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AGLOBALIZAÇÃO,ALGUMASDESUASCONSEQÜÊNCIAS,
ALTERNATIVASECAMINHOSPARAOBRASIL
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AGLOBALIZAÇÃO,ALGUMASDESUASCONSEQÜÊNCIAS,
ALTERNATIVASECAMINHOSPARAOBRASIL
Rodrigo Rocha Coutinho
RODRIGO ROCHA COUTINHO
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AGLOBALIZAÇÃO,ALGUMASDESUASCONSEQÜÊNCIAS,
ALTERNATIVASECAMINHOSPARAOBRASIL
Rodrigo Rocha Coutinho1
RESUMO
O termo globalização surge nas décadas de 1970 e 1980 para designar um complexo de
processosedeforçasdemudançaatuantesemescalaglobal,queatravessamfronteirasnacionais
impulsionados pela evolução do comércio internacional e pelo desenvolvimento de novas
tecnologias ao longo do século XX. Ao longo do processo, as empresas começam a transpassar
as fronteiras nacionais de produção e de comercialização de bens e produtos, transformando-
se em multinacionais, em um primeiro momento, e em transnacionais, em um segundo
momento; e tornando-se tão grandes e influentes que se começa a discutir as suas conseqüências
para os diferentes Estados nacionais. Diante desse cenário, questiona-se o papel do Estado,
que perde seu caráter centralizador, passando do sentido absoluto de Estado-Nação, que até
então tinha, para se tornar mais um player no mercado. Contudo, não diminui sua importância
como gerenciador de políticas e de definições estratégicas, papéis fundamentais que continuam
a lhe caber. No contexto atual de globalização, que é irreversível, e do qual é possível auferir
benefícios – dependendo da forma como o país se insere no processo – sugerimos, neste
trabalho, algumas alternativas de políticas econômicas e/ou sociais diferenciadas que merecem
uma maior reflexão por parte do governo brasileiro, a partir de um estudo mais aprofundado de
algumas estratégias diferenciadas de inserção no mercado global adotadas por alguns países,
como a China, o Chile e a Rússia. Cabe enfatizar aqui, no entanto, que, apesar dos exemplos
bem sucedidos – como o da China e do Chile – ou não – como o da Rússia – apresentados aqui,
não há um modelo ideal e acabado a ser aplicado no Brasil. Estes são apenas, a nosso ver,
exemplos de caminhos e de alternativas possíveis, que devem ser estudados com maior atenção
para,eventualmente,seremadaptadosàrealidadebrasileiraouevitados,nabuscadeumainserção
mais efetiva e eficaz de nosso país nesse processo de globalização.
Palavras-chave: Brasil; globalização; conseqüências; caminhos; alternativas.
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Consultor de Empresas
Este texto é uma versão modificada e resumida do trabalho final do Curso de Pós-Graduação Latu Sensu (MBA) em Estratégias de
Negociações Internacionais, cursado no Centro de Estudos das Américas do Instituto de Humanidades da Universidade Cândido
Mendes, sob a orientação do professor Silvério T. Baeta Zebral Filho
AGLOBALIZAÇÃO,ALGUMASDESUASCONSEQÜÊNCIAS,
ALTERNATIVASECAMINHOSPARAOBRASIL
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ABSTRACT
The term globalization comes forth in the 1970s and 1980s to designate a complex of processes
and changing forces that act on a global scale and transpose national borders, moved by the
evolution of international trade and the development of new technologies along the twentieth
century. In this process, companies transpose national borders to produce and commercialize
their products and turn into multinational companies, on a first stage, and into transnational
companies, on a second stage. They become so huge and powerful that one comes to discuss
the implications of these processes to the different national States. Before this scenery, the
role of the State as government is challenged. The State-government looses its centralizing
[instead of keeping its absolute power], and comes to be one more player in the market. This
does not imply, however, a decreasing of its importance as a manager of politics and of strategic
decisions, fundamental roles of the State governments. On this international arena, in which
globalization is an irreversible reality, and from which States may benefit depending on the
waytheymanagetheirinsertionintotheprocess,wesuggestsomealternativepolitics[economic
and / or social] that could be adopted by the Brazilian government, from examples of countries
that have been adopting differentiated strategies of insertion in the process over the last decades,
suchasChina,ChileandRussia. However,nomatterhowpositive(ChinaandChile)ornegative
(Russia) examples may be presented, it is important to notice that there is no closed model to
follow (or to avoid) in the case of Brazil. There are rather paths and alternatives to be studied
that could be eventually adapted to the Brazilian reality in the country’s search for its effective
insertion in the process of globalization.
Key words: Brazil; globalization; consequences; paths; alternatives.
RODRIGO ROCHA COUTINHO
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AGLOBALIZAÇÃO,ALGUMASDESUASCONSEQÜÊNCIAS,
ALTERNATIVASECAMINHOSPARAOBRASIL
Um americano comum desperta num leito construído segundo o padrão originário do Oriente Próximo, sai
de cobertas feitas de algodão, planta domesticada na Índia (...), usa mocassins inventados pelos índios
das florestas do Leste dos Estados Unidos e entra no quarto de banho cujos aparelhos são uma mistura
de invenções européias e norte-americanas (...). A caminho para o breakfast, ele compra um jornal,
pagando-o com moedas, invenção da Líbia antiga. No restaurante, toda uma série de elementos tomados
de empréstimo o espera. Seu prato é feito de uma espécie de cerâmica inventada na China; a faca de aço
(liga fabricada pela primeira vez na Índia do Sul) e o garfo, inventado na Itália medieval, são do
Mediterrâneo. Come um melão da Pérsia e uma melancia africana, e toma café, planta daAbissínia (...).
Acabando de comer, o americano fuma, fazendo uso de um hábito dos indígenas das Américas. Depois
ele lê notícias do dia, impressas em caracteres criados pelos antigos semitas, em material inventado na
China e impresso por um processo descoberto naAlemanha. Ao inteirar-se das narrativas dos problemas
estrangeiros, se for um bom cidadão, agradecerá a uma divindade hebraica, numa língua indo-européia,
o fato de ser cem por cento americano.
Ralph Linton, 1936
Introdução: histórico e conceitos de globalização
A evolução dos processos de colonização e de expansão intensificou o comércio
internacional, principalmente com o desenvolvimento das regiões colonizadas, o crescimento
das cidades, o aumento do comércio local e a evolução da indústria – que substituiu os produtos
antes manufaturados –, entre outros fatores. No final do século XIX, alguns acontecimentos –
como o progresso industrial crescente e o desenvolvimento de novas tecnologias –
revolucionaram ainda mais o comércio internacional.
A partir da segunda metade do século XX, estaria em curso, segundo Ianni (1996), “um
novo surto de universalização do capitalismo, como modo de produção e processo civilizatório”
(p. 14). Para esse autor, o modo capitalista adquire, a partir de então, um novo impulso, com
base em novas tecnologias, na criação de novos produtos, na recriação da divisão internacional
do trabalho e na mundialização dos mercados. Isto é, os fatores de produção básicos, que
compreendem o capital, a tecnologia, a força de trabalho e a divisão internacional do trabalho,
ultrapassaram as fronteiras geográficas, históricas e culturais, “multiplicando-se assim as suas
formas de articulação e contradição” (Ianni, 1996, p. 14).
AGLOBALIZAÇÃO,ALGUMASDESUASCONSEQÜÊNCIAS,
ALTERNATIVASECAMINHOSPARAOBRASIL
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Nesse contexto, ocorre um grande desenvolvimento industrial, que culmina, nas décadas
de 1970 e 1980, com o que se denomina a grande revolução tecnológica, genericamente
conhecida como 3ª Revolução Industrial, que resulta, em grande parte, do desenvolvimento e
do barateamento das telecomunicações e que promove a desregulamentação do setor bancário.
De acordo com Michalet (2004),
La configuration multi-nationale va être marquée par une mutation
profonde de la régulation du système monétaire international. Les
conséquences de cet événement radical n´apparaîtront que plus tard,
au début des années 1980. Mais, à partir du discours du président
Nixon du 15 août 1971, l´architecture financière mise en place à
Bretton Woods va être progressivement démantelée. Cette décision
américaine va ouvrir la voie à la prochaine configuration de la
mondialisation, celle de la globalisation financière (p. 86).
Esse complexo de processos e forças de mudança – que pode ser sintetizado sob o termo
globalização – alterou profundamente a vida no fim do século XX. A globalização se refere
àqueles processos, atuantes em uma escala global, que atravessam fronteiras nacionais, ligando
e integrando comunidades e organizações em novas combinações de espaço-tempo, tornando
o mundo mais interconectado. Desse modo, sente-se o mundo menor e as distâncias mais
curtas. Da mesma forma, e como conseqüência, os eventos em um determinado lugar passaram
a ter um impacto imediato sobre pessoas e lugares distantes.
De acordo com Dupas (1999), globalização foi o termo convencionado para se denominar
“uma intensificação do processo de internacionalização das economias capitalistas”. Já Clark
(1999) afirma que Ruigrok e van Tulder referem-se à globalização como “a quantum leap
beyond previous internationalization stages” e Dicken acrescenta que a globalização
representa “a more advanced and complex form of internationalization which implies a
degree of functional integration between internationally dispersed economic activities”
(em Clark, 1999, p. 38).
Para alguns autores, assim, globalização é a interdependência de todos os povos e países
de nosso planeta, ou seja, um processo econômico e social que estabelece uma integração
entre países e pessoas do mundo todo. Este não seria, segundo alguns, um fenômeno recente,
pois teria se iniciado com a entrada na modernidade. Nas palavras de Giddens (in Hall, 1997),
“a modernidade é inerentemente globalizante” (p. 72). Desde o início da época moderna, para
esses autores, os Estados-Nação não eram tão autônomos ou soberanos quanto pretendiam e o
capitalismo, mesmo em seu estágio inicial, já era um elemento da economia mundial e não
estava circunscrito às fronteiras nacionais.
De acordo com o aclamado professor da Universidade de Columbia, Bhagwati (2004),
referindo-se à economia,
RODRIGO ROCHA COUTINHO
6
A globalização econômica consiste na integração das economias
nacionais em uma economia internacional através do comércio, do
investimento estrangeiro direto (por parte de corporações e
multinacionais), fluxos de capital de curto prazo, fluxo internacional de
trabalhadores e pessoas em geral e fluxos de tecnologia (p. 4).
Os grandes avanços tecnológicos e a desregulamentação dos mercados financeiros e de
tecnologia contribuíram, portanto, para a transformação do mundo dos negócios, aproximando
coisas, gentes e idéias. Com eles, os custos de transporte foram reduzidos e a comunicação se
fez de forma mais rápida e eficiente, o que permitiu às empresas transpassar fronteiras
geográficas – não apenas dentro de um mesmo país e/ou continente, mas também por todo o
globo – para produzir bens e mercadorias a que todos os mercados mundiais podem ter acesso,
algo que pode ocorrer (ou não) dependendo das respectivas legislações desses países.
Desse modo, as empresas, ao longo do século, cresceram e se internacionalizaram,
tornando-se multinacionais. Assim, há algum tempo pode-se verificar, por exemplo, a presença
da Coca-Cola em praticamente todo o globo, mesmo que com operações nacionais e/ou
regionais. Ao longo ainda do século XX, as empresas passam a buscar alternativas de ganho de
escala e de barateamento da produção, com produções regionais.
Com a terceira revolução industrial, esses processos, que já ocorriam em âmbito nacional,
passamaocorreremâmbitomundial.Nessemovimento,ocorreumencurtamentodasdistâncias
mundiais, ou seja, desaparecem, para as empresas, as fronteiras entre os países, o que acarreta
o processo de globalização como o que estamos vivenciando hoje.
Nele, empresas e/ou indústrias nacionais, com caráter multinacional, passam a se
internacionalizar de tal maneira que começam a perder seu caráter nacional, adquirindo
dimensão global, recebendo a denominação de transnacionais, e não mais de multinacionais.
Como conseqüência, essas empresas não se sujeitam mais às regras de um determinado país.
Aqui, cabe ressaltar a diferença conceitual entre esses dois tipos de indústria: considera-
seindústriamultinacionalaquelaquepossuiumaidentidadenacional(sejaelaamericana,inglesa,
holandesa, ou outra), mas que se encontra presente em inúmeras nações, o que justifica o
termo multinacional; essa empresa, no entanto, não perde seu caráter de ter como centro de
decisão aquele país gerador da nacionalidade. Por outro lado, empresas transnacionais são
aquelas que já não possuem uma identidade nacional específica, mas sim uma identidade global.
Aqui, cabe observar que essas empresas, de certa maneira, serão sempre identificadas com
determinada nacionalidade, mas o que as distingue das multinacionais é que elas possuem
centros independentes de tomada de decisões, não tendo um caráter de decisão centralizado.
A nova divisão internacional do trabalho envolve, portanto, a redistribuição das empresas
e corporações por todo o mundo. Assim, em lugar de as indústrias, os centros financeiros, as
organizações de comércio, as agências de publicidade e a mídia impressa e eletrônica
AGLOBALIZAÇÃO,ALGUMASDESUASCONSEQÜÊNCIAS,
ALTERNATIVASECAMINHOSPARAOBRASIL
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concentrarem-se nos países dominantes, essas e outras atividades se redistribuem por diferentes
países e continentes. Desse modo, empresas grandes, médias e pequenas, cada uma com suas
especificidades, têm de se reestruturar para alcançar os padrões exigidos de produtividade,
agilidade e capacidade de inovação abertas pela ampliação dos mercados em âmbito mundial.
Conforme observa Franco (1999),
o investimento direto internacional tem crescido bem mais que o
comércio internacional, o qual, por sua vez, tem crescido bem mais que
a produção industrial. Tem-se aí, portanto, uma grande elevação no
chamado grau de abertura para o conjunto das principais economias
do planeta, processo decorrente de um avanço do processo de
internacionalização da produção industrial que não encontra precedente.
(p. 157)
Dessa forma, não se concentra mais toda a produção, por exemplo, de uma bola da Nike
em uma mesma fábrica, nos Estados Unidos (EUA), mas sim, busca-se fazer cada componente
da bola onde for melhor para a empresa. Assim, pode-se ter, por exemplo, o couro proveniente
do Brasil, a linha da África, a mão-de-obra da Índia, o papel da embalagem dos Estados Unidos
e os consumidores no mundo inteiro. Do mesmo modo, pode-se ter um Centro deAtendimento
mundial, na Índia, com seus principais executivos sediados nos Estados Unidos.
Relação Estado-empresa: os papéis do Estado e das empresas
Com a evolução dos processos de globalização e de transnacionalização das empresas,
passa-seadiscutir,emcarátermundial,asimplicações,paraasdiversasnações,dessesprocessos.
Ou seja, são analisadas as conseqüências, para as diversas economias do globo – desenvolvidas,
sub-desenvolvidas e em desenvolvimento –, desses processos.
Começa-se a discutir, por exemplo, se os governos, que em algum momento
proporcionaram a criação das empresas e impulsionaram seu desenvolvimento, não são hoje,
de certa maneira, influenciados por essas empresas. De acordo com Dupas (1999),
Por um lado, a grande mobilidade das transnacionais gera um menor
compromisso com os países que sediam suas atividades, o que aumenta
seu poder de barganha vis-à-vis os Estados. Por outro, a necessidade
de elevar as competitividades sistêmicas nacionais para garantir a
sobrevivência nesse mundo mais integrado acrescenta restrições para a
obtenção de recursos tributários adicionais. O processo de globalização,
por essas e outras vias, constrange o poder dos Estados, restringindo
sua capacidade de operar seus principais instrumentos discricionários
(p. 14).
RODRIGO ROCHA COUTINHO
8
Ainda a esse respeito, segundo Franco (1999),
De um lado, parece claro que as relações entre EmpresasTransnacionais
e os Estados Nacionais tenham atingido um estágio de mútuo respeito,
no qual aquelas são reconhecidas como forças relevantes na economia
global, quase que como entidades supranacionais, mantendo relações
negociais adultas e paritárias com países, em torno de vantagens
tributárias, dispositivos regulatórios e contrapartidas de investimentos.
Tudo se passa como se os “países convencionais” não pudessem mais
deixar de manter relações amistosas com os “países virtuais” (p. 157).
Nessa situação, surge, portanto, um questionamento sobre o novo papel dos governos,
não mais tidos como o antigo Estado-nação absoluto, mas sim como um direcionador e
canalizador, que pode criar condições para que aquele Estado se posicione de acordo com as
novas demandas do mercado mundial. Segundo Dupas (1999),
Nesse contexto de internacionalização das decisões e de incrível
mobilidade de grandes massas de capitais – que têm, em larga medida,
lógicas autônomas em relação às decisões dos Estados nacionais -, o
espaço para a operação de políticas públicas vê-se sensivelmente
diminuído. Amanipulação das próprias políticas monetárias é afetada
pela imensa massa de recursos que circula no mercado financeiro
internacional, cruzando as fronteiras nacionais. As políticas fiscais e os
gastos governamentais, por sua vez, encontram novos limites por
ocasionarem efeitos inflacionários que poderiam minar a
competitividade dos produtos nacionais (p. 14).
Nesse contexto da sociedade global, mesmo as economias nacionais mais poderosas –
apesardemanteremseupoderdeinfluência–movimentam-seemconformidadecomadinâmica
do capital, operando em escala global. O capital, a tecnologia, a força de trabalho, o mercado,
o marketing, o lobbing e o planejamento, tanto empresarial como governamental e das
instituições multilaterais atuam, agora, em escala mundial. E, conforme complementa Michalet
(2004),
avec la configuration globale, ce sont les États qui vont se faire
concurrence pour attirer les investissements étrangers sur leur
territoire. Ce retournement de situation est le produit d´une double
évolution. D´un côté, les gouvernements ont lancé à partir du milieu
des années 1980 une grande réforme libérale des codes ou lois sur
les investissements étrangers. De l´autre, les firmes ont modifié leur
stratégie d´investissement à l´étranger en abandonnant
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ALTERNATIVASECAMINHOSPARAOBRASIL
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progressivement la stratégie de marché pour une stratégie globale
(p. 110).
Cabe complementar a afirmação de Michalet (2004) ressaltando, nesse contexto, a
importância das regiões de um país, pois estas muitas vezes é que competem num mercado
global, como é o caso de Franca, no interior de São Paulo, no que diz respeito ao comércio de
sapatos.
O que se nota, portanto, é que os países todos caminham para uma abertura aos
investimentos estrangeiros diretos, o que não significa que não imponham regras ou limites.
Até na China, em 1978, foram tomadas medidas de liberalização frente à URSS. Nos EUA e na
Inglaterra, adotou-se a política econômica neoliberal, conduzida, respectivamente, por Ronald
Reagan e por Margareth Tatcher.
Dessa forma, pode-se dizer que o Estado, de certa maneira, perde o seu caráter
centralizador, seu poder de centro de decisão, enfim, sua capacidade de influenciar a economia
do país incondicionalmente, tornando-se mais um player do mercado, que gerencia a política
do país, define estratégicas e propicia condições para suas empresas competirem no mercado
global. De acordo com Michalet (2004),
La nouvelle conception de la firme dans la configuration globale
donne à l´État-nation une place encore plus subalterne que dans la
configuration multi-nationale. Avec cette dernière, la place de l´État
reposait sur un compromis/collusion entre les investisseurs étrangers
et les gouvernements des pays d´accueil….Dans ces conditions, le
pouvoir de négociation des gouvernements des pays hôtes est
considérablement affaibli. Au lieu d´imposer aux firmes étrangères,
ou de négocier avec elles, les conditions de leur implantation, en
contrepartie de l´octroi implicite d´une situation de rente sur un
marché national protégé comme dans la configuration multi-
nationale, les gouvernements doivent désormais s´efforcer de séduire
les investisseurs potentiels. Pour ce faire, ils doivent démontrer à
ces derniers que le choix d´une implantation locale dans leur pays
va avoir pour effet de les rendre encore plus compétitifs sur le marché
mondial. Une telle finalité est évidemment difficile à concilier avec
le maintien de tracasseries administratives. La mobilité des firmes,
fondée sur leur information, leur permet de choisir rapidement une
autre localisation (p. 110).
RODRIGO ROCHA COUTINHO
10
Contudo, se, por um lado, o papel absoluto do Estado começa a ser questionado, por
outro,nãohádúvidadequeestecontinuaráadesempenharumpapelfundamental. Comoobserva
Franco (1999),
há certamente exagero em se condenar os Estados Nacionais a uma posição
secundária diante de megacorporações sem raízes nacionais em controle
de movimentos de comércio, capitais e tecnologia entre países. Mas é
perfeitamente demonstrável que já existem algumas dezenas, talvez
centenas, de Empresas Transnacionais que têm o porte de países, ainda
que pequenos. O crescimento desse mundo de “países virtuais” que se
sobrepõem aos Estados Nacionais tem sido muito veloz, bem mais
dinâmico do que o das nações “convencionais”, e tem afetado a natureza
e a extensão da relação entre os países (p. 156).
Também segundo Brown (2001),
states will remain the key actors in international relations, and, even
if their influence is declining relative to other actors, the patterns of
interactions the major states create will still be of central importance
in the years to come (p. 234-235).
Conforme afirma Seitenfus (2004), o Estado desempenha três funções que correspondem
a necessidades contemporâneas: o de repartidor de espaços; o de instrumento, que tenta adaptar
as sociedades ao ambiente em constante evolução; e o de obter segurança para seus cidadãos.
Assim, ele apresenta três elementos necessários e exclusivos – território delimitado e
inconteste, população estável e poder de polícia – e esses elementos tornam o Estado singular
e diferente de todos os outros atores no cenário internacional.
Portanto, como afirma Dupas (1999), “Não se trata mais de reduzir radicalmente o papel
do Estado, mas de modificá-lo profundamente, transformando-o e fortalecendo-o para novos
papéis fundamentais” (p. 212). E completa o autor: “O desenvolvimento requer um Estado
normativo e catalisador, facilitando, encorajando e regulando os negócios privados. Sem um
Estado efetivo, desenvolvimento econômico e desenvolvimento social sustentados parecem
impossíveis” (p. 212).
Cabe aos Estados, assim, por exemplo, garantir estabilidade política e econômica, além
de uma infra-estrutura de qualidade, tanto física como social. Os Estados são, portanto,
definitivamente ativos, podendo reagir, positiva ou negativamente, às exigências das empresas
transnacionais. Mas, além dos governos, passam a desempenhar também papel fundamental no
processo de globalização a sociedade civil, as organizações não-governamentais (ONGs) e as
empresas, que podem ajudar o governo na tomada de decisões.
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ALTERNATIVASECAMINHOSPARAOBRASIL
11
Portanto, a agenda internacional adquire uma nova face, em que, se, por um lado, os
Estados continuam a desempenhar um papel fundamental, por outro, atores como as empresas
transnacionaiseorganizaçõesnão-governamentaisganhamimportânciafundamental. Conforme
afirma Brown (2001),
a wider agenda for international relations will be addressed, in which
the traditional concerns of power politics take second place or, at the
very least, are placed in a wider context (p. 235).
Assim,nocontextodasociedadeglobal,desenvolvem-seestruturasdepoderpropriamente
globais que, por certo, não prescindem das estruturas de poder nacionais, dos sistemas regionais
de integração econômica e dos blocos geopolíticos. Por vezes se apóiam neles, por vezes se
opõem a eles. Como exemplo, podemos citar as controvérsias sobre como administrar as
dívidas interna e externa das nações, como desestatizar ou desregular a economia, como reduzir
tarifas e acelerar a integração regional, entre outras, em grande parte levadas a cabo por
organizações não-governamentais (ONGs), como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o
Banco Mundial e a Organização Mundial do Comércio (OMC). Estas são estruturas globais de
poder, muitas vezes contraditórias em suas diretrizes ou práticas, mas aparentemente
desterritorializadas e que supostamente transcendem os Estados nacionais.
Alternativas e estudos de caso
Nesta parte do trabalho, pretendo analisar, de forma breve, algumas alternativas dos
Estados, em termos de políticas econômicas e/ou sociais, para sua inserção no modelo global
atual, focando nossa análise em três casos específicos: a China, o Chile e a Rússia.
Não cabe aqui, portanto, discutir a viabilidade ou não do processo de globalização, ou,
ainda, discutir se os países devem ou não participar do processo. Partimos da idéia de que a
globalização é uma realidade e um processo irreversível, cabendo aos países apenas o papel de
discutir como se inserir no modelo e o que fazer, em termos de políticas, sejam elas de ordem
econômica e/ou social, para se inserirem no processo da melhor maneira possível.
Acredito, ainda, que não cabe também discutir os benefícios ou maléficos do processo
de globalização, bastando assinalar aqui que este pode apresentar um ou outro, dependendo da
atitude dos governantes de seus países.
Até um ferrenho crítico da globalização, como Stiglitz (2004), em seu livro A
globalização e seus malefícios, concorda com os potenciais benefícios da globalização, quando
afirma que
aaberturadocomérciointernacionalajudouváriospaísesacrescermuito
mais rapidamente do que teriam crescido sem essa abertura. O comércio
internacional ajuda o desenvolvimento econômico quando as
exportações de um país impulsionam seu crescimento econômico. (...)
RODRIGO ROCHA COUTINHO
12
Graças à globalização, a expectativa de vida em todo o mundo aumentou
bastante, e o padrão de vida melhorou muito” (p. 30).
Por outro lado, Stiglitz (2004) faz a seguinte ressalva: “para muitos no mundo em
desenvolvimento, a globalização não trouxe os benefícios econômicos prometidos” (p. 31).
Assim, parece que, se, por um lado, a globalização representou um grande benefício para alguns
países, como os do LesteAsiático, por outro, não representou benefícios para uma outra gama
de países, como os da África e até mesmo alguns países daAmérica Latina, assemelhando-se
mais a um desastre. Como aponta Bhagwati (2004),
a administração adequada dos efeitos adversos que certamente ocorrerão
com a integração à economia mundial, bem como no curso da transição
para tal integração, exige um conjunto complexo de novas políticas e
institutos. Enquanto muitos países ricos que passaram por uma guinada
significativa em direção à abertura nas décadas posteriores à guerra já
realizaram boa parte da transição institucional estando aptos a lidar com
os aspectos negativos da abertura, os países pobres não desenvolveram
os institutos necessários para enfrentar os desafios de uma maior abertura
paraaeconomiamundial. Aelaboraçãoe financiamentode taisinstitutos
e políticas, entretanto, não podem ser deixados, simplesmente, a cargo
dos governos dessas nações. As instituições internacionais de
desenvolvimento e os doadores de países ricos também têm um papel a
desempenhar, principalmente no financiamento de governos de caixa
baixa,quandoessaspolíticasexijamdesembolsosdefundos,enagarantia
de que o apoio institucional para administrar os efeitos adversos da
abertura seja implementado rapidamente também nos países pobres (p.
269).
Por esses e outros motivos, um ponto importante a ser considerado quando se analisa um
processo de transição para a globalização é a velocidade dessa transição. Ela não pode ser
muito rápida, como nos mostra o caso da Rússia que analisarei a seguir, mas, eventualmente,
também não pode ser muito lenta. Nas palavras de Bhagwati (2004),
Embora a globalização possa trazer benefícios econômicos e sociais
uma vez feita essa transição (para a globalização), permanece em aberto
a questão de quão rapidamente ela deve ser feita. Com efeito, parte da
hostilidade contra a globalização tem origem não na globalização em si,
mas na velocidade com a qual ela é implantada, quando os estrategistas
políticos liberam o comércio, os fluxos de capital e daí por diante, bem
comonaeventualfaltademecanismosinstitucionaisparatornartranqüila
a transição (p. 250).
AGLOBALIZAÇÃO,ALGUMASDESUASCONSEQÜÊNCIAS,
ALTERNATIVASECAMINHOSPARAOBRASIL
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O fato é que não há mais fronteiras, isto é, não apenas aquelas nações que possuem as
condições ideais para a fabricação de um determinado produto (recursos, capital e trabalho)
são competitivas, mas todas as nações podem, de certa maneira, e eventualmente, o ser. Assim,
as nações podem ter, ou vir a desenvolver, condições para fazer parte desse processo de
globalização. A participação no processo vai depender da existência, em seu território, de
alguma matéria-prima desejada, passando pela mão-de-obra especializada para a realização de
determinada tarefa, até possuir um bom mercado consumidor para determinado produto.
Como exemplo, podemos citar o esforço realizado pela Coréia no desenvolvimento de
mão-de-obra capacitada, através da educação, para atrair investimentos. Situação semelhante
ocorreu na Índia, hoje considerada um pólo de indústrias de alta tecnologia, o que foi viabilizado
graças ao desenvolvimento – aqui cabe a redundância – de mão-de-obra capacitada e
especializada. E não é à toa que economias antes relegadas a um segundo plano por fazerem
parte do chamado terceiro mundo ganham importância cada vez maior, por seu mercado
consumidor e por serem economias dinâmicas, como é o caso da China, da Índia e do Brasil,
por exemplo.
Segundo Franco (1999), o ataque à globalização pode fazer sentido na França e na
Alemanha, na medida em que os níveis de salários (e empregos) são ameaçados por
competidores em países mais pobres. Para este autor, o comércio internacional, como observa
Adam Smith, é uma força homogeneizadora, que atua no sentido de equalizar as rendas de
diferentes regiões. Dessa forma, é natural que se houver uma queda salarial na França haja, em
contrapartida, aumentos salariais na China, por exemplo.
Ainda a esse respeito, como aponta Dupas (1999),
A outra contradição que alimenta o capitalismo contemporâneo, já
referida anteriormente, é a dialética exclusão versus inclusão. Apesar
do desemprego estrutural crescente (...), o capitalismo atual garante sua
dinâmica também porque a queda do preço dos produtos globais
incorpora continuamente mercados (inclusão) que estavam à margem
do consumo por falta de renda. Não é à toa que alguns dos maiores
crescimentos de várias empresas globais de bens de consumo têm sido
registrados nos países periféricos da Ásia e daAmérica Latina, onde se
concentra grande parte do mercado dos mais pobres (p. 40).
O caso da China
Após um longo período (1949-1978) marcado por esforços para resistir à globalização
através de um nacionalismo radical socialista, a China inicia sua inserção nesse processo com
a abertura econômica, em 1978, impulsionada pela falta de bens de consumo na década de
RODRIGO ROCHA COUTINHO
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1970 e com medidas de liberalização frente à URSS. No entanto, de acordo com Yan (in
Berger et Huntington, 2004),
A globalização cultural foi apresentada como um tema importante pela
primeira vez nos anos 80, durante um debate sobre o status da China no
mundo contemporâneo. Tudo começou com um artigo publicado em
1987, alertando para o fato de que, a não ser que a China acelerasse seu
processo de reformas, o país provavelmente seria mais uma vez deixado
para trás na nova era pós-industrial. Se isso ocorresse, a China iria acabar
perdendo seu lugar na emergente aldeia global. O artigo imediatamente
atraiu a atenção da mídia e levou a uma discussão do lugar global nos
meios acadêmicos e em outros círculos da elite. Na base da discussão
estava um apelo urgente por reformas mais radicais e maior abertura na
sociedade chinesa, assim como uma forte tendência pós-ocidental,
defendendo uma introdução mais agressiva da cultura ocidental na
sociedade chinesa. (p. 50).
Atualmente, contudo, como complementaYan (in Berger et Huntington, 2004),
É consenso entre a maioria dos intelectuais manter a China aberta ao
mundo e levar a China a participar ativamente do atual processo de
globalização. O nacionalismo radical tem sido rejeitado pela maioria
dos intelectuais chineses por ter o potencial de impedir a participação
ativa da China no processo de globalização. Essa tese de
desenvolvimento-modernização-globalização também é partilhada por
líderes do PC chinês, mas o partido-estado sempre se apresenta como a
incorporação do desejo da nação, portanto pede a lealdade e o apoio do
povo chinês para atingir o objetivo final da nação, a modernização da
China (p. 51-52).
O sucesso da China, que cresceu a uma taxa média de mais de 6% ao ano ao longo da
década de 1990, e que já se tornou o maior consumidor mundial da maioria das commodities¸
comumagrandereduçãodapobreza,explica-se,emgrandeparte,pelaformacomofoiconduzido
esse processo.
Este começou pela agricultura, com a substituição do sistema de produção coletivo pelo
sistema de responsabilidade individual, uma forma de privatização parcial. Essa iniciativa
iniciou-se em uma província e, com o sucesso nela obtido, foi se espalhando para outras
províncias.
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No entanto, a inflação, em 1988, atingiu aproximadamente 45% e, em 1989, estava em
cerca de 25%. Isso ocorreu, principalmente, pela liberalização dos insumos agrícolas e acabou
levando ao movimento estudantil de 1989, ocorrido na Praça da Paz Celestial.
Em decorrência disso, uma das medidas tomadas pelo governo foi retomar o controle
dos preços, instituindo um sistema com dois níveis de preço, e aumentar os subsídios agrícolas.
Os preços só foram liberados novamente em 1994, mas os subsídios permaneceram.
Em relação às empresas, a China começou a convidar empresas estrangeiras para realizar
joint ventures com empresas chinesas, tornando-se o maior foco de investimentos estrangeiros
diretos do mundo, e se transformando na oitava economia mundial.
Simultaneamente, a China iniciou a criação de uma infra-estrutura institucional e
reestruturou empresas chinesas deficientes. Dessa forma, gerou concorrência e empregos
antes da privatização e da reestruturação das empresas existentes. Além disso, desde a década
de 1980, a China vinha se esforçando para ingressar na Organização Mundial do Comércio, o
que veio a ocorrer em 2001.
A partir de 1994, o governo chinês declarou que não mais subsidiaria moradia para os
funcionários e, a partir de 1997, começou a incentivar a compra dos imóveis. Também em
1997 e em 1998, o governo começou a cobrar pela educação, para reverter o declínio
educacional que vinha ocorrendo. Por outro lado, o Estado chinês, ainda conforme Yan (in
Berger et Huntington, 2004),
sempre observou cuidadosamente e controlou firmemente as áreas do
desenvolvimento intelectual e da movimentação social, pois a primeira
representa uma ameaçadiretaàideologiacomunista,enquantoasegunda
pode levar à ação coletiva em larga escala, o que é fonte de grande temor
para o partido-estado (p. 53).
Para evitar essa ameaça, campanhas ideológicas vêm sendo utilizadas contra a influência
da cultura estrangeira, e as indústrias editorial, cinematográfica e televisiva, bem como a
imprensa continuam sob o controle total do Estado. Portanto, o caso da China, concluiYan (in
Berger et Huntington, 2004),
apresenta várias características interessantes. A globalização tem sido
reinterpretada como parte do esforço de modernização, um componente
importante dos objetivos do partido-estado; a maioria dos membros da
elite cultural defende a abertura para o processo de globalização e tem
sidofundamentalparaatraduçãoculturalealocalização;opartido-estado
chinês tem desempenhado um papel de liderança ativa em quase todos
os aspectos do processo, e agindo assim pretende garantir sua
legitimidade e poder; e a população também tem demonstrado um forte
desejo de aceitar, localizar e mesmo se apropriar de elementos da cultura
estrangeira importada (p. 57).
RODRIGO ROCHA COUTINHO
16
Daqui para a frente, a China talvez venha a enfrentar algumas questões delicadas, devido a
seu fraco sistema bancário, sua moeda desvalorizada e, até mesmo, por questões geográficas –
grande parte de sua extensão territorial é desértica e fria, e a falta de água é uma questão
iminente. Da mesma maneira, ainda há uma desigualdade muito grande entre ricos e pobres, e
entre as grandes cidades e o interior do país.
Dessa forma, não se sabe até aonde a China poderá ir, mas é inegável que conseguiu
enormesavançoscomsuaabertura,realizadadeumaformapensadaeestruturada,sobocomando
de um braço forte. A China é hoje, sem dúvida, um dos mais influentes países do mundo,
principalmente em termos de comércio internacional.
O caso do Chile
O Chile foi pioneiro na região a inserir-se no movimento de globalização, sustentado
por uma economia forte, propiciada por reformas econômicas bem-sucedidas, ainda que
realizadas sob o regime militar (1973-1990) e conduzidas por economistas, em sua grande
maioria formados pela Universidade de Chicago (EUA).
No Chile impera o mecanismo de livre-mercado, com competição, propriedade privada,
desregulamentação e privatização, preços de mercado, economia aberta com baixas tarifas,
entre outras coisas. O país adotou, ainda, um sistema de financiamento da educação, da saúde
e da previdência, administrados pela iniciativa privada, e conta com leis trabalhistas flexíveis.
De acordo com Talavera (in Berger et Huntington, 2004),
Entre 1984 e 1998, o Chile dobrou sua renda per capita; entre 1987 e
1998, a proporção da população vivendo abaixo da linha da pobreza caiu
de 44,4% para 22,2%; o percentual dos mais pobres, os destituídos, caiu
de 16,5% para 5,6% (p. 286).
Aabertura do mercado chileno ocorreu na década de 1970. De acordo com Talavera (in
Berger et Huntington, 2004), em 1970, o volume de comércio internacional do Chile
correspondia a 38% do PIB; mas, com a queda das tarifas médias, de aproximadamente 105%
(com variações de 0% a 750%) para uma tarifa uniforme de 10% entre 1974 e 1979, o volume
de comércio internacional alcançou 90% do PIB em 1990. Além disso, a expectativa de vida
no país subiu de 64 anos em 1970 para 75 anos em 1997, enquanto que a taxa de mortalidade
infantil caiu de 82,3 para cada mil nascidos, em 1970, para 10,3 para cada mil, em 1998.
No entanto, a desigualdade de renda permanece praticamente a mesma de 30 anos atrás;
ou seja, o Chile tornou-se uma economia mais rica, mas ainda extremamente desigual.
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O Chile é, também, um país fortemente religioso, que confia na igreja e nas instituições
religiosas. Nesse sentido, o Chile demonstra resistir a determinadas influências globalizantes.
Não é à toa, por exemplo, que o divórcio e o aborto são proibidos naquele país.
Dos países da América Latina, ao longo da década de 1990, o que mais cresceu, em
termos de PIB per capita, foi o Chile. E, na década de 1980, a chamada década perdida, o
Chile, junto com a Colômbia, foi o único país que cresceu (Abreu, 2005).
O Chile buscou estimular e diversificar as exportações. Assim, é hoje o segundo produtor
de salmão cultivado do mundo, atrás apenas da Noruega, e é um exportador significativo de
frutas e de vinho; este último produto, perceptivelmente, invadiu os mercados mundiais. No
entanto, as exportações chilenas são, ainda, bem concentradas em produtos primários, como
os já mencionados acima, além do cobre.
Diante do exposto, o Chile, como a China, é um caso interessante, pois, também de uma
maneira pensada e estruturada, abriu seu mercado – é hoje uma das economias mais abertas do
mundo –, sempre com o suporte de reformas estruturais (econômicas, políticas e sociais),
ainda que realizadas sob um regime militar e ditatorial. Com isso, obteve um bom crescimento
econômico, sendo sua economia considerada, hoje em dia, uma das mais estáveis e sólidas do
mundo. Por outro lado, nada garante que não enfrente problemas no futuro, pois ainda é um
país extremamente desigual e agrário.
O caso da Rússia
O caso da Rússia é um exemplo interessante, pois, como a China, é um país que se abriu
ao mercado após um longo período sob o regime socialista. No entanto, o interesse sobre a
Rússia é resultante também do fato de ser um exemplo, de certa maneira, negativo, no que diz
respeito à sua transição para uma economia de mercado e à sua inserção no processo de
globalização.
O processo de transição da economia russa para uma economia de mercado pode ser
explicado em cinco níveis, ou momentos. O primeiro deles trata da estabilização econômica.
Durante a década de 1990, após a queda do regime socialista, todas as ex-Repúblicas
experimentaram taxas de inflação altíssimas, chegando a atingir níveis superiores a 1.000% ao
ano.Emparalelo,veioacrisefiscal:aquedadaproduçãoreduziuautomaticamenteaarrecadação
de impostos, gerando um déficit cada vez maior na economia, uma vez que o governo manteve
suas despesas com os programas sociais e a produção de armamentos. Foram necessários
alguns anos – e muito aprendizado – para se alcançar uma certa estabilização.
RODRIGO ROCHA COUTINHO
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Cabe ressaltar que a hiperinflação foi uma decorrência, pelo menos em parte, da
economia planificada que movia a antiga União Soviética (URSS). Como o governo planejava
tudo (preços, produção, entre outras coisas, tanto para a indústria, como para a agricultura),
com o fim da URSS e o conseqüente término do forte controle sobre o planejamento, a produção
entrou em colapso (choque de oferta), pois não se sabia mais o que produzir e em que
quantidade, o que acarretou uma enorme queda da arrecadação federal. Ao choque de oferta,
soma-se a crise fiscal, decorrente do déficit (arrecadação menos gastos), e a necessidade de
oferta monetária, pois com os ajustes de preço que vinham ocorrendo, a demanda por moeda
aumentou significativamente e o sistema bancário não suportou, havendo, inclusive, ágio por
capital circulante em determinados momentos. Soma-se a isso um outro componente, o da
demanda, que manteve o funcionamento de diversos programas sociais.
O segundo ponto se refere à própria transição para o mercado. A cultura da economia
planificada – que interligava as atividades produtivas e as situava sob o controle de um comando
centralizado no governo – foi imediatamente substituída pelo modelo de economia de mercado.
Nesse processo de transição, diversas medidas de estabilização econômica foram tomadas,
como a reforma tributária, o ajuste fiscal – neste caso, emergencial, com muito custo social e
pouco ajuste em gastos militares, para evitar riscos com armamentos nucleares, por exemplo
–, a privatização, a liberalização de preços e câmbio e a reforma dos sistemas financeiros, com
a criação de moedas nacionais e de bancos centrais independentes, dentre outras medidas.
É importante ressaltar que, na maioria dos países da antiga URSS, prevalecem
investimentos estrangeiros em grandes indústrias lucrativas (setores petrolíferos, de mineração
e de telecomunicações) – até pela falta de recursos nacionais para adquirir estas empresas –,
enquanto que as pequenas indústrias e os estabelecimentos comerciais foram, em sua maioria,
incorporados pelos próprios funcionários, ou permaneceram estatais.
O terceiro ponto diz respeito à questão da desconexão produtiva: a população não estava
preparada para o fim da URSS. Muitos já vislumbravam mudanças no sistema, porém não tão
radicais e definitivas. O sistema econômico vigente à época (de planificação) foi substituído
abruptamente, gerando um vácuo operacional que teve como conseqüência a total
desorganização das cadeias de produção. Muitos setores da economia simplesmente deixaram
de funcionar por falta de comando ou diretrizes. Essa desconexão acarretou, ao longo da
década de 1990, uma profunda estagnação econômica, com a redução do PIB de até 70%, em
algumas ex-Repúblicas. Aretomada do crescimento da Rússia só veio a acontecer a partir de
1999.
Os últimos aspectos tratam dos processos de independência política do Estado e da
criação das Nações. Além da construção de toda a máquina estatal (estruturas burocráticas,
cargos, departamentos e instituições), era necessário construir a própria identidade cultural
de cada ex-República Soviética. Com exceção dos Países Bálticos e da Rússia, que já possuíam
referênciasculturaispróprias,nasdemaisRepúblicasapopulaçãoseidentificavacomosoviética.
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Por isso, além de todas as mudanças no sistema, o fim da URSS representou, para a maioria da
população, a perda de sua identidade nacional e, assim, foi preciso buscar referências, adotar
os antigos idiomas locais e resgatar valores do passado, com a finalidade de se criar em cada
ex-República o conceito próprio de Nação.
Pelo exposto acima, devemos considerar a Rússia como um exemplo fundamental, já
que solidifica a hipótese de que o processo de transição pode ser benéfico, como nos mostram
os casos do Chile e da China, mas tem de ser realizado de uma forma cautelosa, pensada e
estruturada, e deve ter como suporte reformas que insiram o país no processo de globalização
com condições de competir.
Conclusão: caminhos para o Brasil
É nos anos de 1990 que o Brasil experimenta uma maior inserção no contexto global,
adotando as políticas recomendadas pelo que ficou conhecido como Consenso deWashington.
Como políticas sugeridas pelo Consenso de Washington para a América Latina nas
décadas de 1980 e 1990, pode-se mencionar a austeridade fiscal, a privatização e a liberalização
dos mercados.
Aausteridadefiscaléfundamental,poisospaísesnãopodempermanecercontinuamente
com déficit elevado. No entanto, austeridade fiscal em demasia pode gerar recessão, e altas
taxas de juros podem inibir investimentos diretos.
Quanto à privatização, pode-se dizer que faz sentido, porque libera os governos da gestão
de atividades que não são, necessariamente, de sua competência. Dessa forma, as empresas,
depois de privatizadas, tendem a se tornar mais produtivas, com redução de custos e aumento
de lucros. Por outro lado, no entanto, alguns empregos podem ser perdidos neste processo e,
para contrabalançar esta tendência, outras políticas públicas, como a redução das taxas de juros,
devem ser desenvolvidas, de forma a gerar empregos em outros setores / indústrias.
Aliberalização deve, a meu ver, otimizar a receita de um país por deslocar recursos das
atividades menos produtivas para as mais produtivas, efeito da chamada vantagem comparativa.
Por outro lado, é provável que preços mais baixos, em decorrência da entrada de produtos
importados, gerem desemprego nas indústrias locais fabricantes destes produtos, que são agora
também importados. No entanto, não se pode afirmar que o desemprego do país aumente,
como conseqüência. Isso porque esta mão-de-obra poderia ser deslocada para outros setores
exportadores, que vão se expandir com a liberalização do comércio, e o índice geral de
desemprego acaba por permanecer no mesmo, ou quase, patamar. Foi o que ocorreu, por
exemplo, nos países do LesteAsiático, processo fruto de uma liberalização cautelosa. À medida
que iam sendo criados novos empregos, outros estágios de liberalização iam ocorrendo.
Outro fator que desempenha um importante papel no crescimento e desenvolvimento
econômico é o investimento estrangeiro direto, propiciado por uma estabilidade
RODRIGO ROCHA COUTINHO
20
macroeconômica, austeridade fiscal, liberalização e privatização. No entanto, há de se ter uma
regulamentação sólida para propiciar a concorrência e evitar que o capital estrangeiro quebre
a indústria nacional, estabeleça um monopólio e inicie um processo de aumento de preços.
Em países como os EUA e os do Leste Asiático, o governo desempenhou um papel
essencial para garantir justiça social e competitividade. Assim, procurou oferecer educação
de alta qualidade para todos os habitantes e fornecer uma infra-estrutura institucional e um
sistema legal eficaz, além de estabelecer uma rede de segurança para os pobres e promover o
desenvolvimento da tecnologia.
Cabe ao Brasil, portanto, fazer bom uso dos exemplos positivos de nações bem-
sucedidas rumo ao desenvolvimento. Como menciona Landes (1998), “os japoneses, tal como
os alemães, construíram sua recuperação à custa de força de trabalho, educação e determinação”
(p. 530).
Por fatores históricos, o Brasil já possui uma indústria desenvolvida, ao contrário de
outros países daAmérica Latina, como o Chile, o Paraguai e aArgentina. Além disso, um certo
protecionismo pode ser bom para as economias, pelo menos ao longo de determinados períodos,
como o foi para países como os EUA e o Japão. No entanto, uma diferença que cabe aqui
ressaltar é que, enquanto economias como a americana e a japonesa protegiam suas indústrias
para que estas buscassem condições de competir, no Brasil, por exemplo, protegeu-se a
indústria, não com a intenção de impulsionar a competitividade desta, mas por interesses
nacionais ou em decorrência de políticas anticolonialistas. Como aponta Landes (1998),
a maioria das nações latino-americanas recorreram à manipulação
comercial e monetária: barreiras e quotas de importação, taxas
diferenciais de câmbio, uma carapaça de restrições que alguns
denominaram o “modelo introspectivo” – e, é claro, a tomada de
empréstimos.Tais medidas podem proporcionar alívio temporário, mas
por um pesado preço: constantes ajustes, mercados negros de moeda,
inflações desenfreadas, custos elevados das transações, um
arrefecimento do investimento estrangeiro (p. 557).
Por todo o exposto acima, a lição que se pode tirar, como afirma Landes (1988), é que
“nenhuma nação é tão eficaz, tão efetiva, quanto aquela que as próprias pessoas se habilitam
para realizar por si mesmas, sem a ajuda alheia” (p. 592).
Portanto,cabeaoBrasilbuscarasalternativasqueolevemaumaefetivaepositivainserção
no mercado internacional e no mundo do comércio internacional. É necessário, assim, a meu
ver, entre outras coisas: fortalecer os indicadores macro econômicos, mas com uma redução
dosjuros,deformaagarantiraatraçãodeinvestimentos;buscarumataxadecâmbioequilibrada;
garantirosuperávitfiscal,comadiminuiçãodosgastosdogoverno,parareduziroendividamento
do país; garantir a queda das taxas de juros e do risco país e, futuramente, reduzir os impostos,
para atrair ainda mais investimentos.
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A inflação, no Brasil, ainda está em um nível superior à dos países desenvolvidos, e
freqüentemente tem ultrapassado as metas planejadas pelo governo.
Emrelaçãoaosmercadosfinanceiros,oBrasilpossuiummercadodeaçõesaindapequeno,
a negociação da dívida pública ainda tem foco no curto prazo, há um controle grande do Estado
na concessão de créditos – que permanece muito regulamentado –, e o nível de poupança ainda
émuitobaixo. Emrelaçãoaempréstimos,umagravantenocasobrasileiroéagrandequantidade
de empréstimos tomados pelo governo, a quem bancos e instituições financeiras preferem
emprestar, em função do risco mais baixo. Dessa forma, a quantidade de empréstimos a que os
investidores privados têm acesso é muito baixa, dificultando investimentos e crescimento.
As taxas de câmbio, apesar de não oficialmente, ainda são controladas pelo governo
brasileiro, no regime de flutuação suja. Nesse caso, o Brasil tem caminhado no sentido da
liberalidade, mas ainda há um forte controle do Banco Central do Brasil sobre o mercado de
câmbio, comprando e/ou vendendo moeda dependendo da situação do mercado.
Adicionalmente,oenvolvimentodogovernonaeconomiaaindaébastantegrande. Muitos
setores são, até hoje, extremamente regulamentados, com boa parcela de empresas ainda
estatais, e, em diversos outros, os investimentos são monopólio estatal ou extremamente
restritos ao capital externo, o que diminui o nível de investimento na economia.
Assim, cabe ao governo brasileiro privatizar setores ainda estatais e que sejam
improdutivos do ponto de vista financeiro, já que administrar empresas não é, e nunca foi, a
especialidade dos governos, como nos tem comprovado a história. Portanto, a privatização
destes setores poderia reduzir a máquina governamental e reduzir, conseqüentemente, os custos
do governo.
A privatização vem à tona com o conceito de redefinição do papel do Estado, através da
transferência de suas atividades para o setor privado, com o saneamento das estruturas
financeiras nos níveis federal, estadual e municipal, e a conseqüente redução do endividamento
do setor público. Assim, o governo pode se redirecionar para atividades de cunho social,
como saúde, educação, habitação, segurança pública, apoio à pesquisa e desenvolvimentos
tecnológicos.
Portanto, caberia ao governo a gestão daquilo que deveria ser seu papel fundamental –
garantir educação, saúde e segurança pública para a população. Com o aumento dos
investimentos em educação, teríamos, conseqüentemente, um aumento da qualificação dos
trabalhadores, e uma consciência maior, principalmente da população de mais baixa renda,
quanto às formas de se evitar doenças e gravidezes inesperadas que, muitas vezes, aumentam,
simplesmente, a massa de excluídos, os quais podem ingressar na criminalidade ou viver à
margem da sociedade, como seus pais.
Ainda em relação à educação, o governo brasileiro, já que não tem condições de garantir
educação de primeiro, segundo e terceiro graus a todos, deveria focar na educação fundamental
paratodos(entenda-seaqui,primeiro,fundamentalmente,esegundograus),aoinvésdefornecer
RODRIGO ROCHA COUTINHO
22
educação de primeiro e segundo graus de baixa qualidade para uma parcela da população e
garantir educação de terceiro grau de boa qualidade para uma – como ocorre no Brasil – minoria
já privilegiada da população, como se pode observar nas universidades públicas Brasil afora.
Com a privatização das universidades públicas, grande parte desses recursos poderia ser movido
para a educação primária e secundária.
Há de se tomar cuidado, no entanto, com essa medida, pois é nas universidades públicas
(comalgumasexceções,comoéocasodasPUCs)quesãorealizadasgrandepartedaspesquisas,
necessárias para se desenvolver um país. Assim, com isso, não estou querendo dizer que o
governo deve deixar de exercer um controle de qualidade sobre as universidades, tendo em
vista que estas devem, além de fornecer ensino de qualidade – o que abastece as empresas
nacionais de profissionais bem formados – desenvolver centros avançados de pesquisas, que
poderiam trazer grandes benefícios ao país e à sua população.
Além disso, o governo deve criar políticas que garantam infra-estrutura de qualidade para
o desenvolvimento do Brasil de uma maneira abrangente, com o desenvolvimento de rodovias,
ferrovias e hidrovias que gerem uma integração maior entre as regiões do país e possibilitem
uma diversificação, em termos locais, dos investimentos.
No entanto, não se trata de abrir o Brasil de uma maneira brusca e desorganizada, mas,
sim, seguindo um planejamento bem traçado, de forma a regulamentar os investimentos de um
modo que não seja nocivo ao país. No caso da privatização de estradas, por exemplo, o governo
deve garantir que o investimento tenha retorno para os investidores, mas também que estes
forneçam um serviço de qualidade e a preços acessíveis à população.
Aqui, cabe mencionar que mesmo países tradicionalmente fechados ao processo de
globalização já vêm realizando concessões ao comércio internacional. É o caso, por exemplo,
como se pode observar nas palavras de RicardoAlarcon de Queseda, presidente daAssembléia
Nacional do Poder Popular da República de Cuba:
Considerando que no mundo atual, sem o campo socialista, com uma
economia mundial que se globaliza e fortes tendências hegemônicas no
campo econômico, político e militar, Cuba, para preservar suas
conquistas e submetida a um feroz bloqueio, carecendo de capital, de
determinadas tecnologias, muitas vezes de mercado e necessitada de
reestruturarsuaindústriapodeobter,atravésdoinvestimentoestrangeiro,
na base do mais estrito respeito à independência e a soberania nacional,
benefícios com a introdução de tecnologias novas e avançadas, a
modernização de suas indústrias, maior eficiência produtiva, a criação
de novos postos de trabalho, melhoria da qualidade dos produtos e dos
serviços, e uma redução nos custos, maior competitividade no exterior,
acesso a determinados mercados, os quais, em conjunto, apoiariam os
esforços que o país deve realizar em seu desenvolvimento econômico
social (in ABAMEC-Rio, p. 23).
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Em relação às exportações brasileiras, ainda há uma certa concentração em produtos
primários – minério, aço bruto, soja, açúcar, álcool, laranja, gado, entre outros. Essa situação
têm se revertido no Brasil, que já exporta produtos industrializados – como carros, motos,
eletroeletrônicos, produtos de linha-branca, entre outros –, mas ainda em escala inferior ao
ideal. O país deveria focar esforços na exportação de bens de maior valor agregado, como
fazem boa parte – ou todos – os países desenvolvidos, através de políticas de incentivo a estas
exportações.
Sobre exportações, por exemplo, o Brasil poderia, a meu ver, ao invés de exportar pele de
boi inteira, exportar couro processado, que possui maior valor agregado, ou aço em lugar de
minério, iniciativa que a CompanhiaVale do Rio Doce tem tentado desenvolver. Além disso, o
governo poderia estimular o desenvolvimento de outras atividades voltadas para a exportação e
atualmente pouco exploradas, como a pesca, por exemplo, mencionada, inclusive, na Revista
Veja (edição 1908, de 8 de junho de 2005).
Do ponto de vista político, cabe ao governo realizar a reforma política, com a redução da
quantidade de partidos inexpressivos, que dificultam o andamento político do país, e aumentar
a adesão partidária.
Acredito, ainda, que o governo – neste caso nas esferas Federal, Estadual e Municipal –
deveria desenvolver um programa de conscientização da população, mostrando que o processo
é lento e que não trará resultados imediatos, mas sim a médio e longo prazos.
É meu ponto de vista, também, que o governo, por mais demagogo que isto possa parecer,
deveria desenvolver um programa de conscientização da população quanto à noção de cidadania
e incentivar um maior conhecimento da cultura brasileira. Como afirma Landes (1998), “se
aprendemos alguma coisa através da história do desenvolvimento econômico, é que a cultura é
a principal geradora de suas diferenças” (p. 584).
Essas noções, a meu ver, básicas, embutem um sentimento de coletividade na consciência
das pessoas. Como DaMatta (2005) costuma dizer, o grande e maior preconceito dos brasileiros
é contra os próprios brasileiros, algo que se expressa sob a forma de uma discriminação interna
que chega a impressionar. Pode-se verificar isso, por exemplo, em atitudes de brasileiros que
acham que tudo que vem de fora é melhor, ou que lá fora, as coisas funcionam melhor, dentre
outras manifestações.
Em relação ao comércio, não sou tão cético quanto alguns críticos com relação à postura
do governo brasileiro atual, que vem buscando uma negociação mais ampla, em esfera global,
com países menos privilegiados e à margem do “coração” do comércio internacional, como é
o caso dos países africanos. No entanto, acho que o Brasil não pode e não deve colocar à
margem países no centro do comércio, como os países desenvolvidos, do chamado primeiro
mundo, e outros que, embora já mais expressivos agora, ainda têm um enorme potencial de
desenvolvimento, como a China, a Índia, a Rússia e o Chile. Ao contrário, o Brasil deveria
focar seus esforços nestes países, pois, parodiando o que se diz em relação aos esportes, não
se treina com parceiros mais fracos, mas sim com aqueles mais fortes, sempre em busca de
RODRIGO ROCHA COUTINHO
24
evolução. É destes que se pode tirar as melhores lições, que nem sempre se aplicam à nossa
realidade, mas que, mesmo assim, não deixam de ser casos de sucesso.
Por fim, acredito que a globalização é um caminho irreversível, e que pode ser bastante
positivo, se explorado de maneira correta. Não acredito, no entanto, que haja alguma receita
pré-determinada ou algum exemplo que deva ser seguido à risca, mas que haja, no mundo,
diversosexemplosdealternativasecaminhosbemsucedidosequedevemsermelhorestudados.
Ao Brasil, caberia tirar o melhor proveito dessas experiências de sucesso, adaptando, quando
for o caso, certas medidas à sua realidade, em busca de seu próprio sucesso.
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ALTERNATIVASECAMINHOSPARAOBRASIL
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RODRIGO ROCHA COUTINHO
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MICHALET, Charles-Albert. Qu´est-ce que la mondialisation? Paris: La Découverte, 2004.
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SEGRILLO,Ângelo. FimdaURSSeanovaRússia:deGorbachevaopós-Yeltsen.Petrópolis,
RJ: Vozes, 2000. 152 p.
SEITENFUS, RicardoA. S. Relações Internacionais. Barueri, SP: Manole, 2004. 267 p.
STIGLITZ, Joseph E.. A globalização e seus malefícios: a promessa não-cumprida de
benefíciosglobais;traduçãodeBazánTecnologiaeLingüística.4.ed.SãoPaulo:Futura,
2003. 327 p.
______. Os exuberantes anos 90: uma nova interpretação da década mais próspera da história.;
tradução de Sylvia Maria S. Cristóvão dos Santos, Dante Mendes Aldrighi, José
Francisco de Lima Gonçalves, Roberto Mazzer Neto. São Paulo: Cia. Das Letras, 2003.
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  • 1.
  • 3. RODRIGO ROCHA COUTINHO 2 AGLOBALIZAÇÃO,ALGUMASDESUASCONSEQÜÊNCIAS, ALTERNATIVASECAMINHOSPARAOBRASIL Rodrigo Rocha Coutinho1 RESUMO O termo globalização surge nas décadas de 1970 e 1980 para designar um complexo de processosedeforçasdemudançaatuantesemescalaglobal,queatravessamfronteirasnacionais impulsionados pela evolução do comércio internacional e pelo desenvolvimento de novas tecnologias ao longo do século XX. Ao longo do processo, as empresas começam a transpassar as fronteiras nacionais de produção e de comercialização de bens e produtos, transformando- se em multinacionais, em um primeiro momento, e em transnacionais, em um segundo momento; e tornando-se tão grandes e influentes que se começa a discutir as suas conseqüências para os diferentes Estados nacionais. Diante desse cenário, questiona-se o papel do Estado, que perde seu caráter centralizador, passando do sentido absoluto de Estado-Nação, que até então tinha, para se tornar mais um player no mercado. Contudo, não diminui sua importância como gerenciador de políticas e de definições estratégicas, papéis fundamentais que continuam a lhe caber. No contexto atual de globalização, que é irreversível, e do qual é possível auferir benefícios – dependendo da forma como o país se insere no processo – sugerimos, neste trabalho, algumas alternativas de políticas econômicas e/ou sociais diferenciadas que merecem uma maior reflexão por parte do governo brasileiro, a partir de um estudo mais aprofundado de algumas estratégias diferenciadas de inserção no mercado global adotadas por alguns países, como a China, o Chile e a Rússia. Cabe enfatizar aqui, no entanto, que, apesar dos exemplos bem sucedidos – como o da China e do Chile – ou não – como o da Rússia – apresentados aqui, não há um modelo ideal e acabado a ser aplicado no Brasil. Estes são apenas, a nosso ver, exemplos de caminhos e de alternativas possíveis, que devem ser estudados com maior atenção para,eventualmente,seremadaptadosàrealidadebrasileiraouevitados,nabuscadeumainserção mais efetiva e eficaz de nosso país nesse processo de globalização. Palavras-chave: Brasil; globalização; conseqüências; caminhos; alternativas. ∗ Consultor de Empresas Este texto é uma versão modificada e resumida do trabalho final do Curso de Pós-Graduação Latu Sensu (MBA) em Estratégias de Negociações Internacionais, cursado no Centro de Estudos das Américas do Instituto de Humanidades da Universidade Cândido Mendes, sob a orientação do professor Silvério T. Baeta Zebral Filho
  • 4. AGLOBALIZAÇÃO,ALGUMASDESUASCONSEQÜÊNCIAS, ALTERNATIVASECAMINHOSPARAOBRASIL 3 ABSTRACT The term globalization comes forth in the 1970s and 1980s to designate a complex of processes and changing forces that act on a global scale and transpose national borders, moved by the evolution of international trade and the development of new technologies along the twentieth century. In this process, companies transpose national borders to produce and commercialize their products and turn into multinational companies, on a first stage, and into transnational companies, on a second stage. They become so huge and powerful that one comes to discuss the implications of these processes to the different national States. Before this scenery, the role of the State as government is challenged. The State-government looses its centralizing [instead of keeping its absolute power], and comes to be one more player in the market. This does not imply, however, a decreasing of its importance as a manager of politics and of strategic decisions, fundamental roles of the State governments. On this international arena, in which globalization is an irreversible reality, and from which States may benefit depending on the waytheymanagetheirinsertionintotheprocess,wesuggestsomealternativepolitics[economic and / or social] that could be adopted by the Brazilian government, from examples of countries that have been adopting differentiated strategies of insertion in the process over the last decades, suchasChina,ChileandRussia. However,nomatterhowpositive(ChinaandChile)ornegative (Russia) examples may be presented, it is important to notice that there is no closed model to follow (or to avoid) in the case of Brazil. There are rather paths and alternatives to be studied that could be eventually adapted to the Brazilian reality in the country’s search for its effective insertion in the process of globalization. Key words: Brazil; globalization; consequences; paths; alternatives.
  • 5. RODRIGO ROCHA COUTINHO 4 AGLOBALIZAÇÃO,ALGUMASDESUASCONSEQÜÊNCIAS, ALTERNATIVASECAMINHOSPARAOBRASIL Um americano comum desperta num leito construído segundo o padrão originário do Oriente Próximo, sai de cobertas feitas de algodão, planta domesticada na Índia (...), usa mocassins inventados pelos índios das florestas do Leste dos Estados Unidos e entra no quarto de banho cujos aparelhos são uma mistura de invenções européias e norte-americanas (...). A caminho para o breakfast, ele compra um jornal, pagando-o com moedas, invenção da Líbia antiga. No restaurante, toda uma série de elementos tomados de empréstimo o espera. Seu prato é feito de uma espécie de cerâmica inventada na China; a faca de aço (liga fabricada pela primeira vez na Índia do Sul) e o garfo, inventado na Itália medieval, são do Mediterrâneo. Come um melão da Pérsia e uma melancia africana, e toma café, planta daAbissínia (...). Acabando de comer, o americano fuma, fazendo uso de um hábito dos indígenas das Américas. Depois ele lê notícias do dia, impressas em caracteres criados pelos antigos semitas, em material inventado na China e impresso por um processo descoberto naAlemanha. Ao inteirar-se das narrativas dos problemas estrangeiros, se for um bom cidadão, agradecerá a uma divindade hebraica, numa língua indo-européia, o fato de ser cem por cento americano. Ralph Linton, 1936 Introdução: histórico e conceitos de globalização A evolução dos processos de colonização e de expansão intensificou o comércio internacional, principalmente com o desenvolvimento das regiões colonizadas, o crescimento das cidades, o aumento do comércio local e a evolução da indústria – que substituiu os produtos antes manufaturados –, entre outros fatores. No final do século XIX, alguns acontecimentos – como o progresso industrial crescente e o desenvolvimento de novas tecnologias – revolucionaram ainda mais o comércio internacional. A partir da segunda metade do século XX, estaria em curso, segundo Ianni (1996), “um novo surto de universalização do capitalismo, como modo de produção e processo civilizatório” (p. 14). Para esse autor, o modo capitalista adquire, a partir de então, um novo impulso, com base em novas tecnologias, na criação de novos produtos, na recriação da divisão internacional do trabalho e na mundialização dos mercados. Isto é, os fatores de produção básicos, que compreendem o capital, a tecnologia, a força de trabalho e a divisão internacional do trabalho, ultrapassaram as fronteiras geográficas, históricas e culturais, “multiplicando-se assim as suas formas de articulação e contradição” (Ianni, 1996, p. 14).
  • 6. AGLOBALIZAÇÃO,ALGUMASDESUASCONSEQÜÊNCIAS, ALTERNATIVASECAMINHOSPARAOBRASIL 5 Nesse contexto, ocorre um grande desenvolvimento industrial, que culmina, nas décadas de 1970 e 1980, com o que se denomina a grande revolução tecnológica, genericamente conhecida como 3ª Revolução Industrial, que resulta, em grande parte, do desenvolvimento e do barateamento das telecomunicações e que promove a desregulamentação do setor bancário. De acordo com Michalet (2004), La configuration multi-nationale va être marquée par une mutation profonde de la régulation du système monétaire international. Les conséquences de cet événement radical n´apparaîtront que plus tard, au début des années 1980. Mais, à partir du discours du président Nixon du 15 août 1971, l´architecture financière mise en place à Bretton Woods va être progressivement démantelée. Cette décision américaine va ouvrir la voie à la prochaine configuration de la mondialisation, celle de la globalisation financière (p. 86). Esse complexo de processos e forças de mudança – que pode ser sintetizado sob o termo globalização – alterou profundamente a vida no fim do século XX. A globalização se refere àqueles processos, atuantes em uma escala global, que atravessam fronteiras nacionais, ligando e integrando comunidades e organizações em novas combinações de espaço-tempo, tornando o mundo mais interconectado. Desse modo, sente-se o mundo menor e as distâncias mais curtas. Da mesma forma, e como conseqüência, os eventos em um determinado lugar passaram a ter um impacto imediato sobre pessoas e lugares distantes. De acordo com Dupas (1999), globalização foi o termo convencionado para se denominar “uma intensificação do processo de internacionalização das economias capitalistas”. Já Clark (1999) afirma que Ruigrok e van Tulder referem-se à globalização como “a quantum leap beyond previous internationalization stages” e Dicken acrescenta que a globalização representa “a more advanced and complex form of internationalization which implies a degree of functional integration between internationally dispersed economic activities” (em Clark, 1999, p. 38). Para alguns autores, assim, globalização é a interdependência de todos os povos e países de nosso planeta, ou seja, um processo econômico e social que estabelece uma integração entre países e pessoas do mundo todo. Este não seria, segundo alguns, um fenômeno recente, pois teria se iniciado com a entrada na modernidade. Nas palavras de Giddens (in Hall, 1997), “a modernidade é inerentemente globalizante” (p. 72). Desde o início da época moderna, para esses autores, os Estados-Nação não eram tão autônomos ou soberanos quanto pretendiam e o capitalismo, mesmo em seu estágio inicial, já era um elemento da economia mundial e não estava circunscrito às fronteiras nacionais. De acordo com o aclamado professor da Universidade de Columbia, Bhagwati (2004), referindo-se à economia,
  • 7. RODRIGO ROCHA COUTINHO 6 A globalização econômica consiste na integração das economias nacionais em uma economia internacional através do comércio, do investimento estrangeiro direto (por parte de corporações e multinacionais), fluxos de capital de curto prazo, fluxo internacional de trabalhadores e pessoas em geral e fluxos de tecnologia (p. 4). Os grandes avanços tecnológicos e a desregulamentação dos mercados financeiros e de tecnologia contribuíram, portanto, para a transformação do mundo dos negócios, aproximando coisas, gentes e idéias. Com eles, os custos de transporte foram reduzidos e a comunicação se fez de forma mais rápida e eficiente, o que permitiu às empresas transpassar fronteiras geográficas – não apenas dentro de um mesmo país e/ou continente, mas também por todo o globo – para produzir bens e mercadorias a que todos os mercados mundiais podem ter acesso, algo que pode ocorrer (ou não) dependendo das respectivas legislações desses países. Desse modo, as empresas, ao longo do século, cresceram e se internacionalizaram, tornando-se multinacionais. Assim, há algum tempo pode-se verificar, por exemplo, a presença da Coca-Cola em praticamente todo o globo, mesmo que com operações nacionais e/ou regionais. Ao longo ainda do século XX, as empresas passam a buscar alternativas de ganho de escala e de barateamento da produção, com produções regionais. Com a terceira revolução industrial, esses processos, que já ocorriam em âmbito nacional, passamaocorreremâmbitomundial.Nessemovimento,ocorreumencurtamentodasdistâncias mundiais, ou seja, desaparecem, para as empresas, as fronteiras entre os países, o que acarreta o processo de globalização como o que estamos vivenciando hoje. Nele, empresas e/ou indústrias nacionais, com caráter multinacional, passam a se internacionalizar de tal maneira que começam a perder seu caráter nacional, adquirindo dimensão global, recebendo a denominação de transnacionais, e não mais de multinacionais. Como conseqüência, essas empresas não se sujeitam mais às regras de um determinado país. Aqui, cabe ressaltar a diferença conceitual entre esses dois tipos de indústria: considera- seindústriamultinacionalaquelaquepossuiumaidentidadenacional(sejaelaamericana,inglesa, holandesa, ou outra), mas que se encontra presente em inúmeras nações, o que justifica o termo multinacional; essa empresa, no entanto, não perde seu caráter de ter como centro de decisão aquele país gerador da nacionalidade. Por outro lado, empresas transnacionais são aquelas que já não possuem uma identidade nacional específica, mas sim uma identidade global. Aqui, cabe observar que essas empresas, de certa maneira, serão sempre identificadas com determinada nacionalidade, mas o que as distingue das multinacionais é que elas possuem centros independentes de tomada de decisões, não tendo um caráter de decisão centralizado. A nova divisão internacional do trabalho envolve, portanto, a redistribuição das empresas e corporações por todo o mundo. Assim, em lugar de as indústrias, os centros financeiros, as organizações de comércio, as agências de publicidade e a mídia impressa e eletrônica
  • 8. AGLOBALIZAÇÃO,ALGUMASDESUASCONSEQÜÊNCIAS, ALTERNATIVASECAMINHOSPARAOBRASIL 7 concentrarem-se nos países dominantes, essas e outras atividades se redistribuem por diferentes países e continentes. Desse modo, empresas grandes, médias e pequenas, cada uma com suas especificidades, têm de se reestruturar para alcançar os padrões exigidos de produtividade, agilidade e capacidade de inovação abertas pela ampliação dos mercados em âmbito mundial. Conforme observa Franco (1999), o investimento direto internacional tem crescido bem mais que o comércio internacional, o qual, por sua vez, tem crescido bem mais que a produção industrial. Tem-se aí, portanto, uma grande elevação no chamado grau de abertura para o conjunto das principais economias do planeta, processo decorrente de um avanço do processo de internacionalização da produção industrial que não encontra precedente. (p. 157) Dessa forma, não se concentra mais toda a produção, por exemplo, de uma bola da Nike em uma mesma fábrica, nos Estados Unidos (EUA), mas sim, busca-se fazer cada componente da bola onde for melhor para a empresa. Assim, pode-se ter, por exemplo, o couro proveniente do Brasil, a linha da África, a mão-de-obra da Índia, o papel da embalagem dos Estados Unidos e os consumidores no mundo inteiro. Do mesmo modo, pode-se ter um Centro deAtendimento mundial, na Índia, com seus principais executivos sediados nos Estados Unidos. Relação Estado-empresa: os papéis do Estado e das empresas Com a evolução dos processos de globalização e de transnacionalização das empresas, passa-seadiscutir,emcarátermundial,asimplicações,paraasdiversasnações,dessesprocessos. Ou seja, são analisadas as conseqüências, para as diversas economias do globo – desenvolvidas, sub-desenvolvidas e em desenvolvimento –, desses processos. Começa-se a discutir, por exemplo, se os governos, que em algum momento proporcionaram a criação das empresas e impulsionaram seu desenvolvimento, não são hoje, de certa maneira, influenciados por essas empresas. De acordo com Dupas (1999), Por um lado, a grande mobilidade das transnacionais gera um menor compromisso com os países que sediam suas atividades, o que aumenta seu poder de barganha vis-à-vis os Estados. Por outro, a necessidade de elevar as competitividades sistêmicas nacionais para garantir a sobrevivência nesse mundo mais integrado acrescenta restrições para a obtenção de recursos tributários adicionais. O processo de globalização, por essas e outras vias, constrange o poder dos Estados, restringindo sua capacidade de operar seus principais instrumentos discricionários (p. 14).
  • 9. RODRIGO ROCHA COUTINHO 8 Ainda a esse respeito, segundo Franco (1999), De um lado, parece claro que as relações entre EmpresasTransnacionais e os Estados Nacionais tenham atingido um estágio de mútuo respeito, no qual aquelas são reconhecidas como forças relevantes na economia global, quase que como entidades supranacionais, mantendo relações negociais adultas e paritárias com países, em torno de vantagens tributárias, dispositivos regulatórios e contrapartidas de investimentos. Tudo se passa como se os “países convencionais” não pudessem mais deixar de manter relações amistosas com os “países virtuais” (p. 157). Nessa situação, surge, portanto, um questionamento sobre o novo papel dos governos, não mais tidos como o antigo Estado-nação absoluto, mas sim como um direcionador e canalizador, que pode criar condições para que aquele Estado se posicione de acordo com as novas demandas do mercado mundial. Segundo Dupas (1999), Nesse contexto de internacionalização das decisões e de incrível mobilidade de grandes massas de capitais – que têm, em larga medida, lógicas autônomas em relação às decisões dos Estados nacionais -, o espaço para a operação de políticas públicas vê-se sensivelmente diminuído. Amanipulação das próprias políticas monetárias é afetada pela imensa massa de recursos que circula no mercado financeiro internacional, cruzando as fronteiras nacionais. As políticas fiscais e os gastos governamentais, por sua vez, encontram novos limites por ocasionarem efeitos inflacionários que poderiam minar a competitividade dos produtos nacionais (p. 14). Nesse contexto da sociedade global, mesmo as economias nacionais mais poderosas – apesardemanteremseupoderdeinfluência–movimentam-seemconformidadecomadinâmica do capital, operando em escala global. O capital, a tecnologia, a força de trabalho, o mercado, o marketing, o lobbing e o planejamento, tanto empresarial como governamental e das instituições multilaterais atuam, agora, em escala mundial. E, conforme complementa Michalet (2004), avec la configuration globale, ce sont les États qui vont se faire concurrence pour attirer les investissements étrangers sur leur territoire. Ce retournement de situation est le produit d´une double évolution. D´un côté, les gouvernements ont lancé à partir du milieu des années 1980 une grande réforme libérale des codes ou lois sur les investissements étrangers. De l´autre, les firmes ont modifié leur stratégie d´investissement à l´étranger en abandonnant
  • 10. AGLOBALIZAÇÃO,ALGUMASDESUASCONSEQÜÊNCIAS, ALTERNATIVASECAMINHOSPARAOBRASIL 9 progressivement la stratégie de marché pour une stratégie globale (p. 110). Cabe complementar a afirmação de Michalet (2004) ressaltando, nesse contexto, a importância das regiões de um país, pois estas muitas vezes é que competem num mercado global, como é o caso de Franca, no interior de São Paulo, no que diz respeito ao comércio de sapatos. O que se nota, portanto, é que os países todos caminham para uma abertura aos investimentos estrangeiros diretos, o que não significa que não imponham regras ou limites. Até na China, em 1978, foram tomadas medidas de liberalização frente à URSS. Nos EUA e na Inglaterra, adotou-se a política econômica neoliberal, conduzida, respectivamente, por Ronald Reagan e por Margareth Tatcher. Dessa forma, pode-se dizer que o Estado, de certa maneira, perde o seu caráter centralizador, seu poder de centro de decisão, enfim, sua capacidade de influenciar a economia do país incondicionalmente, tornando-se mais um player do mercado, que gerencia a política do país, define estratégicas e propicia condições para suas empresas competirem no mercado global. De acordo com Michalet (2004), La nouvelle conception de la firme dans la configuration globale donne à l´État-nation une place encore plus subalterne que dans la configuration multi-nationale. Avec cette dernière, la place de l´État reposait sur un compromis/collusion entre les investisseurs étrangers et les gouvernements des pays d´accueil….Dans ces conditions, le pouvoir de négociation des gouvernements des pays hôtes est considérablement affaibli. Au lieu d´imposer aux firmes étrangères, ou de négocier avec elles, les conditions de leur implantation, en contrepartie de l´octroi implicite d´une situation de rente sur un marché national protégé comme dans la configuration multi- nationale, les gouvernements doivent désormais s´efforcer de séduire les investisseurs potentiels. Pour ce faire, ils doivent démontrer à ces derniers que le choix d´une implantation locale dans leur pays va avoir pour effet de les rendre encore plus compétitifs sur le marché mondial. Une telle finalité est évidemment difficile à concilier avec le maintien de tracasseries administratives. La mobilité des firmes, fondée sur leur information, leur permet de choisir rapidement une autre localisation (p. 110).
  • 11. RODRIGO ROCHA COUTINHO 10 Contudo, se, por um lado, o papel absoluto do Estado começa a ser questionado, por outro,nãohádúvidadequeestecontinuaráadesempenharumpapelfundamental. Comoobserva Franco (1999), há certamente exagero em se condenar os Estados Nacionais a uma posição secundária diante de megacorporações sem raízes nacionais em controle de movimentos de comércio, capitais e tecnologia entre países. Mas é perfeitamente demonstrável que já existem algumas dezenas, talvez centenas, de Empresas Transnacionais que têm o porte de países, ainda que pequenos. O crescimento desse mundo de “países virtuais” que se sobrepõem aos Estados Nacionais tem sido muito veloz, bem mais dinâmico do que o das nações “convencionais”, e tem afetado a natureza e a extensão da relação entre os países (p. 156). Também segundo Brown (2001), states will remain the key actors in international relations, and, even if their influence is declining relative to other actors, the patterns of interactions the major states create will still be of central importance in the years to come (p. 234-235). Conforme afirma Seitenfus (2004), o Estado desempenha três funções que correspondem a necessidades contemporâneas: o de repartidor de espaços; o de instrumento, que tenta adaptar as sociedades ao ambiente em constante evolução; e o de obter segurança para seus cidadãos. Assim, ele apresenta três elementos necessários e exclusivos – território delimitado e inconteste, população estável e poder de polícia – e esses elementos tornam o Estado singular e diferente de todos os outros atores no cenário internacional. Portanto, como afirma Dupas (1999), “Não se trata mais de reduzir radicalmente o papel do Estado, mas de modificá-lo profundamente, transformando-o e fortalecendo-o para novos papéis fundamentais” (p. 212). E completa o autor: “O desenvolvimento requer um Estado normativo e catalisador, facilitando, encorajando e regulando os negócios privados. Sem um Estado efetivo, desenvolvimento econômico e desenvolvimento social sustentados parecem impossíveis” (p. 212). Cabe aos Estados, assim, por exemplo, garantir estabilidade política e econômica, além de uma infra-estrutura de qualidade, tanto física como social. Os Estados são, portanto, definitivamente ativos, podendo reagir, positiva ou negativamente, às exigências das empresas transnacionais. Mas, além dos governos, passam a desempenhar também papel fundamental no processo de globalização a sociedade civil, as organizações não-governamentais (ONGs) e as empresas, que podem ajudar o governo na tomada de decisões.
  • 12. AGLOBALIZAÇÃO,ALGUMASDESUASCONSEQÜÊNCIAS, ALTERNATIVASECAMINHOSPARAOBRASIL 11 Portanto, a agenda internacional adquire uma nova face, em que, se, por um lado, os Estados continuam a desempenhar um papel fundamental, por outro, atores como as empresas transnacionaiseorganizaçõesnão-governamentaisganhamimportânciafundamental. Conforme afirma Brown (2001), a wider agenda for international relations will be addressed, in which the traditional concerns of power politics take second place or, at the very least, are placed in a wider context (p. 235). Assim,nocontextodasociedadeglobal,desenvolvem-seestruturasdepoderpropriamente globais que, por certo, não prescindem das estruturas de poder nacionais, dos sistemas regionais de integração econômica e dos blocos geopolíticos. Por vezes se apóiam neles, por vezes se opõem a eles. Como exemplo, podemos citar as controvérsias sobre como administrar as dívidas interna e externa das nações, como desestatizar ou desregular a economia, como reduzir tarifas e acelerar a integração regional, entre outras, em grande parte levadas a cabo por organizações não-governamentais (ONGs), como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial e a Organização Mundial do Comércio (OMC). Estas são estruturas globais de poder, muitas vezes contraditórias em suas diretrizes ou práticas, mas aparentemente desterritorializadas e que supostamente transcendem os Estados nacionais. Alternativas e estudos de caso Nesta parte do trabalho, pretendo analisar, de forma breve, algumas alternativas dos Estados, em termos de políticas econômicas e/ou sociais, para sua inserção no modelo global atual, focando nossa análise em três casos específicos: a China, o Chile e a Rússia. Não cabe aqui, portanto, discutir a viabilidade ou não do processo de globalização, ou, ainda, discutir se os países devem ou não participar do processo. Partimos da idéia de que a globalização é uma realidade e um processo irreversível, cabendo aos países apenas o papel de discutir como se inserir no modelo e o que fazer, em termos de políticas, sejam elas de ordem econômica e/ou social, para se inserirem no processo da melhor maneira possível. Acredito, ainda, que não cabe também discutir os benefícios ou maléficos do processo de globalização, bastando assinalar aqui que este pode apresentar um ou outro, dependendo da atitude dos governantes de seus países. Até um ferrenho crítico da globalização, como Stiglitz (2004), em seu livro A globalização e seus malefícios, concorda com os potenciais benefícios da globalização, quando afirma que aaberturadocomérciointernacionalajudouváriospaísesacrescermuito mais rapidamente do que teriam crescido sem essa abertura. O comércio internacional ajuda o desenvolvimento econômico quando as exportações de um país impulsionam seu crescimento econômico. (...)
  • 13. RODRIGO ROCHA COUTINHO 12 Graças à globalização, a expectativa de vida em todo o mundo aumentou bastante, e o padrão de vida melhorou muito” (p. 30). Por outro lado, Stiglitz (2004) faz a seguinte ressalva: “para muitos no mundo em desenvolvimento, a globalização não trouxe os benefícios econômicos prometidos” (p. 31). Assim, parece que, se, por um lado, a globalização representou um grande benefício para alguns países, como os do LesteAsiático, por outro, não representou benefícios para uma outra gama de países, como os da África e até mesmo alguns países daAmérica Latina, assemelhando-se mais a um desastre. Como aponta Bhagwati (2004), a administração adequada dos efeitos adversos que certamente ocorrerão com a integração à economia mundial, bem como no curso da transição para tal integração, exige um conjunto complexo de novas políticas e institutos. Enquanto muitos países ricos que passaram por uma guinada significativa em direção à abertura nas décadas posteriores à guerra já realizaram boa parte da transição institucional estando aptos a lidar com os aspectos negativos da abertura, os países pobres não desenvolveram os institutos necessários para enfrentar os desafios de uma maior abertura paraaeconomiamundial. Aelaboraçãoe financiamentode taisinstitutos e políticas, entretanto, não podem ser deixados, simplesmente, a cargo dos governos dessas nações. As instituições internacionais de desenvolvimento e os doadores de países ricos também têm um papel a desempenhar, principalmente no financiamento de governos de caixa baixa,quandoessaspolíticasexijamdesembolsosdefundos,enagarantia de que o apoio institucional para administrar os efeitos adversos da abertura seja implementado rapidamente também nos países pobres (p. 269). Por esses e outros motivos, um ponto importante a ser considerado quando se analisa um processo de transição para a globalização é a velocidade dessa transição. Ela não pode ser muito rápida, como nos mostra o caso da Rússia que analisarei a seguir, mas, eventualmente, também não pode ser muito lenta. Nas palavras de Bhagwati (2004), Embora a globalização possa trazer benefícios econômicos e sociais uma vez feita essa transição (para a globalização), permanece em aberto a questão de quão rapidamente ela deve ser feita. Com efeito, parte da hostilidade contra a globalização tem origem não na globalização em si, mas na velocidade com a qual ela é implantada, quando os estrategistas políticos liberam o comércio, os fluxos de capital e daí por diante, bem comonaeventualfaltademecanismosinstitucionaisparatornartranqüila a transição (p. 250).
  • 14. AGLOBALIZAÇÃO,ALGUMASDESUASCONSEQÜÊNCIAS, ALTERNATIVASECAMINHOSPARAOBRASIL 13 O fato é que não há mais fronteiras, isto é, não apenas aquelas nações que possuem as condições ideais para a fabricação de um determinado produto (recursos, capital e trabalho) são competitivas, mas todas as nações podem, de certa maneira, e eventualmente, o ser. Assim, as nações podem ter, ou vir a desenvolver, condições para fazer parte desse processo de globalização. A participação no processo vai depender da existência, em seu território, de alguma matéria-prima desejada, passando pela mão-de-obra especializada para a realização de determinada tarefa, até possuir um bom mercado consumidor para determinado produto. Como exemplo, podemos citar o esforço realizado pela Coréia no desenvolvimento de mão-de-obra capacitada, através da educação, para atrair investimentos. Situação semelhante ocorreu na Índia, hoje considerada um pólo de indústrias de alta tecnologia, o que foi viabilizado graças ao desenvolvimento – aqui cabe a redundância – de mão-de-obra capacitada e especializada. E não é à toa que economias antes relegadas a um segundo plano por fazerem parte do chamado terceiro mundo ganham importância cada vez maior, por seu mercado consumidor e por serem economias dinâmicas, como é o caso da China, da Índia e do Brasil, por exemplo. Segundo Franco (1999), o ataque à globalização pode fazer sentido na França e na Alemanha, na medida em que os níveis de salários (e empregos) são ameaçados por competidores em países mais pobres. Para este autor, o comércio internacional, como observa Adam Smith, é uma força homogeneizadora, que atua no sentido de equalizar as rendas de diferentes regiões. Dessa forma, é natural que se houver uma queda salarial na França haja, em contrapartida, aumentos salariais na China, por exemplo. Ainda a esse respeito, como aponta Dupas (1999), A outra contradição que alimenta o capitalismo contemporâneo, já referida anteriormente, é a dialética exclusão versus inclusão. Apesar do desemprego estrutural crescente (...), o capitalismo atual garante sua dinâmica também porque a queda do preço dos produtos globais incorpora continuamente mercados (inclusão) que estavam à margem do consumo por falta de renda. Não é à toa que alguns dos maiores crescimentos de várias empresas globais de bens de consumo têm sido registrados nos países periféricos da Ásia e daAmérica Latina, onde se concentra grande parte do mercado dos mais pobres (p. 40). O caso da China Após um longo período (1949-1978) marcado por esforços para resistir à globalização através de um nacionalismo radical socialista, a China inicia sua inserção nesse processo com a abertura econômica, em 1978, impulsionada pela falta de bens de consumo na década de
  • 15. RODRIGO ROCHA COUTINHO 14 1970 e com medidas de liberalização frente à URSS. No entanto, de acordo com Yan (in Berger et Huntington, 2004), A globalização cultural foi apresentada como um tema importante pela primeira vez nos anos 80, durante um debate sobre o status da China no mundo contemporâneo. Tudo começou com um artigo publicado em 1987, alertando para o fato de que, a não ser que a China acelerasse seu processo de reformas, o país provavelmente seria mais uma vez deixado para trás na nova era pós-industrial. Se isso ocorresse, a China iria acabar perdendo seu lugar na emergente aldeia global. O artigo imediatamente atraiu a atenção da mídia e levou a uma discussão do lugar global nos meios acadêmicos e em outros círculos da elite. Na base da discussão estava um apelo urgente por reformas mais radicais e maior abertura na sociedade chinesa, assim como uma forte tendência pós-ocidental, defendendo uma introdução mais agressiva da cultura ocidental na sociedade chinesa. (p. 50). Atualmente, contudo, como complementaYan (in Berger et Huntington, 2004), É consenso entre a maioria dos intelectuais manter a China aberta ao mundo e levar a China a participar ativamente do atual processo de globalização. O nacionalismo radical tem sido rejeitado pela maioria dos intelectuais chineses por ter o potencial de impedir a participação ativa da China no processo de globalização. Essa tese de desenvolvimento-modernização-globalização também é partilhada por líderes do PC chinês, mas o partido-estado sempre se apresenta como a incorporação do desejo da nação, portanto pede a lealdade e o apoio do povo chinês para atingir o objetivo final da nação, a modernização da China (p. 51-52). O sucesso da China, que cresceu a uma taxa média de mais de 6% ao ano ao longo da década de 1990, e que já se tornou o maior consumidor mundial da maioria das commodities¸ comumagrandereduçãodapobreza,explica-se,emgrandeparte,pelaformacomofoiconduzido esse processo. Este começou pela agricultura, com a substituição do sistema de produção coletivo pelo sistema de responsabilidade individual, uma forma de privatização parcial. Essa iniciativa iniciou-se em uma província e, com o sucesso nela obtido, foi se espalhando para outras províncias.
  • 16. AGLOBALIZAÇÃO,ALGUMASDESUASCONSEQÜÊNCIAS, ALTERNATIVASECAMINHOSPARAOBRASIL 15 No entanto, a inflação, em 1988, atingiu aproximadamente 45% e, em 1989, estava em cerca de 25%. Isso ocorreu, principalmente, pela liberalização dos insumos agrícolas e acabou levando ao movimento estudantil de 1989, ocorrido na Praça da Paz Celestial. Em decorrência disso, uma das medidas tomadas pelo governo foi retomar o controle dos preços, instituindo um sistema com dois níveis de preço, e aumentar os subsídios agrícolas. Os preços só foram liberados novamente em 1994, mas os subsídios permaneceram. Em relação às empresas, a China começou a convidar empresas estrangeiras para realizar joint ventures com empresas chinesas, tornando-se o maior foco de investimentos estrangeiros diretos do mundo, e se transformando na oitava economia mundial. Simultaneamente, a China iniciou a criação de uma infra-estrutura institucional e reestruturou empresas chinesas deficientes. Dessa forma, gerou concorrência e empregos antes da privatização e da reestruturação das empresas existentes. Além disso, desde a década de 1980, a China vinha se esforçando para ingressar na Organização Mundial do Comércio, o que veio a ocorrer em 2001. A partir de 1994, o governo chinês declarou que não mais subsidiaria moradia para os funcionários e, a partir de 1997, começou a incentivar a compra dos imóveis. Também em 1997 e em 1998, o governo começou a cobrar pela educação, para reverter o declínio educacional que vinha ocorrendo. Por outro lado, o Estado chinês, ainda conforme Yan (in Berger et Huntington, 2004), sempre observou cuidadosamente e controlou firmemente as áreas do desenvolvimento intelectual e da movimentação social, pois a primeira representa uma ameaçadiretaàideologiacomunista,enquantoasegunda pode levar à ação coletiva em larga escala, o que é fonte de grande temor para o partido-estado (p. 53). Para evitar essa ameaça, campanhas ideológicas vêm sendo utilizadas contra a influência da cultura estrangeira, e as indústrias editorial, cinematográfica e televisiva, bem como a imprensa continuam sob o controle total do Estado. Portanto, o caso da China, concluiYan (in Berger et Huntington, 2004), apresenta várias características interessantes. A globalização tem sido reinterpretada como parte do esforço de modernização, um componente importante dos objetivos do partido-estado; a maioria dos membros da elite cultural defende a abertura para o processo de globalização e tem sidofundamentalparaatraduçãoculturalealocalização;opartido-estado chinês tem desempenhado um papel de liderança ativa em quase todos os aspectos do processo, e agindo assim pretende garantir sua legitimidade e poder; e a população também tem demonstrado um forte desejo de aceitar, localizar e mesmo se apropriar de elementos da cultura estrangeira importada (p. 57).
  • 17. RODRIGO ROCHA COUTINHO 16 Daqui para a frente, a China talvez venha a enfrentar algumas questões delicadas, devido a seu fraco sistema bancário, sua moeda desvalorizada e, até mesmo, por questões geográficas – grande parte de sua extensão territorial é desértica e fria, e a falta de água é uma questão iminente. Da mesma maneira, ainda há uma desigualdade muito grande entre ricos e pobres, e entre as grandes cidades e o interior do país. Dessa forma, não se sabe até aonde a China poderá ir, mas é inegável que conseguiu enormesavançoscomsuaabertura,realizadadeumaformapensadaeestruturada,sobocomando de um braço forte. A China é hoje, sem dúvida, um dos mais influentes países do mundo, principalmente em termos de comércio internacional. O caso do Chile O Chile foi pioneiro na região a inserir-se no movimento de globalização, sustentado por uma economia forte, propiciada por reformas econômicas bem-sucedidas, ainda que realizadas sob o regime militar (1973-1990) e conduzidas por economistas, em sua grande maioria formados pela Universidade de Chicago (EUA). No Chile impera o mecanismo de livre-mercado, com competição, propriedade privada, desregulamentação e privatização, preços de mercado, economia aberta com baixas tarifas, entre outras coisas. O país adotou, ainda, um sistema de financiamento da educação, da saúde e da previdência, administrados pela iniciativa privada, e conta com leis trabalhistas flexíveis. De acordo com Talavera (in Berger et Huntington, 2004), Entre 1984 e 1998, o Chile dobrou sua renda per capita; entre 1987 e 1998, a proporção da população vivendo abaixo da linha da pobreza caiu de 44,4% para 22,2%; o percentual dos mais pobres, os destituídos, caiu de 16,5% para 5,6% (p. 286). Aabertura do mercado chileno ocorreu na década de 1970. De acordo com Talavera (in Berger et Huntington, 2004), em 1970, o volume de comércio internacional do Chile correspondia a 38% do PIB; mas, com a queda das tarifas médias, de aproximadamente 105% (com variações de 0% a 750%) para uma tarifa uniforme de 10% entre 1974 e 1979, o volume de comércio internacional alcançou 90% do PIB em 1990. Além disso, a expectativa de vida no país subiu de 64 anos em 1970 para 75 anos em 1997, enquanto que a taxa de mortalidade infantil caiu de 82,3 para cada mil nascidos, em 1970, para 10,3 para cada mil, em 1998. No entanto, a desigualdade de renda permanece praticamente a mesma de 30 anos atrás; ou seja, o Chile tornou-se uma economia mais rica, mas ainda extremamente desigual.
  • 18. AGLOBALIZAÇÃO,ALGUMASDESUASCONSEQÜÊNCIAS, ALTERNATIVASECAMINHOSPARAOBRASIL 17 O Chile é, também, um país fortemente religioso, que confia na igreja e nas instituições religiosas. Nesse sentido, o Chile demonstra resistir a determinadas influências globalizantes. Não é à toa, por exemplo, que o divórcio e o aborto são proibidos naquele país. Dos países da América Latina, ao longo da década de 1990, o que mais cresceu, em termos de PIB per capita, foi o Chile. E, na década de 1980, a chamada década perdida, o Chile, junto com a Colômbia, foi o único país que cresceu (Abreu, 2005). O Chile buscou estimular e diversificar as exportações. Assim, é hoje o segundo produtor de salmão cultivado do mundo, atrás apenas da Noruega, e é um exportador significativo de frutas e de vinho; este último produto, perceptivelmente, invadiu os mercados mundiais. No entanto, as exportações chilenas são, ainda, bem concentradas em produtos primários, como os já mencionados acima, além do cobre. Diante do exposto, o Chile, como a China, é um caso interessante, pois, também de uma maneira pensada e estruturada, abriu seu mercado – é hoje uma das economias mais abertas do mundo –, sempre com o suporte de reformas estruturais (econômicas, políticas e sociais), ainda que realizadas sob um regime militar e ditatorial. Com isso, obteve um bom crescimento econômico, sendo sua economia considerada, hoje em dia, uma das mais estáveis e sólidas do mundo. Por outro lado, nada garante que não enfrente problemas no futuro, pois ainda é um país extremamente desigual e agrário. O caso da Rússia O caso da Rússia é um exemplo interessante, pois, como a China, é um país que se abriu ao mercado após um longo período sob o regime socialista. No entanto, o interesse sobre a Rússia é resultante também do fato de ser um exemplo, de certa maneira, negativo, no que diz respeito à sua transição para uma economia de mercado e à sua inserção no processo de globalização. O processo de transição da economia russa para uma economia de mercado pode ser explicado em cinco níveis, ou momentos. O primeiro deles trata da estabilização econômica. Durante a década de 1990, após a queda do regime socialista, todas as ex-Repúblicas experimentaram taxas de inflação altíssimas, chegando a atingir níveis superiores a 1.000% ao ano.Emparalelo,veioacrisefiscal:aquedadaproduçãoreduziuautomaticamenteaarrecadação de impostos, gerando um déficit cada vez maior na economia, uma vez que o governo manteve suas despesas com os programas sociais e a produção de armamentos. Foram necessários alguns anos – e muito aprendizado – para se alcançar uma certa estabilização.
  • 19. RODRIGO ROCHA COUTINHO 18 Cabe ressaltar que a hiperinflação foi uma decorrência, pelo menos em parte, da economia planificada que movia a antiga União Soviética (URSS). Como o governo planejava tudo (preços, produção, entre outras coisas, tanto para a indústria, como para a agricultura), com o fim da URSS e o conseqüente término do forte controle sobre o planejamento, a produção entrou em colapso (choque de oferta), pois não se sabia mais o que produzir e em que quantidade, o que acarretou uma enorme queda da arrecadação federal. Ao choque de oferta, soma-se a crise fiscal, decorrente do déficit (arrecadação menos gastos), e a necessidade de oferta monetária, pois com os ajustes de preço que vinham ocorrendo, a demanda por moeda aumentou significativamente e o sistema bancário não suportou, havendo, inclusive, ágio por capital circulante em determinados momentos. Soma-se a isso um outro componente, o da demanda, que manteve o funcionamento de diversos programas sociais. O segundo ponto se refere à própria transição para o mercado. A cultura da economia planificada – que interligava as atividades produtivas e as situava sob o controle de um comando centralizado no governo – foi imediatamente substituída pelo modelo de economia de mercado. Nesse processo de transição, diversas medidas de estabilização econômica foram tomadas, como a reforma tributária, o ajuste fiscal – neste caso, emergencial, com muito custo social e pouco ajuste em gastos militares, para evitar riscos com armamentos nucleares, por exemplo –, a privatização, a liberalização de preços e câmbio e a reforma dos sistemas financeiros, com a criação de moedas nacionais e de bancos centrais independentes, dentre outras medidas. É importante ressaltar que, na maioria dos países da antiga URSS, prevalecem investimentos estrangeiros em grandes indústrias lucrativas (setores petrolíferos, de mineração e de telecomunicações) – até pela falta de recursos nacionais para adquirir estas empresas –, enquanto que as pequenas indústrias e os estabelecimentos comerciais foram, em sua maioria, incorporados pelos próprios funcionários, ou permaneceram estatais. O terceiro ponto diz respeito à questão da desconexão produtiva: a população não estava preparada para o fim da URSS. Muitos já vislumbravam mudanças no sistema, porém não tão radicais e definitivas. O sistema econômico vigente à época (de planificação) foi substituído abruptamente, gerando um vácuo operacional que teve como conseqüência a total desorganização das cadeias de produção. Muitos setores da economia simplesmente deixaram de funcionar por falta de comando ou diretrizes. Essa desconexão acarretou, ao longo da década de 1990, uma profunda estagnação econômica, com a redução do PIB de até 70%, em algumas ex-Repúblicas. Aretomada do crescimento da Rússia só veio a acontecer a partir de 1999. Os últimos aspectos tratam dos processos de independência política do Estado e da criação das Nações. Além da construção de toda a máquina estatal (estruturas burocráticas, cargos, departamentos e instituições), era necessário construir a própria identidade cultural de cada ex-República Soviética. Com exceção dos Países Bálticos e da Rússia, que já possuíam referênciasculturaispróprias,nasdemaisRepúblicasapopulaçãoseidentificavacomosoviética.
  • 20. AGLOBALIZAÇÃO,ALGUMASDESUASCONSEQÜÊNCIAS, ALTERNATIVASECAMINHOSPARAOBRASIL 19 Por isso, além de todas as mudanças no sistema, o fim da URSS representou, para a maioria da população, a perda de sua identidade nacional e, assim, foi preciso buscar referências, adotar os antigos idiomas locais e resgatar valores do passado, com a finalidade de se criar em cada ex-República o conceito próprio de Nação. Pelo exposto acima, devemos considerar a Rússia como um exemplo fundamental, já que solidifica a hipótese de que o processo de transição pode ser benéfico, como nos mostram os casos do Chile e da China, mas tem de ser realizado de uma forma cautelosa, pensada e estruturada, e deve ter como suporte reformas que insiram o país no processo de globalização com condições de competir. Conclusão: caminhos para o Brasil É nos anos de 1990 que o Brasil experimenta uma maior inserção no contexto global, adotando as políticas recomendadas pelo que ficou conhecido como Consenso deWashington. Como políticas sugeridas pelo Consenso de Washington para a América Latina nas décadas de 1980 e 1990, pode-se mencionar a austeridade fiscal, a privatização e a liberalização dos mercados. Aausteridadefiscaléfundamental,poisospaísesnãopodempermanecercontinuamente com déficit elevado. No entanto, austeridade fiscal em demasia pode gerar recessão, e altas taxas de juros podem inibir investimentos diretos. Quanto à privatização, pode-se dizer que faz sentido, porque libera os governos da gestão de atividades que não são, necessariamente, de sua competência. Dessa forma, as empresas, depois de privatizadas, tendem a se tornar mais produtivas, com redução de custos e aumento de lucros. Por outro lado, no entanto, alguns empregos podem ser perdidos neste processo e, para contrabalançar esta tendência, outras políticas públicas, como a redução das taxas de juros, devem ser desenvolvidas, de forma a gerar empregos em outros setores / indústrias. Aliberalização deve, a meu ver, otimizar a receita de um país por deslocar recursos das atividades menos produtivas para as mais produtivas, efeito da chamada vantagem comparativa. Por outro lado, é provável que preços mais baixos, em decorrência da entrada de produtos importados, gerem desemprego nas indústrias locais fabricantes destes produtos, que são agora também importados. No entanto, não se pode afirmar que o desemprego do país aumente, como conseqüência. Isso porque esta mão-de-obra poderia ser deslocada para outros setores exportadores, que vão se expandir com a liberalização do comércio, e o índice geral de desemprego acaba por permanecer no mesmo, ou quase, patamar. Foi o que ocorreu, por exemplo, nos países do LesteAsiático, processo fruto de uma liberalização cautelosa. À medida que iam sendo criados novos empregos, outros estágios de liberalização iam ocorrendo. Outro fator que desempenha um importante papel no crescimento e desenvolvimento econômico é o investimento estrangeiro direto, propiciado por uma estabilidade
  • 21. RODRIGO ROCHA COUTINHO 20 macroeconômica, austeridade fiscal, liberalização e privatização. No entanto, há de se ter uma regulamentação sólida para propiciar a concorrência e evitar que o capital estrangeiro quebre a indústria nacional, estabeleça um monopólio e inicie um processo de aumento de preços. Em países como os EUA e os do Leste Asiático, o governo desempenhou um papel essencial para garantir justiça social e competitividade. Assim, procurou oferecer educação de alta qualidade para todos os habitantes e fornecer uma infra-estrutura institucional e um sistema legal eficaz, além de estabelecer uma rede de segurança para os pobres e promover o desenvolvimento da tecnologia. Cabe ao Brasil, portanto, fazer bom uso dos exemplos positivos de nações bem- sucedidas rumo ao desenvolvimento. Como menciona Landes (1998), “os japoneses, tal como os alemães, construíram sua recuperação à custa de força de trabalho, educação e determinação” (p. 530). Por fatores históricos, o Brasil já possui uma indústria desenvolvida, ao contrário de outros países daAmérica Latina, como o Chile, o Paraguai e aArgentina. Além disso, um certo protecionismo pode ser bom para as economias, pelo menos ao longo de determinados períodos, como o foi para países como os EUA e o Japão. No entanto, uma diferença que cabe aqui ressaltar é que, enquanto economias como a americana e a japonesa protegiam suas indústrias para que estas buscassem condições de competir, no Brasil, por exemplo, protegeu-se a indústria, não com a intenção de impulsionar a competitividade desta, mas por interesses nacionais ou em decorrência de políticas anticolonialistas. Como aponta Landes (1998), a maioria das nações latino-americanas recorreram à manipulação comercial e monetária: barreiras e quotas de importação, taxas diferenciais de câmbio, uma carapaça de restrições que alguns denominaram o “modelo introspectivo” – e, é claro, a tomada de empréstimos.Tais medidas podem proporcionar alívio temporário, mas por um pesado preço: constantes ajustes, mercados negros de moeda, inflações desenfreadas, custos elevados das transações, um arrefecimento do investimento estrangeiro (p. 557). Por todo o exposto acima, a lição que se pode tirar, como afirma Landes (1988), é que “nenhuma nação é tão eficaz, tão efetiva, quanto aquela que as próprias pessoas se habilitam para realizar por si mesmas, sem a ajuda alheia” (p. 592). Portanto,cabeaoBrasilbuscarasalternativasqueolevemaumaefetivaepositivainserção no mercado internacional e no mundo do comércio internacional. É necessário, assim, a meu ver, entre outras coisas: fortalecer os indicadores macro econômicos, mas com uma redução dosjuros,deformaagarantiraatraçãodeinvestimentos;buscarumataxadecâmbioequilibrada; garantirosuperávitfiscal,comadiminuiçãodosgastosdogoverno,parareduziroendividamento do país; garantir a queda das taxas de juros e do risco país e, futuramente, reduzir os impostos, para atrair ainda mais investimentos.
  • 22. AGLOBALIZAÇÃO,ALGUMASDESUASCONSEQÜÊNCIAS, ALTERNATIVASECAMINHOSPARAOBRASIL 21 A inflação, no Brasil, ainda está em um nível superior à dos países desenvolvidos, e freqüentemente tem ultrapassado as metas planejadas pelo governo. Emrelaçãoaosmercadosfinanceiros,oBrasilpossuiummercadodeaçõesaindapequeno, a negociação da dívida pública ainda tem foco no curto prazo, há um controle grande do Estado na concessão de créditos – que permanece muito regulamentado –, e o nível de poupança ainda émuitobaixo. Emrelaçãoaempréstimos,umagravantenocasobrasileiroéagrandequantidade de empréstimos tomados pelo governo, a quem bancos e instituições financeiras preferem emprestar, em função do risco mais baixo. Dessa forma, a quantidade de empréstimos a que os investidores privados têm acesso é muito baixa, dificultando investimentos e crescimento. As taxas de câmbio, apesar de não oficialmente, ainda são controladas pelo governo brasileiro, no regime de flutuação suja. Nesse caso, o Brasil tem caminhado no sentido da liberalidade, mas ainda há um forte controle do Banco Central do Brasil sobre o mercado de câmbio, comprando e/ou vendendo moeda dependendo da situação do mercado. Adicionalmente,oenvolvimentodogovernonaeconomiaaindaébastantegrande. Muitos setores são, até hoje, extremamente regulamentados, com boa parcela de empresas ainda estatais, e, em diversos outros, os investimentos são monopólio estatal ou extremamente restritos ao capital externo, o que diminui o nível de investimento na economia. Assim, cabe ao governo brasileiro privatizar setores ainda estatais e que sejam improdutivos do ponto de vista financeiro, já que administrar empresas não é, e nunca foi, a especialidade dos governos, como nos tem comprovado a história. Portanto, a privatização destes setores poderia reduzir a máquina governamental e reduzir, conseqüentemente, os custos do governo. A privatização vem à tona com o conceito de redefinição do papel do Estado, através da transferência de suas atividades para o setor privado, com o saneamento das estruturas financeiras nos níveis federal, estadual e municipal, e a conseqüente redução do endividamento do setor público. Assim, o governo pode se redirecionar para atividades de cunho social, como saúde, educação, habitação, segurança pública, apoio à pesquisa e desenvolvimentos tecnológicos. Portanto, caberia ao governo a gestão daquilo que deveria ser seu papel fundamental – garantir educação, saúde e segurança pública para a população. Com o aumento dos investimentos em educação, teríamos, conseqüentemente, um aumento da qualificação dos trabalhadores, e uma consciência maior, principalmente da população de mais baixa renda, quanto às formas de se evitar doenças e gravidezes inesperadas que, muitas vezes, aumentam, simplesmente, a massa de excluídos, os quais podem ingressar na criminalidade ou viver à margem da sociedade, como seus pais. Ainda em relação à educação, o governo brasileiro, já que não tem condições de garantir educação de primeiro, segundo e terceiro graus a todos, deveria focar na educação fundamental paratodos(entenda-seaqui,primeiro,fundamentalmente,esegundograus),aoinvésdefornecer
  • 23. RODRIGO ROCHA COUTINHO 22 educação de primeiro e segundo graus de baixa qualidade para uma parcela da população e garantir educação de terceiro grau de boa qualidade para uma – como ocorre no Brasil – minoria já privilegiada da população, como se pode observar nas universidades públicas Brasil afora. Com a privatização das universidades públicas, grande parte desses recursos poderia ser movido para a educação primária e secundária. Há de se tomar cuidado, no entanto, com essa medida, pois é nas universidades públicas (comalgumasexceções,comoéocasodasPUCs)quesãorealizadasgrandepartedaspesquisas, necessárias para se desenvolver um país. Assim, com isso, não estou querendo dizer que o governo deve deixar de exercer um controle de qualidade sobre as universidades, tendo em vista que estas devem, além de fornecer ensino de qualidade – o que abastece as empresas nacionais de profissionais bem formados – desenvolver centros avançados de pesquisas, que poderiam trazer grandes benefícios ao país e à sua população. Além disso, o governo deve criar políticas que garantam infra-estrutura de qualidade para o desenvolvimento do Brasil de uma maneira abrangente, com o desenvolvimento de rodovias, ferrovias e hidrovias que gerem uma integração maior entre as regiões do país e possibilitem uma diversificação, em termos locais, dos investimentos. No entanto, não se trata de abrir o Brasil de uma maneira brusca e desorganizada, mas, sim, seguindo um planejamento bem traçado, de forma a regulamentar os investimentos de um modo que não seja nocivo ao país. No caso da privatização de estradas, por exemplo, o governo deve garantir que o investimento tenha retorno para os investidores, mas também que estes forneçam um serviço de qualidade e a preços acessíveis à população. Aqui, cabe mencionar que mesmo países tradicionalmente fechados ao processo de globalização já vêm realizando concessões ao comércio internacional. É o caso, por exemplo, como se pode observar nas palavras de RicardoAlarcon de Queseda, presidente daAssembléia Nacional do Poder Popular da República de Cuba: Considerando que no mundo atual, sem o campo socialista, com uma economia mundial que se globaliza e fortes tendências hegemônicas no campo econômico, político e militar, Cuba, para preservar suas conquistas e submetida a um feroz bloqueio, carecendo de capital, de determinadas tecnologias, muitas vezes de mercado e necessitada de reestruturarsuaindústriapodeobter,atravésdoinvestimentoestrangeiro, na base do mais estrito respeito à independência e a soberania nacional, benefícios com a introdução de tecnologias novas e avançadas, a modernização de suas indústrias, maior eficiência produtiva, a criação de novos postos de trabalho, melhoria da qualidade dos produtos e dos serviços, e uma redução nos custos, maior competitividade no exterior, acesso a determinados mercados, os quais, em conjunto, apoiariam os esforços que o país deve realizar em seu desenvolvimento econômico social (in ABAMEC-Rio, p. 23).
  • 24. AGLOBALIZAÇÃO,ALGUMASDESUASCONSEQÜÊNCIAS, ALTERNATIVASECAMINHOSPARAOBRASIL 23 Em relação às exportações brasileiras, ainda há uma certa concentração em produtos primários – minério, aço bruto, soja, açúcar, álcool, laranja, gado, entre outros. Essa situação têm se revertido no Brasil, que já exporta produtos industrializados – como carros, motos, eletroeletrônicos, produtos de linha-branca, entre outros –, mas ainda em escala inferior ao ideal. O país deveria focar esforços na exportação de bens de maior valor agregado, como fazem boa parte – ou todos – os países desenvolvidos, através de políticas de incentivo a estas exportações. Sobre exportações, por exemplo, o Brasil poderia, a meu ver, ao invés de exportar pele de boi inteira, exportar couro processado, que possui maior valor agregado, ou aço em lugar de minério, iniciativa que a CompanhiaVale do Rio Doce tem tentado desenvolver. Além disso, o governo poderia estimular o desenvolvimento de outras atividades voltadas para a exportação e atualmente pouco exploradas, como a pesca, por exemplo, mencionada, inclusive, na Revista Veja (edição 1908, de 8 de junho de 2005). Do ponto de vista político, cabe ao governo realizar a reforma política, com a redução da quantidade de partidos inexpressivos, que dificultam o andamento político do país, e aumentar a adesão partidária. Acredito, ainda, que o governo – neste caso nas esferas Federal, Estadual e Municipal – deveria desenvolver um programa de conscientização da população, mostrando que o processo é lento e que não trará resultados imediatos, mas sim a médio e longo prazos. É meu ponto de vista, também, que o governo, por mais demagogo que isto possa parecer, deveria desenvolver um programa de conscientização da população quanto à noção de cidadania e incentivar um maior conhecimento da cultura brasileira. Como afirma Landes (1998), “se aprendemos alguma coisa através da história do desenvolvimento econômico, é que a cultura é a principal geradora de suas diferenças” (p. 584). Essas noções, a meu ver, básicas, embutem um sentimento de coletividade na consciência das pessoas. Como DaMatta (2005) costuma dizer, o grande e maior preconceito dos brasileiros é contra os próprios brasileiros, algo que se expressa sob a forma de uma discriminação interna que chega a impressionar. Pode-se verificar isso, por exemplo, em atitudes de brasileiros que acham que tudo que vem de fora é melhor, ou que lá fora, as coisas funcionam melhor, dentre outras manifestações. Em relação ao comércio, não sou tão cético quanto alguns críticos com relação à postura do governo brasileiro atual, que vem buscando uma negociação mais ampla, em esfera global, com países menos privilegiados e à margem do “coração” do comércio internacional, como é o caso dos países africanos. No entanto, acho que o Brasil não pode e não deve colocar à margem países no centro do comércio, como os países desenvolvidos, do chamado primeiro mundo, e outros que, embora já mais expressivos agora, ainda têm um enorme potencial de desenvolvimento, como a China, a Índia, a Rússia e o Chile. Ao contrário, o Brasil deveria focar seus esforços nestes países, pois, parodiando o que se diz em relação aos esportes, não se treina com parceiros mais fracos, mas sim com aqueles mais fortes, sempre em busca de
  • 25. RODRIGO ROCHA COUTINHO 24 evolução. É destes que se pode tirar as melhores lições, que nem sempre se aplicam à nossa realidade, mas que, mesmo assim, não deixam de ser casos de sucesso. Por fim, acredito que a globalização é um caminho irreversível, e que pode ser bastante positivo, se explorado de maneira correta. Não acredito, no entanto, que haja alguma receita pré-determinada ou algum exemplo que deva ser seguido à risca, mas que haja, no mundo, diversosexemplosdealternativasecaminhosbemsucedidosequedevemsermelhorestudados. Ao Brasil, caberia tirar o melhor proveito dessas experiências de sucesso, adaptando, quando for o caso, certas medidas à sua realidade, em busca de seu próprio sucesso.
  • 26. AGLOBALIZAÇÃO,ALGUMASDESUASCONSEQÜÊNCIAS, ALTERNATIVASECAMINHOSPARAOBRASIL 25 REFERÊNCIASBIBLIOGRÁFICAS ABAMEC-Rio (Associação Brasileira dosAnalistas do Mercado de Capitais do Rio de Janeiro. RevistaABAMEC. Rio de Janeiro, jul. 2000. 28 p. Edição especial. ABREU, Marcelo de Paiva. Which “industrial policies” are meaningful for Latin America? Rio de Janeiro, 2005, 45 f. Texto para discussão n. 0493, Departamento de Economia, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. BERGER, Peter L.; HUNTINGTON, Samuel P. (Orgs.). Muitas globalizações: diversidade cultural no mundo contemporâneo; tradução de Alexandre Martins. Rio de Janeiro: Record, 2004. 417 p. BHAGWATI, Jagdish N. Em defesa da globalização: como a globalização está ajudando ricos e pobres; tradução de Regina Lyra. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. 347 p. BRIGAGÃO, Clóvis; RODRIGUES, Gilberto M. A. Globalização a olho nu: o mundo conectado. 2. ed. reform. São Paulo: Moderna, 2004. 144 p. BROWN, Chris. UnderstandingInternationalRelations. 2nd.ed.p.cm.NewYork:Palgrave, 2001. 296 p. CLARK, Ian. Globalization and International Relations Theory. New York: Oxford University, 1999. 197 p. COUTINHO, Rodrigo R.. Os processos de fusões e aquisições e as privatizações de empresas no contexto da economia globalizada. Rio de Janeiro, 1997. 60 f. Monografia (Graduação em Administração de Empresas) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. DAMATTA, Roberto A.. Tocquevilleanas – notícias da América: crônicas e observações sobre os Estados Unidos. Rio de Janeiro: Rocco. 432 p. DUPAS, Gilberto. Economia global e exclusão social. 2. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000. 241 p.
  • 27. RODRIGO ROCHA COUTINHO 26 DUROSELLE, Jean-Baptiste; KASPI,André. Histoire des relations internationals: de 1945 à nos jours. 13e édition mise à jour. Paris: Armand Colin, 2002. Tome 2. 685 p. FRANCO, Gustavo H. B.. O desafio brasileiro: ensaios sobre desenvolvimento, globalização e moeda. 2. ed. São Paulo: 34, 2000. 349 p. HALL,Stuart. Aidentidadeculturalnapós-modernidade;traduçãodeTomazTadeudaSilva, Guaracira Lopes Louro. Rio de Janeiro: DP&A, 1997. 111 p. HELD, David; McGREW,Anthony.Prós e contras da globalização; tradução deVera Ribeiro. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2001. 107 p. IANNI, O.. AEra do Globalismo. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996. 325 p. KRUGMAN, Paul; OBSTFELD, Maurice. Economia internacional: teoria e política. 6. ed. Rio de Janeiro: Makron, 2005. 576 p. LANDES, David S.. Ariqueza e a pobreza das nações: por que algumas são tão ricas e outras são tão pobres; tradução de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Campus, 1998. 760 p. MICHALET, Charles-Albert. Qu´est-ce que la mondialisation? Paris: La Découverte, 2004. 209 p. OHMAE, Kenichi. O fim do estado-nação: a ascensão das economias regionais; tradução de Ivo Korytowski. Rio de Janeiro: Campus, 1996. 214 p. SEGRILLO,Ângelo. FimdaURSSeanovaRússia:deGorbachevaopós-Yeltsen.Petrópolis, RJ: Vozes, 2000. 152 p. SEITENFUS, RicardoA. S. Relações Internacionais. Barueri, SP: Manole, 2004. 267 p. STIGLITZ, Joseph E.. A globalização e seus malefícios: a promessa não-cumprida de benefíciosglobais;traduçãodeBazánTecnologiaeLingüística.4.ed.SãoPaulo:Futura, 2003. 327 p. ______. Os exuberantes anos 90: uma nova interpretação da década mais próspera da história.; tradução de Sylvia Maria S. Cristóvão dos Santos, Dante Mendes Aldrighi, José Francisco de Lima Gonçalves, Roberto Mazzer Neto. São Paulo: Cia. Das Letras, 2003. 390 p.