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III CONFERÊNCIA NACIONAL DE
POLÍTICA EXTERNA E POLÍTICA
INTERNACIONAL – CNPEPI
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MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES
Ministro de Estado Embaixador CelsoAmorim
Secretário-Geral EmbaixadorAntonio deAguiar Patriota
FUNDAÇÃO ALEXANDRE DE GUSMÃO
Presidente Embaixador Jeronimo Moscardo
Instituto de Pesquisa
de Relações Internacionais
Diretor Embaixador Carlos Henrique Cardim
A Fundação Alexandre de Gusmão, instituída em 1971, é uma fundação pública vinculada
ao Ministério das Relações Exteriores e tem a finalidade de levar à sociedade civil
informações sobre a realidade internacional e sobre aspectos da pauta diplomática
brasileira. Sua missão é promover a sensibilização da opinião pública nacional para os
temas de relações internacionais e para a política externa brasileira.
Ministério das Relações Exteriores
Esplanada dos Ministérios, Bloco H
Anexo II, Térreo, Sala 1
70170-900 Brasília, DF
Telefones: (61) 3411-6033
Fax: (61) 3411-9125
Site: www.funag.gov.br
Brasília, 2009
III Conferência Nacional de
Política Externa e Política
Internacional – CNPEPI
Direitos de publicação reservados à
Fundação Alexandre de Gusmão
Ministério das Relações Exteriores
Esplanada dos Ministérios, Bloco H
Anexo II, Térreo
70170-900 Brasília – DF
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Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional conforme
Lei n° 10.994, de 14/12/2004.
Capa:
Aldemir Martins, Sertão de Timbaúba
OST, 1973
in Odorico Tavares a minha casa baiana sonhos e
desejos de um colecionador.
Equipe Técnica:
Eliane Miranda Paiva
Maria Marta Cezar Lopes
Cíntia Rejane Sousa Araújo Gonçalves
Erika Silva Nascimento
Juliana Corrêa de Freitas
Júlia Lima Thomaz de Godoy
Programação Visual e Diagramação:
Juliana Orem e Maria Loureiro
Impresso no Brasil 2009
CDU 327(81)
Conferência Nacional de Política Externa e Política
Internacional : (3 : Rio de Janeiro : 8 e 9 de dezembro de
2008) III CNPEPI : O Brasil no mundo que vem aí. -
Brasília : Fundação Alexandre de Gusmão, 2009.
440p.
1.Política externa - Brasil. 2. Política internacional -
Brasil. I. Título. III. Título: o Brasil no mundo que vem aí.
Abertura
Apresentação, 9
Embaixador Jeronimo Moscardo
Palestra do Senhor Secretário-Geral das Relações Exteriores, 11
Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães
Primeira Sessão: Estados Unidos
O Brasil e a Política Externa dos EUA no Governo Obama, 19
Antonio de Aguiar Patriota
A Configuração Mundial do Poder, a Nova Hegemonia Norte-
Americana e Novo Governo Obama, 33
Gilberto Dupas
Segunda Sessão:América Latina e Caribe
A América Latina e o Caribe; e o Brasil, 53
Gonçalo de Barros Carvalho e Mello Mourão
AméricaLatinanopresenteSistemaInternacional,61
Helio Jaguaribe
AméricaLatinaeCaribe:NovaFronteiradaPolíticaExternaBrasileira,73
Marcel Biato
Sumário
Terceira Sessão: Europa
Uma Europa maisTransparente, 89
Franklin Trein
Brasil - União Europeia: Uma Parceria Estratégica, 121
Maria Edileuza Fontenele Reis
Quarta Sessão: África e Oriente Médio
Instabilidade Política Moderna nos Países que Correspondem aos Últimos
Impérios Coloniais Europeus. Exemplos do Oriente Médio e Comparação
com a África, 141
Affonso Celso de Ouro Preto
AÁfricaentreoAtrasoeoDesenvolvimentonoPeríodoPós-CriseGlobal, 157
José Flávio Sombra Saraiva
Cooperação Sul-Sul: a Experiência de Cooperação Internacional em Saúde
do Brasil com Países da África, 171
Paulo M. Buss e José Roberto Ferreira
Quinta Sessão: Rússia
A Nova Rússia sob Medvedev e Putin, 191
Angelo Segrillo
ConsideraçõessobreaSituaçãoAtualdaRússia:Desafios,Perspectivas,203
Daniel Aarão Reis
Sexta Sessão: China, Índia e Japão
China, Índia e Japão no mundo que vem aí, 227
Amaury Porto de Oliveira
BRICS,theChineseEngine,andtheHumblingof MarketFundamentalism,245
Glauco Arbix
7
Sétima Sessão:Amazônia
Amazônia : os Desafios de uma Região Complexa e Dinâmica, 263
Adalberto Luis Val
Amazônia:PolíticaseEstratégias,277
Adherbal Meira Mattos
AOcupação daAmazônia, 293
Adriano Benayon
Manaus, Cidade Mundial para Prestação de Serviços Ambientais: Uma
Proposta, 317
Bertha K. Becker
Amazônia:DesafioseSoluções,339
Eduardo Dias da Costa Villas Bôas
ReflexõessobreCultura,SoberaniaePatrimônioGenéticonaAmazônia,359
Ennio Candotti
Amazônia,375
Ives Gandra da Silva Martins
ObjetivosdeumaPolíticaExternadoBrasilemRelaçãoàAmazônia:Proposta
para Discussão, 385
José Alberto da Costa Machado
Amazônia:ReflexõessobresuaProblemática,407
Leonidas Pires Gonçalves
Lista de Participantes, 421
9
Apresentação
A Conferência Nacional de Política Externa e Política Internacional "O
Brasil no Mundo que vem aí" tem como objetivo promover o diálogo sobre
nossa agenda de política externa, com a participação da comunidade
acadêmica, diplomatas, jornalistas e representantes da sociedade em geral.
Na sua III edição, a Conferência tratou dos seguintes temas: Estados
Unidos,América Latina e Caribe, Europa, África e Oriente Médio, Rússia,
China, Índia, Japão eAmazônia.
A Conferência sob menção pretende transformar-se nos estados-gerais
das relações internacionais no Brasil e inspira-se na convicção de que a
sociedade sabe mais e pode mais que a burocracia governamental.
EmbaixadorJeronimoMoscardo
Presidente da Fundação Alexandre de Gusmão
11
Palestra do Senhor Secretário-Geral das
Relações Exteriores, Embaixador Samuel
Pinheiro Guimarães
Bom dia a todas e a todos. É um prazer muito grande estar aqui hoje
para a Abertura da III Conferência sobre Política Externa e Política
Internacional,organizadapelaFundaçãoAlexandredeGusmãoepeloInstituto
de Pesquisa de Relações Internacionais, com um tema muito oportuno: “O
Brasilnomundoquevemaí”.Eufuiconvidadoparadizeralgumaspalavrase
prometo não me alongar muito para que possam logo ouvir os debatedores.
Vou falar um pouco sobre aquilo que possa ser chamado de “saída para
a crise”, a saída pela política. Primeiro, eu queria falar sobre a dinâmica
internacional dos últimos 20 anos porque é preciso ter algum tipo de visão
histórica para a situação que nós vivemos no momento.Asituação que nós
vivemosnomomentonãocaiudocéu,nãoéalgoinesperadoque,derepente,
cai do céu sobre nós e ficamos perplexos. Não é isso. As diversas crises
atuais são fruto de um processo de evolução nos últimos anos, nas últimas
décadas. Nós podemos caracterizar esse processo por alguns aspectos.
Primeiro, nesses últimos anos, houve um processo de liberalização e
desregulamentaçãodaeconomianoníveldospaísesenonívelinternacional.
Houveumprofundoprocessodedesregulamentação.Essadesregulamentação
ocorreu, por uma sucessão de rodadas internacionais que reduziram os
obstáculos ao comércio de bens em todo o mundo. Ocorreu também no
nívelinternoeuropeu.ComaformaçãodaComunidadeEconômicaEuropeia,
depois União Europeia, houve um processo de liberalização do comércio
SAMUEL PINHEIRO GUIMARÃES
12
entre aqueles países membros. Há outros aspectos, mas esse é um aspecto
importante. Temos os processos regionais, como o Mercosul e outros, e
tambémprocessosbilaterais.Nessecaso,houveoesforçodosEstadosUnidos
de celebrar acordos de livre comércio com países, não só na área das
Américas, mas também de outros continentes, com aAustrália, com a Nova
Zelândia, com a Jordânia e vários outros. Houve, enfim, um processo de
desregulamentação e liberalização na área de comércio bens.
Depois, houve também um grande processo de desregulamentação e
liberalização na área dos capitais. Nessa área, a partir das modificações das
legislações internas, principalmente, nos Estados Unidos e também na
Inglaterra,houveumadesregulamentaçãodosfluxosdecapitais,quepassaram
a fluir. Naturalmente, isso foi ajudado com o fim do papel do FMI, quando
osEstadosUnidosabandonaramopadrãoouroepassouaexistir,nomundo,
umsistemadetaxasdecâmbioflexíveis.Houvetambémadesregulamentação
do movimento de capitais em todo mundo através das chamadas
“privatizações”,queforammovimentosdedesregulamentação,comaabertura
de áreas que, antes, estavam fechadas ao capital estrangeiro.
Naturalmente, isso não ocorreu na área do trabalho. Nós falamos
nos bens, no capital e nos serviços, embora numa escala menor, mas não
ocorreu na área do trabalho. Houve uma grande movimentação de pessoas
a nível internacional, mas de forma muito restritiva. Nós temos grandes
contingentes de brasileiros, por exemplo, que não tínhamos no exterior.
Hoje, são cerca de três ou quatro milhões de brasileiros no exterior, mas
há um número muito grande de outras nacionalidades, de outras origens e
um grande número de deslocados, por conflitos. Nesse caso, naturalmente,
não houve um processo de desregulamentação. Pelo contrário, tem havido
um processo de regulamentação, de restrição aos movimentos do trabalho
dos seres humanos.
Esse é um processo de globalização e de criação de interdependência,
cadavezmaior,entreaseconomiaseassociedades.Oresultadodesseprocesso
também é uma enorme concentração de poder que ocorreu ao longo desses
anos. Já havia uma concentração de poder enorme, logo após a II Guerra
Mundial,maselaprosseguiu,tantoumaconcentraçãodepoderpolítico,como
depodermilitar,econômicoetecnológico.Senóstomarmosaáreadopoder
político, nós temos a expansão das atribuições do Conselho de Segurança, a
expansãoinformal,porém,umaexpansão,edenovosinstrumentosdeexercício
dopoderpolítico,comoéocasodaOTAN,edeoutrasformasdeintervenção,
PALESTRA DO SENHOR SECRETÁRIO-GERAL DAS RELAÇÕES EXTERIORES
13
outrosinstrumentosdeintervenção.Naáreamilitar,éamesmacoisa,ouseja,
háumasériedeacordosquelimitaoacessoacertasarmasapaísesconsiderados
“imaturos”,inferiores.Éóbvioqueissonãoécolocadoassim;issoécolocado
em nome do bem da humanidade, mas o fato é esse.Apremissa que está por
detráséquehápaísesdeumacivilizaçãosuperior,deumnívelculturalsuperior,
que têm o direito de ter certos tipos de armas; e outros países são inferiores,
sãopaísesinstáveis,quepodemcolocaremriscoapazeasegurançainternacional
e, portanto, não podem ter armas. Há uma série de tratados que foram sendo
celebradosdeformaarestringir,cadavezmais,oacessoàsarmasdedestruição
em massa e também a qualquer outro tipo de armas, mesmo as armas
convencionais. Na área econômica, essa concentração de poder pode ser
medidadeváriasformas,comopeladiferençaderendapercapitaqueexiste
entre os países altamente desenvolvidos e os países subdesenvolvidos. Essa
diferençatemaumentadocomotempoentreospaíses.Naáreatecnológica,é
a mesma coisa. O número de patentes registradas todos os anos é
predominantemente, esmagadoramente, de patentes registradas por países
altamentedesenvolvidos.Aproximadamentemetadedaspatentesinternacionais
é registrada pelos Estados Unidos, segundo as informações da Organização
MundialdaPropriedadeIntelectual.
Enfim, esse período todo também se caracterizou por uma questão
ideológica importante, que foi o chamado “fim do socialismo” e da vitória
ideológicadasdoutrinasneoliberaiseaderrotadasdoutrinascoletivistas,de
toda a natureza, como o comunismo, socialismo e assim por diante. Foi a
vitóriadoneoliberalismoemtodooseuesplendorquecorrespondeuateorias,
porexemplo,comoofimdasfronteiras,ofimdosEstadoseassimpordiante.
Hoje, naturalmente, isso está um pouco superado pela própria mudança de
políticaeconômicanospaísesaltamentedesenvolvidos,emqueháumapolítica
de profunda intervenção do Estado, de profunda preocupação coletiva com
o destino das sociedades, como a aquisição de bancos, ajuda a empresas e
assim por diante. Isso mostra um pouco um renascimento dessa questão do
individualismoversuscoletivismo,preocupaçõescoletivasdasociedade.Não
quero chamar de “socialismo”, nem de “comunismo”, mas de políticas que
prevêem, principalmente, uma maior intervenção do Estado em defesa da
organização da sociedade, tanto do ponto de vista econômico, quanto do
ponto de vista social. Enfim, esse é um processo que nos leva, com suas
diferentes características, ao que eu chamaria de “grandes crises atuais” e
todas elas são um desafio para o Brasil.
SAMUEL PINHEIRO GUIMARÃES
14
A primeira delas, que está mais na imprensa, é a crise financeira e, hoje
em dia, cada vez mais, uma crise produtiva porque a crise está passando da
áreafinanceiraparaaáreaprodutiva,nospaísesaltamentedesenvolvidos.A
segundadelas,queéumacrisemaisestrutural,éacriseambiental.Nóstemos,
seguramente, uma crise ambiental de proporções extraordinárias, hoje já
reconhecidaportodosospaíses,equeteráprofundoimpactonaorganização
das sociedades porque essa crise ambiental é vinculada à crise energética,
pelaescassezdeenergia,pelamudançadospadrõesdeconsumodeenergia,
por sua vez, ligadas a questões do Oriente Próximo, mas, sensivelmente, se
podeidentificarcomoumaquestãodospadrõesdeconsumodoindividualismo.
O fato de que certas sociedades são baseadas na ideia de que é possível
consumir qualquer tipo de produto, de uma forma totalmente livre e com
enorme grau de desperdício. Há uma crise energética, mas há também uma
crisederecursosnaturaisdeumaformageral.Háalgomuitoperigoso,queé
uma ideia formulada assim: “O que seria se todos os chineses tivessem um
automóvel? O que seria se todos os chineses comessem carne?”. Há uma
ideiapordetrásdequecertospaísestêmdireitoatercertosníveisdeconsumo
e outros, por terem chegado atrasados, não teriam esse direito porque isso
criaria um problema, um desafio, um dilema internacional. Isso é algo
extremamente preocupante para países em desenvolvimento. E se todos os
brasileirostivessemumautomóvel?Esetodososbrasileirostivessemníveis
deconsumodospaísesaltamentedesenvolvidos?Issogerariaumademanda
enorme sobre os recursos da terra. Só que nós temos seguramente o direito,
tantooumaisdoquequalqueroutropaís,deterníveisdeconsumoadequados
para cada cidadão brasileiro.Todos os cidadãos brasileiros têm esse direito.
Como eu já mencionei de passagem, temos a questão da crise energética, da
reorganização da matriz energética do mundo, que envolve a questão da
energianuclear,queenvolveaquestãodosbiocombustíveiseassimpordiante.
Aquestãoalimentartambéméumpoucoesta,ouseja,sabercomoenfrentar
o desafio de fazer com que todas as populações do mundo tenham o direito
a níveis adequados de nutrição. E finalmente, temos uma crise de natureza
político-militar, que é a da emergência da China, ou seja, como acomodar a
Chinanosistemainternacional.QualéopapelqueaChinadeveternosistema
internacional? Como acomodá-la nas diferentes instituições, nos diferentes
temas?ComoreacomodaraRússianasuanovafasedereafirmaçãonacional?
Diante desses temas todos, dessas crises, dessa evolução, certamente,
paraapolíticaexternabrasileira,secolocamgrandesdesafios.Ograndedesafio,
PALESTRA DO SENHOR SECRETÁRIO-GERAL DAS RELAÇÕES EXTERIORES
15
emminhaopinião,éalutapeladesconcentraçãodopoderinternacional.Nós
temosinteresseemquehajaumprocessodedesconcentraçãodessepoder.É
muitodifícilsefalardeumacompletademocratizaçãodasinstituições.Issoé
extremamentedifícil.Euacreditomaisnumprocessodemaiordemocracia,de
maior participação nos grandes organismos. Isso passa pelo Conselho de
Segurança,pelosorganismosfinanceiroseeconômicosinternacionais,comoa
reforma do Fundo Monetário Internacional, como a reforma, em curso, da
Organização Mundial de Comércio, na medida em que, o G-20, na OMC é
um fato totalmente novo. Quer dizer, a participação dos países em
desenvolvimento,emqueoBrasiltemdesempenhadoafunçãodecoordenador,
érealmenteumavitóriabrasileira.Ninguémseimpõecomocoordenadorde
nada.Énecessárioqueosoutrosconvoquemopaísparaessafunção.Nenhum
país, em nenhum lugar, diz: “Eu vou ser o coordenador de tal grupo”. Isso
simplesmentenãoexistenaprática.Oqueexisteéoconsenso,entreumgrupo
deEstados,paraqueumdelessejaoseuporta-voz,oseucoordenador,oseu
articulador. Então, essa luta pela desconcentração do poder é extremamente
importanteemtodososníveis.Segundo,temosalutaparaque,emseuconjunto,
asnormasquevêmsendoorganizadasanívelinternacional,nosdiferentesfóruns
e organizações multilaterais, regionais etc., sejam as mais favoráveis ao
desenvolvimento da sociedade brasileira, para resolver os problemas das
desigualdadessociais,dasvulnerabilidadesexternas,edarealizaçãodopotencial
da sociedade brasileira, da economia do Estado Brasileiro. É necessário que
essasnormasinternacionaisnãonoscriemobstáculosesimsejamfavoráveis
aodesenvolvimentointerno,i.e.,quepreservemograudeautonomiadoEstado.
Nesseprocessodedesenvolvimentointerno,afunçãodoEstadoéessencial.
Nósnãopodemosimaginarquehajadesenvolvimentoeconômicoesocialno
BrasilsemumafunçãodoEstadodepromoçãodessedesenvolvimento,para
garantir que todas as potencialidades da sociedade brasileira sejam
desenvolvidas. Não é possível imaginar de outra forma. Muitas vezes, a
normatizaçãointernacionaltendeacoibiraaçãodoEstado,adificultaraação
do Estado. No âmbito da política externa, é necessário fazer com que essas
normas venham a ser favoráveis ao desenvolvimento econômico, político e
socialdoBrasil.
Comofazerisso?Primeiro,dopontodevistainternacional,énecessária
a articulação com os grandes Estados da Periferia, que são a Índia, a China,
a África do Sul, aArgentina, porque esses Estados têm um nível semelhante
de aspiração à do Brasil. Outros países menores tendem a ser absorvidos
SAMUEL PINHEIRO GUIMARÃES
16
pelos grandes polos de poder que se organizam no sistema internacional.
Elesacabamsendoabsorvidos,muitasvezescooptados.Écomessesgrandes
Estados – que têm aspirações semelhantes às do Brasil, e que já atingiram
um certo nível de desenvolvimento – que nós temos que nos articular no
processo de negociação das normas internacionais e da desconcentração de
poder. É por isso que nós estamos juntos com a Índia, por exemplo, no G-4;
estamos junto com a Índia, com a China e com a África do Sul nas áreas de
programas de desenvolvimento tecnológico, como na área de satélites, e há
muitasoutrasáreasaindanãoexploradas,masquenecessariamentedevemos
explorar.
Em segundo lugar, temos a questão da articulação regional. O sistema
internacionaléumsistemadegrandeinterdependênciaeondesurgemgrandes
blocos de países, como é o caso da União Europeia e daAmérica do Norte.
NaAmérica do Norte, se forma uma grande economia, com características
diferentesdasdaUniãoEuropeiaequeinclui:oCanadá,osEstadosUnidos,
oMéxico,aAméricaCentraldepoisdosacordosdelivrecomércio,ealguns
estados da América do Sul. Os acordos de livre comércio que foram
celebrados,narealidade,criamumaáreaeconômicaintegrada,livredetarifas,
comamesmaregulamentação.Énecessáriaumaarticulaçãoregionalbrasileira
para que possamos participar melhor das negociações internacionais e das
disputas internacionais. Além das negociações, temos também algumas
situações de fato, onde os países são arregimentados para se pronunciar.
Nesseprocessodearticulaçãoregional,aUniãodasNaçõesSul-americanas
- UNASUL é de grande importância nos seus diferentes aspectos –
econômicos,políticos,militares–,comoConselhodeDefesaSul-americano.
OMercosul,naturalmente,éocentrodapolíticaexteriornaAméricadoSul.
Finalmente, uma palavra sobre a questão da articulação interna. É
necessárioquehaja,dentrodoBrasil,umaarticulaçãodasforçasprogressistas;
aquelas forças que têm o Brasil como parâmetro e não apenas a livre ação
dos indivíduos. É necessária uma articulação entre aquelas forças que
consideram que o Brasil é uma sociedade humana, não é um mercado; o
Brasilnãoéummercado,oBrasiléumasociedadedeindivíduosmuitoalém
dos seus interesses puramente econômicos, mas os seus interesses de toda a
ordem.Nessemomentodecrise,énecessárioqueasforçaspolíticasesociais,
quetêmessapreocupação,estejamunidasnadefesadepolíticasquepermitam
asuperaçãododesafioquenósenfrentamos,acomeçarpelamanutençãoda
demanda interna, manutenção dos investimentos para construirmos a infra-
PALESTRA DO SENHOR SECRETÁRIO-GERAL DAS RELAÇÕES EXTERIORES
17
estruturadopaíseparanãocairmosnaarmadilhadequeénecessárioreduzir
a demanda. Nenhum país do mundo está nessa armadilha. Todos os países
estão preocupados em manter o seu nível de demanda, e tentar manter o seu
níveldeinvestimentos.Nãopodemoscairnaarmadilhadealgunsquedizem
queénecessárioreduzirademandanoBrasilparaenfrentarmosessasituação.
É justamente a saída errada.
Finalmente, uma questão que eu acho extremamente positiva é que,
historicamente, foi em períodos de crise que o Brasil se desenvolveu na
realidade. Foi no grande período da grande depressão até ao final da II
GuerraMundialquehouveumagrandeexpansãododesenvolvimentoindustrial
brasileiro e, mais tarde, com as diferentes crises econômicas que tornaram
real e vital a ideia do desenvolvimento econômico brasileiro, baseado na
indústria. Na verdade, 85% da população brasileira vive nas cidades. Nas
cidades,nãoháagricultura.Duvidoqueossenhoresconsigamplantaralguma
coisa dentro de uma cidade. O emprego na cidade é o emprego industrial e
na área de serviços. Então, é muito importante que haja a possibilidade do
desenvolvimentoindustrial,queessacrisesejaumaoportunidadedeafirmação
daindústria.Nãoéqueaagriculturaeoagronegócionãotenhamimportância.
É óbvio que têm, mas, certamente, não é possível desenvolver uma ação
com as dimensões e perspectivas do Brasil com base apenas numa visão
agrícola do mundo e da sociedade. Na minha opinião, isso não é correto. Eu
sei que muitos criticariam esse ponto de vista, mas de uma coisa eu tenho
certeza: não há emprego de natureza agrícola nas cidades. Isso eu posso
garantir aos senhores. Se quiserem, podem plantar alguns pés de soja no seu
apartamento, para ver se isso é possível. Se for, eu me considero derrotado.
Finalmente,acreditoqueumasituaçãocomoaatualéumasituaçãoque
permite renovar a ideia da participação do Estado como um agente de
desenvolvimentoeconômiconummomentodecrise.Euachoqueasituação
internacional é muito importante porque, certamente, se todos os Estados
mais desenvolvidos do mundo estão utilizando a sua administração, o seu
Estado para enfrentar a crise, nada mais conveniente que um país como o
nosso também possa, e deva, usar o seu Estado para enfrentar essa situação
de grandes dificuldades e de grandes desafios, no processo em que todos
estão interessados e empenhados de construir uma sociedade mais justa,
mais democrática e mais próspera. Muito obrigado pela atenção.
19
O Brasil e a Política Externa dos EUA no
Governo Obama
Antonio de Aguiar Patriota1
Em artigo publicado na Política Externa de junho/julho/agosto de
2008 (“O Brasil e a política externa dos EUA”), examinei a evolução da
política externa norte-americana no segundo mandato do Presidente Bush
(2005-09) e o desenvolvimento das relações bilaterais. Com a posse do
Presidente Barack Obama, em 20/1/2009, que tantas esperanças
despertou nos Estados Unidos e em outras partes do mundo, proponho
um exercício de natureza mais prospectiva, ao considerar como será
possível, sem perder os avanços realizados, abrir novas áreas de
cooperação entre as duas grandes democracias multiétnicas dasAméricas.
Há, hoje, virtual consenso entre os Governos Lula e Obama de que
não é necesssário “reinventar a roda” nas relações bilaterais, mas sim
acrescentar, àquelas áreas específicas de convergência já identificadas,
novos temas, iniciativas e mecanismos, tornados possíveis pela maior
compatibilidade entre os momentos políticos vividos pelos dois países.
Tal aproximação ocorrerá no contexto de grave crise financeira
internacional, a qual, ao mesmo tempo em que traz problemas novos e
acentua alguns antigos, poderá favorecer a remoção de obstáculos –
notadamente certos preconceitos e modos rígidos de pensar, cuja
obsolescência ficou patente nos últimos meses.
1
O autor é Embaixador do Brasil nos Estados Unidos da América.
ANTONIO DE AGUIAR PATRIOTA
20
As Relações Brasil-EUA no Final do Governo Bush
Sem pretender repetir o artigo de junho passado, recapitulo alguns
marcos importantes a partir de 2005:
-aCúpuladaGranjadoTortodenovembrode2005entreosPresidentes
LulaeBush,comênfasenosbiocombustíveis;
-ohábitodeconsultaecooperaçãonoapoioàestabilização,democracia
e desenvolvimento do Haiti, que demonstrou estarem os EUA e o Brasil
sintonizados em relação a uma questão de paz e segurança;
- a consulta intensa, praticamente permanente, sobre comércio
internacional, no âmbito das negociações da Rodada de Doha da OMC;
- o abandono, pelo Governo Bush, da ênfase na ALCA, “colocada
entre parênteses”, decisão que não impediu, nos anos seguintes, o
crescimento robusto do comércio e dos investimentos entre Brasil e
EUA;
-oestabelecimentode“diálogoestratégico”regularentreasChancelarias,
noníveldeSubsecretáriosparaAssuntosPolíticos–mecanismoqueosEUA
mantêm apenas com um punhado de países;
- as duas Cúpulas bilaterais de março de 2007 – São Paulo e Camp
David – que produziram, entre outros resultados, o Memorando de
EntendimentosobreBiocombustíveiseoFórumdeAltosExecutivosBrasil-
EUA;
-acriaçãodoDiálogodeParceriaEconômica,poriniciativadoMinistro
CelsoAmorim e da Secretária de Estado Condoleezza Rice, que vem dando
frutos concretos, tais como a intensificação dos vôos comerciais entre os
dois países, com a inclusão de rotas novas ligando o Nordeste brasileiro a
cidades do sul dos Estados Unidos;
- o convite para que o Brasil – juntamente com Índia e África do Sul –
participassem da Conferência de Annapolis sobre o Oriente Médio, em
novembro de 2007;
- a assinatura do Plano de Ação Conjunta para a Eliminação da
DiscriminaçãoÉtnicaeRacialeaPromoçãodaIgualdadepelaSecretáriade
Estado Rice e o Ministro Edson Santos;
- a aprovação, pela Câmara de Representantes dos Estados Unidos
(commaioriademocratadesdeaseleiçõesde2006)deresoluçõesunânimes
de apoio ao fortalecimento das relações entre Brasil e EUA.
O BRASIL E A POLÍTICA EXTERNA DOS EUA NO GOVERNO OBAMA
21
Em2008,váriasdessasiniciativascontinuaramarenderfrutos.Umacrescente
confiançarecíprocafezqueosEstadosUnidosprocurassemodiálogocomo
Brasilemrelaçãoaquestõesregionais,inclusiveemmomentosdetensão,como
na controvérsia Colômbia – Equador e durante as perturbações políticas na
Bolívia.HouveapoiodeWashingtonainiciativasbrasileiras,comoaUniãodas
NaçõesSul-Americanas(UNASUL)eoConselhodeDefesadaAméricado
Sul.AtémesmoaCúpuladaAméricaLatinaedoCaribe,realizadanaCostado
Sauípe,emdezembrode2008,terásidovistacomooeventoconstrutivoquefoi
–nãoobstantecertaincompreensãoemsetoresmaisconservadoresdoCongresso
norte-americano.
Tambémemsinaldeambientemaiscooperativo,odiálogobilateralestendeu-
seaáreapormuitotempoexcluídadaagendabilateral,adedefesa.Em2008,o
MinistrodaDefesaNelsonJobimvisitouosEstadosUnidosemtrêsocasiões
distintas,duasvezesparareuniãocomoSecretáriodaDefesaRobertGatese
umaparaconhecerasededoComandoSul(SouthCom).Foipossível,assim,
conversarcomtransparênciaefranquezasobrenovasiniciativasdecadalado:do
Brasil,oConselhoSul-AmericanodeDefesa,aEstratégiaNacionaldeDefesae
osplanosdecapacitaçãotecnológicanaindústriadedefesa;dosEstadosUnidos,
entre outros temas, a polêmica criação da IV Frota, cujo anúncio repentino
provocara reações na opinião pública latino-americana e pedidos de
esclarecimentos provenientes de vários Governos da região. Destacou-se
positivamenteocomportamentonorte-americano,quesugeririaestarficandopara
trásaépocadasobjeçõesaprogramasemesferascomoaespacialeanuclear.
Nomesmoespírito,osEstadosUnidoscomeçamasinalizarquepoderãoserum
parceiroemprojetosdecapacitaçãotecnólogicadeinteressebrasileiro.
Oanode2008encerrou-secomumamanifestaçãoemblemáticadocrescente
papelglobaldoBrasil,naCúpuladeWashingtondoG20financeiro.Aconvitedo
PresidenteGeorgeW.Bush,oPresidenteLuladesempenhoupapeldedestaque,
comoumdosprincipaisoradoresdoalmoçodetrabalhoorganizadopelaCasa
Brancaemtornodotemacomérciointernacional.NoexercíciodaPresidência
doG20,oBrasilpode,ademais,pôràmostrasuacapacidadedediálogocom
todasascorrentespolíticaseproveniênciasgeográficas.
A Campanha Eleitoral de 2008
O ano de 2008, nos Estados Unidos, foi dominado por uma eleição
presidencial que provocou uma mobilização raramente vista da sociedade
ANTONIO DE AGUIAR PATRIOTA
22
norte-americana.Acandidatura de Barack Obama trouxe forte conteúdo
transformador. A perspectiva de eleição do primeiro Presidente afro-
americano representava a culminação histórica de longo processo de
integração social, superação da discriminação e ampliação da democracia,
que data da Guerra Civil norte-americana e se mantivera incompleto por
maisdeumséculo.
Agregou-se o efeito de mudança generacional: Obama, com seus 47
anos, não participou das controvérsias políticas e culturais dos anos 1960 e
do começo dos anos 1970.AGuerra do Vietnã, a explosão do consumo de
drogas, os distúrbios raciais que se seguiram ao assassinato do Dr. Martin
Luther King e o escândalo de Watergate provocaram divisões profundas,
mas não deixaram cicatrizes no futuro Presidente, cuja infância transcorria,
no Havaí e na Indonésia, em lar multirracial e aberto para o mundo.
Tudo isso fez com que a campanha de Obama, primeiro na primária
democrata e em seguida na eleição geral, atraísse a juventude e as minorias
étnicas. Com organização moderna, em rede, tornada possível pelo uso
inovativodainternet,eprovandoserpossívelconciliariniciativaedisciplina,
Obama logrou promover um verdadeiro movimento nacional em torno da
ideiademudança.
Aomesmotempo,acrisefinanceira,quesetornouagudaemmeadosde
setembro,apósafalênciadobancoLehmanBrothers,culminouprocessode
erosãogradualdetodoumconjuntodefalsascertezasquesehaviapropagado
desde os anos 1990.Anoção de que exista um conjunto pronto de receitas
políticaseeconômicascomaplicaçãouniversal,concebidoemWashingtone
pronto para exportação aos quatro cantos do mundo, ruiu como castelo de
areia em face da maré alta.As elites políticas, financeiras e econômicas que
haviam pontificado nas duas décadas anteriores passaram a ser apontadas
como responsáveis por catástrofe que, ao contrário de crises anteriores,
começounocentrodomundodesenvolvidoedaíseespalhoupeloglobo.Se
consenso há sobre causas e remédios da crise, foi no sentido de que país
algum detém o monopólio da sabedoria sobre como enfrentá-la, e de que é
preciso esforço comum e cooperação mais eficaz para que o árduo trabalho
de superação tenha perspectivas de êxito.
O Brasil teve condições de diálogo e acesso às principais campanhas
eleitorais, que apresentaram, cada uma, aspectos inéditos. Somos cada vez
maisvistoscomoumparceiroimportantenabuscadesoluçõesparaasgrandes
questões políticas e econômicas da região e da comunidade internacional.
O BRASIL E A POLÍTICA EXTERNA DOS EUA NO GOVERNO OBAMA
23
RepresentantesdoGovernobrasileiro,nasmaisdiversasáreas,tiveramacesso
aos assessores das campanhas eleitorais, em particular as dos três principais
candidatos, os Senadores Barack Obama, Hillary Clinton e John McCain.
Foipossívelnãosórecolherinformações,mastambémprestaresclarecimentos
sobre o Brasil e apresentar a perspectiva brasileira sobre os grandes temas
regionaiseglobais.
Barack Obama
Afacilidade de diálogo entre os Presidentes Lula e GeorgeW. Bush, até
certopontosurpreendente,emvistadetrajetóriaspessoaiseposturaspolíticas
muito distintas, foi fator relevante na reaproximação entre Brasil e Estados
Unidos, a partir de 2005.Alguns observadores chegaram a levantar dúvidas
sobre a possibilidade de manutenção desse clima favorável com Barack
Obama na Casa Branca.
Argumentossólidos,porém,permitempreverqueBrasileEstadosUnidos
continuarãoaencontrarnovasáreasdecooperaçãonospróximosanos,além
deprosseguirnasjáexistentes.EntreLulaeObama,podemseridentificadas
afinidades em pelo menos três campos: trajetória pessoal, temperamento e
valores.
No campo da trajetória pessoal, o traço mais marcante de ambos os
percursosfoiasuperaçãodopreconceito.EnquantoaeleiçãodeLulamarcou
a ampliação da democracia no Brasil, pela elevação de um representante do
operariado ao cargo de Presidente, Obama representou a derrubada de uma
barreiraracialquemuitosaindajulgavamforadealcancenosEstadosUnidos.
Quando Obama nasceu, em 1961, o casamento entre seus pais ainda
seria proibido por lei em vários Estados norte-americanos (não, porém, no
seu Estado natal, Havaí, de cultura mais tolerante e mestiça). O próprio
Presidente Obama mencionou em seu discurso de posse, no Capitólio, que
sessenta anos antes talvez os restaurantes da capital norte-americana não
aceitassem que seu pai, o economista queniano Barack Hussein Obama
(mesmonomedofilho),sesentasseàmesaparaalmoçar.Suaautobiografia,
lançada em português como “A origem dos meus sonhos”, escrita aos 33
anos, contém uma reflexão comovente sobre a decepção do jovem Barack
diante do pai, cuja carreira promissora terminou em impasse, e cuja vida,
depois de diversos casamentos e filhos, desembocou em alcoolismo e
depressão.OjovemBarackseriavistopelasociedadenorte-americanacomo
ANTONIO DE AGUIAR PATRIOTA
24
afro-descendente,pelaaparênciafísica,masconviveunainfânciaquaseque
unicamente com a mãe e os avós brancos.
Suamãe,aantropólogaAnnDurham,personagemcriativaeprogressista,
casou-se novamente com um cidadão indonésio. Obama passou parte da
infância, dos 6 aos 10 anos, numa rua de terra batida da periferia de Jacarta,
correndo atrás de galinhas e cachorros, junto com os outros meninos da
vizinhança,comorelatanaautobiografia.Queentreaquelesmeninos,quase
todos de família muçulmana, soltando pipas na Indonésia nos idos de 1970,
estivesse um futuro Presidente dos Estados Unidos, é cenário que só a
combinação de momento histórico, uma grande autoconfiança individual e
uma pitada de destino pode explicar.
Oresultadodessagenealogiae,maistarde,docasamentocomMichelle
LaVaugh Robinson, de família afro-americana tradicional do South Side de
Chicago,éuma“primeirafamília”únicaemseuuniversalismo.Umadasmeio-
irmãsquenianasdeObamaécasadacominglês;outromeio-irmãoporparte
de pai vive na China e é casado com chinesa; sua meia-irmã por parte de
mãe é indonésia e casada com cidadão canadense de ascendência também
chinesa.MesmonafamíliadeMichelle,deperfilmenosinternacional,háum
primo que se converteu ao judaísmo e é rabino, sobrepondo em uma só
aliançafamiliarastrêsfésabraâmicas.
Uma segunda convergência se observa nas semelhanças entre os
temperamentos dos ocupantes doAlvorada e da Casa Branca. Obama, que
passou toda a vida construindo pontes entre negros e brancos, desenvolveu
capacidade natural de conciliação e diálogo. Na Faculdade de Direito da
Universidade Harvard, embora participasse de grupo de estudantes mais à
esquerda,foieleitoeditordaprestigiosarevista“HarvardLawReview”com
ovotodosconservadores.NoPartidoDemocrata,emborasuasraízesestejam
na ala progressista, foi sempre capaz de atrair apoios de centristas e mesmo
de membros da ala mais conservadora. Durante a campanha eleitoral, além
do apoio praticamente unânime dos setores progressistas, apareceu o
fenômeno curioso dos “Conservadores por Obama”, ou “Obamacons”,
dotados de sua própria página web.
Em política externa, essa disposição se manifesta na política de “mão
estendida”emrelaçãodosadversáriosdosEstadosUnidos,bastandoapenas
que eles “descerrem o punho”, na fórmula empregada no discurso de posse
e frequentemente citada desde então.Acapacidade de diálogo e conciliação
serefletetambém,emObama,numapreferênciapelomultilateralismo,visto
O BRASIL E A POLÍTICA EXTERNA DOS EUA NO GOVERNO OBAMA
25
como mecanismo inclusivo, de vocação universal, e não como mero
agrupamento dos que pensam igual (like-minded). Na conferência de
imprensa em que apresentou sua equipe de política externa e segurança
nacional, Obama anunciou, como uma das três prioridades principais do
DepartamentodeEstado,ofortalecimentodasinstituiçõesinternacionais(as
outrasduassãoanãoproliferaçãonucleareapaznoOrienteMédio).Também
classificou as Nações Unidas de organização “indispensável”, qualificativo
que não se escutou em Washington, em relação à ONU, nem durante o
Governo George W. Bush, nem no de seu antecessor democrata.
Um terceiro campo de convergência, o dos valores, revela coincidência
nocompromissocomaeliminaçãodapobrezaecomajustiçasocial.Obama
demonstrou, com base em sua vivência na Indonésia e no Quênia, em seu
trabalhocomoassistentesocialnosbairrosmaispobresdeChicagoeemseu
temperamento de construtor de pontes, capacidade de compreender esses
problemas do ponto de vista dos pobres. Obama estudou na melhor escola
particular do Havaí, sobretudo graças aos sacrifícios dos avós.Ao terminar
seus cursos universitários, porém, abandonou a perspectiva de empregos
bem-remunerados em Wall Street ou em escritórios de advocacia, e optou
por oportunidades como organizador comunitário em uma das regiões mais
deprimidasdeChicago.
Desdeentão,Obamaestabeleceucomoplataformacentraldesuaatuação
a solidariedade social.Asituação dos jovens afro-americanos em bairros
pobres nas grandes cidades, como Chicago; a geração de empregos; a
universalização da cobertura por seguro-saúde; e a melhoria da educação
pública,comodetalhadoemseulivrodecampanha,“Aaudáciadaesperança”,
foramatônicadesuaatuaçãopolíticaedesuacampanhapresidencial.Durante
a campanha eleitoral, Obama ironizou o lema do ultraliberalismo, ou
fundamentalismo de mercado, a chamada “sociedade de proprietários”
(ownership society), dizendo que para os ricos isso parecia significar “cada
um por si” (you are on your own). Em seu discurso de posse, sintetizou sua
visão de futuro: “uma nação não pode prosperar, se dedicar atenção apenas
aos mais prósperos”.
O Momento Histórico e as Relações Bilaterais
AlémdasafinidadesentreosPresidentesLulaeObama,acimaapontadas,
fatoresdeordemestruturalcontribuemparaumaconsolidaçãodosprogressos
ANTONIO DE AGUIAR PATRIOTA
26
realizados em várias vertentes do relacionamento bilateral e para a abertura
de novas frentes de aproximação.
Por muito tempo, a política externa dos Estados Unidos mal disfarçava
veleidades de tutela informal sobre as nações latino-americanas. Tal era o
sentido da “Doutrina Monroe” (a responsabilidade pela liderança da defesa
daAmérica Latina contra “ameaças extracontinentais” caberia aos Estados
Unidos, que exerceriam, para tanto, supervisão sobre as relações dos países
latino-americanos com Estados de outros continentes) e do chamado
“Corolário Roosevelt” (Theodore, não Franklin: a responsabilidade pela
estabilidadepolíticainternadospaíseslatino-americanoscompetiria,também,
aWashington).
Tais políticas fizeram-se sentir com mais peso, ao longo do século XX,
naAmérica Central e no Caribe, mas não deixaram de repercutir também
maisaoSul.ParaoBrasil,desdeaconsolidaçãodasfronteirascomosvizinhos
– obra concluída por volta de 1910 – a tarefa principal da política externa,
formulada com diferentes matizes em cada geração, tem sido a criação de
condições externas favoráveis para o desenvolvimento econômico e social
do país. Para tanto, o pré-requisito essencial era a busca da autonomia
decisórianapromoçãododesenvolvimento,semingerênciasnemsubmissão
a interesses externos.
Nos anos 1950, atitudes dos Estados Unidos em relação à criação da
Petrobras, por exemplo, convenceram muitos brasileiros de que prevenir ou
impedirodesenvolvimentoindustrialdoBrasilconstituíapartedaagendanão
declarada de Washington.As objeções aos programas nuclear e espacial,
nos anos 1970 e 1980 e as divergências sobre propriedade intelectual, a
partirdosanos1980,foramfontesdedesentendimento.Asdificuldadesiniciais
dos Estados Unidos com a formação do Mercosul também geraram alguma
tensão.
Aomesmotempo,outroconjuntodefatoresnuncadeixoudeaproximar
os dois países, e conduziu a momentos de relação estreita e mutuamente
proveitosa–sejaa“aliançanãoescrita”daépocadeRioBranco(naexpressão
do historiador norte-americano E. Bradford Burns), seja a participação do
BrasilnaIIGuerraMundial(quandofomoso“aliadoesquecido”,segundoo
historiador Frank McCann). O investimento e o capital norte-americanos
nas mais diversas áreas tiveram participação positiva na industrialização do
Brasil, em processo simbolizado pela Companhia Siderúrgica Nacional,
construída com financiamento e bens de capital dos Estados Unidos.
O BRASIL E A POLÍTICA EXTERNA DOS EUA NO GOVERNO OBAMA
27
Controvérsiassubsequentesfizeramcomquealgunsseesquecessemdeque
os primeiros passos dos programas nuclear e espacial do Brasil, entre os
anos1950e1970,emmuitobeneficiaram-sedacooperaçãocomosEstados
Unidos. E até hoje os fluxos de comércio e investimento revelam
complementaridades entre os dois países.
Épossívelafirmar,emsuma,queBrasileEstadosUnidospodemmanter,
em certos momentos e temas, políticas divergentes, no nível dos Governos,
massemchegaraterconflitosfundamentaisdeinteresse,noníveldosEstados.
A ambos interessa, primordialmente, a paz, estabilidade e prosperidade nas
Américasenomundo.
Hoje, Brasil e Estados Unidos intensificam seus contatos políticos em
contexto histórico de grandes transformações. O Brasil está em trajetória
ascendente, com estabilidade econômica, progresso social e democracia
consolidada.Cadavezmaisnossopontodevistaéglobal,depaíscontribuinte
para o aperfeiçoamento do sistema internacional. Os Estados Unidos, por
suavez,continuarãopelofuturoprevisívelademonstrarvitalidadeeconômica,
científica e tecnológica, sem falar no poderio militar. Como aponta Fareed
Zakhariaem“OMundoPós-Americano”,comaascensãorelativadeoutros
países, os Estados Unidos vão sendo levados a aceitar mais naturalmente a
ideia de que vivem em mundo crescentemente multipolar, como admitiu
recentemente o Secretário da Defesa Robert Gates. A tentação do
unilateralismoconduziu,noIraque,aresultadosquefalamporsi;acriseiniciada
em2008tornouaindamaispatentesoslimitesdopoderunilateraldosEstados
Unidos e a necessidade de cooperação internacional.
Restam, é verdade, no estamento de política externa norte-americana,
personalidadesqueacreditamnapossibilidadedeumretornoaosanos1990,
quandoosEstadosUnidosviveramseu“momentounipolar”,naconsagrada
expressão de Charles Krauthammer. Para os que duvidam, porém, da
orientação da atual liderança política, recomenda-se a leitura do Capítulo 8,
dedicado à política externa, do livro de campanha do então candidato
presidencial Barack Obama, “A audácia da esperança”. De forma talvez
inédita, constata-se a capacidade de um Presidente dos Estados Unidos de
enxergar a realidade internacional não apenas da perspectiva de seu próprio
país,mastambém,apartirdeumavivênciaqueincorporacontatosimportantes
comomundoemdesenvolvimento(IndonésiaeQuêniaemparticular).Entre
outras muitas observações de Obama que soam naturais aos brasileiros,
destacoasseguintes:
ANTONIO DE AGUIAR PATRIOTA
28
“Nosso desempenho tem sido inconstante, tanto na Indonésia quanto
no resto do mundo. Algumas vezes, a política externa norte-americana
foi previdente, servindo simultaneamente nossos interesses nacionais,
nossos ideais, e os interesses das outras nações. Outras vezes, as
políticas norte-americanas foram mal-orientadas, baseadas em
premissas falsas que ignoram as aspirações legítimas de outros povos,
diminuem nossa própria credibilidade e tornam o mundo mais perigoso
(...) (Na América Latina,) os Estados Unidos não chegaram a
empreender a colonização sistemática praticada pelas nações europeias,
mas perderam quaisquer inibições a respeito da ingerência nos assuntos
internos de países que julgavam estrategicamente importantes. Theodore
Roosevelt, por exemplo, acrescentou um corolário à Doutrina Monroe,
declarando que os Estados Unidos interviriam em qualquer país latino-
americano ou caribenho de cujo Governo não gostassem (...) No
começo do século XX, portanto, os motivos que guiavam a política
externa dos Estados Unidos pareciam dificilmente distinguíveis daqueles
das demais grandes potências, guiadas pela realpolitik e pelos interesses
comerciais”.
Perspectivas para as Relações Brasil-EUA no Governo Obama
As preocupações sociais de Obama harmonizam-se com muitos temas
deinteressedanovaSecretáriadeEstado.HillaryClintonestreounocenário
nacional, ainda no começo do mandato do ex-Presidente Bill Clinton, com
uma campanha pela universalização do acesso à saúde que esbarrou no
obstrucionismo dos republicanos, mas que – reconhece-se hoje – teria
beneficiado os Estados Unidos se tivesse ido adiante.Acompetitividade da
indústria norte-americana, como se sabe, é prejudicada pela necessidade de
quecadaempresaarquecomgrandepartedoscustosdesaúdeeaposentadoria
de seus empregados.Aprivatização da saúde levou a um sistema que é o
maiscaroentreospaísesdesenvolvidos,masquedeixasemcoberturamédica
quase 50 milhões de norte-americanos, segundo o Bureau do Censo dos
EUA.
HillaryClinton,emsuacarreiracomoSenadoraporNovaYorkeemsua
campanha presidencial, destacou-se, também, pela defesa dos direitos da
mulher,dainfância,dosidososedaspopulaçõesmaisvulneráveis.Oprimeiro
discurso do Presidente Obama no Congresso e o primeiro projeto de
O BRASIL E A POLÍTICA EXTERNA DOS EUA NO GOVERNO OBAMA
29
orçamento refletem essas prioridades, com ênfase em saúde, educação e
energias limpas. Emerge, assim, quadro em que vários entre os principais
tomadoresdedecisãodosEstadosUnidos–nãosóoPresidenteeaSecretária
deEstado,mastambémoutrosintegrantesdoGoverno,comoosSecretários
da Educação, Arne Duncan, Trabalho, Hilda Solis, e Saúde, a ex-
GovernadoradoKansasKathleenSebelius–demonstrampreocupaçãocom
temas similares aos que captam a atenção do Governo brasileiro.
Com a posse do novo Governo, os Estados Unidos voltam a se engajar
comocumprimentodasMetasdeDesenvolvimentodoMilêniodasNações
Unidas,objetoderessalvasnorte-americanasaindarecentemente,duranteo
processo de preparação da 60ªAssembléia Geral, em 2005.Abre-se, assim,
espaço para a troca de experiências e a cooperação em temas sociais, entre
dois países com semelhanças não negligenciáveis: grandes, multiétnicos,
democráticos, federativos e preocupados com a superação da desigualdade.
OsEstadosUnidos,comoapontaoMinistroRobertoMangabeiraUnger,são
opaísmaisdesigualentreosdesenvolvidoseoBrasil,apesardossignificativos
progressosdosúltimosanos,aindaestáentreosmaisdesiguais,entreospaíses
em desenvolvimento. Isso pode ser encarado como uma oportunidade, na
medidaemqueodiálogosedê,comotudoindicaqueocorreránospróximos
anos,emambientederespeitopelasdiferençasentreasexperiênciasdeume
deoutropaís,tantoemâmbitofederal,comoEstadualemunicipal.
OutradasprioridadesreiteradasporObamaemseusplanosdeGoverno
é a energia, em particular o desenvolvimento de fontes renováveis, a
conservação, a sustentabilidade e a diversificação das fontes de suprimento,
comaconcomitantereduçãodedependênciasexternas.Tambémnessaárea,
oBrasilévistocomolídermundial.AsconquistasdoBrasilnaesferaenergética
são admiradas nos Estados Unidos e o desejo de parceria é perceptível,
tantonoExecutivocomonoCongressoenosetorprivado.Note-sequeuma
das nomeações mais ousadas e bem-recebidas do Governo Obama foi
justamente para o Departamento de Energia, para qual foi escolhido o físico
Steven Chu, o primeiro Prêmio Nobel a ocupar um posto ministerial nos
EstadosUnidos.AindicaçãodeChu,comprometidocomasfontesrenováveis
e limpas de energia, foi geralmente interpretada como indicadora de nova
postura, mais cooperativa, no tema da mudança do clima.
Asrelaçõeseconômicasentreosdoispaísestambémsebeneficiarãodo
impulso positivo dos últimos anos. Entre 2000 e 2008, as exportações
brasileiras para os Estados Unidos passaram de US$ 13,2 bilhões para US$
ANTONIO DE AGUIAR PATRIOTA
30
27,4 bilhões (crescimento de 108%), ao passo que as importações foram de
US$12,9bilhõesparaUS$25,6bilhões(crescimentode98%),desempenho
mais dinâmico que o do intercâmbio com diversos países com os quais os
Estados Unidos mantém acordo de livre comércio. Em 2008, os Estados
UnidosforamomaiorinvestidorexternonoBrasil(US$7bilhões)etambém
o maior receptor de investimento externo brasileiro (US$ 4,8 bilhões). Os
estoquesdeinvestimentoentreosEUAeoBrasilsãosignificativamentemaiores
que entre os EUA e os demais BRICs (China2
, Índia e Rússia). Tanto o
Presidente Obama quanto a Secretária Clinton manifestaram interesse em
relações mais estreitas com o Brasil no plano econômico e comercial, como
sedepreende,porexemplo,doapoiodemonstradoporambosàmanutenção
do Fórum deAltos Executivos.
No tema prioritário do fortalecimento das instituições internacionais –
singularizado, como vimos, pelo Governo Obama como central – abre-se
espaço mais amplo de coordenação. Obama elevou a posição de
RepresentantePermanentejuntoàsNaçõesUnidasaonívelministerial,como
fora em alguns governos anteriores (mas não no de George W. Bush). A
indicada,SusanRice,foiumadesuascolaboradorasmaispróximasaolongo
dacampanhaeleitoral.Jáemseuprimeiropronunciamentoapósaconfirmação
no cargo, Rice indicou quatro prioridades: combate à pobreza, mudança do
clima, operações de paz e não proliferação. Em cada das áreas apontadas, o
Brasil é ator significativo.A cooperação entre os dois países nas Nações
Unidas poderá adquirir maior relevância em vista da projetada eleição do
Brasil para nosso nono mandato como membro eletivo do Conselho de
Segurança, em 2010-11.Aparticipação do Brasil nos círculos decisórios
internacionais, proposição que vem ganhando apoio emWashington, abrirá
dimensõesinéditasparaorelacionamentobilateral.
O Presidente Lula recebeu telefonema do Presidente Obama, poucos
diasapóssuaposse,ocasiãoemquefoiconvidadoparaserumdosprimeiros
Chefes de Estado a visitar Washington. Obama foi convidado, na mesma
ocasião, a visitar o Brasil. Lula e Obama também estarão juntos na Cúpula
de Londres do G20 e na Cúpula das Américas, em Trinidad e Tobago. O
MinistroCelsoAmorimeaSecretáriadeEstadoHillaryClintonconversaram
portelefonelogoapósaconfirmaçãodeClintonpeloSenadonorte-americano
e, em 24 de fevereiro, mantiveram uma reunião de trabalho que permitiu o
2
Excluído Hong Kong.
O BRASIL E A POLÍTICA EXTERNA DOS EUA NO GOVERNO OBAMA
31
mapeamentodeáreasparafuturaintensificaçãododiálogoedacooperação:
energia,mudançadoclima,combateàpobreza,Haiti,Cuba,OrienteMédio,
fortalecimento e reforma das Nações Unidas, entre outras.Acooperação
triangular para a promoção do desenvolvimento em terceiros países,
aproveitando as capacidades complementares do Brasil e dos Estados
Unidos, já foi iniciada nas áreas de etanol e saúde e poderá estender-se a
outroscampos,permitindoatuaçãoconjuntaemfavordoprogressoregional
eglobal.
Nadadissoimplicaalinhamentoautomáticooucoincidênciaabsolutade
posições.Nãoéimpossívelqueocorramdificuldades,porexemplo,naagenda
comercial,abaladanomundointeiropeloagravamentodarecessãoeconômica
e pelo ressurgimento de tendências protecionistas.Afinalização da Rodada
do Desenvolvimento de Doha, os subsídios agrícolas, a tarifa do etanol, a
relação entre propriedade intelectual e acesso à saúde, a renovação anual do
SistemaGeraldePreferências(SGP):todosessessãotemasquecontinuarão
a merecer, como tem ocorrido, atenção e esforço da diplomacia brasileira.
Recentemente, tive acesso a duas análises sobre o relacionamento entre
osEstadosUnidoseoBrasil,encomendadasadoisespecialistasemrelações
internacionais sediados em Washington.Ambos assinalam o momento de
oportunidade que se abre com a eleição de Barack Obama, em contexto
internacional no qual o Brasil emerge como uma democracia sólida e uma
economiaemexpansão.Comamultiplicaçãodecontatosgovernamentaisno
mais alto nível, a crescente interação dos setores privados e o envolvimento
da sociedade civil, as perspectivas que se abrem são efetivamente
promissoras.Ao beneficiar-se de ambiente de crescente respeito mútuo e de
novas afinidades políticas, a relação entre Brasil e Estados Unidos poderá,
nos próximos anos, trazer ganhos para as duas sociedades e, como propõe
DavidRothkopf,constituir“umadasparceriasestratégicasinternacionaisque
serão chave” para o equacionamento das grandes questões de paz,
desenvolvimentoesustentabilidadedaagendainternacional.
33
A Configuração Mundial do Poder, a Nova
Hegemonia Norte-Americana e Novo Governo
Obama
Gilberto Dupas1
Vamos investigar aqui algumas das questões fundamentais quando se
discute as condições cada vez mais complexas de governabilidade mundial
neste novo século. Apesar do duro legado do governo W. Bush, agora
dramatizadopelacriseeconômicamundial,parececlaroqueomundoglobal
nãopodeprescindirdaseventuaisvirtudeshegemônicasdesuamaiorpotência,
até porque tão cedo não haverá quem possa substituí-lo.Amaior qualidade
hegemônicaéfavoreceragovernabilidadedosistemamundial,reconhecendo
diferenças, mediando crises e confrontos e possibilitando gestos simbólicos
emdireçãoàsnaçõesepovosatingidosporexcessivaexclusãoeprecariedade.
Se o novo governo Barak Obama não conseguir que os EUA assumam o
papelcondizentecomseuprópriopoder,oqueincluiantesdetudoatolerância
com as diferenças e a busca permanente de consensos, teremos grandes
probabilidades de um século marcado pelas dores de um duro retrocesso.
Não temos razões sólidas para supor que estaríamos no limiar de um abalo
maisprofundoqueferisseosfundamentosdosistemacapitalista,osfamosos
1
Gilberto Dupas é coordenador-geral do Grupo de Conjuntura Internacional da USP, presidente
do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais (IEEI) e autor de vários livros, entre os
quais O Mito do Progresso; Atores e Poderes na Nova Lógica Global e Ética e Poder na
Sociedade da Informação. Foi professor visitante da Universidade de Paris (II) e da Universidade
Nacional de Córdoba e membro da Comissão Nacional de Avaliação do Ensino Superior
(CONAES). É também editor da revista Política Externa.
GILBERTO DUPAS
34
“sinais do outono”. Mas parece ter crescido progressivamente o número de
tensões que vão se acumulando em meio ao caminho, e pretendemos aqui
analisá-las.
AposturainternacionaldosEUAduranteogovernoW.Bushteveefeitos
complexos com relação ao futuro de sua condição hegemônica. A ação
terrorista de 11 de setembro, destruindo símbolos de seu poder econômico,
militarepolítico,foiumtraumaimensoparaosnorte-americanos.Mas,para
além da brutal e humilhante surpresa de um ataque ao coração da grande
potênciamundial,haveriasuficienteinovaçãonograndeatentadoparajustificar
que, a partir dele, o mundo teria mudado? E que seria necessária uma nova e
dura doutrina hegemônica de segurança?Asuposição de uma privatização
das armas de destruição em massa por grupos não estatais pode ser muito
assustadora. Mas o 11 de setembro não parece diferir muito de um atentado
clássico.As armas foram aviões de companhias aéreas norte-americanas,
em vôo regular.Atos kamikases também não são novidades. No entanto, o
impacto dos atentados foi tão violento que justificou o brado guerreiro “os
que não estão conosco, estão contra nós”. Tratou-se de uma enorme escala
retórica se a compararmos com a frase que MadeleineAlbright gostava de
repetirnogovernoClinton:“Nósvoamosmaisalto,vemosdecima,esabemos
oqueémelhorparaomundo”.Otraumado 11 de setembrofoitãoprofundo
quenãohouvenenhumaresistênciainternaaoaumentomassivodoorçamento
da defesa implementado pelo governo. O forte apelo patriótico e a
solidariedaderesolveramaquestão.Noentanto,seolharmosumpoucopara
trás, desde os anos 1990 certa arrogância tem predominado naquele país,
acentuada pela fantasia de Francis Fukuyama de que o fim da história – sob
a égide do triunfo americano – levaria o mundo inteiro a agir segundo seus
preceitos e valores. Mas o período de unanimidade está terminando. Da
mesmamaneiraqueaeconomiaamericanaéregidaporciclosmaisamplose
brutaisqueosdospaíseseuropeus,oespíritopúblicoamericanopassatambém
porfasesdegrandearrebatamentoseguidasporondasdepesadaautocrítica,
como foi a guerra doVietnã, agora culminando com a eleição de Obama.
Adoutrina W. Bush: origens e contradições
O maniqueísmo do bem e do mal sempre foi poderoso entre os norte-
americanos.Porsualongatradiçãodemocrática,ospolíticosprecisamjustificar
seus objetivos de política externa primeiro dentro do país. E a manipulação
A CONFIGURAÇÃO MUNDIAL DO PODER
35
da questão do inimigo, do poder imoral e quase satânico que ameaçaria os
valores e a segurança daAmérica vem sendo uma prática tradicional, como
seviunaGuerraFria.OdiscursofundamentalistadaequipedeW.Bushtem
raízes mais profundas, até porque – após o colapso do império soviético – é
inverossímilacreditarqueAfeganistão,CoreiadoNorte,IraqueeIrãpudessem
de fato ameaçar os EUA. É preciso lembrar que as escolhas estratégicas dos
EUApós-11 de setembro já estavam a caminho na campanha eleitoral para
a sucessão de Clinton. Basta ler ensaios de Condoleezza Rice e Robert B.
Zoellick, ainda em 2000, para verificar que aqueles conceitos republicanos
paraumanovapolíticaexternanorte-americanaestavamtodospresentesem
artigo do secretário da defesa Donald H. Rumsfeld, que justificava a guerra
contraoterrorismo.Éclaroqueosatentadosprovocaramacampanhacontra
oAfeganistão e o Iraque, com modificações consequentes no equilíbrio da
Ásia Central e do Sul. Porém, o intervencionismo e o isolacionismo já eram
clarastendênciasnasduasdécadasfinaisdoséculopassado.Váriosconceitos
vêm do governo Clinton. O “eixo do mal” (Iraque, Irã e Coreia do Norte)
sãoosmesmos“Estadosbandidos”(rogueStates)deClinton.Comaquestão
terrorista tendo centrado seus atos, Bush pôde mostrar-se de corpo inteiro.
EmartigoaoTheNewYorkTimes,BillKellerfezumbalançodoqueachavam
de Bush seus pares conservadores. Eles o julgavam essencialmente um
moralista, cujos ataques de setembro trouxeram à tona o missionário,
“convertido do álcool e da vida desregrada, para Deus e para a vida
doméstica”, o qual achava que todos são capazes de fazer o mesmo. Keller
classificaomoralismodeBushambiciosoemessiânico,“convencidodeque
o maior projeto dos EUA é combater o mal e implantar o que chama de
‘valores universais’ em todo o mundo”. Norman Podhoretz, influente autor
conservador, acredita que o objetivo estratégico do presidente era “mudar o
regimedeseisousetepaísesecriarcondiçõesquelevassemàreformainterna
e à modernização do mundo islâmico”. Tratar-se-ia, obviamente, de um
objetivo arriscado e prepotente, que nos remete a uma discussão sobre
responsabilidadeshegemônicasquefareimaistarde.
O que o11 de setembro permitiu foi a aceleração de um rumo já traçado
pelaadministraçãoBush,juntandorepublicanosedemocratasparaapoiaras
escolhas estratégicas mais agressivas da administração republicana e
acelerando a “guerra contra o terrorismo”. Nessas novas ações ofensivas,
Washington preferiu ter o suporte de uma coalizão; mas enfatizou que isso
nãoeraumpré-requisitoparaaoperação.A“EstratégiadeSegurançaNacional
GILBERTO DUPAS
36
dos Estados Unidos” encaminhada ao Congresso por Bush deixava claro
que seu governo pretendia agir preventivamente contra atos de terrorismo e
que“nãovamoshesitaremagirsozinhos”.Éoque,dealgumaforma,jáhavia
ocorridonaGuerradoGolfoenoAfeganistão.AlgunsfalcõesdoPentágono
–mas,principalmenteRumsfeldeWolfowitz–eramcontraumacolaboração
européia, com envolvimento da OTAN, que introduziria considerações
diplomáticasoupolíticasemdetrimentodaeficáciaoperacional.Noentanto,
umapartedosmilitaresachavaqueasrestriçõesàsineficiênciasdasoperações
de campo vinham do próprio Pentágono e de sua imensa burocracia. Essa é,
aliás, a opinião de EliotA. Cohen. Ele analisa as dificuldades de promover
mudançasquandoestáemjogooconservadorismomilitar.Mostra,também,
queadesignaçãodefuncionárioscivissempreparoeespecializaçãodeixao
Pentágono excessivamente nas mãos da estrutura militar, que defende suas
respectivas Forças em detrimento de uma ação estratégica conjunta.
O ataque aos EUA deixou à mostra as condições das alianças norte-
americanasnaregiãodeinfluênciaislâmica.Paquistão,EgitoeArábiaSaudita,
que forneceram o grosso dos militantes doAl-Qaeda, eram considerados
aliadosdosEUA;oIrã,queaparentementenãoforneceunenhum,foiacusado
deprincipalsuportedoterrorismo.AChina,consideradaaameaçadoséculo
XXI, deixou de sê-lo.Além do mais, a radicalização do terrorismo parece
mais um fenômeno também interior ao Ocidente e a seus aliados próximos
(Arábia Saudita e Paquistão) do que exportação do “eixo do mal”.Amaior
partedosintegrantesdoAl-Qaedasãore-islamizadosouvieramdoOcidente;
encontram-sesantuáriosterroristasemNewJerseyenasperiferiaslondrinas
eparisienses.
As reflexões sobre as raízes profundas do terrorismo continuam
bloqueadas entre os americanos. São sumariamente rejeitadas associações
com a humilhação vivida pelos árabes, o conflito Israel-Palestina e a ação
norte-americanacontraoIraque.Haviaduasideiasfixas:osuporteabsoluto
a Israel e a obsessão de derrubar Saddam Hussein acertando velhas contas,
ainda que ao preço de levar a região ao caos e promover hostilidades entre
europeus.Arelaçãoentreterrorismoepobrezatambémsemprefoirejeitada,
já que ele tem vindo de classes médias ocidentais. Não se cogita da ideia da
solidariedade ideológica com os pobres, das cicatrizes da colonização, da
imigração e da marginalização, nem das realidades presentes no Oriente
Médio. Como o radicalismo se alastrou entre muçulmanos que vivem no
Ocidente,tambémfoieliminadaahipótesedequeoapoioaregimesautoritários
A CONFIGURAÇÃO MUNDIAL DO PODER
37
(Argélia,Arábia Saudita eTunísia) bloqueia o desenvolvimento de um Islã
moderno e liberal. Sobrou, então, a questão culturalista do tipo “o problema
é o Islã”. Os americanos achavam, de maneira simplista, que a solução pode
ser alcançada, em alguns anos, com o uso da força e de ações políticas
concretas.Atese principal seria a incompatibilidade do Islã com os valores
da América. Daniel Pipes, por exemplo, fazia ligação entre imigração e
terrorismo,apoiavaasmedidasanti-imigraçãoeuropeiaseintroduziuaquestão
docrescimentodemográficopalestinoedacomunidademuçulmananosEUA.
São teses assemelhadas às da extrema direita francesa e austríaca.
AdoutrinaW.Bushassumiupartedessasideiasaoradicalizarodiscurso
contraos“inimigos”,comoconstada“EstratégiadeSegurançaNacionaldos
EstadosUnidos”enviadarotineiramentepelogovernoaoCongresso.Assumiu
o terrorismo como tão ilegítimo quanto a “escravidão, a pirataria e o
genocídio”, e deu-se ao direito de “agir sozinho” de maneira preventiva e
antecipadaemqualquerlugarnomundo,deixandoclaroque“nuncapermitirá
que outro país desafie sua superioridade militar (...) ameaçada agora pelos
paísesmaisfortesdoquepelomaisfracos”.Poroutrolado,falavaem“apoiar
osgovernosmoderados,especialmentenomundomuçulmano,paraassegurar
que as condições e ideologias que promovem o terrorismo não encontrem
terreno fértil em nenhuma nação”. O que permitiu espaço não para atacar
indiscriminadamenteoIslã,masparaapoiaro“bom”Islãcontrao“mau”.O
problema central está contido no maniqueísmo ultra-redutor e implícito à
definição de “bem” e de “mal”, associado a atitudes belicosas unilaterais.A
respeito da nova doutrina, em editorial de setembro de 2002, o The New
York Times advertia que “quando essas estratégias belicosas se convertem
no tema dominante da conduta americana, a nação corre o risco de afastar
desiosamigosesolaparjustamenteosinteressesqueBushprocuraproteger.
Líderes fortes e confiantes não precisam ser arrogantes. Na verdade, a
arrogância subverte a liderança eficiente. (...) Bush precisa tomar cuidado
paranãoconverterosEUAemumafortalezaqueinspireainimizade,emvez
de inspirar a inveja ao mundo”.
Usandoumaretóricaalternativa,eventualmentemaissutil,RichardHaass,
Ex-Diretor de Planejamento do Departamento de Estado, propôs “integrar
paíseseorganizaçõesdeformaapromoverummundoemharmoniacomos
interesses e valores americanos”. O pressuposto é que esses “valores
americanos” coincidiam com o de outros países, na medida em que são
supostosuniversais,impondo-sesemnecessidadedenegociação.Essaideia
GILBERTO DUPAS
38
foitambémdefendidaporPaulWolfowitz,ex-secretário-adjuntodaDefesa:
“Para ganhar a guerra contra o terrorismo e ajudar a construir um mundo
pacífico, devemos falar às centenas de milhões de pessoas tolerantes
moderadas do mundo muçulmano, já que elas vivem e aspiram usufruir os
benefíciosdaliberdade,dademocraciaedalivreiniciativa.Essesvaloressão
descritos como ocidentais, mas, de fato, são uma aspiração comum da
humanidade”.
Aproposta de Wolfowitz era desenvolver um Islã moderado e liberal,
compatívelcomasaspiraçõesdosquevivemnoOcidente.Sãoideiasquese
oporiam ao crash de civilizações, no pressuposto de que haveria uma só
civilização,sendoorestobarbárie.Wolfowitzdiziaqueéprecisopôrdepéo
Islã moderado, isolando o radical, e mover uma guerra ideológica contra os
radicais–comofoifeitacontraocomunismo–envolvendointelectuais,artistas
e sindicatos. Tratava-se de uma nova guerra de propaganda e de uma
engenharia social que promoveria os valores da administração americana:
democracia,direitosdoshomens,livrecomércio,livreiniciativa.Opressuposto,
mais uma vez, é que o monopólio da verdade faz esses valores universais.
Clinton colocou, então, a seguinte questão: “Podemos ser donos da verdade
inteira, ou devemos nos unir a outros na busca pela verdade?”
AconstituiçãodeumIslãmoderado,madeinWest,tinhacomopremissa
queváriosdosquadrosradicaismaisimportantessãoformadosnoOcidente,
nãonosmollahs;queelesvinhamdosmoldesocidentais,nãodasmadrasas.
E que a radicalização não brotaria necessariamente de um ensinamento
religioso,masseriaconsequênciadascomplexasfrustraçõesqueafetamtanto
intelectuaislaicoscomonacionalistas.Osradicaisseriamtambémumproduto
das decepções, marginalizações e diluições de identidades, fruto da
globalização e da ocidentalização do mundo. Eles buscariam uma forma
desesperada de romper com o consumismo desenfreado, a sociedade
performáticaeosentimentodeexclusão.Essesradicaisadorariamsuasteses
de corpo e alma; e captavam ampla simpatia e solidariedade, especialmente
quando se mostram dispostos a pagar o preço do martírio.
Apesardeaparentementebemarticuladaemtornoda“novadoutrinade
segurança”, a política dos EUAnos anosW. Bush – examinada de maneira
mais rigorosa – parece uma colcha de retalhos de decisões anteriores ao 11
desetembro,envolvendoconsideraçõesideológicas,interessescontraditórios
evoluntarismomoralizante.Ocultando-sesobumdiscursodevalores,elase
apresentavarevestidadeumacoerênciaquenãosesustentava.Essediscurso
A CONFIGURAÇÃO MUNDIAL DO PODER
39
tentava mascarar e conciliar componentes contraditórios. Com isso, induzia
osoutrospaíseseforçaspúblicasaratificarcertosprincípiosdifíceisderejeitar
deimediatoetentacriarespaçoparaaforçabélica norte-americana–logística
e financeiramente auto-suficiente – operar livremente em qualquer parte do
mundo em intervenções pontuais. O rescaldo da ocupação, política e
operacionalmente muito complexo, era deixado – sempre que possível – a
cargo dos europeus ou de organizações internacionais. É o caso do Kosovo,
doAfeganistão e da Palestina. E, talvez agora, no Iraque.
Anovamoralhegemônicadefiniaoscamposcommuitaclareza.Deum
lado,“odireitoeademocracia”;deoutro,“asforçasdomal”.Oquesignifica
avoltaaumaretóricamaniqueístaqueredivideomundoentre“bons”(aqueles
que estão com os EUA) e “maus” (aqueles que estão contra ou hesitam). Na
realidade, para além do aparente monolitismo desses conceitos, essas
categoriastransitóriassãofortementeimpregnadasdeRealpolitikemfunção
dos “interesses superiores da nação”. Essa situação tem criado espaços e
margem de manobra para os atores regionais acomodarem seus objetivos.
Um triste exemplo é a situação do Oriente Médio. Em todo o período
subsequenteàcriaçãodoEstadodeIsraeleaoiníciodoconflitoentrepalestinos
eisraelenses,osEUAmantiveramgrandeinfluênciasobrearegiãonacondição
de grandes operadores da vitória aliada na Segunda Guerra Mundial e fiel
depositáriodonovoequilíbrioocidentalemtornodasinstituiçõesdeBretton
Woods. Embora mais identificados com os interesses de Israel – e acusados
dissomuitasvezespelosgrupospalestinos–,aindaassimsucessivosgovernos
norte-americanostinhamseempenhadoparaevitarumasituaçãomuitocrítica
na região, inclusive na época da Guerra Fria. Bill Clinton esteve prestes a
arrancar um acordo que poderia ter posto fim ao conflito. Ehud Barak havia
quebrado um tabu ao oferecer a divisão de Jerusalém, masYasserArafat –
pressionado no seu front interno e com pouco espaço de manobra – acabou
nãoviabilizandoumentendimento.Noentanto,asituaçãointernacionalnorte-
americana após os atentados de setembro foi profundamente danosa para a
situação no Oriente Médio. A radicalização do discurso de Bush sobre a
questãoterroristadeupretextoaumbrutalendurecimentodoregimedeIsrael,
perdendo os EUA legitimidade para funcionar – senão como árbitro – pelo
menos como capaz de conter os impulsos agressivos de parte a parte,
especialmentedeIsrael.Sharonconsiderou-se,então,livreparatentarliquidar
–asuamaneira–aautoridadepalestina.Narealidade,váriosatoresregionais
imediatamenteprocuraramadaptarseusinteressesaessasnovascircunstâncias
GILBERTO DUPAS
40
da lógica do poder mundial. Alemães e japoneses aproveitaram a
oportunidade para se livrar das últimas restrições dos acordos de pós-guerra
quelimitavaminvestimentomilitar.AInglaterramovimentou-serapidamente
paraoespaçodegrandealiadodosEUAnaEuropa,deixandoclaroafranceses
e alemães que não aceita um papel secundário nas discussões centrais na
novaEuropa.EaRússia,enquantoflertacomo“eixodomal”fazendoacordos
comerciais com o Iraque e a Coreia do Norte, negociava “apoio” norte-
americano para suas estratégias agressivas naTchetchênia e na Geórgia.
Na verdade, o sentimento de brutal fragilidade despertado pelos
atentados aos EUA revelou um país violentamente defensivo e sem projeto
sistêmico ou de governança global, papel inalienável da sua condição
hegemônica.Masháoutraimportantefacetadessaquestão.Anovadoutrina
W. Bush também foi uma resposta à globalização. Fazendo desaparecer o
espaço de ação dos Estados nacionais, a globalização destruiu o conceito
de espaço estratégico. Sobrou muito pouco a negociar em termos de
territórios, de esferas de influência ou de interesses vitais com a perda de
autonomias nacionais. Como se pode negociar – ou dissuadir – os novos
terroristas se eles não representam Estados e não têm nada a perder e nem
senhores a quem dar satisfação?
Os complexos caminhos da hegemonia norte-americana
Naçõeshegemônicassempredefenderamtesesqueinteressammaisasi
próprias que ao sistema de nações sobre o qual exercem seu controle. Mas
écondiçãodeexercíciodahegemoniaqueospaísesquesãopartedosistema
achem que essas teses também lhes interessam de alguma forma. Caso
contrário, a hegemonia teria que ser substituída por coerção. É esse o perigo
queosEUAeomundocorremnomomentoemquetesesunilateraisparecem
dominar as ações da grande potência mundial.Assim, recoloca-se a questão
dopapelhegemônico.
Analisando os ciclos hegemônicos, Fernand Braudel constatava que,
sempre que os lucros do comércio e da produção se acumulavam além dos
canaispossíveisdeinvestimento,esteeraum“sinaldooutono”.Asexpansões
financeiras daí decorrentes provocavam duas tendências complementares:
hiperacumulação e competição intensa por capital. Expansões do comércio
e da produção muito rápidas e lucrativas geravam forte concorrência e, por
sua vez, tenderam a acumular lucros superiores à capacidade de investir.A
A CONFIGURAÇÃO MUNDIAL DO PODER
41
consequência era o crescente acúmulo de rendimentos e a criação de uma
grande liquidez.As taxas de retorno em queda na atividade comercial e de
produção geravam restrições orçamentárias que aumentavam a competição
pelo capital e poderiam elevar as taxas de juros. Nesses processos, fortes
redistribuições de renda aconteciam a favor dos detentores da liquidez,
sustentandoumaatividadefinanceiradivorciadadaprodução.
AsexpansõesfinanceirasinflavamtemporariamenteopoderdoEstado
hegemônicoemdeclínio,jáqueelemantinhaoacessoprivilegiadodaliquidez
que se acumulava nos mercados financeiros mundiais. Essas expansões de
liquidez, no entanto, acabavam transferindo o capital para novos sistemas
emergentescommaioresperspectivasdesegurançaelucroqueosdominantes
atéentão.Natransição,acrescentedesorganizaçãosistêmicadiminuíaopoder
de ação da potência hegemônica em crise e aumentava a demanda por
governabilidade mundial a quem pudesse oferecê-la. Se surgissem novas
estruturasgovernamentaiseempresariaiscommaiorcompetênciaorganizacional,
estariam abertas as condições para uma nova hegemonia. Esses padrões de
repetição – hegemonia levando à expansão, expansão ao caos e caos à nova
hegemonia–verificaram-senastransiçõeshegemônicasdopassado.
Os holandeses haviam construído a sua liderança como mercadores e
não como soldados. No entanto, três guerras sucessivas contra os ingleses
entre1652e1674osobrigaramaaceitaromonopóliobritâniconanavegação
e ceder o controle do tráfico de escravos na África Ocidental. Isso fez os
portosinglesessuperaremAmsterdã;esuasindústriascresceramrapidamente
comaajudadomercadotriangularnoAtlântico(escravos,matérias-primase
manufaturas). Derrotada a ameaça francesa nos mares e depois em terra –
na desastrada campanha russa de 1812 – o espaço estava livre para a
imposição da Pax Britannica com oTratado deViena (1815), que conduziu
a Europa a uma paz de cem anos (1815-1914). A concepção inglesa de
equilíbrio do poder foi construída devolvendo parte das Índias Orientais e
Ocidentais à Holanda e França, colocando-se como protetora do comércio
marítimo, liberalizando unilateralmente o seu comércio, barateando o custo
de produtos essenciais e criando meios de pagamento para a compra de
produtosindustrializadosingleses.Comisso,umnúmerocrescentedepaíses
pôde se encaixar numa benéfica divisão internacional de trabalho que
preservavaacentralidadecomercialinglesa.
A derrota de Napoleão já havia alterado radicalmente as relações de
forçanaAméricadoNorte,permitindoaoscolonosabriremmãodaproteção
GILBERTO DUPAS
42
inglesa e preparar sua independência. Nas guerras do final do século XIX,
por sua vez, técnicas de produção em massa foram aceleradas, a partir da
GuerradaCrimeia,comusodosistemadefabricaçãoamericanodeusinagem
automática, exibido na Grande Exposição de Londres em 1851. O navio a
vapormudoualógicamilitar.Eomundoficourepletodenaçõesindustrializadas.
Já no século XX, quando a Primeira Guerra Mundial começou, o custo
dasvitóriasquecontiveramaAlemanhaprecipitouodeclínioinglêsemfavor
dosEUA.Assimqueliquidaramsuadívidacomareceitadasarmas,aliquidez
americana se converteu em empréstimos domésticos e internacionais em
grande escala.ASegunda Guerra fez despertar o poder mundial centrado
nos EUA, liquidados temporariamenteAlemanha e Japão e enfraquecidas a
Inglaterra e a França. Concebida por Roosevelt, a ordem mundial norte-
americanapós-guerraestavaimbuídadamesmaideologiadesegurançaque
havia impregnado o seu New Deal interno.AONU e o FMI tornaram-se o
núcleo de um governo mundial dominado pelos EUA. Truman conseguiu
utilizar-seplenamentedopretextodaGuerraFriaparaconcretizarumavisão
“livre-mundista” voltada contra o perigo soviético.Apartir de 1970, com a
humilhantederrotanoVietnãesintomasdecrisenosistemamonetáriocentrado
emBrettonWoods,ahegemoniaamericanaapresentoualgunssinaisdeperda
dedinamismo.Masasurpreendentederrocadasoviéticadeu-lhenovoímpeto.
Cada reorganização do sistema de poder mundial havia acarretado
mudançasnasrelaçõesentreocapitaleoEstado.Aconcessãodemonopólio
esteve na base da enorme acumulação tanto nas companhias de comércio e
navegaçãoholandesasdoséculoXVIIcomonosfabricantesinglesesdoséculo
XIX. Já a grande empresa verticalizada vinda da tradição fordista do início
doséculoXXsofreuumarevoluçãoapartirdosanos1980,comatecnologia
da informação permitindo o fracionamento das cadeias produtivas globais e
aflexibilizaçãodaproduçãoapartirdasparceriaseterceirizaçõesutilizando
os novos conceitos de redes.Aempresa transnacional norte-americana, tal
como sua ancestral mercantil, tem desempenhado papel fundamental na
ampliação e manutenção do poder dos EUA.As análises sobre a natureza
do enorme deficit comercial norte-americano deixavam claro que ele é
provocado pela imensa dispersão da atividade produtiva das empresas
sediadas no país – que exportam mais a partir de suas filiais externas do que
de sua sede continental – e não, obviamente, por problemas de
competitividade.Avitalidadedascorporaçõesglobaiséintensa.Masaenorme
concentraçãoeatransnacionalizaçãodessasempresasedosistemafinanceiro
A CONFIGURAÇÃO MUNDIAL DO PODER
43
geraram um sistema global pouco sujeito à autoridade estatal e com poder
sobre as nações mais poderosas do mundo, diminuição dos empregos, piora
doperfilderendaedeficitsexternosestruturaiscrescentesnosgrandespaíses
da periferia. Os graves problemas dos cidadãos, que provocam demanda
locais, vão se distanciando cada vez mais da possibilidade de ação dos
mecanismosestatais,ocasionandocrescenteperdadecapacidadereguladora
desses Estados nacionais.
A anatomia do capitalismo e suas crises
Os conflitos entre capital e trabalho são estruturais e permanentes. Em
Bretton Woods aceitou-se que os governos usassem políticas monetárias
como instrumento de redução do desemprego. Truman acreditava que o
conflito capital-trabalho poderia ser domesticado pela aplicação vigorosa
dosnovosconhecimentoscientíficosetecnológicos.
Nopassado,comolembramBeverlyJ.SilvereEricSlater,astransições
hegemônicas haviam convivido com crescentes conflitos sociais. Eles
moldavam,emmeioaoscolapsos, ospactossociaisquesustentariamanova
hegemonia.Atualmente, os EUAcontrolam o poder militar; o Japão e os
chineses de além-mar detêm a liquidez; e a República Popular da China
possui a mão de obra barata, alta produtividade industrial, grandes reservas
e é sócia essencial do capitalismo global. Esse arranjo estrutural sem
precedentes,quepareciamanteremrelativoequilíbrioasestruturasdepoder
mundial,foiatropeladopelacriseeconômicaglobaletorna maiscomplexaa
investigaçãodoeventualdeclíniohegemôniconorte-americano.
Masumaquestãodefundosesobrepõeaessaanálise.Hásinaisdecrise
sistêmica e estrutural no capitalismo global? Sabemos que estudar o
capitalismo é investigar a morfologia dos seus ciclos e crises. Sua história é
uma alternância entre otimismo e desalento, crescimento e recessão, a
dependerdaqualidadedasregraseinstituiçõespresentesemcadaumadessas
etapas.Aproposta do pós-guerra, influenciada por ideias keynesianas, era
constituirumanovaordeminternacionalpropiciandoamploraiodemanobra
para políticas nacionais de desenvolvimento. Seguiu-se a era dourada das
décadas 1950 e 1960. Em 1971, no entanto, Nixon suspendeu a
conversibilidadedodólaremouro.Umadesuasconsequênciasfoiaprofunda
reduçãodopoderdecompradospaísesexportadoresdepetróleo,emfunção
da erosão do dólar.Aalta de preços provocada pelo cartel do petróleo em
GILBERTO DUPAS
44
1973, e agravada em 1979, provocou ondas depressivas na economia
mundial,especialmentenosimportadoresdepetróleoquetiveramquearcar
com um forte endividamento para manter equilibradas suas reservas. A
abundânciadoschamadospetrodólaresfacilitouareciclagemfinanceiradesses
paísesmediantecréditofácil.Masaadoçãodataxadejurosflutuantes,junto
comocrescimentodasdívidas,introduziaumfatorimportantedeinstabilidade
nocenário.
O declínio do “consenso keynesiano” resultou na elevação das taxas de
juros americanas em outubro de 1979. A partir daí, cresceu o patamar
inflacionário geral, criou-se o euromercado pelo excesso de dólares e
finalmentesubstitui-seoregimedetaxasfixasdecâmbiopelocâmbioflutuante.
A primeira grave crise internacional dos anos 1980, iniciada com o colapso
da dívida externa latino-americana, tem a ver, pois, com o novo nível de
estoque dessa dívida, agravada, principalmente, pela decisão dos EUA de
aumentar fortemente os juros. No período 1981-1990, por conta de
profundos ajustes recessivos, o crescimento da rendaper capitadaAmérica
Latina foi negativo. No final da década, reconhecendo a incapacidade de
pagamento de vários países, os EUA lideraram no G-7 os planos Baker e
Brady e operaram descontos no valor nominal e nos juros dos empréstimos
contraídos durante a década.
Os anos 80 inauguraram a era dos mercados financeiros livres. A
afirmaçãodasupremaciadosmercadosgerouumaondadecrisesquevarreu
as duas décadas seguintes e permanece até hoje. Ela iniciou com o crash da
BolsadeValoresem1987,continuoucomaquebradosmercadosimobiliários
em 1989, o colapso da Bolsa de Tóquio em 1990, os ataques especulativos
às moedas fracas europeias em 1992 e 1993 e a crise dos bônus americanos
em1994.Nessemesmoano,agrandevolatilidadedosfluxosinternacionais
acabou tendo um duro teste na crise cambial mexicana no final de 1994,
provocandoefeitosregionaisperversosnaArgentinaenoBrasil.Maisparao
final da década, veio a crise asiática, provocada por uma reversão do fluxo
internacionalderecursosaospaísesdaregião,abundantementeirrigadospor
financiamentoseinvestimentosemfunçãodeseusdesempenhoseconômicos
consideradosatéentãodiferenciados.Seguiram-sedesvalorizaçõesintensas
naTailândia,MalásiaeCoreia,comrepercussõesemtodaaárea.Emseguida
veio a crise russa, que se superpôs à segunda fase da crise asiática, e foi
coroadacomamoratóriade1998.Finalmente,adécadaterminoucomnova
crise brasileira. Em 2001 estourou o colapso argentino, após anos de estrito
A CONFIGURAÇÃO MUNDIAL DO PODER
45
cumprimentodasrecomendaçõesdasinstituiçõesinternacionais,obrigando
o país a abandonar a paridade, provocando uma desvalorização de 200%
em sua moeda e o desmoronamento do seu sistema financeiro.Ao mesmo
tempo aTurquia entrava em forte declínio, exigindo rápido suporte do FMI
para controlar uma situação precária da qual não saiu até agora. Depois o
Brasil passou a ser a grande fonte de preocupação mundial, não só pela
fragilizaçãodosseusfundamentosmas,principalmente,porefeitodaturbulência
daseleiçõespresidenciaisqueelegeramLulaequelevantavamsuspeitasque
mostraram-se sem sentido.
As grandes questões sem resposta
Hobsbawm acha que a doença ocupacional de uma superpotência é a
megalomania; e que os EUA terão que aprender as limitações de poder,
comoosinglesesfizeramnoséculoXIX.Masacriseeconômicaquesucedeu
aoestouroda“bolhatecnológica”naBolsadeValoresnorte-americana,com
repercussõesemtodoomundo,acrescentaumingredientenovoefazalgumas
questões de fundo se colocarem. Estaríamos diante de sinais de declínio da
hegemonia norte-americana, tal como ocorreu com a holandesa no século
XVII, ou com a britânica ao final do século XIX? Por outro lado, será que o
mesmomodelodenaçãohegemônica,organizadoraereguladoradoespaço,
continuará a prevalecer na era da informação? Estaria a despontar da atual
turbulência global uma nova estrutura hegemônica? Ela seria da mesma
natureza da que foi rompida?
Fernand Braudel dizia que não há capitalismo vigoroso sem um Estado
fortequeestejaaseuserviço.Atualmente,osimensosfluxosdecapitalprivado
ealógicadosblocosregionaisimpõemrestriçõescadavezmaisrigorosasàs
políticaseconômicas.Noentanto,teriasidomuitodiferentedehojearelação
básica entre Estados e grandes corporações nos ciclos hegemônicos
anteriores? Mais do que em qualquer outro período da história econômica,
as tentativas de estabilizar o crescimento econômico estão severamente
limitadas por uma total anomia e pela perda de capacidade regulatória das
instituiçõesinternacionais.Eaconfiançanainovaçãotecnológicacomomotor
daacumulaçãocapitalistafoitemporariamentepostaemdúvidapelocolapso
dopreçodasaçõesdasempresasdepontatecnológica,quehaviajustificado
expectativasabsurdasdetaxasderetornodeinvestimentos,criandoumestado
de exaltação inconsequente quanto ao futuro do capitalismo. Será possível
GILBERTO DUPAS
46
aos EUA – com a ajuda dos órgãos internacionais fortemente dependentes
de sua influência (ONU, OMC, BIRD e FMI) – reconstruir um poder
regulatório da ordem mundial, incluindo nesse poder os fluxos financeiros
globais que, em sua brutal autonomia, movimentam-se aos solavancos,
provocando enormes danos e tumultos nos países mundo afora?
Acrise,onovoGovernoAmericanoeaconfiguraçãomundialdopoder
A crise sistêmica desencadeada a partir de setembro questionou alguns
dos fundamentos do capitalismo global.Apartir dos anos 1980, o fim da
polarização ideológica e a acesso aos mercados globais haviam levado a
umaprofundatransformaçãonapolíticaenaeconomia.OsEstadosnacionais
tornaram-seatoresmaisfrágeiseasgrandescorporaçõesglobaisimpuseram
oseuestilodebuscadelucroaqualquerpreço,operandonaszonascinzentas
domercadoefragmentandosuaproduçãomundial.Essefoi,aliás,ocaminho
da incorporação da China ao processo capitalista, do qual se tornou parceira
muito relevante e a mais recente florescência do modelo americano. As
questões relativas à regulação passaram a ser rejeitadas como indesejáveis
resíduos arcaicos que tentavam limitar o vigor do capitalismo vencedor.A
crise atual provocou uma reviravolta momentânea nesses conceitos.
Neoliberaisviraramkeynesianosegovernosdemocráticosdospaíseslíderes
mundiaisalocaramvolumesequivalentesaquase20%dosrespectivosPIBs
para socorrer bancos e empresas submetidas a gestão temerária, sob a
justificativaparcialmenteverdadeiradequeestãoprotegendocasas,poupanças
e empregos da população. Enquanto isso,Alan Greenspan, pedia desculpas
ao mundo por não ter percebido que o mercado tinha virado um cassino e
exigiacontroles.
Aerosãodaconfiançadoscidadãosemseusdirigentesenasinstituições
políticaséoprincipalproblemadasdemocraciasatuais.Oindividualismose
exacerbou, a esfera pública se erodiu e os interesses privados se impuseram
nos altares do mercado.As segundas hipotecas e os subprime só ocorreram
porqueoscidadãosnorte-americanosforaminduzidosaoconsumoconspícuo
pelapropaganda,supondoqueaescaladaabsurdadepreçosdosseusimóveis
seria permanente. O mundo macroeconômico havia entrado numa fase de
alta complexidade onde dominam opiniões tecnocráticas muito distantes da
sensibilidade do cidadão-consumidor; o capitalismo financeiro global
aproveitou-sedissoevendeu-lhefantásticasmiragens.
A CONFIGURAÇÃO MUNDIAL DO PODER
47
A crise também tem a ver com o mundo vivendo acima dos seus meios.
A era da abundância em recursos naturais já havia terminado há dez anos.
Cientistas respeitáveis alertavam que mais alguns passos da humanidade na
direçãoerrada- eadegradaçãoecológicapoderiaserirreparável,vitimando
geraçõesfuturas.Masopodereconômicocontinuavagarantindoqueasnovas
tecnologias “dariam um jeito”. A questão é de quem são as escolhas; e a
quem elas beneficiam. Como conseguir uma mudança radical de modelo de
produção, com a redução do consumismo desenfreado e do sucateamento,
se o mercado livre é a lei e os grandes atores econômicos têm total liberdade
dedefiniradireçãodosvetorestecnológicos?Alguémacreditaqueopróprio
mercado possa se auto-regular? Quem vai ser capaz de enfrentar a batalha
gigantescadereconversãodalógicaprivadadeproduçãoemnomedofuturo
dacivilização?
Howard Davis, diretor da Escola de Economia de Londres, descreve o
kafkianoconjuntodeumacentenaemeiadeentidadesecomitêsinternacionais
que até aqui faziam de conta que controlavam o sistema financeiro
internacional.Edefenderegrasdurasparaamarraraspartessoltasdosistema,
incluindoseusburacosnegros,eaexigênciaaosbancosdecomportamentos
contracíclicoscomocapitalizaçãoobrigatóriaquandoospreçosdemercado
atingemvaloresacimadasmédias.
A crise iniciada em 2008 pelo colapso do sistema financeiro pode, de
fato, gerar uma nova era de regramento do lado desenfreado do capitalismo
global? Quem serão seus agentes? Políticos movimentam-se de forma
hiperativa, outorgando-se poderes de épocas de guerra; mas ainda estão tão
perdidos como os economistas e intelectuais. Suas posições oscilam entre a
antevisão “das folhas de outono” do fim do capitalismo até a assunção de
que esta é uma mera crise de ajuste e será resolvida com certa socialização
de prejuízos e alguma regulação. Mas a sua verdadeira natureza é tão
complexa que conduz a uma cegueira relativa. Ulrich Beck diz que o
comportamento atual das autoridades mais lhe parece a daquele bêbado que
procura sua carteira perdida em meio à noite escura com o facho de uma
lanterna.Aoserperguntado“Émesmoaquiquevocêaperdeu?”eleresponde:
“Não;masaluzdessalanternamepermiteaomenoscontinuarprocurando”.
Beck lembra que risco e dano não significam necessariamente catástrofe,
mas que a percepção dos seus efeitos futuros em áreas críticas como clima,
finançasouterrorismo,instauraumestadodeexceçãoilimitadoquetranscende
aescalanacionalparaadimensãouniversal.Oproblemaéquealegitimidade
GILBERTO DUPAS
48
de uma ação cosmo-política face às crises globais depende muito do foco
das mídias, que só as abordam quando elas viram catástrofes.
Emsuma,essacrisetantopodeserdefundamentosquantodeforma;ou
deambos.Muitaságuasaindarolarãosobreasescorasdocapitalismoglobal;
e algumas dessas escoras ainda podem cair com a força das correntes.
Estruturas e equilíbrios de poder irão se alterar tanto na política como na
economia,emuitoexigirãodeseusatoresprincipais.EspecialmentedeBarack
Obama,tidocomoanalistafrioeconstrutordeconsensos.Porémsuaequipe
é apenas uma reconstituição completamente da época Clinton, com alguns
toques do Bush e dos jovens seguidores de Obama. Esperava-se por
mudanças mais radicais, mais a ética da convicção outra vez cede à ética da
responsabilidade. Bastará para o tamanho do desafio? Obama já respondeu
às críticas de sua ala mais à esquerda que clamava por mudanças com uma
fraseemblemática:“amudançasoueu!”
EoquepodemudarnopapelestratégicodaAméricaLatina?Emeditorial
recente, o NYT falava de uma oportunidade única para o novo governo
incrementarlaçoscomumaregiãoquesupreosEUAcomumterçodassuas
importações de óleo, a maioria dos seus imigrantes e quase toda a cocaína
queconsome.Oslídereslatino-americanosqueremsaberseWashingtonvai
agorafalarasériosobrepolíticadeenergia,integraçãoeconômica,imigração
e tráfico de drogas. O NYT propõe acabar com o embargo sobre Cuba e
aproveitar o enfraquecimento de Chávez com políticas ativas de ajuda
envolvendotambémNicarágua,Hondurasetodaaregião.Finalmente,pede
tarifazeroaoetanolbrasileiro.
O relatório do National Intelligence Council, preparado a cada quatro
anos pelo núcleo duro do establishment de segurança dos EUA está pronto
para ser entregue a Obama e diz que “o país ainda joga um papel
proeminente nos eventos globais”, dramática diferença com o anterior
que falava numa contínua dominância dos EUA. A tendência geral da
intelectualidade do país é o chamado “new declinism” – a sensação de
que a mais poderosa nação do mundo está em declínio. O oposto da
agressiva confiança dos anos Bush e do momento unipolar. Três razões
principais são apontadas: Iraque e Afeganistão são a certeza de que a
supremacia militar não se converte automaticamente em vitória política; o
crescimento da China e Índia como novos atores de peso; e a percepção
vinda da crise de que os EUA estão vivendo acima de suas possibilidades
e de que há alguma coisa errada no modelo americano. O respeitado
A CONFIGURAÇÃO MUNDIAL DO PODER
49
General Brent Scowcroft declarou outro dia “O exercício do nosso poder
nos revelou que ele é efêmero”. No livro de Fareed Zakaria, que consta
ter sido o único sobre política externa lido por Obama em 2008, ele
conclui que os anos Bush foram o apogeu do poder americano. Richard
Haass, Chairman do Council on Foreign Relations é enfático: “O momento
unipolar dos EUAse foi”. No entanto, William Wohlforth adverte que já
houve outros momentos de crise de confiança seguidos de recuperação,
como após a derrota no Vietnam.
Ofatoéque,salvocrisepolítico-socialdegrandesproporçõesnaChina,
aestagnaçãodospróximosanostrarádefinitivamenteumamudançadepatamar
nopoderchinês.Nadaaindaparaameaçarahegemonianorte-americana.Mas
com China crescendo a 7%, Europa e Japão estagnados e EUA a passo de
cágado, em 5 anos, os chineses terão um PIB de US$ 5 trilhão, tendo
ultrapassadolargamenteFrança,InglaterraeAlemanhaeligeiramenteoJapão,
transformando-se na segunda maior economia do mundo. Só que os EUA
aindaestarãocomUS$15trilhão,3vezesmaisqueaChina!
Assim, gostemos ou não, teremos que continuar convivendo com a
hegemonia norte-americana. Mas ser hegêmona é mostrar competência em
fazerumdiscursoepraticaraçõesque,emborainteressandomaisaopróprio
hegêmona,possamsercompreendidospelacomunidadeinternacionalcomo
interessando razoavelmente a todos. Conforme já lembramos, do “voamos
mais alto e sabemos o que é melhor para o mundo” de MadeleineAlbright
(na era Clinton) ao “quem não está conosco está contra nós” do
fundamentalistaRumsfeld(nostemposdeBush)houveumaescalaimensada
hegemonia em direção a uma quase tirania. O que nos resta é cobrar da
potência norte-americana o exercício de uma hegemonia benévola que leve
cada vez mais a consensos multipolares que aliviem as tensões mundiais e
gerem condições de governabilidade sistêmica. Esse é o grande desafio e o
papel esperado do governo de Obama.
Bibliografia
ARRIGHI,Giovanni.OlongoséculoXX.Trad.VeraRibeiro.RiodeJaneiro:
Contraponto, 1996.
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UNESP, 2001.
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Política Externa, vol. 11, nº 2. Paz eTerra. São Paulo: setembro-novembro
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ZOELLICK, Robert B. Revista de Política Externa, vol. 10, nº 1. Paz e
Terra. São Paulo: junho-agosto de 2001.
53
A América Latina e o Caribe; e o Brasil**
Gonçalo de Barros Carvalho e Mello Mourão*
*
Embaixador, Diretor do Departamento da América Central e do Caribe, do Ministério das
Relações Exteriores.
**
Texto apresentado na Sessão sobreAmérica Latina e Caribe da “III Conferência Nacional de
Política Externa e Política Internacional - CNPEPI - O Brasil no mundo que vem aí”,
realizada no Palácio Itamaraty, no Rio de Janeiro, em 8 e 9 de dezembro de 2008, sob os
auspícios da Fundação Alexandre de Gusmão e do Instituto de Pesquisa de Relações
Internacionais.
NãosefaladeEuropalatinaemuitomenosdeÁfricalatinacomosefala
deAmérica latina. Por quê?
OHaitiéAméricalatina?EGuadalupe?Martinica?
O que se costuma chamar deAmérica latina, na verdade, é aAmérica
ibérica.ÉaAméricaqueosportugueseseespanhóisconstruíram. ÉaAmérica
que fala português e espanhol. É aAmérica que herdou um comportamento
cultural ibérico, uma predominância cultural católica mas, sobretudo, uma
mestiçagem cultural e social que se quis aberta, através de sua história, a
outras influências, mas aberta com a condicionante da predominância da
chamadaculturaocidental.
OqueseconvencionouchamardeAméricalatinaéesseespaçogeográfico
e histórico onde a cultura européia, filtrada pela visão de mundo ibérica,
construiu sociedades novas a partir de uma abertura a outras sociedades que
incluíaamiscigenação.ÉolugaraondeveiooportuguêsMartin,ondeelese
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Conferencia nacional politica externa

  • 1. III CONFERÊNCIA NACIONAL DE POLÍTICA EXTERNA E POLÍTICA INTERNACIONAL – CNPEPI
  • 3. MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES Ministro de Estado Embaixador CelsoAmorim Secretário-Geral EmbaixadorAntonio deAguiar Patriota FUNDAÇÃO ALEXANDRE DE GUSMÃO Presidente Embaixador Jeronimo Moscardo Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais Diretor Embaixador Carlos Henrique Cardim A Fundação Alexandre de Gusmão, instituída em 1971, é uma fundação pública vinculada ao Ministério das Relações Exteriores e tem a finalidade de levar à sociedade civil informações sobre a realidade internacional e sobre aspectos da pauta diplomática brasileira. Sua missão é promover a sensibilização da opinião pública nacional para os temas de relações internacionais e para a política externa brasileira. Ministério das Relações Exteriores Esplanada dos Ministérios, Bloco H Anexo II, Térreo, Sala 1 70170-900 Brasília, DF Telefones: (61) 3411-6033 Fax: (61) 3411-9125 Site: www.funag.gov.br
  • 4. Brasília, 2009 III Conferência Nacional de Política Externa e Política Internacional – CNPEPI
  • 5. Direitos de publicação reservados à Fundação Alexandre de Gusmão Ministério das Relações Exteriores Esplanada dos Ministérios, Bloco H Anexo II, Térreo 70170-900 Brasília – DF Telefones: (61) 3411 6033/6034 Fax: (61) 3411 9125 Site: www.funag.gov.br E-mail: funag@mre.gov.br Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional conforme Lei n° 10.994, de 14/12/2004. Capa: Aldemir Martins, Sertão de Timbaúba OST, 1973 in Odorico Tavares a minha casa baiana sonhos e desejos de um colecionador. Equipe Técnica: Eliane Miranda Paiva Maria Marta Cezar Lopes Cíntia Rejane Sousa Araújo Gonçalves Erika Silva Nascimento Juliana Corrêa de Freitas Júlia Lima Thomaz de Godoy Programação Visual e Diagramação: Juliana Orem e Maria Loureiro Impresso no Brasil 2009 CDU 327(81) Conferência Nacional de Política Externa e Política Internacional : (3 : Rio de Janeiro : 8 e 9 de dezembro de 2008) III CNPEPI : O Brasil no mundo que vem aí. - Brasília : Fundação Alexandre de Gusmão, 2009. 440p. 1.Política externa - Brasil. 2. Política internacional - Brasil. I. Título. III. Título: o Brasil no mundo que vem aí.
  • 6. Abertura Apresentação, 9 Embaixador Jeronimo Moscardo Palestra do Senhor Secretário-Geral das Relações Exteriores, 11 Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães Primeira Sessão: Estados Unidos O Brasil e a Política Externa dos EUA no Governo Obama, 19 Antonio de Aguiar Patriota A Configuração Mundial do Poder, a Nova Hegemonia Norte- Americana e Novo Governo Obama, 33 Gilberto Dupas Segunda Sessão:América Latina e Caribe A América Latina e o Caribe; e o Brasil, 53 Gonçalo de Barros Carvalho e Mello Mourão AméricaLatinanopresenteSistemaInternacional,61 Helio Jaguaribe AméricaLatinaeCaribe:NovaFronteiradaPolíticaExternaBrasileira,73 Marcel Biato Sumário
  • 7. Terceira Sessão: Europa Uma Europa maisTransparente, 89 Franklin Trein Brasil - União Europeia: Uma Parceria Estratégica, 121 Maria Edileuza Fontenele Reis Quarta Sessão: África e Oriente Médio Instabilidade Política Moderna nos Países que Correspondem aos Últimos Impérios Coloniais Europeus. Exemplos do Oriente Médio e Comparação com a África, 141 Affonso Celso de Ouro Preto AÁfricaentreoAtrasoeoDesenvolvimentonoPeríodoPós-CriseGlobal, 157 José Flávio Sombra Saraiva Cooperação Sul-Sul: a Experiência de Cooperação Internacional em Saúde do Brasil com Países da África, 171 Paulo M. Buss e José Roberto Ferreira Quinta Sessão: Rússia A Nova Rússia sob Medvedev e Putin, 191 Angelo Segrillo ConsideraçõessobreaSituaçãoAtualdaRússia:Desafios,Perspectivas,203 Daniel Aarão Reis Sexta Sessão: China, Índia e Japão China, Índia e Japão no mundo que vem aí, 227 Amaury Porto de Oliveira BRICS,theChineseEngine,andtheHumblingof MarketFundamentalism,245 Glauco Arbix
  • 8. 7 Sétima Sessão:Amazônia Amazônia : os Desafios de uma Região Complexa e Dinâmica, 263 Adalberto Luis Val Amazônia:PolíticaseEstratégias,277 Adherbal Meira Mattos AOcupação daAmazônia, 293 Adriano Benayon Manaus, Cidade Mundial para Prestação de Serviços Ambientais: Uma Proposta, 317 Bertha K. Becker Amazônia:DesafioseSoluções,339 Eduardo Dias da Costa Villas Bôas ReflexõessobreCultura,SoberaniaePatrimônioGenéticonaAmazônia,359 Ennio Candotti Amazônia,375 Ives Gandra da Silva Martins ObjetivosdeumaPolíticaExternadoBrasilemRelaçãoàAmazônia:Proposta para Discussão, 385 José Alberto da Costa Machado Amazônia:ReflexõessobresuaProblemática,407 Leonidas Pires Gonçalves Lista de Participantes, 421
  • 9.
  • 10. 9 Apresentação A Conferência Nacional de Política Externa e Política Internacional "O Brasil no Mundo que vem aí" tem como objetivo promover o diálogo sobre nossa agenda de política externa, com a participação da comunidade acadêmica, diplomatas, jornalistas e representantes da sociedade em geral. Na sua III edição, a Conferência tratou dos seguintes temas: Estados Unidos,América Latina e Caribe, Europa, África e Oriente Médio, Rússia, China, Índia, Japão eAmazônia. A Conferência sob menção pretende transformar-se nos estados-gerais das relações internacionais no Brasil e inspira-se na convicção de que a sociedade sabe mais e pode mais que a burocracia governamental. EmbaixadorJeronimoMoscardo Presidente da Fundação Alexandre de Gusmão
  • 11.
  • 12. 11 Palestra do Senhor Secretário-Geral das Relações Exteriores, Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães Bom dia a todas e a todos. É um prazer muito grande estar aqui hoje para a Abertura da III Conferência sobre Política Externa e Política Internacional,organizadapelaFundaçãoAlexandredeGusmãoepeloInstituto de Pesquisa de Relações Internacionais, com um tema muito oportuno: “O Brasilnomundoquevemaí”.Eufuiconvidadoparadizeralgumaspalavrase prometo não me alongar muito para que possam logo ouvir os debatedores. Vou falar um pouco sobre aquilo que possa ser chamado de “saída para a crise”, a saída pela política. Primeiro, eu queria falar sobre a dinâmica internacional dos últimos 20 anos porque é preciso ter algum tipo de visão histórica para a situação que nós vivemos no momento.Asituação que nós vivemosnomomentonãocaiudocéu,nãoéalgoinesperadoque,derepente, cai do céu sobre nós e ficamos perplexos. Não é isso. As diversas crises atuais são fruto de um processo de evolução nos últimos anos, nas últimas décadas. Nós podemos caracterizar esse processo por alguns aspectos. Primeiro, nesses últimos anos, houve um processo de liberalização e desregulamentaçãodaeconomianoníveldospaísesenonívelinternacional. Houveumprofundoprocessodedesregulamentação.Essadesregulamentação ocorreu, por uma sucessão de rodadas internacionais que reduziram os obstáculos ao comércio de bens em todo o mundo. Ocorreu também no nívelinternoeuropeu.ComaformaçãodaComunidadeEconômicaEuropeia, depois União Europeia, houve um processo de liberalização do comércio
  • 13. SAMUEL PINHEIRO GUIMARÃES 12 entre aqueles países membros. Há outros aspectos, mas esse é um aspecto importante. Temos os processos regionais, como o Mercosul e outros, e tambémprocessosbilaterais.Nessecaso,houveoesforçodosEstadosUnidos de celebrar acordos de livre comércio com países, não só na área das Américas, mas também de outros continentes, com aAustrália, com a Nova Zelândia, com a Jordânia e vários outros. Houve, enfim, um processo de desregulamentação e liberalização na área de comércio bens. Depois, houve também um grande processo de desregulamentação e liberalização na área dos capitais. Nessa área, a partir das modificações das legislações internas, principalmente, nos Estados Unidos e também na Inglaterra,houveumadesregulamentaçãodosfluxosdecapitais,quepassaram a fluir. Naturalmente, isso foi ajudado com o fim do papel do FMI, quando osEstadosUnidosabandonaramopadrãoouroepassouaexistir,nomundo, umsistemadetaxasdecâmbioflexíveis.Houvetambémadesregulamentação do movimento de capitais em todo mundo através das chamadas “privatizações”,queforammovimentosdedesregulamentação,comaabertura de áreas que, antes, estavam fechadas ao capital estrangeiro. Naturalmente, isso não ocorreu na área do trabalho. Nós falamos nos bens, no capital e nos serviços, embora numa escala menor, mas não ocorreu na área do trabalho. Houve uma grande movimentação de pessoas a nível internacional, mas de forma muito restritiva. Nós temos grandes contingentes de brasileiros, por exemplo, que não tínhamos no exterior. Hoje, são cerca de três ou quatro milhões de brasileiros no exterior, mas há um número muito grande de outras nacionalidades, de outras origens e um grande número de deslocados, por conflitos. Nesse caso, naturalmente, não houve um processo de desregulamentação. Pelo contrário, tem havido um processo de regulamentação, de restrição aos movimentos do trabalho dos seres humanos. Esse é um processo de globalização e de criação de interdependência, cadavezmaior,entreaseconomiaseassociedades.Oresultadodesseprocesso também é uma enorme concentração de poder que ocorreu ao longo desses anos. Já havia uma concentração de poder enorme, logo após a II Guerra Mundial,maselaprosseguiu,tantoumaconcentraçãodepoderpolítico,como depodermilitar,econômicoetecnológico.Senóstomarmosaáreadopoder político, nós temos a expansão das atribuições do Conselho de Segurança, a expansãoinformal,porém,umaexpansão,edenovosinstrumentosdeexercício dopoderpolítico,comoéocasodaOTAN,edeoutrasformasdeintervenção,
  • 14. PALESTRA DO SENHOR SECRETÁRIO-GERAL DAS RELAÇÕES EXTERIORES 13 outrosinstrumentosdeintervenção.Naáreamilitar,éamesmacoisa,ouseja, háumasériedeacordosquelimitaoacessoacertasarmasapaísesconsiderados “imaturos”,inferiores.Éóbvioqueissonãoécolocadoassim;issoécolocado em nome do bem da humanidade, mas o fato é esse.Apremissa que está por detráséquehápaísesdeumacivilizaçãosuperior,deumnívelculturalsuperior, que têm o direito de ter certos tipos de armas; e outros países são inferiores, sãopaísesinstáveis,quepodemcolocaremriscoapazeasegurançainternacional e, portanto, não podem ter armas. Há uma série de tratados que foram sendo celebradosdeformaarestringir,cadavezmais,oacessoàsarmasdedestruição em massa e também a qualquer outro tipo de armas, mesmo as armas convencionais. Na área econômica, essa concentração de poder pode ser medidadeváriasformas,comopeladiferençaderendapercapitaqueexiste entre os países altamente desenvolvidos e os países subdesenvolvidos. Essa diferençatemaumentadocomotempoentreospaíses.Naáreatecnológica,é a mesma coisa. O número de patentes registradas todos os anos é predominantemente, esmagadoramente, de patentes registradas por países altamentedesenvolvidos.Aproximadamentemetadedaspatentesinternacionais é registrada pelos Estados Unidos, segundo as informações da Organização MundialdaPropriedadeIntelectual. Enfim, esse período todo também se caracterizou por uma questão ideológica importante, que foi o chamado “fim do socialismo” e da vitória ideológicadasdoutrinasneoliberaiseaderrotadasdoutrinascoletivistas,de toda a natureza, como o comunismo, socialismo e assim por diante. Foi a vitóriadoneoliberalismoemtodooseuesplendorquecorrespondeuateorias, porexemplo,comoofimdasfronteiras,ofimdosEstadoseassimpordiante. Hoje, naturalmente, isso está um pouco superado pela própria mudança de políticaeconômicanospaísesaltamentedesenvolvidos,emqueháumapolítica de profunda intervenção do Estado, de profunda preocupação coletiva com o destino das sociedades, como a aquisição de bancos, ajuda a empresas e assim por diante. Isso mostra um pouco um renascimento dessa questão do individualismoversuscoletivismo,preocupaçõescoletivasdasociedade.Não quero chamar de “socialismo”, nem de “comunismo”, mas de políticas que prevêem, principalmente, uma maior intervenção do Estado em defesa da organização da sociedade, tanto do ponto de vista econômico, quanto do ponto de vista social. Enfim, esse é um processo que nos leva, com suas diferentes características, ao que eu chamaria de “grandes crises atuais” e todas elas são um desafio para o Brasil.
  • 15. SAMUEL PINHEIRO GUIMARÃES 14 A primeira delas, que está mais na imprensa, é a crise financeira e, hoje em dia, cada vez mais, uma crise produtiva porque a crise está passando da áreafinanceiraparaaáreaprodutiva,nospaísesaltamentedesenvolvidos.A segundadelas,queéumacrisemaisestrutural,éacriseambiental.Nóstemos, seguramente, uma crise ambiental de proporções extraordinárias, hoje já reconhecidaportodosospaíses,equeteráprofundoimpactonaorganização das sociedades porque essa crise ambiental é vinculada à crise energética, pelaescassezdeenergia,pelamudançadospadrõesdeconsumodeenergia, por sua vez, ligadas a questões do Oriente Próximo, mas, sensivelmente, se podeidentificarcomoumaquestãodospadrõesdeconsumodoindividualismo. O fato de que certas sociedades são baseadas na ideia de que é possível consumir qualquer tipo de produto, de uma forma totalmente livre e com enorme grau de desperdício. Há uma crise energética, mas há também uma crisederecursosnaturaisdeumaformageral.Háalgomuitoperigoso,queé uma ideia formulada assim: “O que seria se todos os chineses tivessem um automóvel? O que seria se todos os chineses comessem carne?”. Há uma ideiapordetrásdequecertospaísestêmdireitoatercertosníveisdeconsumo e outros, por terem chegado atrasados, não teriam esse direito porque isso criaria um problema, um desafio, um dilema internacional. Isso é algo extremamente preocupante para países em desenvolvimento. E se todos os brasileirostivessemumautomóvel?Esetodososbrasileirostivessemníveis deconsumodospaísesaltamentedesenvolvidos?Issogerariaumademanda enorme sobre os recursos da terra. Só que nós temos seguramente o direito, tantooumaisdoquequalqueroutropaís,deterníveisdeconsumoadequados para cada cidadão brasileiro.Todos os cidadãos brasileiros têm esse direito. Como eu já mencionei de passagem, temos a questão da crise energética, da reorganização da matriz energética do mundo, que envolve a questão da energianuclear,queenvolveaquestãodosbiocombustíveiseassimpordiante. Aquestãoalimentartambéméumpoucoesta,ouseja,sabercomoenfrentar o desafio de fazer com que todas as populações do mundo tenham o direito a níveis adequados de nutrição. E finalmente, temos uma crise de natureza político-militar, que é a da emergência da China, ou seja, como acomodar a Chinanosistemainternacional.QualéopapelqueaChinadeveternosistema internacional? Como acomodá-la nas diferentes instituições, nos diferentes temas?ComoreacomodaraRússianasuanovafasedereafirmaçãonacional? Diante desses temas todos, dessas crises, dessa evolução, certamente, paraapolíticaexternabrasileira,secolocamgrandesdesafios.Ograndedesafio,
  • 16. PALESTRA DO SENHOR SECRETÁRIO-GERAL DAS RELAÇÕES EXTERIORES 15 emminhaopinião,éalutapeladesconcentraçãodopoderinternacional.Nós temosinteresseemquehajaumprocessodedesconcentraçãodessepoder.É muitodifícilsefalardeumacompletademocratizaçãodasinstituições.Issoé extremamentedifícil.Euacreditomaisnumprocessodemaiordemocracia,de maior participação nos grandes organismos. Isso passa pelo Conselho de Segurança,pelosorganismosfinanceiroseeconômicosinternacionais,comoa reforma do Fundo Monetário Internacional, como a reforma, em curso, da Organização Mundial de Comércio, na medida em que, o G-20, na OMC é um fato totalmente novo. Quer dizer, a participação dos países em desenvolvimento,emqueoBrasiltemdesempenhadoafunçãodecoordenador, érealmenteumavitóriabrasileira.Ninguémseimpõecomocoordenadorde nada.Énecessárioqueosoutrosconvoquemopaísparaessafunção.Nenhum país, em nenhum lugar, diz: “Eu vou ser o coordenador de tal grupo”. Isso simplesmentenãoexistenaprática.Oqueexisteéoconsenso,entreumgrupo deEstados,paraqueumdelessejaoseuporta-voz,oseucoordenador,oseu articulador. Então, essa luta pela desconcentração do poder é extremamente importanteemtodososníveis.Segundo,temosalutaparaque,emseuconjunto, asnormasquevêmsendoorganizadasanívelinternacional,nosdiferentesfóruns e organizações multilaterais, regionais etc., sejam as mais favoráveis ao desenvolvimento da sociedade brasileira, para resolver os problemas das desigualdadessociais,dasvulnerabilidadesexternas,edarealizaçãodopotencial da sociedade brasileira, da economia do Estado Brasileiro. É necessário que essasnormasinternacionaisnãonoscriemobstáculosesimsejamfavoráveis aodesenvolvimentointerno,i.e.,quepreservemograudeautonomiadoEstado. Nesseprocessodedesenvolvimentointerno,afunçãodoEstadoéessencial. Nósnãopodemosimaginarquehajadesenvolvimentoeconômicoesocialno BrasilsemumafunçãodoEstadodepromoçãodessedesenvolvimento,para garantir que todas as potencialidades da sociedade brasileira sejam desenvolvidas. Não é possível imaginar de outra forma. Muitas vezes, a normatizaçãointernacionaltendeacoibiraaçãodoEstado,adificultaraação do Estado. No âmbito da política externa, é necessário fazer com que essas normas venham a ser favoráveis ao desenvolvimento econômico, político e socialdoBrasil. Comofazerisso?Primeiro,dopontodevistainternacional,énecessária a articulação com os grandes Estados da Periferia, que são a Índia, a China, a África do Sul, aArgentina, porque esses Estados têm um nível semelhante de aspiração à do Brasil. Outros países menores tendem a ser absorvidos
  • 17. SAMUEL PINHEIRO GUIMARÃES 16 pelos grandes polos de poder que se organizam no sistema internacional. Elesacabamsendoabsorvidos,muitasvezescooptados.Écomessesgrandes Estados – que têm aspirações semelhantes às do Brasil, e que já atingiram um certo nível de desenvolvimento – que nós temos que nos articular no processo de negociação das normas internacionais e da desconcentração de poder. É por isso que nós estamos juntos com a Índia, por exemplo, no G-4; estamos junto com a Índia, com a China e com a África do Sul nas áreas de programas de desenvolvimento tecnológico, como na área de satélites, e há muitasoutrasáreasaindanãoexploradas,masquenecessariamentedevemos explorar. Em segundo lugar, temos a questão da articulação regional. O sistema internacionaléumsistemadegrandeinterdependênciaeondesurgemgrandes blocos de países, como é o caso da União Europeia e daAmérica do Norte. NaAmérica do Norte, se forma uma grande economia, com características diferentesdasdaUniãoEuropeiaequeinclui:oCanadá,osEstadosUnidos, oMéxico,aAméricaCentraldepoisdosacordosdelivrecomércio,ealguns estados da América do Sul. Os acordos de livre comércio que foram celebrados,narealidade,criamumaáreaeconômicaintegrada,livredetarifas, comamesmaregulamentação.Énecessáriaumaarticulaçãoregionalbrasileira para que possamos participar melhor das negociações internacionais e das disputas internacionais. Além das negociações, temos também algumas situações de fato, onde os países são arregimentados para se pronunciar. Nesseprocessodearticulaçãoregional,aUniãodasNaçõesSul-americanas - UNASUL é de grande importância nos seus diferentes aspectos – econômicos,políticos,militares–,comoConselhodeDefesaSul-americano. OMercosul,naturalmente,éocentrodapolíticaexteriornaAméricadoSul. Finalmente, uma palavra sobre a questão da articulação interna. É necessárioquehaja,dentrodoBrasil,umaarticulaçãodasforçasprogressistas; aquelas forças que têm o Brasil como parâmetro e não apenas a livre ação dos indivíduos. É necessária uma articulação entre aquelas forças que consideram que o Brasil é uma sociedade humana, não é um mercado; o Brasilnãoéummercado,oBrasiléumasociedadedeindivíduosmuitoalém dos seus interesses puramente econômicos, mas os seus interesses de toda a ordem.Nessemomentodecrise,énecessárioqueasforçaspolíticasesociais, quetêmessapreocupação,estejamunidasnadefesadepolíticasquepermitam asuperaçãododesafioquenósenfrentamos,acomeçarpelamanutençãoda demanda interna, manutenção dos investimentos para construirmos a infra-
  • 18. PALESTRA DO SENHOR SECRETÁRIO-GERAL DAS RELAÇÕES EXTERIORES 17 estruturadopaíseparanãocairmosnaarmadilhadequeénecessárioreduzir a demanda. Nenhum país do mundo está nessa armadilha. Todos os países estão preocupados em manter o seu nível de demanda, e tentar manter o seu níveldeinvestimentos.Nãopodemoscairnaarmadilhadealgunsquedizem queénecessárioreduzirademandanoBrasilparaenfrentarmosessasituação. É justamente a saída errada. Finalmente, uma questão que eu acho extremamente positiva é que, historicamente, foi em períodos de crise que o Brasil se desenvolveu na realidade. Foi no grande período da grande depressão até ao final da II GuerraMundialquehouveumagrandeexpansãododesenvolvimentoindustrial brasileiro e, mais tarde, com as diferentes crises econômicas que tornaram real e vital a ideia do desenvolvimento econômico brasileiro, baseado na indústria. Na verdade, 85% da população brasileira vive nas cidades. Nas cidades,nãoháagricultura.Duvidoqueossenhoresconsigamplantaralguma coisa dentro de uma cidade. O emprego na cidade é o emprego industrial e na área de serviços. Então, é muito importante que haja a possibilidade do desenvolvimentoindustrial,queessacrisesejaumaoportunidadedeafirmação daindústria.Nãoéqueaagriculturaeoagronegócionãotenhamimportância. É óbvio que têm, mas, certamente, não é possível desenvolver uma ação com as dimensões e perspectivas do Brasil com base apenas numa visão agrícola do mundo e da sociedade. Na minha opinião, isso não é correto. Eu sei que muitos criticariam esse ponto de vista, mas de uma coisa eu tenho certeza: não há emprego de natureza agrícola nas cidades. Isso eu posso garantir aos senhores. Se quiserem, podem plantar alguns pés de soja no seu apartamento, para ver se isso é possível. Se for, eu me considero derrotado. Finalmente,acreditoqueumasituaçãocomoaatualéumasituaçãoque permite renovar a ideia da participação do Estado como um agente de desenvolvimentoeconômiconummomentodecrise.Euachoqueasituação internacional é muito importante porque, certamente, se todos os Estados mais desenvolvidos do mundo estão utilizando a sua administração, o seu Estado para enfrentar a crise, nada mais conveniente que um país como o nosso também possa, e deva, usar o seu Estado para enfrentar essa situação de grandes dificuldades e de grandes desafios, no processo em que todos estão interessados e empenhados de construir uma sociedade mais justa, mais democrática e mais próspera. Muito obrigado pela atenção.
  • 19.
  • 20. 19 O Brasil e a Política Externa dos EUA no Governo Obama Antonio de Aguiar Patriota1 Em artigo publicado na Política Externa de junho/julho/agosto de 2008 (“O Brasil e a política externa dos EUA”), examinei a evolução da política externa norte-americana no segundo mandato do Presidente Bush (2005-09) e o desenvolvimento das relações bilaterais. Com a posse do Presidente Barack Obama, em 20/1/2009, que tantas esperanças despertou nos Estados Unidos e em outras partes do mundo, proponho um exercício de natureza mais prospectiva, ao considerar como será possível, sem perder os avanços realizados, abrir novas áreas de cooperação entre as duas grandes democracias multiétnicas dasAméricas. Há, hoje, virtual consenso entre os Governos Lula e Obama de que não é necesssário “reinventar a roda” nas relações bilaterais, mas sim acrescentar, àquelas áreas específicas de convergência já identificadas, novos temas, iniciativas e mecanismos, tornados possíveis pela maior compatibilidade entre os momentos políticos vividos pelos dois países. Tal aproximação ocorrerá no contexto de grave crise financeira internacional, a qual, ao mesmo tempo em que traz problemas novos e acentua alguns antigos, poderá favorecer a remoção de obstáculos – notadamente certos preconceitos e modos rígidos de pensar, cuja obsolescência ficou patente nos últimos meses. 1 O autor é Embaixador do Brasil nos Estados Unidos da América.
  • 21. ANTONIO DE AGUIAR PATRIOTA 20 As Relações Brasil-EUA no Final do Governo Bush Sem pretender repetir o artigo de junho passado, recapitulo alguns marcos importantes a partir de 2005: -aCúpuladaGranjadoTortodenovembrode2005entreosPresidentes LulaeBush,comênfasenosbiocombustíveis; -ohábitodeconsultaecooperaçãonoapoioàestabilização,democracia e desenvolvimento do Haiti, que demonstrou estarem os EUA e o Brasil sintonizados em relação a uma questão de paz e segurança; - a consulta intensa, praticamente permanente, sobre comércio internacional, no âmbito das negociações da Rodada de Doha da OMC; - o abandono, pelo Governo Bush, da ênfase na ALCA, “colocada entre parênteses”, decisão que não impediu, nos anos seguintes, o crescimento robusto do comércio e dos investimentos entre Brasil e EUA; -oestabelecimentode“diálogoestratégico”regularentreasChancelarias, noníveldeSubsecretáriosparaAssuntosPolíticos–mecanismoqueosEUA mantêm apenas com um punhado de países; - as duas Cúpulas bilaterais de março de 2007 – São Paulo e Camp David – que produziram, entre outros resultados, o Memorando de EntendimentosobreBiocombustíveiseoFórumdeAltosExecutivosBrasil- EUA; -acriaçãodoDiálogodeParceriaEconômica,poriniciativadoMinistro CelsoAmorim e da Secretária de Estado Condoleezza Rice, que vem dando frutos concretos, tais como a intensificação dos vôos comerciais entre os dois países, com a inclusão de rotas novas ligando o Nordeste brasileiro a cidades do sul dos Estados Unidos; - o convite para que o Brasil – juntamente com Índia e África do Sul – participassem da Conferência de Annapolis sobre o Oriente Médio, em novembro de 2007; - a assinatura do Plano de Ação Conjunta para a Eliminação da DiscriminaçãoÉtnicaeRacialeaPromoçãodaIgualdadepelaSecretáriade Estado Rice e o Ministro Edson Santos; - a aprovação, pela Câmara de Representantes dos Estados Unidos (commaioriademocratadesdeaseleiçõesde2006)deresoluçõesunânimes de apoio ao fortalecimento das relações entre Brasil e EUA.
  • 22. O BRASIL E A POLÍTICA EXTERNA DOS EUA NO GOVERNO OBAMA 21 Em2008,váriasdessasiniciativascontinuaramarenderfrutos.Umacrescente confiançarecíprocafezqueosEstadosUnidosprocurassemodiálogocomo Brasilemrelaçãoaquestõesregionais,inclusiveemmomentosdetensão,como na controvérsia Colômbia – Equador e durante as perturbações políticas na Bolívia.HouveapoiodeWashingtonainiciativasbrasileiras,comoaUniãodas NaçõesSul-Americanas(UNASUL)eoConselhodeDefesadaAméricado Sul.AtémesmoaCúpuladaAméricaLatinaedoCaribe,realizadanaCostado Sauípe,emdezembrode2008,terásidovistacomooeventoconstrutivoquefoi –nãoobstantecertaincompreensãoemsetoresmaisconservadoresdoCongresso norte-americano. Tambémemsinaldeambientemaiscooperativo,odiálogobilateralestendeu- seaáreapormuitotempoexcluídadaagendabilateral,adedefesa.Em2008,o MinistrodaDefesaNelsonJobimvisitouosEstadosUnidosemtrêsocasiões distintas,duasvezesparareuniãocomoSecretáriodaDefesaRobertGatese umaparaconhecerasededoComandoSul(SouthCom).Foipossível,assim, conversarcomtransparênciaefranquezasobrenovasiniciativasdecadalado:do Brasil,oConselhoSul-AmericanodeDefesa,aEstratégiaNacionaldeDefesae osplanosdecapacitaçãotecnológicanaindústriadedefesa;dosEstadosUnidos, entre outros temas, a polêmica criação da IV Frota, cujo anúncio repentino provocara reações na opinião pública latino-americana e pedidos de esclarecimentos provenientes de vários Governos da região. Destacou-se positivamenteocomportamentonorte-americano,quesugeririaestarficandopara trásaépocadasobjeçõesaprogramasemesferascomoaespacialeanuclear. Nomesmoespírito,osEstadosUnidoscomeçamasinalizarquepoderãoserum parceiroemprojetosdecapacitaçãotecnólogicadeinteressebrasileiro. Oanode2008encerrou-secomumamanifestaçãoemblemáticadocrescente papelglobaldoBrasil,naCúpuladeWashingtondoG20financeiro.Aconvitedo PresidenteGeorgeW.Bush,oPresidenteLuladesempenhoupapeldedestaque, comoumdosprincipaisoradoresdoalmoçodetrabalhoorganizadopelaCasa Brancaemtornodotemacomérciointernacional.NoexercíciodaPresidência doG20,oBrasilpode,ademais,pôràmostrasuacapacidadedediálogocom todasascorrentespolíticaseproveniênciasgeográficas. A Campanha Eleitoral de 2008 O ano de 2008, nos Estados Unidos, foi dominado por uma eleição presidencial que provocou uma mobilização raramente vista da sociedade
  • 23. ANTONIO DE AGUIAR PATRIOTA 22 norte-americana.Acandidatura de Barack Obama trouxe forte conteúdo transformador. A perspectiva de eleição do primeiro Presidente afro- americano representava a culminação histórica de longo processo de integração social, superação da discriminação e ampliação da democracia, que data da Guerra Civil norte-americana e se mantivera incompleto por maisdeumséculo. Agregou-se o efeito de mudança generacional: Obama, com seus 47 anos, não participou das controvérsias políticas e culturais dos anos 1960 e do começo dos anos 1970.AGuerra do Vietnã, a explosão do consumo de drogas, os distúrbios raciais que se seguiram ao assassinato do Dr. Martin Luther King e o escândalo de Watergate provocaram divisões profundas, mas não deixaram cicatrizes no futuro Presidente, cuja infância transcorria, no Havaí e na Indonésia, em lar multirracial e aberto para o mundo. Tudo isso fez com que a campanha de Obama, primeiro na primária democrata e em seguida na eleição geral, atraísse a juventude e as minorias étnicas. Com organização moderna, em rede, tornada possível pelo uso inovativodainternet,eprovandoserpossívelconciliariniciativaedisciplina, Obama logrou promover um verdadeiro movimento nacional em torno da ideiademudança. Aomesmotempo,acrisefinanceira,quesetornouagudaemmeadosde setembro,apósafalênciadobancoLehmanBrothers,culminouprocessode erosãogradualdetodoumconjuntodefalsascertezasquesehaviapropagado desde os anos 1990.Anoção de que exista um conjunto pronto de receitas políticaseeconômicascomaplicaçãouniversal,concebidoemWashingtone pronto para exportação aos quatro cantos do mundo, ruiu como castelo de areia em face da maré alta.As elites políticas, financeiras e econômicas que haviam pontificado nas duas décadas anteriores passaram a ser apontadas como responsáveis por catástrofe que, ao contrário de crises anteriores, começounocentrodomundodesenvolvidoedaíseespalhoupeloglobo.Se consenso há sobre causas e remédios da crise, foi no sentido de que país algum detém o monopólio da sabedoria sobre como enfrentá-la, e de que é preciso esforço comum e cooperação mais eficaz para que o árduo trabalho de superação tenha perspectivas de êxito. O Brasil teve condições de diálogo e acesso às principais campanhas eleitorais, que apresentaram, cada uma, aspectos inéditos. Somos cada vez maisvistoscomoumparceiroimportantenabuscadesoluçõesparaasgrandes questões políticas e econômicas da região e da comunidade internacional.
  • 24. O BRASIL E A POLÍTICA EXTERNA DOS EUA NO GOVERNO OBAMA 23 RepresentantesdoGovernobrasileiro,nasmaisdiversasáreas,tiveramacesso aos assessores das campanhas eleitorais, em particular as dos três principais candidatos, os Senadores Barack Obama, Hillary Clinton e John McCain. Foipossívelnãosórecolherinformações,mastambémprestaresclarecimentos sobre o Brasil e apresentar a perspectiva brasileira sobre os grandes temas regionaiseglobais. Barack Obama Afacilidade de diálogo entre os Presidentes Lula e GeorgeW. Bush, até certopontosurpreendente,emvistadetrajetóriaspessoaiseposturaspolíticas muito distintas, foi fator relevante na reaproximação entre Brasil e Estados Unidos, a partir de 2005.Alguns observadores chegaram a levantar dúvidas sobre a possibilidade de manutenção desse clima favorável com Barack Obama na Casa Branca. Argumentossólidos,porém,permitempreverqueBrasileEstadosUnidos continuarãoaencontrarnovasáreasdecooperaçãonospróximosanos,além deprosseguirnasjáexistentes.EntreLulaeObama,podemseridentificadas afinidades em pelo menos três campos: trajetória pessoal, temperamento e valores. No campo da trajetória pessoal, o traço mais marcante de ambos os percursosfoiasuperaçãodopreconceito.EnquantoaeleiçãodeLulamarcou a ampliação da democracia no Brasil, pela elevação de um representante do operariado ao cargo de Presidente, Obama representou a derrubada de uma barreiraracialquemuitosaindajulgavamforadealcancenosEstadosUnidos. Quando Obama nasceu, em 1961, o casamento entre seus pais ainda seria proibido por lei em vários Estados norte-americanos (não, porém, no seu Estado natal, Havaí, de cultura mais tolerante e mestiça). O próprio Presidente Obama mencionou em seu discurso de posse, no Capitólio, que sessenta anos antes talvez os restaurantes da capital norte-americana não aceitassem que seu pai, o economista queniano Barack Hussein Obama (mesmonomedofilho),sesentasseàmesaparaalmoçar.Suaautobiografia, lançada em português como “A origem dos meus sonhos”, escrita aos 33 anos, contém uma reflexão comovente sobre a decepção do jovem Barack diante do pai, cuja carreira promissora terminou em impasse, e cuja vida, depois de diversos casamentos e filhos, desembocou em alcoolismo e depressão.OjovemBarackseriavistopelasociedadenorte-americanacomo
  • 25. ANTONIO DE AGUIAR PATRIOTA 24 afro-descendente,pelaaparênciafísica,masconviveunainfânciaquaseque unicamente com a mãe e os avós brancos. Suamãe,aantropólogaAnnDurham,personagemcriativaeprogressista, casou-se novamente com um cidadão indonésio. Obama passou parte da infância, dos 6 aos 10 anos, numa rua de terra batida da periferia de Jacarta, correndo atrás de galinhas e cachorros, junto com os outros meninos da vizinhança,comorelatanaautobiografia.Queentreaquelesmeninos,quase todos de família muçulmana, soltando pipas na Indonésia nos idos de 1970, estivesse um futuro Presidente dos Estados Unidos, é cenário que só a combinação de momento histórico, uma grande autoconfiança individual e uma pitada de destino pode explicar. Oresultadodessagenealogiae,maistarde,docasamentocomMichelle LaVaugh Robinson, de família afro-americana tradicional do South Side de Chicago,éuma“primeirafamília”únicaemseuuniversalismo.Umadasmeio- irmãsquenianasdeObamaécasadacominglês;outromeio-irmãoporparte de pai vive na China e é casado com chinesa; sua meia-irmã por parte de mãe é indonésia e casada com cidadão canadense de ascendência também chinesa.MesmonafamíliadeMichelle,deperfilmenosinternacional,háum primo que se converteu ao judaísmo e é rabino, sobrepondo em uma só aliançafamiliarastrêsfésabraâmicas. Uma segunda convergência se observa nas semelhanças entre os temperamentos dos ocupantes doAlvorada e da Casa Branca. Obama, que passou toda a vida construindo pontes entre negros e brancos, desenvolveu capacidade natural de conciliação e diálogo. Na Faculdade de Direito da Universidade Harvard, embora participasse de grupo de estudantes mais à esquerda,foieleitoeditordaprestigiosarevista“HarvardLawReview”com ovotodosconservadores.NoPartidoDemocrata,emborasuasraízesestejam na ala progressista, foi sempre capaz de atrair apoios de centristas e mesmo de membros da ala mais conservadora. Durante a campanha eleitoral, além do apoio praticamente unânime dos setores progressistas, apareceu o fenômeno curioso dos “Conservadores por Obama”, ou “Obamacons”, dotados de sua própria página web. Em política externa, essa disposição se manifesta na política de “mão estendida”emrelaçãodosadversáriosdosEstadosUnidos,bastandoapenas que eles “descerrem o punho”, na fórmula empregada no discurso de posse e frequentemente citada desde então.Acapacidade de diálogo e conciliação serefletetambém,emObama,numapreferênciapelomultilateralismo,visto
  • 26. O BRASIL E A POLÍTICA EXTERNA DOS EUA NO GOVERNO OBAMA 25 como mecanismo inclusivo, de vocação universal, e não como mero agrupamento dos que pensam igual (like-minded). Na conferência de imprensa em que apresentou sua equipe de política externa e segurança nacional, Obama anunciou, como uma das três prioridades principais do DepartamentodeEstado,ofortalecimentodasinstituiçõesinternacionais(as outrasduassãoanãoproliferaçãonucleareapaznoOrienteMédio).Também classificou as Nações Unidas de organização “indispensável”, qualificativo que não se escutou em Washington, em relação à ONU, nem durante o Governo George W. Bush, nem no de seu antecessor democrata. Um terceiro campo de convergência, o dos valores, revela coincidência nocompromissocomaeliminaçãodapobrezaecomajustiçasocial.Obama demonstrou, com base em sua vivência na Indonésia e no Quênia, em seu trabalhocomoassistentesocialnosbairrosmaispobresdeChicagoeemseu temperamento de construtor de pontes, capacidade de compreender esses problemas do ponto de vista dos pobres. Obama estudou na melhor escola particular do Havaí, sobretudo graças aos sacrifícios dos avós.Ao terminar seus cursos universitários, porém, abandonou a perspectiva de empregos bem-remunerados em Wall Street ou em escritórios de advocacia, e optou por oportunidades como organizador comunitário em uma das regiões mais deprimidasdeChicago. Desdeentão,Obamaestabeleceucomoplataformacentraldesuaatuação a solidariedade social.Asituação dos jovens afro-americanos em bairros pobres nas grandes cidades, como Chicago; a geração de empregos; a universalização da cobertura por seguro-saúde; e a melhoria da educação pública,comodetalhadoemseulivrodecampanha,“Aaudáciadaesperança”, foramatônicadesuaatuaçãopolíticaedesuacampanhapresidencial.Durante a campanha eleitoral, Obama ironizou o lema do ultraliberalismo, ou fundamentalismo de mercado, a chamada “sociedade de proprietários” (ownership society), dizendo que para os ricos isso parecia significar “cada um por si” (you are on your own). Em seu discurso de posse, sintetizou sua visão de futuro: “uma nação não pode prosperar, se dedicar atenção apenas aos mais prósperos”. O Momento Histórico e as Relações Bilaterais AlémdasafinidadesentreosPresidentesLulaeObama,acimaapontadas, fatoresdeordemestruturalcontribuemparaumaconsolidaçãodosprogressos
  • 27. ANTONIO DE AGUIAR PATRIOTA 26 realizados em várias vertentes do relacionamento bilateral e para a abertura de novas frentes de aproximação. Por muito tempo, a política externa dos Estados Unidos mal disfarçava veleidades de tutela informal sobre as nações latino-americanas. Tal era o sentido da “Doutrina Monroe” (a responsabilidade pela liderança da defesa daAmérica Latina contra “ameaças extracontinentais” caberia aos Estados Unidos, que exerceriam, para tanto, supervisão sobre as relações dos países latino-americanos com Estados de outros continentes) e do chamado “Corolário Roosevelt” (Theodore, não Franklin: a responsabilidade pela estabilidadepolíticainternadospaíseslatino-americanoscompetiria,também, aWashington). Tais políticas fizeram-se sentir com mais peso, ao longo do século XX, naAmérica Central e no Caribe, mas não deixaram de repercutir também maisaoSul.ParaoBrasil,desdeaconsolidaçãodasfronteirascomosvizinhos – obra concluída por volta de 1910 – a tarefa principal da política externa, formulada com diferentes matizes em cada geração, tem sido a criação de condições externas favoráveis para o desenvolvimento econômico e social do país. Para tanto, o pré-requisito essencial era a busca da autonomia decisórianapromoçãododesenvolvimento,semingerênciasnemsubmissão a interesses externos. Nos anos 1950, atitudes dos Estados Unidos em relação à criação da Petrobras, por exemplo, convenceram muitos brasileiros de que prevenir ou impedirodesenvolvimentoindustrialdoBrasilconstituíapartedaagendanão declarada de Washington.As objeções aos programas nuclear e espacial, nos anos 1970 e 1980 e as divergências sobre propriedade intelectual, a partirdosanos1980,foramfontesdedesentendimento.Asdificuldadesiniciais dos Estados Unidos com a formação do Mercosul também geraram alguma tensão. Aomesmotempo,outroconjuntodefatoresnuncadeixoudeaproximar os dois países, e conduziu a momentos de relação estreita e mutuamente proveitosa–sejaa“aliançanãoescrita”daépocadeRioBranco(naexpressão do historiador norte-americano E. Bradford Burns), seja a participação do BrasilnaIIGuerraMundial(quandofomoso“aliadoesquecido”,segundoo historiador Frank McCann). O investimento e o capital norte-americanos nas mais diversas áreas tiveram participação positiva na industrialização do Brasil, em processo simbolizado pela Companhia Siderúrgica Nacional, construída com financiamento e bens de capital dos Estados Unidos.
  • 28. O BRASIL E A POLÍTICA EXTERNA DOS EUA NO GOVERNO OBAMA 27 Controvérsiassubsequentesfizeramcomquealgunsseesquecessemdeque os primeiros passos dos programas nuclear e espacial do Brasil, entre os anos1950e1970,emmuitobeneficiaram-sedacooperaçãocomosEstados Unidos. E até hoje os fluxos de comércio e investimento revelam complementaridades entre os dois países. Épossívelafirmar,emsuma,queBrasileEstadosUnidospodemmanter, em certos momentos e temas, políticas divergentes, no nível dos Governos, massemchegaraterconflitosfundamentaisdeinteresse,noníveldosEstados. A ambos interessa, primordialmente, a paz, estabilidade e prosperidade nas Américasenomundo. Hoje, Brasil e Estados Unidos intensificam seus contatos políticos em contexto histórico de grandes transformações. O Brasil está em trajetória ascendente, com estabilidade econômica, progresso social e democracia consolidada.Cadavezmaisnossopontodevistaéglobal,depaíscontribuinte para o aperfeiçoamento do sistema internacional. Os Estados Unidos, por suavez,continuarãopelofuturoprevisívelademonstrarvitalidadeeconômica, científica e tecnológica, sem falar no poderio militar. Como aponta Fareed Zakhariaem“OMundoPós-Americano”,comaascensãorelativadeoutros países, os Estados Unidos vão sendo levados a aceitar mais naturalmente a ideia de que vivem em mundo crescentemente multipolar, como admitiu recentemente o Secretário da Defesa Robert Gates. A tentação do unilateralismoconduziu,noIraque,aresultadosquefalamporsi;acriseiniciada em2008tornouaindamaispatentesoslimitesdopoderunilateraldosEstados Unidos e a necessidade de cooperação internacional. Restam, é verdade, no estamento de política externa norte-americana, personalidadesqueacreditamnapossibilidadedeumretornoaosanos1990, quandoosEstadosUnidosviveramseu“momentounipolar”,naconsagrada expressão de Charles Krauthammer. Para os que duvidam, porém, da orientação da atual liderança política, recomenda-se a leitura do Capítulo 8, dedicado à política externa, do livro de campanha do então candidato presidencial Barack Obama, “A audácia da esperança”. De forma talvez inédita, constata-se a capacidade de um Presidente dos Estados Unidos de enxergar a realidade internacional não apenas da perspectiva de seu próprio país,mastambém,apartirdeumavivênciaqueincorporacontatosimportantes comomundoemdesenvolvimento(IndonésiaeQuêniaemparticular).Entre outras muitas observações de Obama que soam naturais aos brasileiros, destacoasseguintes:
  • 29. ANTONIO DE AGUIAR PATRIOTA 28 “Nosso desempenho tem sido inconstante, tanto na Indonésia quanto no resto do mundo. Algumas vezes, a política externa norte-americana foi previdente, servindo simultaneamente nossos interesses nacionais, nossos ideais, e os interesses das outras nações. Outras vezes, as políticas norte-americanas foram mal-orientadas, baseadas em premissas falsas que ignoram as aspirações legítimas de outros povos, diminuem nossa própria credibilidade e tornam o mundo mais perigoso (...) (Na América Latina,) os Estados Unidos não chegaram a empreender a colonização sistemática praticada pelas nações europeias, mas perderam quaisquer inibições a respeito da ingerência nos assuntos internos de países que julgavam estrategicamente importantes. Theodore Roosevelt, por exemplo, acrescentou um corolário à Doutrina Monroe, declarando que os Estados Unidos interviriam em qualquer país latino- americano ou caribenho de cujo Governo não gostassem (...) No começo do século XX, portanto, os motivos que guiavam a política externa dos Estados Unidos pareciam dificilmente distinguíveis daqueles das demais grandes potências, guiadas pela realpolitik e pelos interesses comerciais”. Perspectivas para as Relações Brasil-EUA no Governo Obama As preocupações sociais de Obama harmonizam-se com muitos temas deinteressedanovaSecretáriadeEstado.HillaryClintonestreounocenário nacional, ainda no começo do mandato do ex-Presidente Bill Clinton, com uma campanha pela universalização do acesso à saúde que esbarrou no obstrucionismo dos republicanos, mas que – reconhece-se hoje – teria beneficiado os Estados Unidos se tivesse ido adiante.Acompetitividade da indústria norte-americana, como se sabe, é prejudicada pela necessidade de quecadaempresaarquecomgrandepartedoscustosdesaúdeeaposentadoria de seus empregados.Aprivatização da saúde levou a um sistema que é o maiscaroentreospaísesdesenvolvidos,masquedeixasemcoberturamédica quase 50 milhões de norte-americanos, segundo o Bureau do Censo dos EUA. HillaryClinton,emsuacarreiracomoSenadoraporNovaYorkeemsua campanha presidencial, destacou-se, também, pela defesa dos direitos da mulher,dainfância,dosidososedaspopulaçõesmaisvulneráveis.Oprimeiro discurso do Presidente Obama no Congresso e o primeiro projeto de
  • 30. O BRASIL E A POLÍTICA EXTERNA DOS EUA NO GOVERNO OBAMA 29 orçamento refletem essas prioridades, com ênfase em saúde, educação e energias limpas. Emerge, assim, quadro em que vários entre os principais tomadoresdedecisãodosEstadosUnidos–nãosóoPresidenteeaSecretária deEstado,mastambémoutrosintegrantesdoGoverno,comoosSecretários da Educação, Arne Duncan, Trabalho, Hilda Solis, e Saúde, a ex- GovernadoradoKansasKathleenSebelius–demonstrampreocupaçãocom temas similares aos que captam a atenção do Governo brasileiro. Com a posse do novo Governo, os Estados Unidos voltam a se engajar comocumprimentodasMetasdeDesenvolvimentodoMilêniodasNações Unidas,objetoderessalvasnorte-americanasaindarecentemente,duranteo processo de preparação da 60ªAssembléia Geral, em 2005.Abre-se, assim, espaço para a troca de experiências e a cooperação em temas sociais, entre dois países com semelhanças não negligenciáveis: grandes, multiétnicos, democráticos, federativos e preocupados com a superação da desigualdade. OsEstadosUnidos,comoapontaoMinistroRobertoMangabeiraUnger,são opaísmaisdesigualentreosdesenvolvidoseoBrasil,apesardossignificativos progressosdosúltimosanos,aindaestáentreosmaisdesiguais,entreospaíses em desenvolvimento. Isso pode ser encarado como uma oportunidade, na medidaemqueodiálogosedê,comotudoindicaqueocorreránospróximos anos,emambientederespeitopelasdiferençasentreasexperiênciasdeume deoutropaís,tantoemâmbitofederal,comoEstadualemunicipal. OutradasprioridadesreiteradasporObamaemseusplanosdeGoverno é a energia, em particular o desenvolvimento de fontes renováveis, a conservação, a sustentabilidade e a diversificação das fontes de suprimento, comaconcomitantereduçãodedependênciasexternas.Tambémnessaárea, oBrasilévistocomolídermundial.AsconquistasdoBrasilnaesferaenergética são admiradas nos Estados Unidos e o desejo de parceria é perceptível, tantonoExecutivocomonoCongressoenosetorprivado.Note-sequeuma das nomeações mais ousadas e bem-recebidas do Governo Obama foi justamente para o Departamento de Energia, para qual foi escolhido o físico Steven Chu, o primeiro Prêmio Nobel a ocupar um posto ministerial nos EstadosUnidos.AindicaçãodeChu,comprometidocomasfontesrenováveis e limpas de energia, foi geralmente interpretada como indicadora de nova postura, mais cooperativa, no tema da mudança do clima. Asrelaçõeseconômicasentreosdoispaísestambémsebeneficiarãodo impulso positivo dos últimos anos. Entre 2000 e 2008, as exportações brasileiras para os Estados Unidos passaram de US$ 13,2 bilhões para US$
  • 31. ANTONIO DE AGUIAR PATRIOTA 30 27,4 bilhões (crescimento de 108%), ao passo que as importações foram de US$12,9bilhõesparaUS$25,6bilhões(crescimentode98%),desempenho mais dinâmico que o do intercâmbio com diversos países com os quais os Estados Unidos mantém acordo de livre comércio. Em 2008, os Estados UnidosforamomaiorinvestidorexternonoBrasil(US$7bilhões)etambém o maior receptor de investimento externo brasileiro (US$ 4,8 bilhões). Os estoquesdeinvestimentoentreosEUAeoBrasilsãosignificativamentemaiores que entre os EUA e os demais BRICs (China2 , Índia e Rússia). Tanto o Presidente Obama quanto a Secretária Clinton manifestaram interesse em relações mais estreitas com o Brasil no plano econômico e comercial, como sedepreende,porexemplo,doapoiodemonstradoporambosàmanutenção do Fórum deAltos Executivos. No tema prioritário do fortalecimento das instituições internacionais – singularizado, como vimos, pelo Governo Obama como central – abre-se espaço mais amplo de coordenação. Obama elevou a posição de RepresentantePermanentejuntoàsNaçõesUnidasaonívelministerial,como fora em alguns governos anteriores (mas não no de George W. Bush). A indicada,SusanRice,foiumadesuascolaboradorasmaispróximasaolongo dacampanhaeleitoral.Jáemseuprimeiropronunciamentoapósaconfirmação no cargo, Rice indicou quatro prioridades: combate à pobreza, mudança do clima, operações de paz e não proliferação. Em cada das áreas apontadas, o Brasil é ator significativo.A cooperação entre os dois países nas Nações Unidas poderá adquirir maior relevância em vista da projetada eleição do Brasil para nosso nono mandato como membro eletivo do Conselho de Segurança, em 2010-11.Aparticipação do Brasil nos círculos decisórios internacionais, proposição que vem ganhando apoio emWashington, abrirá dimensõesinéditasparaorelacionamentobilateral. O Presidente Lula recebeu telefonema do Presidente Obama, poucos diasapóssuaposse,ocasiãoemquefoiconvidadoparaserumdosprimeiros Chefes de Estado a visitar Washington. Obama foi convidado, na mesma ocasião, a visitar o Brasil. Lula e Obama também estarão juntos na Cúpula de Londres do G20 e na Cúpula das Américas, em Trinidad e Tobago. O MinistroCelsoAmorimeaSecretáriadeEstadoHillaryClintonconversaram portelefonelogoapósaconfirmaçãodeClintonpeloSenadonorte-americano e, em 24 de fevereiro, mantiveram uma reunião de trabalho que permitiu o 2 Excluído Hong Kong.
  • 32. O BRASIL E A POLÍTICA EXTERNA DOS EUA NO GOVERNO OBAMA 31 mapeamentodeáreasparafuturaintensificaçãododiálogoedacooperação: energia,mudançadoclima,combateàpobreza,Haiti,Cuba,OrienteMédio, fortalecimento e reforma das Nações Unidas, entre outras.Acooperação triangular para a promoção do desenvolvimento em terceiros países, aproveitando as capacidades complementares do Brasil e dos Estados Unidos, já foi iniciada nas áreas de etanol e saúde e poderá estender-se a outroscampos,permitindoatuaçãoconjuntaemfavordoprogressoregional eglobal. Nadadissoimplicaalinhamentoautomáticooucoincidênciaabsolutade posições.Nãoéimpossívelqueocorramdificuldades,porexemplo,naagenda comercial,abaladanomundointeiropeloagravamentodarecessãoeconômica e pelo ressurgimento de tendências protecionistas.Afinalização da Rodada do Desenvolvimento de Doha, os subsídios agrícolas, a tarifa do etanol, a relação entre propriedade intelectual e acesso à saúde, a renovação anual do SistemaGeraldePreferências(SGP):todosessessãotemasquecontinuarão a merecer, como tem ocorrido, atenção e esforço da diplomacia brasileira. Recentemente, tive acesso a duas análises sobre o relacionamento entre osEstadosUnidoseoBrasil,encomendadasadoisespecialistasemrelações internacionais sediados em Washington.Ambos assinalam o momento de oportunidade que se abre com a eleição de Barack Obama, em contexto internacional no qual o Brasil emerge como uma democracia sólida e uma economiaemexpansão.Comamultiplicaçãodecontatosgovernamentaisno mais alto nível, a crescente interação dos setores privados e o envolvimento da sociedade civil, as perspectivas que se abrem são efetivamente promissoras.Ao beneficiar-se de ambiente de crescente respeito mútuo e de novas afinidades políticas, a relação entre Brasil e Estados Unidos poderá, nos próximos anos, trazer ganhos para as duas sociedades e, como propõe DavidRothkopf,constituir“umadasparceriasestratégicasinternacionaisque serão chave” para o equacionamento das grandes questões de paz, desenvolvimentoesustentabilidadedaagendainternacional.
  • 33.
  • 34. 33 A Configuração Mundial do Poder, a Nova Hegemonia Norte-Americana e Novo Governo Obama Gilberto Dupas1 Vamos investigar aqui algumas das questões fundamentais quando se discute as condições cada vez mais complexas de governabilidade mundial neste novo século. Apesar do duro legado do governo W. Bush, agora dramatizadopelacriseeconômicamundial,parececlaroqueomundoglobal nãopodeprescindirdaseventuaisvirtudeshegemônicasdesuamaiorpotência, até porque tão cedo não haverá quem possa substituí-lo.Amaior qualidade hegemônicaéfavoreceragovernabilidadedosistemamundial,reconhecendo diferenças, mediando crises e confrontos e possibilitando gestos simbólicos emdireçãoàsnaçõesepovosatingidosporexcessivaexclusãoeprecariedade. Se o novo governo Barak Obama não conseguir que os EUA assumam o papelcondizentecomseuprópriopoder,oqueincluiantesdetudoatolerância com as diferenças e a busca permanente de consensos, teremos grandes probabilidades de um século marcado pelas dores de um duro retrocesso. Não temos razões sólidas para supor que estaríamos no limiar de um abalo maisprofundoqueferisseosfundamentosdosistemacapitalista,osfamosos 1 Gilberto Dupas é coordenador-geral do Grupo de Conjuntura Internacional da USP, presidente do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais (IEEI) e autor de vários livros, entre os quais O Mito do Progresso; Atores e Poderes na Nova Lógica Global e Ética e Poder na Sociedade da Informação. Foi professor visitante da Universidade de Paris (II) e da Universidade Nacional de Córdoba e membro da Comissão Nacional de Avaliação do Ensino Superior (CONAES). É também editor da revista Política Externa.
  • 35. GILBERTO DUPAS 34 “sinais do outono”. Mas parece ter crescido progressivamente o número de tensões que vão se acumulando em meio ao caminho, e pretendemos aqui analisá-las. AposturainternacionaldosEUAduranteogovernoW.Bushteveefeitos complexos com relação ao futuro de sua condição hegemônica. A ação terrorista de 11 de setembro, destruindo símbolos de seu poder econômico, militarepolítico,foiumtraumaimensoparaosnorte-americanos.Mas,para além da brutal e humilhante surpresa de um ataque ao coração da grande potênciamundial,haveriasuficienteinovaçãonograndeatentadoparajustificar que, a partir dele, o mundo teria mudado? E que seria necessária uma nova e dura doutrina hegemônica de segurança?Asuposição de uma privatização das armas de destruição em massa por grupos não estatais pode ser muito assustadora. Mas o 11 de setembro não parece diferir muito de um atentado clássico.As armas foram aviões de companhias aéreas norte-americanas, em vôo regular.Atos kamikases também não são novidades. No entanto, o impacto dos atentados foi tão violento que justificou o brado guerreiro “os que não estão conosco, estão contra nós”. Tratou-se de uma enorme escala retórica se a compararmos com a frase que MadeleineAlbright gostava de repetirnogovernoClinton:“Nósvoamosmaisalto,vemosdecima,esabemos oqueémelhorparaomundo”.Otraumado 11 de setembrofoitãoprofundo quenãohouvenenhumaresistênciainternaaoaumentomassivodoorçamento da defesa implementado pelo governo. O forte apelo patriótico e a solidariedaderesolveramaquestão.Noentanto,seolharmosumpoucopara trás, desde os anos 1990 certa arrogância tem predominado naquele país, acentuada pela fantasia de Francis Fukuyama de que o fim da história – sob a égide do triunfo americano – levaria o mundo inteiro a agir segundo seus preceitos e valores. Mas o período de unanimidade está terminando. Da mesmamaneiraqueaeconomiaamericanaéregidaporciclosmaisamplose brutaisqueosdospaíseseuropeus,oespíritopúblicoamericanopassatambém porfasesdegrandearrebatamentoseguidasporondasdepesadaautocrítica, como foi a guerra doVietnã, agora culminando com a eleição de Obama. Adoutrina W. Bush: origens e contradições O maniqueísmo do bem e do mal sempre foi poderoso entre os norte- americanos.Porsualongatradiçãodemocrática,ospolíticosprecisamjustificar seus objetivos de política externa primeiro dentro do país. E a manipulação
  • 36. A CONFIGURAÇÃO MUNDIAL DO PODER 35 da questão do inimigo, do poder imoral e quase satânico que ameaçaria os valores e a segurança daAmérica vem sendo uma prática tradicional, como seviunaGuerraFria.OdiscursofundamentalistadaequipedeW.Bushtem raízes mais profundas, até porque – após o colapso do império soviético – é inverossímilacreditarqueAfeganistão,CoreiadoNorte,IraqueeIrãpudessem de fato ameaçar os EUA. É preciso lembrar que as escolhas estratégicas dos EUApós-11 de setembro já estavam a caminho na campanha eleitoral para a sucessão de Clinton. Basta ler ensaios de Condoleezza Rice e Robert B. Zoellick, ainda em 2000, para verificar que aqueles conceitos republicanos paraumanovapolíticaexternanorte-americanaestavamtodospresentesem artigo do secretário da defesa Donald H. Rumsfeld, que justificava a guerra contraoterrorismo.Éclaroqueosatentadosprovocaramacampanhacontra oAfeganistão e o Iraque, com modificações consequentes no equilíbrio da Ásia Central e do Sul. Porém, o intervencionismo e o isolacionismo já eram clarastendênciasnasduasdécadasfinaisdoséculopassado.Váriosconceitos vêm do governo Clinton. O “eixo do mal” (Iraque, Irã e Coreia do Norte) sãoosmesmos“Estadosbandidos”(rogueStates)deClinton.Comaquestão terrorista tendo centrado seus atos, Bush pôde mostrar-se de corpo inteiro. EmartigoaoTheNewYorkTimes,BillKellerfezumbalançodoqueachavam de Bush seus pares conservadores. Eles o julgavam essencialmente um moralista, cujos ataques de setembro trouxeram à tona o missionário, “convertido do álcool e da vida desregrada, para Deus e para a vida doméstica”, o qual achava que todos são capazes de fazer o mesmo. Keller classificaomoralismodeBushambiciosoemessiânico,“convencidodeque o maior projeto dos EUA é combater o mal e implantar o que chama de ‘valores universais’ em todo o mundo”. Norman Podhoretz, influente autor conservador, acredita que o objetivo estratégico do presidente era “mudar o regimedeseisousetepaísesecriarcondiçõesquelevassemàreformainterna e à modernização do mundo islâmico”. Tratar-se-ia, obviamente, de um objetivo arriscado e prepotente, que nos remete a uma discussão sobre responsabilidadeshegemônicasquefareimaistarde. O que o11 de setembro permitiu foi a aceleração de um rumo já traçado pelaadministraçãoBush,juntandorepublicanosedemocratasparaapoiaras escolhas estratégicas mais agressivas da administração republicana e acelerando a “guerra contra o terrorismo”. Nessas novas ações ofensivas, Washington preferiu ter o suporte de uma coalizão; mas enfatizou que isso nãoeraumpré-requisitoparaaoperação.A“EstratégiadeSegurançaNacional
  • 37. GILBERTO DUPAS 36 dos Estados Unidos” encaminhada ao Congresso por Bush deixava claro que seu governo pretendia agir preventivamente contra atos de terrorismo e que“nãovamoshesitaremagirsozinhos”.Éoque,dealgumaforma,jáhavia ocorridonaGuerradoGolfoenoAfeganistão.AlgunsfalcõesdoPentágono –mas,principalmenteRumsfeldeWolfowitz–eramcontraumacolaboração européia, com envolvimento da OTAN, que introduziria considerações diplomáticasoupolíticasemdetrimentodaeficáciaoperacional.Noentanto, umapartedosmilitaresachavaqueasrestriçõesàsineficiênciasdasoperações de campo vinham do próprio Pentágono e de sua imensa burocracia. Essa é, aliás, a opinião de EliotA. Cohen. Ele analisa as dificuldades de promover mudançasquandoestáemjogooconservadorismomilitar.Mostra,também, queadesignaçãodefuncionárioscivissempreparoeespecializaçãodeixao Pentágono excessivamente nas mãos da estrutura militar, que defende suas respectivas Forças em detrimento de uma ação estratégica conjunta. O ataque aos EUA deixou à mostra as condições das alianças norte- americanasnaregiãodeinfluênciaislâmica.Paquistão,EgitoeArábiaSaudita, que forneceram o grosso dos militantes doAl-Qaeda, eram considerados aliadosdosEUA;oIrã,queaparentementenãoforneceunenhum,foiacusado deprincipalsuportedoterrorismo.AChina,consideradaaameaçadoséculo XXI, deixou de sê-lo.Além do mais, a radicalização do terrorismo parece mais um fenômeno também interior ao Ocidente e a seus aliados próximos (Arábia Saudita e Paquistão) do que exportação do “eixo do mal”.Amaior partedosintegrantesdoAl-Qaedasãore-islamizadosouvieramdoOcidente; encontram-sesantuáriosterroristasemNewJerseyenasperiferiaslondrinas eparisienses. As reflexões sobre as raízes profundas do terrorismo continuam bloqueadas entre os americanos. São sumariamente rejeitadas associações com a humilhação vivida pelos árabes, o conflito Israel-Palestina e a ação norte-americanacontraoIraque.Haviaduasideiasfixas:osuporteabsoluto a Israel e a obsessão de derrubar Saddam Hussein acertando velhas contas, ainda que ao preço de levar a região ao caos e promover hostilidades entre europeus.Arelaçãoentreterrorismoepobrezatambémsemprefoirejeitada, já que ele tem vindo de classes médias ocidentais. Não se cogita da ideia da solidariedade ideológica com os pobres, das cicatrizes da colonização, da imigração e da marginalização, nem das realidades presentes no Oriente Médio. Como o radicalismo se alastrou entre muçulmanos que vivem no Ocidente,tambémfoieliminadaahipótesedequeoapoioaregimesautoritários
  • 38. A CONFIGURAÇÃO MUNDIAL DO PODER 37 (Argélia,Arábia Saudita eTunísia) bloqueia o desenvolvimento de um Islã moderno e liberal. Sobrou, então, a questão culturalista do tipo “o problema é o Islã”. Os americanos achavam, de maneira simplista, que a solução pode ser alcançada, em alguns anos, com o uso da força e de ações políticas concretas.Atese principal seria a incompatibilidade do Islã com os valores da América. Daniel Pipes, por exemplo, fazia ligação entre imigração e terrorismo,apoiavaasmedidasanti-imigraçãoeuropeiaseintroduziuaquestão docrescimentodemográficopalestinoedacomunidademuçulmananosEUA. São teses assemelhadas às da extrema direita francesa e austríaca. AdoutrinaW.Bushassumiupartedessasideiasaoradicalizarodiscurso contraos“inimigos”,comoconstada“EstratégiadeSegurançaNacionaldos EstadosUnidos”enviadarotineiramentepelogovernoaoCongresso.Assumiu o terrorismo como tão ilegítimo quanto a “escravidão, a pirataria e o genocídio”, e deu-se ao direito de “agir sozinho” de maneira preventiva e antecipadaemqualquerlugarnomundo,deixandoclaroque“nuncapermitirá que outro país desafie sua superioridade militar (...) ameaçada agora pelos paísesmaisfortesdoquepelomaisfracos”.Poroutrolado,falavaem“apoiar osgovernosmoderados,especialmentenomundomuçulmano,paraassegurar que as condições e ideologias que promovem o terrorismo não encontrem terreno fértil em nenhuma nação”. O que permitiu espaço não para atacar indiscriminadamenteoIslã,masparaapoiaro“bom”Islãcontrao“mau”.O problema central está contido no maniqueísmo ultra-redutor e implícito à definição de “bem” e de “mal”, associado a atitudes belicosas unilaterais.A respeito da nova doutrina, em editorial de setembro de 2002, o The New York Times advertia que “quando essas estratégias belicosas se convertem no tema dominante da conduta americana, a nação corre o risco de afastar desiosamigosesolaparjustamenteosinteressesqueBushprocuraproteger. Líderes fortes e confiantes não precisam ser arrogantes. Na verdade, a arrogância subverte a liderança eficiente. (...) Bush precisa tomar cuidado paranãoconverterosEUAemumafortalezaqueinspireainimizade,emvez de inspirar a inveja ao mundo”. Usandoumaretóricaalternativa,eventualmentemaissutil,RichardHaass, Ex-Diretor de Planejamento do Departamento de Estado, propôs “integrar paíseseorganizaçõesdeformaapromoverummundoemharmoniacomos interesses e valores americanos”. O pressuposto é que esses “valores americanos” coincidiam com o de outros países, na medida em que são supostosuniversais,impondo-sesemnecessidadedenegociação.Essaideia
  • 39. GILBERTO DUPAS 38 foitambémdefendidaporPaulWolfowitz,ex-secretário-adjuntodaDefesa: “Para ganhar a guerra contra o terrorismo e ajudar a construir um mundo pacífico, devemos falar às centenas de milhões de pessoas tolerantes moderadas do mundo muçulmano, já que elas vivem e aspiram usufruir os benefíciosdaliberdade,dademocraciaedalivreiniciativa.Essesvaloressão descritos como ocidentais, mas, de fato, são uma aspiração comum da humanidade”. Aproposta de Wolfowitz era desenvolver um Islã moderado e liberal, compatívelcomasaspiraçõesdosquevivemnoOcidente.Sãoideiasquese oporiam ao crash de civilizações, no pressuposto de que haveria uma só civilização,sendoorestobarbárie.Wolfowitzdiziaqueéprecisopôrdepéo Islã moderado, isolando o radical, e mover uma guerra ideológica contra os radicais–comofoifeitacontraocomunismo–envolvendointelectuais,artistas e sindicatos. Tratava-se de uma nova guerra de propaganda e de uma engenharia social que promoveria os valores da administração americana: democracia,direitosdoshomens,livrecomércio,livreiniciativa.Opressuposto, mais uma vez, é que o monopólio da verdade faz esses valores universais. Clinton colocou, então, a seguinte questão: “Podemos ser donos da verdade inteira, ou devemos nos unir a outros na busca pela verdade?” AconstituiçãodeumIslãmoderado,madeinWest,tinhacomopremissa queváriosdosquadrosradicaismaisimportantessãoformadosnoOcidente, nãonosmollahs;queelesvinhamdosmoldesocidentais,nãodasmadrasas. E que a radicalização não brotaria necessariamente de um ensinamento religioso,masseriaconsequênciadascomplexasfrustraçõesqueafetamtanto intelectuaislaicoscomonacionalistas.Osradicaisseriamtambémumproduto das decepções, marginalizações e diluições de identidades, fruto da globalização e da ocidentalização do mundo. Eles buscariam uma forma desesperada de romper com o consumismo desenfreado, a sociedade performáticaeosentimentodeexclusão.Essesradicaisadorariamsuasteses de corpo e alma; e captavam ampla simpatia e solidariedade, especialmente quando se mostram dispostos a pagar o preço do martírio. Apesardeaparentementebemarticuladaemtornoda“novadoutrinade segurança”, a política dos EUAnos anosW. Bush – examinada de maneira mais rigorosa – parece uma colcha de retalhos de decisões anteriores ao 11 desetembro,envolvendoconsideraçõesideológicas,interessescontraditórios evoluntarismomoralizante.Ocultando-sesobumdiscursodevalores,elase apresentavarevestidadeumacoerênciaquenãosesustentava.Essediscurso
  • 40. A CONFIGURAÇÃO MUNDIAL DO PODER 39 tentava mascarar e conciliar componentes contraditórios. Com isso, induzia osoutrospaíseseforçaspúblicasaratificarcertosprincípiosdifíceisderejeitar deimediatoetentacriarespaçoparaaforçabélica norte-americana–logística e financeiramente auto-suficiente – operar livremente em qualquer parte do mundo em intervenções pontuais. O rescaldo da ocupação, política e operacionalmente muito complexo, era deixado – sempre que possível – a cargo dos europeus ou de organizações internacionais. É o caso do Kosovo, doAfeganistão e da Palestina. E, talvez agora, no Iraque. Anovamoralhegemônicadefiniaoscamposcommuitaclareza.Deum lado,“odireitoeademocracia”;deoutro,“asforçasdomal”.Oquesignifica avoltaaumaretóricamaniqueístaqueredivideomundoentre“bons”(aqueles que estão com os EUA) e “maus” (aqueles que estão contra ou hesitam). Na realidade, para além do aparente monolitismo desses conceitos, essas categoriastransitóriassãofortementeimpregnadasdeRealpolitikemfunção dos “interesses superiores da nação”. Essa situação tem criado espaços e margem de manobra para os atores regionais acomodarem seus objetivos. Um triste exemplo é a situação do Oriente Médio. Em todo o período subsequenteàcriaçãodoEstadodeIsraeleaoiníciodoconflitoentrepalestinos eisraelenses,osEUAmantiveramgrandeinfluênciasobrearegiãonacondição de grandes operadores da vitória aliada na Segunda Guerra Mundial e fiel depositáriodonovoequilíbrioocidentalemtornodasinstituiçõesdeBretton Woods. Embora mais identificados com os interesses de Israel – e acusados dissomuitasvezespelosgrupospalestinos–,aindaassimsucessivosgovernos norte-americanostinhamseempenhadoparaevitarumasituaçãomuitocrítica na região, inclusive na época da Guerra Fria. Bill Clinton esteve prestes a arrancar um acordo que poderia ter posto fim ao conflito. Ehud Barak havia quebrado um tabu ao oferecer a divisão de Jerusalém, masYasserArafat – pressionado no seu front interno e com pouco espaço de manobra – acabou nãoviabilizandoumentendimento.Noentanto,asituaçãointernacionalnorte- americana após os atentados de setembro foi profundamente danosa para a situação no Oriente Médio. A radicalização do discurso de Bush sobre a questãoterroristadeupretextoaumbrutalendurecimentodoregimedeIsrael, perdendo os EUA legitimidade para funcionar – senão como árbitro – pelo menos como capaz de conter os impulsos agressivos de parte a parte, especialmentedeIsrael.Sharonconsiderou-se,então,livreparatentarliquidar –asuamaneira–aautoridadepalestina.Narealidade,váriosatoresregionais imediatamenteprocuraramadaptarseusinteressesaessasnovascircunstâncias
  • 41. GILBERTO DUPAS 40 da lógica do poder mundial. Alemães e japoneses aproveitaram a oportunidade para se livrar das últimas restrições dos acordos de pós-guerra quelimitavaminvestimentomilitar.AInglaterramovimentou-serapidamente paraoespaçodegrandealiadodosEUAnaEuropa,deixandoclaroafranceses e alemães que não aceita um papel secundário nas discussões centrais na novaEuropa.EaRússia,enquantoflertacomo“eixodomal”fazendoacordos comerciais com o Iraque e a Coreia do Norte, negociava “apoio” norte- americano para suas estratégias agressivas naTchetchênia e na Geórgia. Na verdade, o sentimento de brutal fragilidade despertado pelos atentados aos EUA revelou um país violentamente defensivo e sem projeto sistêmico ou de governança global, papel inalienável da sua condição hegemônica.Masháoutraimportantefacetadessaquestão.Anovadoutrina W. Bush também foi uma resposta à globalização. Fazendo desaparecer o espaço de ação dos Estados nacionais, a globalização destruiu o conceito de espaço estratégico. Sobrou muito pouco a negociar em termos de territórios, de esferas de influência ou de interesses vitais com a perda de autonomias nacionais. Como se pode negociar – ou dissuadir – os novos terroristas se eles não representam Estados e não têm nada a perder e nem senhores a quem dar satisfação? Os complexos caminhos da hegemonia norte-americana Naçõeshegemônicassempredefenderamtesesqueinteressammaisasi próprias que ao sistema de nações sobre o qual exercem seu controle. Mas écondiçãodeexercíciodahegemoniaqueospaísesquesãopartedosistema achem que essas teses também lhes interessam de alguma forma. Caso contrário, a hegemonia teria que ser substituída por coerção. É esse o perigo queosEUAeomundocorremnomomentoemquetesesunilateraisparecem dominar as ações da grande potência mundial.Assim, recoloca-se a questão dopapelhegemônico. Analisando os ciclos hegemônicos, Fernand Braudel constatava que, sempre que os lucros do comércio e da produção se acumulavam além dos canaispossíveisdeinvestimento,esteeraum“sinaldooutono”.Asexpansões financeiras daí decorrentes provocavam duas tendências complementares: hiperacumulação e competição intensa por capital. Expansões do comércio e da produção muito rápidas e lucrativas geravam forte concorrência e, por sua vez, tenderam a acumular lucros superiores à capacidade de investir.A
  • 42. A CONFIGURAÇÃO MUNDIAL DO PODER 41 consequência era o crescente acúmulo de rendimentos e a criação de uma grande liquidez.As taxas de retorno em queda na atividade comercial e de produção geravam restrições orçamentárias que aumentavam a competição pelo capital e poderiam elevar as taxas de juros. Nesses processos, fortes redistribuições de renda aconteciam a favor dos detentores da liquidez, sustentandoumaatividadefinanceiradivorciadadaprodução. AsexpansõesfinanceirasinflavamtemporariamenteopoderdoEstado hegemônicoemdeclínio,jáqueelemantinhaoacessoprivilegiadodaliquidez que se acumulava nos mercados financeiros mundiais. Essas expansões de liquidez, no entanto, acabavam transferindo o capital para novos sistemas emergentescommaioresperspectivasdesegurançaelucroqueosdominantes atéentão.Natransição,acrescentedesorganizaçãosistêmicadiminuíaopoder de ação da potência hegemônica em crise e aumentava a demanda por governabilidade mundial a quem pudesse oferecê-la. Se surgissem novas estruturasgovernamentaiseempresariaiscommaiorcompetênciaorganizacional, estariam abertas as condições para uma nova hegemonia. Esses padrões de repetição – hegemonia levando à expansão, expansão ao caos e caos à nova hegemonia–verificaram-senastransiçõeshegemônicasdopassado. Os holandeses haviam construído a sua liderança como mercadores e não como soldados. No entanto, três guerras sucessivas contra os ingleses entre1652e1674osobrigaramaaceitaromonopóliobritâniconanavegação e ceder o controle do tráfico de escravos na África Ocidental. Isso fez os portosinglesessuperaremAmsterdã;esuasindústriascresceramrapidamente comaajudadomercadotriangularnoAtlântico(escravos,matérias-primase manufaturas). Derrotada a ameaça francesa nos mares e depois em terra – na desastrada campanha russa de 1812 – o espaço estava livre para a imposição da Pax Britannica com oTratado deViena (1815), que conduziu a Europa a uma paz de cem anos (1815-1914). A concepção inglesa de equilíbrio do poder foi construída devolvendo parte das Índias Orientais e Ocidentais à Holanda e França, colocando-se como protetora do comércio marítimo, liberalizando unilateralmente o seu comércio, barateando o custo de produtos essenciais e criando meios de pagamento para a compra de produtosindustrializadosingleses.Comisso,umnúmerocrescentedepaíses pôde se encaixar numa benéfica divisão internacional de trabalho que preservavaacentralidadecomercialinglesa. A derrota de Napoleão já havia alterado radicalmente as relações de forçanaAméricadoNorte,permitindoaoscolonosabriremmãodaproteção
  • 43. GILBERTO DUPAS 42 inglesa e preparar sua independência. Nas guerras do final do século XIX, por sua vez, técnicas de produção em massa foram aceleradas, a partir da GuerradaCrimeia,comusodosistemadefabricaçãoamericanodeusinagem automática, exibido na Grande Exposição de Londres em 1851. O navio a vapormudoualógicamilitar.Eomundoficourepletodenaçõesindustrializadas. Já no século XX, quando a Primeira Guerra Mundial começou, o custo dasvitóriasquecontiveramaAlemanhaprecipitouodeclínioinglêsemfavor dosEUA.Assimqueliquidaramsuadívidacomareceitadasarmas,aliquidez americana se converteu em empréstimos domésticos e internacionais em grande escala.ASegunda Guerra fez despertar o poder mundial centrado nos EUA, liquidados temporariamenteAlemanha e Japão e enfraquecidas a Inglaterra e a França. Concebida por Roosevelt, a ordem mundial norte- americanapós-guerraestavaimbuídadamesmaideologiadesegurançaque havia impregnado o seu New Deal interno.AONU e o FMI tornaram-se o núcleo de um governo mundial dominado pelos EUA. Truman conseguiu utilizar-seplenamentedopretextodaGuerraFriaparaconcretizarumavisão “livre-mundista” voltada contra o perigo soviético.Apartir de 1970, com a humilhantederrotanoVietnãesintomasdecrisenosistemamonetáriocentrado emBrettonWoods,ahegemoniaamericanaapresentoualgunssinaisdeperda dedinamismo.Masasurpreendentederrocadasoviéticadeu-lhenovoímpeto. Cada reorganização do sistema de poder mundial havia acarretado mudançasnasrelaçõesentreocapitaleoEstado.Aconcessãodemonopólio esteve na base da enorme acumulação tanto nas companhias de comércio e navegaçãoholandesasdoséculoXVIIcomonosfabricantesinglesesdoséculo XIX. Já a grande empresa verticalizada vinda da tradição fordista do início doséculoXXsofreuumarevoluçãoapartirdosanos1980,comatecnologia da informação permitindo o fracionamento das cadeias produtivas globais e aflexibilizaçãodaproduçãoapartirdasparceriaseterceirizaçõesutilizando os novos conceitos de redes.Aempresa transnacional norte-americana, tal como sua ancestral mercantil, tem desempenhado papel fundamental na ampliação e manutenção do poder dos EUA.As análises sobre a natureza do enorme deficit comercial norte-americano deixavam claro que ele é provocado pela imensa dispersão da atividade produtiva das empresas sediadas no país – que exportam mais a partir de suas filiais externas do que de sua sede continental – e não, obviamente, por problemas de competitividade.Avitalidadedascorporaçõesglobaiséintensa.Masaenorme concentraçãoeatransnacionalizaçãodessasempresasedosistemafinanceiro
  • 44. A CONFIGURAÇÃO MUNDIAL DO PODER 43 geraram um sistema global pouco sujeito à autoridade estatal e com poder sobre as nações mais poderosas do mundo, diminuição dos empregos, piora doperfilderendaedeficitsexternosestruturaiscrescentesnosgrandespaíses da periferia. Os graves problemas dos cidadãos, que provocam demanda locais, vão se distanciando cada vez mais da possibilidade de ação dos mecanismosestatais,ocasionandocrescenteperdadecapacidadereguladora desses Estados nacionais. A anatomia do capitalismo e suas crises Os conflitos entre capital e trabalho são estruturais e permanentes. Em Bretton Woods aceitou-se que os governos usassem políticas monetárias como instrumento de redução do desemprego. Truman acreditava que o conflito capital-trabalho poderia ser domesticado pela aplicação vigorosa dosnovosconhecimentoscientíficosetecnológicos. Nopassado,comolembramBeverlyJ.SilvereEricSlater,astransições hegemônicas haviam convivido com crescentes conflitos sociais. Eles moldavam,emmeioaoscolapsos, ospactossociaisquesustentariamanova hegemonia.Atualmente, os EUAcontrolam o poder militar; o Japão e os chineses de além-mar detêm a liquidez; e a República Popular da China possui a mão de obra barata, alta produtividade industrial, grandes reservas e é sócia essencial do capitalismo global. Esse arranjo estrutural sem precedentes,quepareciamanteremrelativoequilíbrioasestruturasdepoder mundial,foiatropeladopelacriseeconômicaglobaletorna maiscomplexaa investigaçãodoeventualdeclíniohegemôniconorte-americano. Masumaquestãodefundosesobrepõeaessaanálise.Hásinaisdecrise sistêmica e estrutural no capitalismo global? Sabemos que estudar o capitalismo é investigar a morfologia dos seus ciclos e crises. Sua história é uma alternância entre otimismo e desalento, crescimento e recessão, a dependerdaqualidadedasregraseinstituiçõespresentesemcadaumadessas etapas.Aproposta do pós-guerra, influenciada por ideias keynesianas, era constituirumanovaordeminternacionalpropiciandoamploraiodemanobra para políticas nacionais de desenvolvimento. Seguiu-se a era dourada das décadas 1950 e 1960. Em 1971, no entanto, Nixon suspendeu a conversibilidadedodólaremouro.Umadesuasconsequênciasfoiaprofunda reduçãodopoderdecompradospaísesexportadoresdepetróleo,emfunção da erosão do dólar.Aalta de preços provocada pelo cartel do petróleo em
  • 45. GILBERTO DUPAS 44 1973, e agravada em 1979, provocou ondas depressivas na economia mundial,especialmentenosimportadoresdepetróleoquetiveramquearcar com um forte endividamento para manter equilibradas suas reservas. A abundânciadoschamadospetrodólaresfacilitouareciclagemfinanceiradesses paísesmediantecréditofácil.Masaadoçãodataxadejurosflutuantes,junto comocrescimentodasdívidas,introduziaumfatorimportantedeinstabilidade nocenário. O declínio do “consenso keynesiano” resultou na elevação das taxas de juros americanas em outubro de 1979. A partir daí, cresceu o patamar inflacionário geral, criou-se o euromercado pelo excesso de dólares e finalmentesubstitui-seoregimedetaxasfixasdecâmbiopelocâmbioflutuante. A primeira grave crise internacional dos anos 1980, iniciada com o colapso da dívida externa latino-americana, tem a ver, pois, com o novo nível de estoque dessa dívida, agravada, principalmente, pela decisão dos EUA de aumentar fortemente os juros. No período 1981-1990, por conta de profundos ajustes recessivos, o crescimento da rendaper capitadaAmérica Latina foi negativo. No final da década, reconhecendo a incapacidade de pagamento de vários países, os EUA lideraram no G-7 os planos Baker e Brady e operaram descontos no valor nominal e nos juros dos empréstimos contraídos durante a década. Os anos 80 inauguraram a era dos mercados financeiros livres. A afirmaçãodasupremaciadosmercadosgerouumaondadecrisesquevarreu as duas décadas seguintes e permanece até hoje. Ela iniciou com o crash da BolsadeValoresem1987,continuoucomaquebradosmercadosimobiliários em 1989, o colapso da Bolsa de Tóquio em 1990, os ataques especulativos às moedas fracas europeias em 1992 e 1993 e a crise dos bônus americanos em1994.Nessemesmoano,agrandevolatilidadedosfluxosinternacionais acabou tendo um duro teste na crise cambial mexicana no final de 1994, provocandoefeitosregionaisperversosnaArgentinaenoBrasil.Maisparao final da década, veio a crise asiática, provocada por uma reversão do fluxo internacionalderecursosaospaísesdaregião,abundantementeirrigadospor financiamentoseinvestimentosemfunçãodeseusdesempenhoseconômicos consideradosatéentãodiferenciados.Seguiram-sedesvalorizaçõesintensas naTailândia,MalásiaeCoreia,comrepercussõesemtodaaárea.Emseguida veio a crise russa, que se superpôs à segunda fase da crise asiática, e foi coroadacomamoratóriade1998.Finalmente,adécadaterminoucomnova crise brasileira. Em 2001 estourou o colapso argentino, após anos de estrito
  • 46. A CONFIGURAÇÃO MUNDIAL DO PODER 45 cumprimentodasrecomendaçõesdasinstituiçõesinternacionais,obrigando o país a abandonar a paridade, provocando uma desvalorização de 200% em sua moeda e o desmoronamento do seu sistema financeiro.Ao mesmo tempo aTurquia entrava em forte declínio, exigindo rápido suporte do FMI para controlar uma situação precária da qual não saiu até agora. Depois o Brasil passou a ser a grande fonte de preocupação mundial, não só pela fragilizaçãodosseusfundamentosmas,principalmente,porefeitodaturbulência daseleiçõespresidenciaisqueelegeramLulaequelevantavamsuspeitasque mostraram-se sem sentido. As grandes questões sem resposta Hobsbawm acha que a doença ocupacional de uma superpotência é a megalomania; e que os EUA terão que aprender as limitações de poder, comoosinglesesfizeramnoséculoXIX.Masacriseeconômicaquesucedeu aoestouroda“bolhatecnológica”naBolsadeValoresnorte-americana,com repercussõesemtodoomundo,acrescentaumingredientenovoefazalgumas questões de fundo se colocarem. Estaríamos diante de sinais de declínio da hegemonia norte-americana, tal como ocorreu com a holandesa no século XVII, ou com a britânica ao final do século XIX? Por outro lado, será que o mesmomodelodenaçãohegemônica,organizadoraereguladoradoespaço, continuará a prevalecer na era da informação? Estaria a despontar da atual turbulência global uma nova estrutura hegemônica? Ela seria da mesma natureza da que foi rompida? Fernand Braudel dizia que não há capitalismo vigoroso sem um Estado fortequeestejaaseuserviço.Atualmente,osimensosfluxosdecapitalprivado ealógicadosblocosregionaisimpõemrestriçõescadavezmaisrigorosasàs políticaseconômicas.Noentanto,teriasidomuitodiferentedehojearelação básica entre Estados e grandes corporações nos ciclos hegemônicos anteriores? Mais do que em qualquer outro período da história econômica, as tentativas de estabilizar o crescimento econômico estão severamente limitadas por uma total anomia e pela perda de capacidade regulatória das instituiçõesinternacionais.Eaconfiançanainovaçãotecnológicacomomotor daacumulaçãocapitalistafoitemporariamentepostaemdúvidapelocolapso dopreçodasaçõesdasempresasdepontatecnológica,quehaviajustificado expectativasabsurdasdetaxasderetornodeinvestimentos,criandoumestado de exaltação inconsequente quanto ao futuro do capitalismo. Será possível
  • 47. GILBERTO DUPAS 46 aos EUA – com a ajuda dos órgãos internacionais fortemente dependentes de sua influência (ONU, OMC, BIRD e FMI) – reconstruir um poder regulatório da ordem mundial, incluindo nesse poder os fluxos financeiros globais que, em sua brutal autonomia, movimentam-se aos solavancos, provocando enormes danos e tumultos nos países mundo afora? Acrise,onovoGovernoAmericanoeaconfiguraçãomundialdopoder A crise sistêmica desencadeada a partir de setembro questionou alguns dos fundamentos do capitalismo global.Apartir dos anos 1980, o fim da polarização ideológica e a acesso aos mercados globais haviam levado a umaprofundatransformaçãonapolíticaenaeconomia.OsEstadosnacionais tornaram-seatoresmaisfrágeiseasgrandescorporaçõesglobaisimpuseram oseuestilodebuscadelucroaqualquerpreço,operandonaszonascinzentas domercadoefragmentandosuaproduçãomundial.Essefoi,aliás,ocaminho da incorporação da China ao processo capitalista, do qual se tornou parceira muito relevante e a mais recente florescência do modelo americano. As questões relativas à regulação passaram a ser rejeitadas como indesejáveis resíduos arcaicos que tentavam limitar o vigor do capitalismo vencedor.A crise atual provocou uma reviravolta momentânea nesses conceitos. Neoliberaisviraramkeynesianosegovernosdemocráticosdospaíseslíderes mundiaisalocaramvolumesequivalentesaquase20%dosrespectivosPIBs para socorrer bancos e empresas submetidas a gestão temerária, sob a justificativaparcialmenteverdadeiradequeestãoprotegendocasas,poupanças e empregos da população. Enquanto isso,Alan Greenspan, pedia desculpas ao mundo por não ter percebido que o mercado tinha virado um cassino e exigiacontroles. Aerosãodaconfiançadoscidadãosemseusdirigentesenasinstituições políticaséoprincipalproblemadasdemocraciasatuais.Oindividualismose exacerbou, a esfera pública se erodiu e os interesses privados se impuseram nos altares do mercado.As segundas hipotecas e os subprime só ocorreram porqueoscidadãosnorte-americanosforaminduzidosaoconsumoconspícuo pelapropaganda,supondoqueaescaladaabsurdadepreçosdosseusimóveis seria permanente. O mundo macroeconômico havia entrado numa fase de alta complexidade onde dominam opiniões tecnocráticas muito distantes da sensibilidade do cidadão-consumidor; o capitalismo financeiro global aproveitou-sedissoevendeu-lhefantásticasmiragens.
  • 48. A CONFIGURAÇÃO MUNDIAL DO PODER 47 A crise também tem a ver com o mundo vivendo acima dos seus meios. A era da abundância em recursos naturais já havia terminado há dez anos. Cientistas respeitáveis alertavam que mais alguns passos da humanidade na direçãoerrada- eadegradaçãoecológicapoderiaserirreparável,vitimando geraçõesfuturas.Masopodereconômicocontinuavagarantindoqueasnovas tecnologias “dariam um jeito”. A questão é de quem são as escolhas; e a quem elas beneficiam. Como conseguir uma mudança radical de modelo de produção, com a redução do consumismo desenfreado e do sucateamento, se o mercado livre é a lei e os grandes atores econômicos têm total liberdade dedefiniradireçãodosvetorestecnológicos?Alguémacreditaqueopróprio mercado possa se auto-regular? Quem vai ser capaz de enfrentar a batalha gigantescadereconversãodalógicaprivadadeproduçãoemnomedofuturo dacivilização? Howard Davis, diretor da Escola de Economia de Londres, descreve o kafkianoconjuntodeumacentenaemeiadeentidadesecomitêsinternacionais que até aqui faziam de conta que controlavam o sistema financeiro internacional.Edefenderegrasdurasparaamarraraspartessoltasdosistema, incluindoseusburacosnegros,eaexigênciaaosbancosdecomportamentos contracíclicoscomocapitalizaçãoobrigatóriaquandoospreçosdemercado atingemvaloresacimadasmédias. A crise iniciada em 2008 pelo colapso do sistema financeiro pode, de fato, gerar uma nova era de regramento do lado desenfreado do capitalismo global? Quem serão seus agentes? Políticos movimentam-se de forma hiperativa, outorgando-se poderes de épocas de guerra; mas ainda estão tão perdidos como os economistas e intelectuais. Suas posições oscilam entre a antevisão “das folhas de outono” do fim do capitalismo até a assunção de que esta é uma mera crise de ajuste e será resolvida com certa socialização de prejuízos e alguma regulação. Mas a sua verdadeira natureza é tão complexa que conduz a uma cegueira relativa. Ulrich Beck diz que o comportamento atual das autoridades mais lhe parece a daquele bêbado que procura sua carteira perdida em meio à noite escura com o facho de uma lanterna.Aoserperguntado“Émesmoaquiquevocêaperdeu?”eleresponde: “Não;masaluzdessalanternamepermiteaomenoscontinuarprocurando”. Beck lembra que risco e dano não significam necessariamente catástrofe, mas que a percepção dos seus efeitos futuros em áreas críticas como clima, finançasouterrorismo,instauraumestadodeexceçãoilimitadoquetranscende aescalanacionalparaadimensãouniversal.Oproblemaéquealegitimidade
  • 49. GILBERTO DUPAS 48 de uma ação cosmo-política face às crises globais depende muito do foco das mídias, que só as abordam quando elas viram catástrofes. Emsuma,essacrisetantopodeserdefundamentosquantodeforma;ou deambos.Muitaságuasaindarolarãosobreasescorasdocapitalismoglobal; e algumas dessas escoras ainda podem cair com a força das correntes. Estruturas e equilíbrios de poder irão se alterar tanto na política como na economia,emuitoexigirãodeseusatoresprincipais.EspecialmentedeBarack Obama,tidocomoanalistafrioeconstrutordeconsensos.Porémsuaequipe é apenas uma reconstituição completamente da época Clinton, com alguns toques do Bush e dos jovens seguidores de Obama. Esperava-se por mudanças mais radicais, mais a ética da convicção outra vez cede à ética da responsabilidade. Bastará para o tamanho do desafio? Obama já respondeu às críticas de sua ala mais à esquerda que clamava por mudanças com uma fraseemblemática:“amudançasoueu!” EoquepodemudarnopapelestratégicodaAméricaLatina?Emeditorial recente, o NYT falava de uma oportunidade única para o novo governo incrementarlaçoscomumaregiãoquesupreosEUAcomumterçodassuas importações de óleo, a maioria dos seus imigrantes e quase toda a cocaína queconsome.Oslídereslatino-americanosqueremsaberseWashingtonvai agorafalarasériosobrepolíticadeenergia,integraçãoeconômica,imigração e tráfico de drogas. O NYT propõe acabar com o embargo sobre Cuba e aproveitar o enfraquecimento de Chávez com políticas ativas de ajuda envolvendotambémNicarágua,Hondurasetodaaregião.Finalmente,pede tarifazeroaoetanolbrasileiro. O relatório do National Intelligence Council, preparado a cada quatro anos pelo núcleo duro do establishment de segurança dos EUA está pronto para ser entregue a Obama e diz que “o país ainda joga um papel proeminente nos eventos globais”, dramática diferença com o anterior que falava numa contínua dominância dos EUA. A tendência geral da intelectualidade do país é o chamado “new declinism” – a sensação de que a mais poderosa nação do mundo está em declínio. O oposto da agressiva confiança dos anos Bush e do momento unipolar. Três razões principais são apontadas: Iraque e Afeganistão são a certeza de que a supremacia militar não se converte automaticamente em vitória política; o crescimento da China e Índia como novos atores de peso; e a percepção vinda da crise de que os EUA estão vivendo acima de suas possibilidades e de que há alguma coisa errada no modelo americano. O respeitado
  • 50. A CONFIGURAÇÃO MUNDIAL DO PODER 49 General Brent Scowcroft declarou outro dia “O exercício do nosso poder nos revelou que ele é efêmero”. No livro de Fareed Zakaria, que consta ter sido o único sobre política externa lido por Obama em 2008, ele conclui que os anos Bush foram o apogeu do poder americano. Richard Haass, Chairman do Council on Foreign Relations é enfático: “O momento unipolar dos EUAse foi”. No entanto, William Wohlforth adverte que já houve outros momentos de crise de confiança seguidos de recuperação, como após a derrota no Vietnam. Ofatoéque,salvocrisepolítico-socialdegrandesproporçõesnaChina, aestagnaçãodospróximosanostrarádefinitivamenteumamudançadepatamar nopoderchinês.Nadaaindaparaameaçarahegemonianorte-americana.Mas com China crescendo a 7%, Europa e Japão estagnados e EUA a passo de cágado, em 5 anos, os chineses terão um PIB de US$ 5 trilhão, tendo ultrapassadolargamenteFrança,InglaterraeAlemanhaeligeiramenteoJapão, transformando-se na segunda maior economia do mundo. Só que os EUA aindaestarãocomUS$15trilhão,3vezesmaisqueaChina! Assim, gostemos ou não, teremos que continuar convivendo com a hegemonia norte-americana. Mas ser hegêmona é mostrar competência em fazerumdiscursoepraticaraçõesque,emborainteressandomaisaopróprio hegêmona,possamsercompreendidospelacomunidadeinternacionalcomo interessando razoavelmente a todos. Conforme já lembramos, do “voamos mais alto e sabemos o que é melhor para o mundo” de MadeleineAlbright (na era Clinton) ao “quem não está conosco está contra nós” do fundamentalistaRumsfeld(nostemposdeBush)houveumaescalaimensada hegemonia em direção a uma quase tirania. O que nos resta é cobrar da potência norte-americana o exercício de uma hegemonia benévola que leve cada vez mais a consensos multipolares que aliviem as tensões mundiais e gerem condições de governabilidade sistêmica. Esse é o grande desafio e o papel esperado do governo de Obama. Bibliografia ARRIGHI,Giovanni.OlongoséculoXX.Trad.VeraRibeiro.RiodeJaneiro: Contraponto, 1996. ARRIGHI, Giovanni & SILVER, Beverly J. Caos e governabilidade no modernosistemamundial.Trad.VeraRibeiro.RiodeJaneiro:Contraponto.
  • 51. GILBERTO DUPAS 50 COHEN, Eliot A. “Um conto de dois secretários”. Revista de Política Externa, vol. 11, nº 2. Paz e Terra. São Paulo: setembro-novembro de 2002. DUPAS, Gilberto. “Globalização, exclusão social e governabilidade”. I Conferência Latino-Americana e Caribenha de Ciências Sociais. Recife: novembro de 1999. _______ “As tensões econômicas e sociais na UE”. Seminário: As relações entre Brasil e Alemanha e os caminhos do MERCOSUL e da União Européia. São Paulo: IEA/USP, setembro de 2000. _______ “Assimetrias econômicas, lógica das cadeias produtivas e políticas de bloco no continente americano”. Seminário Sul-Americano preparatório para a Reunião dos Presidentes daAmérica do Sul. Brasília: julho-agosto de 2000. _______ Ética e poder na sociedade da informação. São Paulo: UNESP, 2001. ________ Hegemonia, Estado e Governabilidade. São Paulo: Editora SENAC, 2001. _______ Atores e poderes na nova ordem global. São Paulo: UNESP, 2006. _______ “Fundamentos, contradições e consequências hegemônicas” em DUPAS, G.; LAFER, C.; SILVA, C. E. L. (org.). A nova configuração mundial do poder. São Paulo: Paz e Terra, 2008. FLORES, Mario Cesar. “Política de defesa republicana”. Revista de Política Externa, vol. 11, nº 2. Paz e Terra. São Paulo: setembro- novembro de 2002. GUIMARÃES, Nadya Araujo & MARTIN, Scott (org.). Competitividade e desenvolvimento: atores e instituições locais. São Paulo: Senac, 2001.
  • 52. A CONFIGURAÇÃO MUNDIAL DO PODER 51 RICE, Condoleezza. “Promovendo os interesses nacionais”. Revista de Política Externa, vol. 10, nº 1. Paz e Terra. São Paulo: junho-agosto de 2001. ROY, Olivier. Les illusions du 11 septembr – le débat stratégique face au terrorisme.ÉditionsduSeuiletLaRépubliquedesIdées.Setembrode2002. RUMSFELD, Donald H. “Transformando as forças armadas”. Revista de Política Externa, vol. 11, nº 2. Paz eTerra. São Paulo: setembro-novembro de 2002. ZOELLICK, Robert B. Revista de Política Externa, vol. 10, nº 1. Paz e Terra. São Paulo: junho-agosto de 2001.
  • 53.
  • 54. 53 A América Latina e o Caribe; e o Brasil** Gonçalo de Barros Carvalho e Mello Mourão* * Embaixador, Diretor do Departamento da América Central e do Caribe, do Ministério das Relações Exteriores. ** Texto apresentado na Sessão sobreAmérica Latina e Caribe da “III Conferência Nacional de Política Externa e Política Internacional - CNPEPI - O Brasil no mundo que vem aí”, realizada no Palácio Itamaraty, no Rio de Janeiro, em 8 e 9 de dezembro de 2008, sob os auspícios da Fundação Alexandre de Gusmão e do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais. NãosefaladeEuropalatinaemuitomenosdeÁfricalatinacomosefala deAmérica latina. Por quê? OHaitiéAméricalatina?EGuadalupe?Martinica? O que se costuma chamar deAmérica latina, na verdade, é aAmérica ibérica.ÉaAméricaqueosportugueseseespanhóisconstruíram. ÉaAmérica que fala português e espanhol. É aAmérica que herdou um comportamento cultural ibérico, uma predominância cultural católica mas, sobretudo, uma mestiçagem cultural e social que se quis aberta, através de sua história, a outras influências, mas aberta com a condicionante da predominância da chamadaculturaocidental. OqueseconvencionouchamardeAméricalatinaéesseespaçogeográfico e histórico onde a cultura européia, filtrada pela visão de mundo ibérica, construiu sociedades novas a partir de uma abertura a outras sociedades que incluíaamiscigenação.ÉolugaraondeveiooportuguêsMartin,ondeelese