A Comissão da Verdade do Brasil decidiu investigar os depoimentos da presidente Dilma Rousseff sobre as torturas sofridas durante a ditadura militar que foram revelados pelo jornal Estado de Minas. A comissão nomeou uma historiadora para analisar os registros do Conselho de Defesa dos Direitos Humanos de Minas Gerais sobre o período. Os detalhes das torturas de Dilma em Juiz de Fora, incluindo choques elétricos e espancamentos, podem lançar nova luz sobre as violações de direitos humanos durante a ditadura.
Comissão da Verdade convoca historiadores para analisar depoimentos de Dilma sobre torturas
1. E STA D O D E M I N A S ● T E R Ç A - F E I R A , 1 9 D E J U N H O D E 2 0 1 2
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POLÍTICA
EDITOR: Baptista Chagas de Almeida
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Historiadores são convocados para analisar depoimentos da presidente sobre o período em
que foi torturada nas prisões do estado, publicados pelo Estado de Minas com exclusividade
COMISSÃO DA VERDADE
Na trilha de Dilma em Minas WILSON DIAS/ABR
DANIEL CAMARGOS
A Comissão da Verdade vai Comissão da Verdade, José
investigar o conteúdo do acer- Carlos Dias e Maria Rita Kehl,
vo do Conselho de Defesa dos se reuniram ontem em São
Direitos Humanos de Minas Paulo e tomaram a decisão, co-
Gerais (Conedh-MG) para ten- municando o fato a Heloísa.
tar jogar luz na história das tor- “Os depoimento, inéditos, re-
turas sofridas pela presidente velam graves violações aos di-
Dilma Rousseff (PT) e por ou- reitos humanos. Devemos in-
tros militantes à época da dita- vestigar”, comentou José Car-
dura militar (1964–1985). “Re- los Dias. Gilson Dipp acredita
cebi a determinação de mobi- que, até o momento, não há
lizar os pesquisadores para le- necessidade de convocar a
vantar quais são os depoimen- presidente, mas não descarta a
tos colhidos pelo Conedh-MG possibilidade de ouvi-la sobre
e qual o conteúdo do acervo”, as torturas sofridas no perío-
afirma a assessora da Comis- do. “Os detalhes do depoimen-
são da Verdade e historiadora to são pesados e doloridos",
da Universidade Federal de Mi- afirmou Dipp.
nas Gerais (UFMG), Heloísa A Comissão da Verdade te-
Starling. O depoimento de Dil- rá dois anos para elaborar um
ma e os detalhes da tortura so- amplo relatório do que for
frida pela presidente em Juiz apurado sobre casos graves de
de Fora, na Zona da Mata, fo- violações de direitos huma-
ram revelados com exclusivi- nos, como torturas, mortes e
dade pelo Estado de Minas. desaparecimentos, mas a in-
Até então sabia-se apenas das tenção é que o levantamento
prisões e abusos dos militares sobre as torturas e prisões de
quando Dilma esteve presa em Dilma seja feito o mais rápido
São Paulo e no Rio de Janeiro. possível. O testemunho da
A Comissão da Verdade foi presidente Dilma, revelado pe-
nomeada pela própria Dilma lo EM, foi prestado em 2001,
Gilson Dipp e José Carlos Dias, integrantes da comissão criada no mês passado: “Violações dos direitos humanos devem ser investigadas” no mês passado e tem a mis- quando ela era secretária das
são de apurar principalmente Minas e Energia do governo
JAIR AMARAL/EM/D.A PRESS - 23/10/08 os fatos ocorridos durante o do Rio Grande do Sul e nem
período da ditadura militar no imaginava que se tornaria pre-
Brasil. Heloísa é a única asses- sidente do país.
sora historiadora da comissão Dilma narrou, de forma de-
FATOS DA e pode, se for necessário, mobi- talhada e emocionada, as ses-
lizar até 19 pesquisadores para sões de humilhações provoca-
HISTÓRIA fazer um levantamento no das por torturas no pau de ara-
acervo da Conedh-MG, sendo ra, eletrochoques, socos e chu-
O ministro da Defesa, Celso que a maior parte são historia- tes, que causaram deformação
Amorim, afirmou ontem dores da UFMG. O acervo do na arcada dentária dela. A cor-
que relatos como o da Conedh-MG tem mais de 700 reção da arcada dentária foi
presidente Dilma Rousseff processos, que foram abertos uma das cirurgias a que Dilma
com o objetivo de indenizar os se submeteu às vésperas da
sobre as torturas sofridas
presos políticos do estado. campanha presidencial de
durante o regime militar A comissão tem sete inte- 2010. “A pior coisa é esperar
“são fatos da história”. Ele grantes: o coordenador, Gil- por tortura”, diz ela no relato
evitou se estender sobre o son Dipp, ministro do Supe- de 2001. "As marcas da tortura
tema. “São fatos da rior Tribunal de Justiça (STJ); sou eu. Fazem parte de mim.”
história. Eles vão José Carlos Dias, advogado e A presidente já havia sido
aparecendo. Cada cidadão ex-ministro da Justiça; Rosa torturada em São Paulo e no
forme a sua ideia sobre Maria Cardoso da Cunha, ad- Rio de Janeiro e voltou a passar
isso. A Comissão da
Verdade é para que as
Recebi a determinação de mobilizar os vogada; Cláudio Fonteles, ex-
procurador-geral da Repúbli-
pelas humilhações devido aos
militares acreditarem que ela
pessoas conheçam os fatos pesquisadores para levantar quais são os ca; Paulo Sérgio Pinheiro, so-
ciólogo; Maria Rita Kehl, psica-
recebeu bilhetes de Ângelo Pe-
zzuti, principal dirigente do
sobre todos os ângulos”,
disse ele, em visita à depoimentos colhidos pelo Conedh-MG nalista; e José Paulo Cavalcan-
ti Filho, advogado.
Comando de Libertação Na-
cional (Colina), do qual Dilma
exposição Humanidade,
no Forte de Copacabana e qual o conteúdo do acervo” Dois dos sete membros da fez parte.
■ Heloísa Starling, assessora da Comissão da Verdade e historiadora da UFMG
❚ LEIA MAIS SOBRE A TORTURA NO PERÍODO DA DIDATURA
PÁGINAS 4 E 5 ❚
O QUE JÁ FOI MOSTRADO
» O Estado de Minas iniciou domingo uma série de reportagens em que
revela com exclusividade documentos, até então inéditos, que comprovam
que a presidente Dilma Rousseff foi torturada nos porões da ditadura em
Juiz de Fora, Zona da Mata mineira, e não apenas em São Paulo e no Rio
de Janeiro, como se pensava. Os documentos reproduzem o depoimento
pessoal de Dilma ao Conselho dos Direitos Humanos de Minas Gerais
(Conedh-MG), em outubro de 2001, no qual ela relata com detalhes todo
o sofrimento vivido em Minas como a militante política de codinome
Estela, aos 22 anos. “Se o interrogatório é de longa duração, com
interrogador ‘experiente’ele te bota no pau de arara alguns momentos e
depois leva para o choque, uma dor que não deixa rastro, só te mina”,
contou Dilma na época.
» Na edição de ontem, o EM mostrou que bilhetes endereçados a Dilma e
interceptados por agentes militares foram os responsáveis por novas
sessões de tortura em Minas. Os militares acreditavam que ela teria
organizado, no fim de 1969, um plano para dar fuga ao militante Ângelo
Pezzuti, que usava o codinome Gabriel. Por causa de 22 bilhetes
encaminhados para a militante Estela, um dos codinomes usados por
Dilma, ela teria voltado a ser torturada. A série de reportagens iniciada
domingo teve repercussão na imprensa internacional. A presidente leu seu
conteúdo antes de embarcar para o México, mas preferiu ficar em silêncio. FOTOS: REPRODUÇÃO/EM