- tuíam naquela época, podemos retornar à tese de Loyola (1997) sobre a originalidade do teatro de Machado de Assis e considerar que, com a nossa Lição, o autor desafia mais uma convenção. Não vemos nas mulheres da história nenhum deslumbramento para com os assuntos científicos. “Que tenho eu com a ciência!”, dizia Dona Leonor. E os exageros do Barão na dedicação ao estudo de sua amada ciência são cuidadosamente trabalhados pelo texto, provocando o efeito cômico da elegante comédia. Podemos, assim, entender a peça, junto a outros de seus textos que colocam a ciência na berlinda – entre os quais o conto O Alienista é exemplo modular, como uma evidência da ironia refinada e do ceticismo tenaz que nos são apresentados como marcas da obra do escritor. O texto de Machado de Assis, para usar uma expressão de Possenti (1997), não é um discurso daqueles que babam ingenuamente pela ciência.
  • 33. 20 A Lição de Botânica foi escrita em 1906. Machado de Assis vem a falecer em 1908, ano em que ainda publica Memorial de Aires, iniciado em 1907. Os últimos anos de sua vida foram marcadamente sofridos com a amargura pela perda da esposa Carolina, em 1904, com quem vivera 35 anos. Datas são números. Datas são pontas de icebergs. Com essa metáfora, Bosi (in Novaes, 1996, p.19) nos lembra que a memória das sociedades pre- cisa repousar em sinais inequívocos, sempre iguais a si mesmos e, nisso os números são muito bons. Para ele, datas são pontos de luz sem os quais a escuridão, provocada pelo acúmulo de eventos através dos séculos, impediria a visão dos vultos das personagens e o desenho de seu movimento. E a força e a resistência dessas combinações de algarismos viria da relação inextrincável entre o acontecimento, que elas fixam com a sua simplicidade arit- mética, e a polifonia do tempo social, do tempo cultural, do tempo corporal, que pulsa sob a linha de superfície dos eventos (p.19). Assim, podemos articular, ainda que de forma breve, alguns icebergs. A passagem do século XIX ao século XX na história do Brasil se coloca como um período fértil quando se quer focalizar o desenvolvimento de nosso universo científico. Só para citar grandes pontas: em 1893, é criado em São Paulo o Instituto Bacteriológico, onde Adolfo Lutz tra- balha na modernização dos laboratórios. Na fazenda paulista do Butantã, em 1899, Vital Brasil inicia a fabricação de soro antipeçonha e funda-se o Instituto Butantã em 1901. Em 1900 no Rio de Janeiro, é criado o Instituto Soroterápico Municipal, passando a Instituto Federal em 1901 e a Instituto de Medicina Experimental de Manguinhos em 1907, cujos trabalhos representaram o Brasil na Exposição de Berlim daquele ano, e a personagem cen- tral é Oswaldo Cruz. Em 1909 são divulgadas as descobertas de Carlos Chagas sobre a tripanossomíase humana (Martins, 1994). Muitos pesquisadores trabalharam nesse desenvolvimento científico e muitos outras datas e outros nomes poderiam ser destacados. Lidar com a Lição, um texto escrito nessa mesma época, suscita o desejo de olhar essa história procurando, sobretudo, compreender o conturbado cenário sócio-cultural de final de século em que ela se faz. E ainda aí Machado de Assis nos provoca: “Quanto ao século, os médicos que estavam presentes ao parto re- conhecem que este é difícil, crendo uns que o que agora aparece é a cabeça do XX, outros que são os pés do XIX. Eu sou pela cabeça, como sabe” (citado por Faraco in Bagno, 1998, 161). Atribuir sentidos a um emaranhado de datas que sinalizam acontecimentos signifi- cativos, simultâneos, e muitas vezes contraditórios e conflituosos, entre os quais o episódio
  • 34. 21 da “Revolta da Vacina”, em 1904, é exemplar, pode contribuir para suprir lacunas concre- tas de nossa formação docente, no tocante à história das ciências, e nos fazer concordar com Bosi (1996), quando afirma que “a memória carece de nomes e de números e que o ato de narrar paga tributo ao deus Chronos”. 2.1.3 – A ciência da peça A adoção de uma nomenclatura específica para a Botânica pode ser considerada, na história das ciências naturais, como um marco importante no processo de separação entre o modo popular e o erudito de se ver o mundo. Na Europa, segundo Thomas (1989), a sepa- ração entre a terminologia popular e a erudita para identificação e descrição de plantas e animais já era antiga e vai se intensificar no século XVIII, à medida que os cientistas pas- saram a escrever manuais padronizados, em latim, para um público internacional. Os nomes populares e “pitorescos” das plantas e dos animais baseavam-se em conotações religiosas, semelhanças com partes do corpo humano ou de animais, propriedades medicinais e várias outras referências. A grande variedade de nomes para uma mesma planta ou animal, variando em cada região, era fortemente lamentada pelos naturalistas, que viviam a compilar dicionários de Botânica; por muitos cultivadores, que tinham seus negócios complicados visto as confusões e as fraudes; pelos protestantes, na refutação às referências à Virgem e aos santos e ainda por sensibilidades refinadas que se feriam com a excessiva “grosseria” dos nomes vernáculos, ligados aos aspectos corporais. O sistema de nomenclatura proposto por Lineu em 1735, e amplamente adotado en- tre os botânicos, eliminava os nomes vulgares, tidos como um obstáculo à ciência, e esta- belecia para todas as plantas o uso de dois nomes latinos, indicando gênero e espécie. Es- ses nomes não podiam ser baseados em características consideradas subjetivas, como o cheiro, o gosto ou as propriedades medicinais. O protesto enunciado por um inglês contemporâneo a Lineu, com relação à substi- tuição dos nomes das plantas – “classificá-las botanicamente... de modo que ninguém a não ser um botânico possa encontrá-las, se assemelha a escrever em hebraico uma gramá- tica inglesa. Explica-se a coisa, tornando-a ininteligível” (Thomas, 1989, p.103) – já pres- sentia a progressiva especialização da linguagem científica e seu futuro isolamento num domínio exclusivo aos estudiosos. Podemos lembrar aqui uma recorrência assinalada por Machado de Assis, quando expressa o estranhamento do homem comum para com os no- mes científicos, na voz de Dona Leonor, indignada com tantos nomes estranhos.
  • 35. 22 Em Thomas, encontramos exemplos que mostram que a exigência de novos termos refletia-se também na descrição dos animais e evidenciam o complexo processo histórico de racionalização científica moderna, permeado pela linguagem.: “O pai de sir William Petty observava que um açougueiro rural podia ser um excelente anatomista, mas empre- gava uma linguagem diferente, chamando um tendão de ‘fivela’, uma membrana de ‘vil- me’ e uma artéria de ‘tubo’. Ou ainda: “‘Oh, cavalheiro’, dizia um cavalariço do século XVIII, depois de se provar incapaz de responder a uma longa série de perguntas que lhe dirigira um fidalgo sobre o animal aos seus cuidados, ‘considerando que vivi treze anos em um estábulo, é incrível como eu sei pouco de um cavalo’ ” (Thomas, 1989, p. 96; 102). Esse, entre outros exemplos são colocados pelo autor para mostrar como a sabedoria popu- lar passa a ser deliberadamente desprezada pelos pesquisadores cultos da Europa, na parte final do século XVIII. A introdução da nova terminologia latina, eliminando os nomes vernáculos que as pessoas usavam para identificar as plantas e os animais, alargaria, pela linguagem, o dis- tanciamento que se instalava entre os modos popular e erudito de ver e falar o mundo. “Os nomes populares eram um obstáculo à ciência e aqueles que desejassem permanecer igno- rantes da linguagem latina, dizia John Berkenhout em 1789, nada tinham a ver com o es- tudo da botânica.” (Thomas, 1989, p. 103).3 Se considerarmos o esforço por uma estruturação como característica marcante da linguagem científica, que busca progressivamente a eliminação do vivido enquanto repre- sentado na linguagem (Possenti, 1997), podemos avaliar a importância desse tema na histó- ria do desenvolvimento das ciências biológicas. O conhecimento sobre as plantas é um dos mais antigos produzidos pela humanidade, que dele sempre dependeu para a obtenção de alimentos, remédios e substâncias para sua defesa. Podemos pensar então que o objeto de estudo da Botânica é ao mesmo tempo conhecimento popular por excelência e um marcan- te exemplo, em termos de linguagem, de ruptura epistemológica. Mas eliminar as marcas do vivido não é tarefa simples e nem rápida. E essa parece ser uma distinção interessante entre a Biologia e as outras ciências naturais. Jacob (1983) considera que a história da hereditariedade ilustra bem esse fato. Pois se o homem logo descobriu como cultivar plantas e criar animais, o que demanda grande experiência, supõe- se que já desenvolvera alguma idéia de hereditariedade e a aplicava em seu benefício. Mas, 3 Em um movimento dialético, devemos contrapor que tais considerações acerca deste distanciamento, que se fez inerente à produção do conhecimento científico, não desejam promover um apagamento dos aspectos positivos da linguagem científica.
  • 36. 23 considerava, ainda, que na hora de semear, além de escolher bem as sementes, também era preciso esperar pela lua mais propícia e rezar ao deus encarregado das colheitas. O autor cita o exemplo literário de um herói de Voltaire, que enfrentava seus inimi- gos com uma mistura de rezas, encantamentos e arsênico, e considera que foi provavelmen- te no mundo vivo que foi mais difícil de separar o arsênico do encantamento (p. 9). En- quanto a Física disparava seus estudos confiante nas virtudes do método científico, o estu- do da continuidade dos seres vivos conservava em seu referencial as crenças e curiosida- des. Outras distinções da Biologia em relação às demais ciências são traçadas por Mayr (1998a), quando analisa a história do pensamento biológico. Para o homem comum, a mar- ca da ciência é a descoberta de um fato novo. Para o autor, tratando-se da ciência biológi- ca, mais do que a descoberta de novos fatos, são importantes o desenvolvimento e o apri- moramento dos conceitos, sendo que os avanços nas diversas áreas da Biologia se deveram mais à introdução de melhorias nos conceitos existentes do que propriamente a novas des- cobertas. Também é avaliado como uma característica de toda atividade científica, incluindo as biológicas, o rigor das diversas metodologias. E Mayr observa que, devido à filosofia das ciências estar sendo descrita na maior parte das vezes por físicos, a experimentação tem sido considerada como o método primordial da ciência, desmerecendo a importância que outras metodologias desempenham nas outras ciências. Mas a Biologia se constituiu e se beneficiou, sobremaneira, pelo método observacional-comparativo que, a seu ver, tem toda a legitimidade para produzir conhecimentos científicos: a “observação, na biologia, forneceu, provavelmente, mais conhecimentos do que todos os experimentos juntos”. Para apontar as especificidades da Biologia, Mayr (1998a) cita a juventude dessa ciência, visto que só no século XIX ela ganha maior estatuto científico, inclusive porque é quando o próprio termo é criado – aparecendo por volta em 1802, usado por Lamarck e Treviranus, articulando o estudo dos animais e dos vegetais em um objeto único, os seres vivos, excluindo os minerais que também eram estudados pelos naturalistas da época. Os temas que se tornariam “biológicos” eram até então tratados pela medicina (anatomia e fisiologia) ou pela história natural. Divisão que o historiador vê hoje como sinal de notável bom senso, dado que já refletiria a distinção entre as causas próximas (fisiológicas) e as causas últimas (evolutivas) que, concomitantemente, regem os fenômenos biológicos. E, concordando com a observação de Jacob (1983), o autor afirma que a revolução nas ciên-
  • 37. 24 cias físicas nos séculos XVII e XVIII não provocou efeitos nas ciências biológicas, que esperaram pelos séculos seguintes para se inovarem. Uma outra diferença significativa apontada nesse contexto é a importância das leis. Se na Física elas desempenham um papel demonstrativo essencial e permitem previsões exatas do curso dos fenômenos, na Biologia elas foram perdendo a força e o sentido que tinham no início, pois, nesse campo, percebeu-se que as regularidades são menos contun- dentes e as generalizações só podem ser pensadas em termos probabilísticos. A vida sem- pre nos reserva surpresas. Como já citamos, Mayr (p.61) vê como uma particularidade marcante da Biologia a “importância avassaladora dos conceitos”. Os biologistas abdicaram das leis e organiza- ram as suas generalizações em estruturas conceituais, mais flexíveis e com maior poder heurístico. O desenvolvimento da Biologia tem sido, assim, construído com a introdução de novos conceitos ou princípios, refutação de outros e, principalmente, com a cristaliza- ção e refinamento de conceitos-chaves para cada um dos seus ramos. E dada à complexi- dade e extensão do tema, uma história mais consistente dos conceitos biológicos ainda es- taria para ser escrita. E aqui, pensando nessas palavras caras à Biologia, traçamos um vínculo forte com as noções de linguagem do Círculo de Bakhtin, com relação ao processo de constituição das diferentes linguagens sociais e à palavra como fenômeno ideológico, já que o destino da palavra é o da sociedade que fala (Bakhtin/ Volochinov, 1988). Uma última característica da Biologia destacada por Mayr (1998a) é sua relação mais direta com a dimensão ética. Ele considera que, numa tradição moderna (embalada pela ideologia burguesa) que se interessou por isentar as ciências físicas de maiores com- promissos com os valores humanos (desideologizando o mundo da matéria), liberando-as para avançar desenfreadamente na produção do conhecimento, as diversas ciências bioló- gicas, em diferentes graus, parecem sentir mais fortemente o peso das explicações que formulam e dos conflitos que levantam, percebendo mais claramente suas implicações e responsabilidades. E sabemos que tais conflitos, sem dúvida, refletem-se e emergem, tam- bém, no contexto do ensino escolar de Biologia. Com relação à questão dos conceitos usados na Biologia, podemos fazer uma breve ponderação. A noção de que alguns de seus conceitos-chaves sofreram, ao longo do tempo, um melhoramento, refinando-se e mantendo-se em sua rede conceitual pode, a princípio, passar a idéia de continuidade histórica e de desenvolvimento científico estritamente por
  • 38. 25 acumulação. Tal idéia é discutida por Canguilhem (1977, p. 20) ao refletir, com bases no pensamento de Bachelard, sobre o desenrolar da história das ciências da vida. O autor destaca que o historiador da ciência deve lançar sobre o passado do pensa- mento e da experiência uma luz recorrente. Iluminação essa que deve impedir que se con- funda a persistência dos termos (perpetuados por inércia lingüística) com a identidade dos conceitos, e a inovação de fatos de observação análogos com parentescos de métodos e de problematização. Analisando episódios do processo de constituição da Biologia, ele afirma a descontinuidade histórica e o desenvolvimento científico por rupturas e invenções. Com essa perspectiva, formula que a história da Biologia realizou-se através da superação de certas noções e da efetiva produção de um “novo objeto científico”, elaborado na interse- ção de várias disciplinas. Nesse contexto, a Biologia vai traçando sua trajetória de desenvolvimento, marcada por acirrados debates, e construindo e conquistando a unificação de seu domínio científico, ao mesmo tempo em que se diversificava em diversos territórios. E em todos eles, como um aspecto característico da vida, a diversidade podia ser notada. Assim, apesar de a Bio- logia ser considerada jovem, a quase infinita riqueza da vida orgânica foi sempre objeto de construção de conhecimento pelos homens, que desde os mais remotos tempos, cada um no seu canto, às vezes no canto alheio, e com motivações diversas, se ocuparam em explorá-la e estudá-la. Segundo Mayr (1998a), sempre que se trate da diversidade, as classificações se tor- nam necessárias, o que justificaria a quase obsessão dos naturalistas dos séculos XVII, XVIII e XIX por desenvolver classificações, algumas bem mais interessantes que outras. A dedicação desses estudiosos à ordenação do mundo vivo chegava a nutrir um verdadeiro desprezo por parte dos cientistas da Física e alguns biologistas experimentais, que conside- ravam a História Natural, em seus esforços essencialmente descritivos, como uma forma de filatelia, até indigna de status científico. Pura arrogância e incompreensão da parte deles, segundo o autor. Pois não puderam perceber a sua fertilidade e originalidade e a grande contribuição que trouxeram às pesquisas em outras áreas da Biologia. Pois, ao que parece, de Aristóteles a Darwin, sem a História Natural, teriam ficado todos de mãos vazias. Uma outra ponderação que podemos apresentar refere-se à questão dos métodos. Mayr (1998a) exalta a validade e a contribuição dos métodos de observação e comparação, utilizados pelos que se dedicavam aos estudos biológicos. Parece-nos que uma certa birra do autor para com a visão mecaniscista de mundo e seus adeptos o leva a fazer tal distinção e a tocar sempre nessa tecla. São inegáveis a riqueza e o valor do trabalho dos naturalistas
  • 39. 26 classificadores, mas havia outras coisas importantes acontecendo no terreno dos estudos biológicos. Prestes (2003) vai destacar que acirrar a rivalidade entre os pesquisadores descriti- vos e os que se dedicavam à experimentação, tem determinado uma visão histórica pela qual a Biologia, como ciência experimental, só teria se evidenciado no século XIX, influ- enciada sobremaneira pela fisiologia de Claude Bernard. Para a autora, tal perspectiva leva a negligenciarmos o relevante trabalho desenvolvido, no século anterior, por pesquisadores experimentadores como Bonnet, Needham, Trembley e Spallanzani, que contribuíam para a definição dos seres vivos como objeto de estudo e para a constituição da Biologia e, tam- bém, leva a mascarar os intensos debates que ocorriam, internamente, nos dois campos de investigação, como se fossem dois blocos uniformes de idéias e procedimentos. Voltando à grande importância que, indiscutivelmente, as classificações exercem para a Biologia, destacamos a distinção que Mayr estabelece ao afirmar que “esquemas de identificação não são classificações” (1998a, p.175). A identificação tem apenas o objetivo de enquadrar um indivíduo estudado em uma das classes de uma classificação já existente, observando-se um número reduzido de caracteres. A classificação, ao contrário, utiliza um grande número de caracteres e trata de reunir os indivíduos em grupos cada vez mais com- plexos. As chamadas “classificações de objetivo especial”, como por exemplo a classifica- ção de plantas medicinais baseadas em suas propriedades curativas, correspondem a es- quemas de identificação. A história da taxonomia começa séculos antes de Cristo, com Aristóteles, que é ce- lebrado como o pai da ciência da classificação. O eminente filósofo demonstrava um imen- so interesse pela diversidade do mundo vivo. Nas classificações de animais que desenvol- veu, não utilizou seu método de definição por divisão lógica e dicotômica, como é comum se pensar, mas procedeu de uma maneira muito moderna, conforme é destacado por Mayr (1998a). Formava grupos baseados na observação e, posteriormente, selecionava em cada um deles caracteres diferenciadores significativos. Os grupos formados tinham seus atribu- tos avaliados e eram ordenados em diferentes seqüências. Essa sistemática de classificação, que nas suas categorias refletia a grande impor- tância atribuída por Aristóteles aos quatro elementos: fogo, água, terra e ar, não tinha o objetivo de servir a uma rápida identificação dos animais. Apesar da originalidade de sua metodologia de classificação, a divisão lógica dicotômica, prezada por ele em outros do- mínios, vai triunfar na História Natural até a época de Lineu, inclusive referida como “mé- todo aristotélico”.
  • 40. 27 Após a morte de Aristóteles, a história natural decaiu e, nos períodos seguintes, os animais deixaram de ser objetos de investigação e se tornaram muito mais símbolos de virtudes morais e religiosas, sendo observados apenas com uma preocupação espiritual ou estética. Segundo Mayr (1998a), somente a partir do século XIII, com a redescoberta dos escritos biológicos de Aristóteles e o interesse crescente pelas ervas medicinais, o estudo dos seres vivos ganhou novo ânimo. No fim da idade Média e na Renascença, o prestígio da filosofia de Aristóteles vai contribuir para despertar o interesse e revalorizar o estudo dos animais, ajudando a zoologia a se desenvolver como ciência. Como os escritos de Aristóteles sobre as plantas foram perdidos, a história oficial da Botânica começa com os estudos de seu aluno Theofrasto (371-287 a.C.), que não che- gou a adotar nenhum sistema formal de classificação vegetal. Muitos anos mais tarde, o médico grego Dioscórides (60 d. C.) vai dar uma importante contribuição para o desenvol- vimento da fitologia, conseguindo reunir, sob critérios de uso prático para o homem, uma grande quantidade de informações sobre as plantas. Foi considerado a maior autoridade sobre o assunto, principalmente sobre as propriedades medicinais, e seu livro Matéria me- dica foi o livro-texto de Botânica por mil e quinhentos anos. É interessante notar o forte vínculo inicial da Botânica com a medicina, sendo que até o século XVI todos os autores de livros sobre a natureza eram médicos. Nessa época, a crescente descoberta de novas e ricas floras e o grande interesse pelas ervas medicinais levaram à implantação de cátedras de Botânica nas escolas de medicina da Europa. O desenvolvimento da Botânica toma um novo fôlego ao longo do século XVI. Conforme destaca Mayr (1998a), inicia-se a era dos “pais alemães da Botânica”, pesquisa- dores que deixaram de compilar os textos gregos para observar as plantas diretamente, e dedicaram seus esforços para descrever e agrupar as plantas em grupos afins, dando uma grande contribuição para o desenvolvimento da Botânica Sistemática. O minucioso traba- lho de ordenação das plantas realizado pelos herbaristas não se baseava em nenhum siste- ma consistente e não tinham o objetivo de classificar os indivíduos focalizados, mas, de reconhecer-lhes as propriedades individuais. Os livros que publicavam se constituíam em belos catálogos ilustrados de descrições e de nomes de plantas e alcançavam enorme popu- laridade, visto o interesse crescente despertado pelas novas e ricas floras locais que esta- vam sendo descobertas. Nos séculos seguintes, vários naturalistas se destacaram e cada um desenvolvia seus próprios métodos de observação e de classificação das plantas. Cesalpino ainda no século XVI e Ray e Tournefort no século XVII são vultos importantes desse percurso e que irão
  • 41. 28 exercer grande influência sobre o futuro trabalho de Lineu. O avanço técnico que, em gran- de parte, possibilitou esse progresso da Botânica foi a invenção do herbário, no início do século XVI, que permitia a conservação adequada e por longos períodos dos espécimes coletados. Para incrementar os estudos botânicos, seguiram-se o desenvolvimento das téc- nicas de gravura em madeira e a criação dos jardins botânicos. A flora brasileira também foi objeto de estudo dos herbaristas europeus. Inúmeros deles, principalmente de procedência alemã, sueca, inglesa e suíça, estiveram no Brasil a partir do século XVII e, sobretudo, ao longo dos séculos seguintes, participando de expedi- ções em diversas partes do país, tendo descrito e classificado inúmeras espécies de plantas nativas brasileiras. Ferri (1994) traça um panorama detalhado das aventuras desses inúme- ros pesquisadores “nativos” e “exóticos”, que em seus percursos, escreviam a história des- se campo da ciência no Brasil. Vários deles não retornaram a seus países, aqui se instalan- do definitivamente e exercendo uma participação bastante significativa na vida científica brasileira. Os livros que publicaram, junto às obras dos pesquisadores brasileiros, foram de um imenso valor para o conhecimento de nossas plantas e para o desenvolvimento da Bo- tânica em nosso meio. Reforçando essas referências, Nogueira (2000) também destaca que desde o século XVII, o país abrigou naturalistas viajantes, grandes expedições científicas e convênios bilaterais, propiciando à comunidade científica local o estabelecimento de parcerias. Enten- dendo-se, assim, que a formação e a condição atual da Botânica no Brasil espelham de forma marcante os desdobramentos das ações de nosso Estado e os interesses estrangeiros. Para Ferri (1994), a Botânica no Brasil começou com os próprios índios, com as observações que procediam no intuito de obter alimentação e demais recursos para sua vida em geral, e com a transmissão oral que faziam desses conhecimentos às gerações se- guintes, que por sua vez os enriqueciam com suas próprias descobertas. A história escrita de nossa Botânica, sistematizada pelo autor (apud. Nogueira, 2000) identifica cinco perío- dos distintos: (i) dos cronistas, que inclui as cartas escritas por Nóbrega e Anchieta no sé- culo XVI até meados do século XVII; (ii) período científico inicial, durante a permanência dos holandeses no Nordeste, cujo marco é a publicação do livro Historia Naturalis Brasili- ae, escrita por Marcgrave e publicada em 1648 – segundo Nogueira (2000), tal período foi pouco significativo para a evolução de nossa Botânica uma vez que não teve maiores re- percussões científicas; (iii) período da ida de brasileiros para estudar em Coimbra, a partir de meados do século XVIII; (iv) período dos naturalistas viajantes, abrangendo o século XIX e início do XX, com uma efervescente produção de conhecimento sobre a flora brasi-
  • 42. 29 leira. Nesse período também ocorre a chegada da Família Real, em 1808, fato que causou um grande impacto em nossa Botânica, pela criação de jardins botânicos e outros empre- endimentos relevantes; (v) período contemporâneo, pontuado com a criação da Universi- dade de São Paulo, em 1934, quando inicia-se efetivamente a institucionalização da Botâ- nica no Brasil, e com a criação da Sociedade Brasileira de Botânica, em 1950. Nogueira (2000) destaca que, com relação à institucionalização da ciência no Bra- sil, os pesquisadores concordam que, em função da riqueza biológica aqui existente, foi através das ciências naturais que teve início “nossa cultura científica”. Em nenhum outro campo científico existiu maior número de pesquisadores estrangeiros explorando e estu- dando as regiões do Brasil, a que somam-se os esforços de vários brasileiros, ligados ao Jardim Botânico e ao Museu Nacional. Iniciamos esse tópico sobre “a ciência da peça” falando da importância que teve pa- ra a Botânica a adoção de uma terminologia científica, gestada nos séculos XVII e XVIII. E vamos encerrá-lo lembrando de Carl Lineu, em geral, um dos únicos nomes de toda essa história que é citado nos atuais livros de ciências do Ensino Fundamental. Lineu, que viveu entre 1707 e 1778, já era uma celebridade em sua época. Segundo Mayr (1998a), nenhum outro naturalista gozou tão grande fama durante sua vida. Dizem as más línguas que era muito pedante e tinha um gênio difícil, mas, suas importantes contribuições ao desenvolvimento da Botânica sistemática lhe garantiram um lugar seguro na memória das gerações seguintes. Os critérios interessantes que utilizou nas classificações, as regras para grafia dos nomes científicos, a terminologia para a morfologia vegetal, o número reduzido de taxa que empregava, entre outros aspectos, permitiram o êxito de suas classificações, que tinham como intuito principal uma identificação segura das plantas. Seu prestígio servia para divulgar a taxomonia e, ainda que refutasse as idéias de evolução dos seres vivos, contribui para seu desenvolvimento, ao participar do debates teóricos sobre a seleção natural. Ao longo desse estudo, estaremos trazendo novas referências à figura de Lineu. Mas vale destacar, aqui, o fato de que, por maior êxito que tenha alcançado em seu traba- lho e por maior que tenha sido a autoridade que conquistou junto à comunidade científica de sua época, Lineu não tinha a concordância e a admiração de todos os seus contemporâ- neos naturalistas. Não devemos imaginar que não existiam diferenças, debates, e mesmo disputas, entre os pesquisadores. O próprio Mayr (1998a), que mostra claramente sua ad- miração e a grande importância que atribui ao botânico sueco, comenta algumas discor- dâncias e críticas dirigidas a Lineu. Em Prestes (2003), também encontramos exemplos de
  • 43. 30 ferrenhas oposições mantidas a ele, como vemos com Trembley, acerca da falta de experi- mentação em seus trabalhos, com Spallanzani, sobre métodos descritivos, ausência de ex- perimentos, dedicação excessiva à nomenclatura, uso de um número restrito de caracteres classificatórios ou explicações equivocadas sobre a fecundação externa de anfíbios e, ain- da, com Buffon, que parece ter sido seu principal e declarado opositor. Embora nascidos no mesmo ano de 1707, o mundo conceitual onde Lineu vivia era totalmente diferente do de Buffon. Para Mayr (1998a), os dois formaram duas tradições distintas na História Natural. O livro de Buffon, Histoire naturelle (1749), lido por prati- camente todo europeu educado, promoveu grande impacto entre os pesquisadores. Suas atenções se voltavam para os animais e para os aspectos utilitários dos seres vivos, para classificá-los empregava o maior número possível de caracteres e afirmava a continuidade entre eles. Abominava o sistema lineano de descrição telegráfica e de rápida identificação. Em Prestes (2003), que analisa a importância científica de Spallanzani no século XVIII, evidenciamos uma melhor apreciação da obra de Buffon, em comparação ao trabalho de Lineu, posição provavelmente apoiada na maior afinidade e ligação entre Buffon e Spal- lanzani. É curioso observar que Machado de Assis, imaginamos que sem perceber, faz uma provocação entre Lineu e Buffon, colocando os dois juntos, harmoniosamente, na mesma cena da Lição de Botânica. O primeiro vendo suas famosas regras de nomenclatura sendo empregadas pelo Barão – Viola odorata, de Lineu”, o segundo aparece filosofando: “A paciência é o espírito do gênio, dizia Buffon”. 2.2 – Em outros ares 2.2.1 – Textos alternativos em aulas de Ciências As pesquisas que têm tratado das possíveis implicações positivas da utilização de textos alternativos aos textos didáticos no ensino de Ciências configuram parte do campo de pesquisa no qual julgamos inserir-se o nosso estudo. Nessa perspectiva, dois trabalhos de Zanetic (1997, 1998) nos apresentam subsídios relevantes para essa reflexão. São estudos precursores de nossa problemática que, no con- texto do ensino de Física em nível médio e superior, desenvolvem outros argumentos a favor da integração de textos literários com a aprendizagem científica. Os dois textos se remetem à tese do autor, “Física também é cultura”, de 1990, na qual são discutidos os pressupostos educacionais, históricos e filosóficos que, em sua visão, devem orientar a
  • 44. 31 construção do saber em Física nas escolas. Alguns dos argumentos levantados pelo autor poderão contribuir para nossa reflexão orientada na direção das relações entre linguagem e os processos de aprendizagem de conteúdos de Biologia. Zanetic (1997) discute a possível integração entre o ensino de Física e a Literatura Universal, favorecendo a aprendizagem conceitual e estimulando, nos alunos, a continui- dade do interesse por temas científicos após a permanência na escola. Para refletir sobre a convivência com as produções literárias, o autor parte, a exemplo de outros escritores, da consideração de sua própria história como leitor. E são muito densas e positivas essas me- mórias, que ainda guardam entusiasmo com as aventuras de Emília operando a chave do tamanho ou com a epopéia dos Lusíadas. O artigo destaca exemplos do potencial que a literatura oferece ao ensino de Ciên- cias: a promoção de uma perspectiva interdisciplinar; a possibilidade de reparar e contem- plar as diferenças individuais entre os alunos; o aprimoramento da formação dos professo- res e, sobretudo, o desenvolvimento do hábito e do prazer da leitura, que são reconhecidos pelo autor como fatores fundamentais para o estudo de qualquer disciplina e como desafio a ser empreendido por toda a escola. A base teórica para a discussão desses pontos é bus- cada em Bachelard e Snyders. Vários escritores da literatura universal de todas as épocas, de origens filosóficas, científicas ou literárias, são apresentados como opções para experiências com diferentes textos nas aulas de Física e para a reflexão junto aos professores. Entre eles, Platão, Gali- leu, Giordano Bruno, Kepler, Descartes, Newton, Milton, Camões, Poe, Dostoievski, Eins- tein, Brecht e Ítalo Calvino. O artigo apresenta ainda alguns parâmetros para a escolha de textos de leitura e possibilidades de discussão dos mesmos. Em estudo posterior, Zanetic (1998) retoma essa temática, discutindo com bases te- óricas diferenciadas as relações entre as grandes sínteses científicas e as obras da literatura. Possivelmente exemplificando aquela perspectiva de maior intimidade e de olhares de de- sejo que Vierne (1994) nos lembrou, o trabalho aponta as contribuições de cientistas que produziram verdadeiras obras literárias e mostra a utilidade desses textos em sala de aula, favorecendo o ensino de Física e de outras disciplinas, apontando também as possíveis lições que se depreendem dessa discussão. Duas diferentes famílias são apresentadas como categorização dos escritores consi- derados – cientistas com veia literária, quando a produção científica pode ser lida como
  • 45. 32 obra literária, a exemplo dos textos de Giordano Bruno, Kepler, Galileu, Newton, Darwin, Einstein, entre outros; e escritores com veia científica, referindo-se a escritores que utiliza- ram o conhecimento científico como fonte inspiradora de conteúdo e como guia metodoló- gico/filosófico, entre os quais se destacam Camões, Milton, Goethe, Poe, Flaubert, Dostoi- evski, Júlio Verne, Monteiro Lobato, Bertolt Brecht, Jorge Luiz Borges e Ítalo Calvino. O livro Diálogos de Galileu é tomado como exemplo para uma interessante análise científico-literária. As considerações de Feyerabend, acerca da “metodologia anárquica de Galileu”, e de Alexandre Koyré, sobre os Diálogos subentenderem várias obras – obra de polêmica e combate, pedagógica, filosófica e histórica, são trazidas para aferição do valor pedagógico que esses textos podem conter. Segundo o autor, uma ótima oportunidade para um leitor contemporâneo se iniciar nos meandros da Física Clássica, compreendendo a essência galeliana do movimento de queda dos corpos e o papel da matemática como linguagem da Física. A apreciação de textos dos cientistas-escritores é aprofundada com bases na teoria epistemológica de Bachelard e na teoria lingüístico-literária de Umberto Eco, observando uma aproximação e uma relação de complementaridade entre essas visões teóricas, no sen- tido de que ambas tentam mostrar a articulação, em uma via de mão dupla, da produção de uma obra de arte com a produção de conhecimento científico e não mais um pertencimento a mundos metodológicos distintos e sem analogias. Em sua Obra Aberta, Umberto Eco traça paralelos entre a construção do conheci- mento científico e o desenvolvimento da criação literária, apontando a aproximação epis- temológica entre ciência e arte e caracterizando uma verdadeira lição gnosiológica, relativa à construção de todas as formas de conhecimento. As operações mentais desses dois cam- pos do conhecimento humano acabariam se cruzando e se complementando. Experiências de abertura ou fechamento das obras de arte, por exemplo, permitindo diferentes leituras ou exigindo leituras uniformizadas, estariam, segundo o autor, estreita- mente vinculadas às diferentes visões de mundo dos artistas nas diferentes épocas e estas se alimentariam das concepções construídas pelos cientistas naqueles momentos sócio- históricos. Consideramos que a influência das idéias científicas nas produções literárias em fins do século XIX, conforme citamos com base em Pinto Neto (2001), exemplificam bem essas relações.
  • 46. 33 Zanetic observa também que um caminho similar é empreendido por Bachelard, na encruzilhada de suas vertentes epistemológica e poética, ao admitir que o mundo da razão pode entrar em contato com o mundo da imaginação e que essas duas formas de diálogo inteligente com o mundo, efetivamente, se tocam em seus momentos de maior inventivida- de e se complementam na construção total sobre a realidade. Como as idéias de Bachelard acerca das relações entre as imagens poéticas e o pensamento racional já compõem nossas referências iniciais, as conexões traçadas por Zanetic contribuem para nossa maior reflexão sobre elas. O autor encontra motivação para esses estudos, que propõem uma leitura do bosque cultural onde se cruzam os caminhos da ciência e da arte, em diversos elementos. Na recu- sa de um ensino de Física pautado pela exploração excessiva de fórmulas, de conceitos e de leis, seguida de resolução de exercícios descontextualizados, através do qual nunca são abordados o significado físico de tais teorias, suas limitações e suas possibilidades de transformação e de tentativas de diálogo com o cotidiano; nas premissas de que a ciência tem vários componentes culturais que podem ser trabalhados em sala de aula e de que exis- tem diferentes dimensões pelas quais o currículo escolar poderia explorar os conteúdos da Física, articulando elementos históricos, filosóficos e ideológicos, num convite interdisci- plinar; e ainda na insatisfação pessoal com o fato de que Galileu, Kepler ou Newton, entre outros incríveis personagens da história da Física, continuem como ilustres desconhecidos dos alunos e de muitos dos professores. São, sem dúvida, argumentos relevantes que inte- ressam a todos nós professores, no contexto de nossas disciplinas. O conjunto de estudos considerados a seguir, voltados para a utilização de textos al- ternativos no ensino de Física, aborda questões relativas às condições de leitura nas escolas e às contribuições que textos de diferentes naturezas podem trazer ao ensino de Ciências. Algumas referências teóricas tomadas em comum por esses artigos são buscadas nos traba- lhos de Snyders, Apple, Khun, Vygotsky e Orlandi. Ricon e Almeida (1991) focalizam as relações entre linguagem científica e aprendi- zagem de Física e as práticas de leitura na escola. Desenvolvem uma análise sobre a intro- dução de crônicas, poemas e textos de divulgação científica, em aulas de Física, como op- ção à leitura exclusiva de textos didáticos. O trabalho discute a forma padrão de apresenta- ção dos conteúdos de Física nos livros didáticos e suas implicações para o ensino; a neces- sidade de se reconhecer posições ideológicas perante o conhecimento científico e de traçar