1. ciência ainda não conseguiu
desenvolver um método para
prever o futuro. O amanhã
ao amanhã pertence. Entre-
tanto, estudos na área da
Engenharia Antecipatória, que utilizam o
suporte da chamada Inteligência Artificial
(IA), já conseguem traçar tendências e de-
linear, com boa margem de êxito, cenários
passíveis de serem concretizados mais à
frente. Em sua tese de doutorado, defen-
dida na Faculdade de Engenharia Elétrica
e de Computação (FEEC) da Unicamp,
o cientista da computação Carlos Rena-
to Belo Azevedo valeu-se dos recursos da
Engenharia Antecipatória para projetar o
comportamento do mercado financeiro.
Ao buscar identificar decisões de compra
e venda de ações que mantivessem abertas
as opções futuras de um investidor fictício,
a ferramenta aumentou a riqueza acumu-
lada deste em cerca de 60%, mesmo sem
ter sido programada explicitamente para
maximizar os ganhos financeiros no longo
prazo. O trabalho, que foi orientado pelo
professor Fernando José Von Zuben, rece-
beu o Prêmio Capes de Tese 2015.
De acordo com Azevedo, a Engenharia
Antecipatória procura integrar todo o co-
nhecimento disponível acerca de um deter-
minado tema, com o propósito de apontar
possíveis cenários futuros. Assim, no caso
do mercado financeiro, é importante que o
modelo computacional seja alimentado com
diferentes tipos de informação, como as os-
cilações dos papéis na bolsa, a movimenta-
ção das principais empresas do segmento e
até o perfil do investidor, que pode ser mais
ou menos afeito a correr riscos. “Dito de
modo simplificado, nós buscamos informa-
ções no passado para traçar cenários futu-
ros, que por sua vez guiarão as decisões do
presente”, explica o autor da tese.
O princípio, conforme o pesquisador,
é válido tanto para atender aos interesses
de uma pessoa quanto de uma corporação.
“Ao imaginarmos esses cenários futuros
e as consequências que eles podem tra-
zer para o ‘autor do pensamento’, o que
se espera é que as decisões no presente
sejam mais robustas e mais tolerantes às
Incertezas minimizadas
O cientista da computação Carlos Renato Azevedo, autor da tese: “Nós buscamos informações
no passado para traçar cenários futuros, que por sua vez guiarão as decisões do presente”
Foto: Antoninho Perri
Publicação
Tese: Faculdade de Engenharia Elé-
trica e de Computação (FEEC)
Autor: Carlos Renato Belo Azevedo
Orientador: Fernando José Von Zu-
ben
Unidade: Faculdade de Engenharia
Elétrica e de Computação (FEEC)
Financiamento: Fapesp e CNPq
MANUEL ALVES FILHO
manuel@reitoria.unicamp.br
incertezas”, acrescenta. Com frequência,
observa Azevedo, os modelos matemáti-
cos empregados nesse tipo de exercício de
predição procuram reduzir a complexidade
do mundo.
Assim, a tradição é abastecer o pro-
grama somente com informações consi-
deradas relevantes para solucionar um
problema específico. “No meu trabalho,
eu procurei ir além desse conceito. Ob-
viamente, o sistema contempla modelos
matemáticos e simulações computacio-
nais. No entanto, eu também explorei no
trabalho outras áreas do conhecimento. Li
vários artigos sobre psicologia, sociologia,
biologia, economia comportamental etc.
Ou seja, adotei um caminho transdiscipli-
nar, de modo a tornar a abordagem mais
abrangente. É importante recorrer às mais
variadas áreas do saber para constituir sis-
temas inteligentes que nos auxiliem a to-
mar as melhores decisões”, pondera.
Um cuidado que o cientista da compu-
tação procurou tomar em relação ao siste-
ma que desenvolveu foi dotá-lo da capa-
cidade de “aprender” com suas próprias
ações e de preservar a flexibilidade em
relação às opções que se apresentarão no
futuro. Complicado de entender? Azevedo
destrincha essa questão. “A ideia é a de não
se comprometer rigidamente, durante o
processo decisório, com um tipo de prefe-
rência. Desse modo, se o cenário delineado
sofrer uma grande transformação, em ra-
zão de mudanças na conjuntura econômi-
ca, por exemplo, sempre haverá a chance
de se alterar essa decisão para adequá-la ao
novo momento. Dessa maneira, o investi-
dor tem a alternativa de ser mais agressivo
em situações favoráveis e mais conserva-
dor em ocasiões adversas”, detalha.
O pesquisador conta que validou a fer-
ramenta no contexto do mercado financei-
ro, levando em consideração dados reais
das bolsas de valores de Londres, Hong
Kong e também do Índice Dow Jones da
Bolsa de Nova York. Azevedo trabalhou,
ainda, com mercados simulados. “As duas
abordagens foram importantes porque elas
permitiram que o sistema analisasse tanto
mercados cujos papeis apresentam grande
variabilidade, quanto mercados mais está-
veis, nos quais os cenários são mais fáceis
de serem capturados”.
O autor da tese diz que foi possível
constatar, a partir desse procedimento,
que nos mercados nos quais os níveis de
previsibilidade são muito baixos, a ten-
tativa de extrapolar as informações para
identificar tendências mais atrapalha que
ajuda. “Nesse caso, o sistema normalmen-
te é afetado por muitos ‘ruídos’”, informa.
Quanto aos mercados nos quais as tendên-
cias são mais previsíveis, continua Azeve-
do, foi possível notar que certos subcon-
juntos de papéis de investimento, quando
combinados, apresentam um padrão de
comportamento que permite aumentar a
previsibilidade de longo prazo.
Mas se um dos princípios da metodolo-
gia adotada pelo autor da tese é aprender
com o passado para delinear o futuro, até
que ponto é recomendável regredir para
poder vislumbrar o que está por vir? O
cientista da computação afirma que esta
definição vai depender do comportamento
do mercado analisado. Se ele muda com
grande velocidade, é indicado dar maior
peso aos dados mais recentes. “Se o merca-
do não varia tanto, vale a pena regredir um
pouco mais e aproveitar informações mais
antigas. É preciso calibrar o modelo para
encontrar o ponto ótimo. Tanto numa situ-
ação quanto noutra, o importante é tornar
o sistema flexível, de modo a tornar as de-
cisões igualmente flexíveis”, reafirma.
Embora tenha sido validado no âmbi-
to do mercado financeiro, o sistema de-
senvolvido por Azevedo pode ser aplica-
do a outros segmentos. Aproveitando um
exemplo fornecido pela reportagem, acer-
ca das incertezas geradas pelo processo de
mudanças climáticas globais, o autor da
tese entende que a ferramenta poderia de
fato ser útil, por exemplo, na tomada de
decisões referentes ao futuro de um setor
do agronegócio. “É sabido que existem
posições conflitantes sobre o tema. Qual
cenário traçado pelos cientistas vai se con-
cretizar? Ou será que nenhum deles vai se
confirmar? Embora ainda não seja possível
prever o futuro, por meio da Engenharia
Antecipatória nós poderíamos usar os da-
dos disponíveis, mesmo que sejam incom-
patíveis entre si, para traçar um plano de
ação cauteloso para minimizar um even-
tual impacto na produção de alimentos”,
assegura.
Para Azevedo, o fato de a sua tese de
doutoramento ter sido contemplada com
o Prêmio Capes (Área de Engenharias IV)
representa um reconhecimento importan-
te ao seu trabalho. “Ao mesmo tempo, a
premiação aumenta a minha responsabi-
lidade de continuar produzindo pesqui-
sas de elevada qualidade. É importante
registrar que uma pesquisa como esta não
é feita por uma pessoa apenas. Eu tive a
sorte de contar com a orientação do pro-
fessor Von Zuben e com a colaboração e
incentivo de diversos professores e colegas
da pós-graduação. Devo admitir que fiquei
surpreso com o prêmio, mas muito satis-
feito por perceber que um trabalho com
viés multidisciplinar foi contemplado na
área de engenharia”.
A mensagem que a tese tenta passar,
completa Azevedo, é de que é importante
continuar realizando pesquisas relaciona-
das à inteligência humana. “Nós não sabe-
mos ao certo o que é a inteligência, embora
existam várias definições a respeito. Ao es-
tudar esse tema de forma holística, com a
mente aberta, acredito que tenha dado uma
pequena contribuição nesse sentido. Uma
área do conhecimento não é capaz de dar
conta, sozinha, de um tema tão complexo
como o comportamento antecipatório. Eu
trago a minha visão a respeito do assun-
to. Outras certamente virão, de modo a
enriquecer o nosso entendimento sobre
ele”, pontua o cientista da computação,
que contou com bolsa de estudo concedi-
da pela Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado de São Paulo (Fapesp) e Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq).
ciência ainda não conseguiu
desenvolver um método para
prever o futuro. O amanhã
Estudo vencedor do Prêmio Capes usa métodos da
Engenharia Antecipatória para delinear cenários futuros
Campinas, 16 a 29 de novembro de 2015 3Campinas, 16 a 29 de novembro de 2015