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38
Universidade Federal do Pará
Programa de Pós-Graduação em Neurociências
Defesa de Dissertação de Mestrado
Impacto do Isolamento Social no Curso
Temporal da Doença Prion em Modelo Murino.
Amanda de Oliveira Ferreira
39

“O temor do Senhor é o princípio da sabedoria e de
toda ciência”. Provérbios do Rei Salomão, capítulo 1,
verso 7.

40
Agradecimentos...
Como agradecer a realização de um sonho? Há muitas pessoas que fazem parte dessa conquista
e seria impossível enumerá-las todas.
Acima de tudo, agradeço a Deus por ter me criado e por ter sonhado como seria cada minuto da
minha vida. Ele é o sentido da minha existência.
Agradeço a meus pais, pelo esforço, amor e dedicação que me dedicam incondicionalmente.
Agradeço aos amigos, especialmente: aos de infância (Manuela e Luciana), da juventude
(Renata, Renan, Lyfson, Rebeca, Josué), da amada faculdade de Psicologia (Jacqueline e
Fábio), aos professores e psicólogos (Edson Frazão, Mauro Barreto, Denise Scaff, Léa Salles e
Emanuel Tourinho). Sem vocês, não teria chegado até aqui, seja pelo apoio emocional ou pela
inestimável contribuição que trouxeram para minha prática e conhecimentos profissionais.
Agradeço grandemente ao querido professor Cristovam Diniz, que me recebeu e me orientou
sempre com muito bom humor, respeito e algo que realmente me cativou: acreditou no meu
potencial (ainda latente) e me conduziu por caminhos que eu nem sabia que poderia andar.
Obrigada por ter sido meu orientador.
Agradeço aos colegas do Laboratório de Neuropatologia e Infecção, pelo apoio constante e de
grande valor, em especial, aos amigos Juliana Paes, Aline Andrade, Renatinha e Roseane
Borner.
Finalizo no esmo ponto onde comecei: sou grata ao meu Deus, pois Ele é fiel pra terminar a boa
obra que começou em mim. Tenho certeza que essa vitória é apenas uma de muitas que Ele me
reservou.
41
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
INSTITUTO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM NEUROCIÊNCIAS E BIOLOGIA CELULAR
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: NEUROCIÊNCIAS.
AMANDA DE OLIVEIRA FERREIRA
ISOLAMENTO SOCIAL ANTECIPA A INSTALAÇÃO DAS ALTERAÇÕES
COMPORTAMENTAIS EM MODELO MURINO DE DOENÇA PRION
Belém – Pará
Julho/2009
42
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
INSTITUTO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM NEUROCIÊNCIAS E BIOLOGIA CELULAR
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: NEUROCIÊNCIAS.
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
Amanda de Oliveira Ferreira
Este exemplar corresponde à redação final da
dissertação defendida por Amanda de Oliveira
Ferreira e aprovada pela comissão julgadora.
Aprovada em: 15/07/2009
Orientador: Prof. Dr. Cristovam W. Picanço Diniz.
Examinador: Prof. Dr. Juarez A. S. Quaresma.
Examinador: Prof. Dr. Rommel M. R. Burbano
43
FERREIRA-OLIVEIRA, A.
ISOLAMENTO SOCIAL ANTECIPA A INSTALAÇÃO DAS ALTERAÇÕES
COMPORTAMENTAIS EM MODELO MURINO DE DOENÇA PRION.
Amanda de Oliveira Ferreira. Belém, Pará, UFPA/ICB, 2009.
Dissertação: Mestre em Neurociências.
44
RESUMO
O objetivo do presente trabalho é avaliar o impacto do isolamento social sobre a instalação da
Doença Prion em modelo murino da variedade Albina Suíça. Camundongos isolados (IS) ou
agrupados (GR) foram infectados com o agente ME7 ou com homogenado de cérebro normal
(NBH). O consumo de glicose, a remoção e estocagem de comida e a temperatura anal foram
medidos duas vezes por semana, entre a 1ª e a 17ª semana pós-inoculação (PI). Grooming,
Labirinto em Cruz Elevado (LCE), Campo Aberto (CA) e Peso corporal foram mensurados
antes da inoculação e na 17ª semana PI. Em todos os testes estatísticos (ANOVA, um critério,
Bonferroni a priori) o nível de significância foi p<0.05. Burrowing: o grupo ME7-IS
apresentou redução desse comportamento (16ª semana PI) mais precocemente que o ME7-GR
(17ª semana PI). Consumo de glicose: na 17ª PI os sujeitos IS, principalmente o grupo ME7-IS,
reduziram o consumo de glicose quando comparados aos sujeitos GR (NBH e ME7) que
mantiveram consumo igual até a 17ª semana. Grooming: o grupo ME7-IS apresentou menor
freqüência de grooming que os demais (p<0.01). Campo Aberto: os sujeitos GR apresentaram
menor atividade que os sujeitos IS antes da inoculação e na 17ª semana PI, quando os
indivíduos ME7-IS demonstraram maior atividade locomotora do que os demais grupos
(p<0.01). LCE: os animais isolados apresentaram comportamentos semelhantes aos associados
à ansiedade, na 3ª semana na de isolamento, enquanto que, na 17ª semana PI, esses mesmos
sujeitos pareciam estar se aproximando do espectro de comportamento semelhante à depressão.
Além disso, o grupo ME7-IS apresentou alteração no LCE enquanto que o ME7-GR não teve
seu comportamento alterado nesse teste. Burrowing, grooming, consumo de glicose, LCE e
peso corporal sugerem uma influência aditiva do isolamento social nas mudanças
comportamentais da Doença Prion. Os grupos ME7 (GR e IS) apresentaram redução do número
de redes perineuronais e microgliose, tanto na região de CA1 como no septum, na 17ª semana
PI. Não encontramos diferença estatística significante nos achados neuropatológicos entre os
grupos ME7-GR e ME7-IS. Em conclusão o isolamento social promove alterações
comportamentais mais precoces e seus efeitos parecem agravar os sintomas da fase precoce da
doença. Permanecem por ser investigados os mecanismos moleculares associados a tais
alterações.
Palavras-chave: Doença Prion, Isolamento Social, Comportamento, Neurodegeneração
Crônica, Camundongo suíço albino.
45
I. INTRODUÇÃO
1. Doenças Neurodegenerativas Crônicas Associadas ao Envelhecimento
 1.1 Envelhecimento Normal e Envelhecimento Patológico.
O envelhecimento normal apresenta inúmeras transformações bioquímicas, morfológicas,
fisiológicas e psicológicas (MOI, 2004). Dentre elas, podemos citar a perda de funções
biológicas; a diminuição da fertilidade; o aumento da mortalidade; e o aparecimento de
dificuldades cognitivas. Tais modificações implicam em perda gradual da capacidade de
adaptação ao meio ambiente e conseqüente diminuição da capacidade de sobrevivência. O
envelhecimento é influenciado por fatores como educação, estilo de vida, estresse, alimentação e
exercícios físicos (MOI, 2004). Em geral, o envelhecimento normal não traz danos que interferem
abruptamente nas atividades diárias do idoso (CHARCHAT-FICHMAN et al., 2005).
Por outro lado, o envelhecimento patológico possui limites conceituais tênues.
Atualmente, muitas características outrora atribuídas à idade, são consideradas parte de um
quadro de demência leve não-reconhecida (COREY-BLOOM et al., 1995). Apesar de
observamos uma queda das funções cognitivas gerais no idoso, não é normal que as mesmas
decresçam consideravelmente (ALMEIDA e NITRINI, 1998).
O termo demência designa o declínio progressivo e global das funções cognitivas,
interferindo nas atividades sociais e ocupacionais do indivíduo e afetando obrigatoriamente a
memória (ALMEIDA, 1997; CARAMELLI e BARBOSA, 2002). A demência é uma das maiores
causas de morbidade entre idosos e sua prevalência está entre 2% e 25% dos pacientes com mais
de 65 anos (FRATIGLIONI e AMADUCI, 1990). A maioria das doenças crônicas que acometem
o indivíduo idoso tem a idade como principal fator de risco (ALMEIDA e NITRINI, 1998).
 1.2 Neurodegeneração crônica no idoso: o Mal de Alzheimer como a doença do século.
46
A Doença de Alzheimer tem apresentação clínica e patológica bem definida (MARINHO
et al, 1997), afetando pelo menos 5% dos indivíduos com mais de 65 anos e 20% daqueles acima
de 80 anos (JORM e JACOMB, 1989), representando a forma mais comum de demência (TUPPO
e ARIAS, 2005).
Clinicamente, o indicador mais notável na Doença de Alzheimer é a perda progressiva da
memória, além do prejuízo na linguagem, na capacidade cognitiva, laborativa e social
(TEIXEIRA e CARAMELLI, 2006). Nos estágios mais avançados da doença, observam-se
alterações comportamentais significativas, a saber: sintomas depressivos (apatia, desinteresse,
desmotivação); sintomas ansiosos (ansiedade generalizada, fobias, perturbações obsessivo-
compulsivas); comportamentos agressivos; desinibição sexual e idéias delirantes (ABREU et al.,
2005).
Os primeiros dados sobre a neuropatologia do Alzheimer remontam a 1906, quando o
médico alemão Alois Alzheimer (1864-1915) observou em uma autópsia lesões cerebrais até
então desconhecidas: atrofia neuronal, presença de placas e fibras retorcidas em diferentes
regiões do encéfalo (ALMEIDA, 1997). Atualmente, sabe-se que as placas senis são depósitos
extracelulares da proteína β-amilóide (Figura 1) e que os emaranhados neurofibrilares são
estruturas intraneuronais compostas pela proteína tau (Figura 2) (TUPPO e ARIAS, 2005).
Placas β-amilóide
β-amilóide
Enzimas
APP
Neurônio
Interior
celular
Figura1: Agregação da proteína β-amilóide; (APP) proteína precursora amilóide.
Adaptado de: www.boston.com /yourlife/health/special /alzheimers.
47
Em condições normais, a proteína tau está associada à estabilização dos microtúbulos
axonais (Figura 2); no Alzheimer ela é encontrada nas placas senis e nos emaranhados
neurofibrilares (SHIN et al., 1989). O depósito da proteína β-amilóide - derivada da proteína
precursora amilóide (APP) - nas placas senis é um dos carimbos oficiais da Doença de Alzheimer
(RAMÍREZ et al., 2005).
O Alzheimer também se caracteriza pela perda sináptica, morte neuronal e astrogliose
reativa (LEONARD, 2007). As alterações cerebrais ocorrem especialmente no córtex cerebral e
no hipocampo. A etiologia da doença permanece obscura, mas há vários estudos indicando a
importância de fenômenos inflamatórios (EIKELENBOOM et al., 2002; TUPPO e ARIAS, 2005;
ROGERS e LUE, 2001; DICKSON, 1997).
EIKELENBOOM et al (2002) destaca quatro evidências que relacionam o acúmulo
fibrilar de β-amilóide a eventos inflamatórios: diversos fatores inflamatórios já foram
identificados em cérebros com Alzheimer (citocinas e proteínas pró-inflamatórias); as placas
Microtúbulos Emaranhados
neurofibrilares
Tau
Axônio
Neurônio
Figura 2: A hiperfosforilação da proteína tau ocasiona a desintegração dos microtúbulos axonais e a formação dos
emaranhados neurofibrilares. Adaptado de: www.boston.com/yourlife/health/special /alzheimers.
48
amilóides são caracterizadas pela presença de microglia ativada; a ausência de células T e de
imunoglobinas indicam que respostas imunes clássicas não estão envolvidas; e não há indícios de
que sejam requeridos leucócitos nas repostas inflamatórias do Alzheimer.
A neuroinflamação difere da inflamação periférica, pois além da ausência de células T,
imunoglobinas e leucócitos, não estão presentes sinais inflamatórios característicos, como rubor,
calor e dor (EIKELENBOOM et al., 2002). Ademais, as células neurais se defendem de eventos
inflamatórios e patogênicos através de um estratagema singular: a barreira hemato-encefálica,
ausente no sistema vascular periférico (TUPPO e ARIAS, 2005).
Os componentes celulares mais importantes no desenvolvimento das respostas
inflamatórias da Doença de Alzheimer são as microglias, os astrócitos e os neurônios, os quais
estão envolvidos em processos fundamentais como a homeostase e o funcionamento cerebral
(TUPPO e ARIAS, 2005).
O Sistema Nervoso Central (SNC) possui um mecanismo endógeno imunoprotetor que é
coordenado pelas microglias, as quais proveem suporte e proteção aos neurônios (TUPPO e
ARIAS, 2005). Dependendo das condições nas quais há ativação microglial, essas células podem
exercer efeitos neuroprotetores ou neurotóxicos (RAMÍREZ et al., 2005). A microglia é ativada
nos locais de depósito da proteína β-amilóide, agrupando-se, em seguida, ao redor desses
agregados amilóides (TUPPO e ARIAS, 2005). Essa exposição microglial à β-amilóide estimula
a secreção de fatores pró-inflamatórios, como as interleucinas (IL-6 e IL-1β) e o Fator de
Necrose Tumoral (TNF ) (ROGERS e LUE, 2001). A β-amilóide pode, ainda, viabilizar a
circulação de macrófagos periféricos através da barreira hemato-encefálica, aumentando as
chances de um evento inflamatório (TUPPO e ARIAS, 2005).
Os astrócitos são as células encontradas em maiores quantidades no cérebro (TUPPO e
ARIAS, 2005). Sabe-se que eles estão envolvidos na conexão dos tecidos e nas funções
esqueléticas cerebrais, mantendo a integridade funcional das sinapses (TUPPO e ARIAS, 2005).
Quando ocorre uma injúria neural, os astrócitos participam do processo de cura, formando uma
49
cicatriz glial na lesão (TUPPO e ARIAS, 2005). Sabe-se pouco sobre o papel dos astrócitos na
inflamação da Doença de Alzheimer; no entanto, astrócitos reativos foram associados às placas
senis e à secreção de moléculas pró-inflamatórias (DICKSON, 1997). Alguns dados sugerem que
os astrócitos estão envolvidos na síntese ou na fagocitose da β-amilóide (KURT et al., 1999).
Na Doença Prion e no Mal de Alzheimer, os astrócitos parecem ir além das ações
benéficas identificadas nas lesões agudas, contribuindo para o aumento do dano tecidual e para a
evolução destas doenças (MRAKA e GRIFiN, 2001). Essas ações parecem estar associadas a
superexpressão da proteína S100B, um mensageiro químico intercelular em astrócitos ativados
(SHENG et al, 1994). Foram descritas dezenove proteínas da família S100, as quais são
encontradas em diversos tecidos e estão envolvidas na regulação intracelular de cálcio associado
à múltiplas funções dependentes do cálcio, tais como: fosforilação de proteínas; atividades
enzimáticas; proliferação e diferenciação celular; construção e reparo do citoesqueleto; e
homeostase do cálcio (DONATO, 1999).
O tipo S100B é o mais abundante nas células da glia do SNC, contribuindo para o
crescimento de neuritos, a sobrevivência de subpopulações neuronais (durante o
desenvolvimento e após injúrias), além de estimular a proliferação e hipertrofia de astrócitos
(GRIFiN et al, 1995; SHASHOUA et al, 1984).
Os astrócitos ativados são componentes indissociáveis das placas amilóides na Doença
de Alzheimer, localizando-se na periferia dessas placas e envolvendo os depósitos amilóides
(MANDYBUR e CHUIRAZZI, 1990). Esses astrócitos ativados também podem ser observados
nos estágios iniciais da Doença, antes mesmo da formação de placas, quando o depósito amilóide
ainda é difuso (MRAK et al, 1996). Sabe-se que pacientes com leve distúrbio cognitivo, nos
primeiros sinais do Mal de Alzheimer, mostram um aumento expressivo do número de astrócitos
associado a um reduzido número de placas; enquanto que, nos estágios mais tardios, o número de
astrócitos associados à placas está diminuído, sugerindo que a astrocitose reativa parece
contribuir principalmente para a patologia dos estágios iniciais (PIKE et al, 1995).
50
Assim como as microglias e os astrócitos, os neurônios também secretam substâncias
inflamatórias, como IL-1, IL-6 e TNF . Esses produtos conduzem os neurônios a um aumento da
toxicidade e à morte (TUPPO e ARIAS, 2005).
 1.3 A Doença Prion como modelo de Neurodegeneração Crônica
A Encefalopatia Espongiforme Bovina e sua variante humana, a Doença Creutzfeldt-
Jakob, são conhecidas como encefalopatias espongiformes transmissíveis ou Doenças Prion
(FOURNIER e GRIGORIEV, 2001). Essas desordens neurológicas são fatais e estão associadas a
mudanças conformacionais anormais de proteínas celulares: a proteína celular prion (PrPc
), rica
em -hélices, é convertida em proteína prion scrapie (PrPsc
), que contém folhas β-pregueadas
(PRUSINER, 1998). Essa é a principal diferença estrutural entre as duas formas de prion, visto
que a seqüência de aminoácidos é idêntica (SAKAGUCHI, 2007).
A PrPc é uma glicoproteína da membrana celular expressa em altas concentrações no
SNC, especialmente nos neurônios (PRUSINER et al., 1998). A proteína prion não possui ácido
nucléico, replicando-se através da conversão autocatalítica da PrPc
em PrPsc
(Figura 3)
(PRUSINER, 1989). Em condições normais, a PrPc
é fundamental na emissão de prolongamentos
neuronais e na comunicação entre as células nervosas (MARTINS et al., 1997).
Figura 3: Esquema do processo patológico da conversão da proteína prion normal (PrPc
) em sua forma aberrante
(PrPsc
). Adaptado de: http://fig.cox.miami.edu/~cmallery/255/255prot
Passo 1:
PrP
c
normal
(em verde)
Passo 2:
Príons invasores
estimulam a
conversão de
PrP em PrP
sc
Passo 3:
O neurônio não
consegue destruir
o prion aberrante e
morre
Passo 4: Os prions
migram para outras
células e
recomeçam o ciclo
PrP PrPsc
Núcleo
51
O aparecimento da proteína infecciosa no organismo pode ocorrer, entre outros fatores,
por hereditariedade, uso de material cirúrgico contaminado ou consumo de carne de animais
infectados. O acúmulo de moléculas alteradas nos neurônios provoca a morte dessas células, o
que pode prejudicar a coordenação motora e a memória (MARTINS et al., 1997).
O processo neuropatológico do prion requer a participação tanto da proteína normal
quanto da anormal (FOURNIER e GRIGORIEV, 2001). Como exposto na Figura 3, a PrPsc
invade o neurônio sadio e força a PrPc
a assumir sua forma patogênica. A conformação da PrPsc
é
inflexível, o que a torna resistente à degradação enzimática e permite que ela se acumule e
destrua a célula nervosa.
Assim como a Doença de Alzheimer tem como principal característica neuropatológica o
acúmulo do peptídeo β-amilóide, a Doença Prion é reconhecida pelo depósito difuso,
perivacuolar ou em forma de placas, da proteína prion. As placas senis dos pacientes com
Alzheimer comumente contêm depósitos de PrPc (SCHWARZE-EICKER et al, 2005). Apesar do
papel funcional do acúmulo de PrPc ainda ser desconhecido, dados sugerem que essa proteína
promove a formação de placas e que parece ser mediada pelo aumento da agregação do peptídeo
β-amilóide (SCHWARZE-EICKER et al., 2005). Estas duas patologias também apresentam em
comum ativação microglial e a ação de fatores pró-inflamatórios (EIKELENBOOM, 2002).
Em contrapartida, apenas na Doença de Alzheimer vemos a presença prévia de baixas
concentrações de β-amilóide, mais uma evidência de que processos neuroinflamatórios estão
envolvidos (EIKELENBOOM, 2002). Ademais, a ativação microglial exerce um feedback
positivo, regulando a síntese de APP e a fibrilação da β-amilóide, mantendo, assim, a cadeia de
eventos que conduzem a neurodegeneração no Alzheimer.
 1.4 Doenças Neurodegenerativas Crônicas, Depressão e Ansiedade.
52
A associação entre os estados de humor e alterações biológicas em humanos remonta a
Hipócrates, que acreditava que a melancolia estaria associada a um excesso de bile negra. Charles
Darwin foi o primeiro cientista a realizar um estudo científico das emoções em animais, no livro
A expressão das emoções no homem e nos animais. Nas últimas décadas, as pesquisas genéticas,
moleculares e de neuroimagem têm provido contribuições substanciais sobre os mecanismos
neurais subjacentes aos estados afetivos.
1.4.1 Estresse, Depressão e Ansiedade.
O estresse é um fator importante para o desenvolvimento de alterações de humor
(MCARTHUR e BORSINI, 2006). Em situações aversivas, a ativação do eixo hipotálamo-
pituitária-adrenal é uma das primeiras respostas fisiológicas, sendo que a manutenção dessa
ativação resulta em altos níveis de glucocorticóides, seguida de perda neuronal (LEONARD,
2007; DUMAN, 2004). O estresse crônico também afeta o sistema imunológico e o
funcionamento dos neurotransmissores (DUMAN, 2004). A reação ao estresse pode resultar em
conseqüências comportamentais e psicológicas, como a depressão e a ansiedade (NESSE, 1999;
FAVA e KENDLER, 2000).
As causas que podem levar um indivíduo a estados alterados de humor são inúmeras.
Biologicamente, podemos citar predisposição genética; funcionamento alterado de
neurotransmissores ou de seus receptores; lesões cerebrais; presença de outras condições
patológicas que envolvam circuitos neurais relacionados às emoções (TENG et al., 2005;
ROZENTHAL et al., 2004). Quanto às condições ambientais, podemos citar perdas, frustrações,
mudanças abruptas, histórico de abandono familiar, dentre muitos (ROZENTHAL et al, 2004). É
importante frisar que, no tangente ao contexto psicossocial, indivíduos diferentes manifestam
sintomas depressivos ou ansiosos por motivos distintos, o que depende da capacidade ou
possibilidade do mesmo de lidar com as situações aversivas cotidianas.
53
Muitas vezes, uma condição genética pré-existente manifesta-se após a exposição do
paciente a uma situação traumática. Segundo CRYAN e HOLMES (2005) a exposição a traumas
e a situações de estresse são os principais fatores predisponentes para o aparecimento da
Depressão Maior1
. Ademais, pessoas que enfrentam mudanças abruptas de ambiente ou na forma
como são tratadas pelos seus pares apresentam aumento da ansiedade; baixa auto-estima;
sentimentos de solidão e sintomas depressivos (DEUSSING, 2006).
Os sintomas depressivos e ansiosos são heterogêneos, manifestando-se em aspectos
comportamentais, psicológicos, fisiológicos e neurofisiológicos, como exposto no quadro abaixo
(Quadro 1).
Quadro 1: Quadro dos principais sintomas presentes na ansiedade e na depressão.
1
O conceito de depressão maior inclui os sintomas depressivos como um todo, dos mais leves aos mais severos
(DSM-IV, 1994).
Sintomas Depressão Ansiedade
Comportamentais
(DSM IV, 1994)
 Mudanças no apetite
 Insônia ou sono excessivo
 Aumento ou diminuição da
atividade motora
 Perda de peso
 Inquietação
 Fadiga
 Irritabilidade
 Distúrbios do sono
 Comportamentos compulsivos
Psicológicos
(DSM IV, 1994)
 Anedonia (diminuição do interesse
por atividades prazerosas)
 Dificuldade de concentração e de
planejamento
 Sentimento de culpa
 Ideações suicidas
 Excesso de preocupação
 Pensamentos obsessivos
 Dificuldade de concentração
 Sentimento de perda de controle
 Lembranças recorrentes de
eventos traumáticos
Fisiológicos
(OVERSTREET et al,
1994; WILLNER,
1997)
 Queda da temperatura
 Perda de peso
 Taquicardia
 Rubor
 Sudorese
Neuropatológicos
(ROZENTHAL, 2004;
LEMAIRE et al, 2000;
CONNOR e
DAVIDSON, 1998;
DEACON et al,2002)
 Queda do metabolismo cerebral
 Funcionamento alterado da
amídala, hipocampo e córtex frontal
 Queda da neurogênese hipocampal
 Queda da expressão de fatores
neurotróficos
 Alterações nos sistemas
serotoninérgicos, gabaérgicos e
noradrenérgicos
 Lesões hipocampais
 Queda da expressão de fatores
neurotróficos
54
Segundo DEUSSING (2006), a depressão é uma patologia de alta prevalência, atingindo
cerca de 20% da população mundial. Sua característica essencial é o humor triste por um período
prolongado, levando a perda do interesse nas atividades cotidianas (DEUSSING, 2006). Diante
da prevalência e do potencial incapacitante da doença, há um grande esforço das entidades
governamentais em desenvolver novas formas de tratamento. Os antidepressivos atuais são
eficazes em 65% dos casos e requerem uma administração continuada (semanas ou meses)
(HUNSBERGER et al., 2007). Assim, várias pesquisas enfocam o esclarecimento das bases
neurobiológicas da depressão, buscando caminhos alternativos de tratamento. Uma possibilidade
é o estudo dos efeitos do exercício físico, que tem mostrado ações antidepressivas em modelos
animais (CRYAN e HOLMES, 2005; HUNSBERGER et al., 2007). Paralelamente, problemas
cardíacos, obesidade, diabetes, ansiedade e demências, têm sido associados à ocorrência de
eventos estressores e à Depressão Maior (LEONARD, 2007).
O estado ansioso pode ser definido como um desprazer emocional diante de uma situação
de perigo ou escassez controlado e modulado por múltiplas regiões do Sistema Nervoso Central,
incluindo amídala, córtex, núcleo tegmentar ventral, hipotálamo, septum e hipocampo
(CLEMENT e CHAPOUTHIER, 1998; FENDT e FANSELOW, 1999; HANDLEY, 1995).
Diferentemente da depressão, a ansiedade é uma reposta natural e adaptativa a situações de
perigo. O quadro patológico caracteriza-se por um medo persistente, excessivo, aparentemente
infundado ou desproporcional, que interfere significativamente nas atividades cotidianas
(CONNOR e DAVIDSON, 1998).
Indivíduos expostos a estresse periódico podem desenvolver comportamentos de
supervigilância, na tentativa de evitar os efeitos indesejáveis da situação ansiogênica, mesmo na
ausência dela. A divisão da ansiedade em seis subtipos torna visível a complexidade
comportamental da doença: ansiedade generalizada, transtorno do pânico, fobia específica, fobia
social, transtorno obsessivo-compulsivo e estresse pós-traumático (DSM IV, 1994).
55
Há controvérsias quanto à relação entre ansiedade e depressão: trata-se de um transtorno
misto ou de patologias distintas que, eventualmente, ocorrem em comorbidade? De qualquer
forma, ambas são as condições psiquiátricas mais prevalentes; as taxas de comorbidade são altas,
pois cerca de 85% dos pacientes deprimidos apresentam sintomas ansiosos (RIHMER et al.,
2001).
1.4.2 Eventos inflamatórios, demências e distúrbios do humor.
LYKETOS e OLIN (2002) relatam que a incidência de depressão em pacientes com
Alzheimer é de, aproximadamente, 50%. Estudos epidemiológicos indicam que sintomas
depressivos, como perda de interesse e de energia, podem estar presentes nos estágios iniciais do
Alzheimer (GEERLINGS et al, 2000).
Ultimamente, as pesquisas têm concedido espaço ao papel do sistema imunológico e
endócrino na depressão (LEONARD, 2007; BRAMBILLA, 2000). Nesse sentido, LEONARD
(2007) relatou uma série de citocinas que provocam mudanças imunológicas tanto nas demências
(particularmente, no Alzheimer) quanto na depressão: citocinas pró-inflamatórias (IL-1, IL-6,
TNF) e citocinas antiinflamatórias (IL-4, IL-10, IL-13 e Fator Transformador do Crescimento
Tumoral-β). De acordo com o autor, o aumento de proteínas pró-inflamatórias também é
encontrado em pacientes com sintomas de fadiga e insônia, comuns na ansiedade.
Ainda segundo LEONARD (2007) a perda neuronal resultante das demências e do
estresse pode estar relacionada às mudanças crônicas inflamatórias estimuladas pela ativação de
macrófagos no sangue e de microglias no cérebro. Quanto às mudanças neurodegenerativas,
LEONARD (2007) comenta que elas estão associadas ao aumento de citocinas pró-inflamatórias
e a outros mediadores inflamatórios. A ativação microglial por essas citocinas, juntamente com a
apoptose astrocitária, resulta em degeneração neuronal. Em suma, o aumento da
56
neurodegeneração, a queda da neuroproteção e do reparo neuronal são comuns ao estresse e ao
Alzheimer (LEONARD, 2007).
57
II. Os Modelos Animais de Depressão e Ansiedade.
Historicamente, o estudo das emoções a partir de modelos animais tem buscado responder
a três questões: quais sistemas neurais estão envolvidos nas emoções; como esses sistemas
funcionam quando alterados por psicopatologias; e como essas condições patológicas podem ser
modeladas (CRYAN e HOLMES, 2005). As semelhanças neurofuncionais entre os vertebrados,
especialmente os mamíferos, possibilitaram o desenvolvimento de diversas técnicas
experimentais.
Por décadas os estudos com ratos foram privilegiados, principalmente pelo desempenho
desses roedores em testes cognitivos e pela possibilidade do uso de técnicas invasivas,
envolvendo o sacrifício dos animais para estudos de correlação neuropatológica. Entretanto, com
o desenvolvimento das pesquisas genéticas e com o avanço do conhecimento sobre as bases
neurais do comportamento, tornou-se possível o uso de animais menores, como os camundongos,
de manipulação mais fácil e custo menor (CRYAN e HOLMES, 2005).
Podemos dividir os modelos experimentais de depressão e ansiedade em quatro grupos:
genéticos; neuroquímicos; relacionados a lesões cerebrais; e indutores de estresse.
 2.1 Modelos genéticos.
No experimento de OVERSTREET et al (1994), os pesquisadores aumentaram a
sensibilidade dos roedores ao 8-OH-DPAT (8-hidroxi-DPAT-hidrobromida). Sabe-se que os
receptores de serotonina estão envolvidos na patofisiologia da depressão e da ansiedade, além de
participarem da regulação da temperatura corporal. O 8-OH-DPAT reduz a temperatura,
induzindo hipotermia. Camundongos sensíveis ao DPAT e, portanto, mais propensos à queda de
temperatura, apresentaram maior tempo de imobilidade no Teste do Nado Forçado (conhecido
como FST, da expressão inglesa Forced Swim Test) e comportaram-se de forma ansiosa em testes
de interação social.
58
LACHMAN et al (1992) criou roedores geneticamente mais propensos a desenvolverem o
Desamparo Aprendido. Esses animais mostraram queda no desempenho quando testados para
memória espacial e regulação alterada dos receptores de serotonina.
WEISS et al (1998), por sua vez, criaram ratos com diferentes desempenhos no FST (um
grupo mais sensível ao teste e outro controle) que recebiam choques na cauda antes de
executarem a tarefa. O primeiro grupo apresentou menos tentativa de escape no FST e maior
tempo de flutuação em relação aos controles. O comportamento induzido por estresse
apresentado pelos roedores foi revertido pelo tratamento crônico com diferentes antidepressivos.
YOSHIKAWA et al (2002) objetivou determinar, por mapeamento genético, os genes que
estariam envolvidos na resposta de imobilidade no Teste de Suspensão da Cauda (conhecido
como TST, referente à expressão inglesa Tail Suspension Test) e no FST. As linhagens estudadas
foram a F2, C57BL/6 e C3H/He. Foram encontrados 5 loci que afetam a imobilidade no FST e 4
no TST.
Por fim, KROMER et al (2005) observaram que roedores treinados para desenvolver
comportamentos ansiosos no Labirinto em Cruz Elevado (LCE) são mais ansiosos em diversos
outros testes de ansiedade e apresentam tempo de imobilidade maior no FST e no TST.
 2.2 Modelos neuroquímicos.
Podemos elencar os estudos com monoaminas (KALIA, 2005); psicofármacos
(HUNSBERGER et al, 2007; RUSSO-NEUSTADT et al., 2006; SCACCIANOCE et al., 2005;
HOCK et al., 2000; DUMAN e MONTEGGIA, 2006); e fatores neurotróficos (HUNSBERGER
et al., 2007; RUSSO-NEUSTADT et al., 2006).
As monoaminas são representadas por neurônios oriundos de pequenos núcleos no tronco
cerebral e no mesencéfalo, os quais se difundem pelo córtex e pelo sistema límbico (KALIA,
2005). O primeiro modelo de funcionamento alterado das monoaminas utilizou a reserpina, droga
que causa depleção ou inativação da norepinefrina [NE], induzindo estados depressivos ou
59
sedativos. Esses efeitos são reversíveis quando são administrados antidepressivos tricíclicos
[TCA] ou inibidores da monoaminoxidase [MAOI] (MCARTHUR e BORSINI, 2006).
A descoberta de que drogas que potencializam a NE também têm efeito antidepressivo
indicou uma relação entre o funcionamento monoaminérgico e o humor (KALIA, 2005). No
mesmo sentido, pacientes deprimidos apresentam elevados níveis de receptores de serotonina [5-
HT] e menor quantidade de 5-HT no sangue, na urina e no líquido cefalorraquidiano (KALIA,
2005).
Os antidepressivos agem nos sistemas: noradrenérgico, aumentando a atividade cardíaca e
a pressão em ratos (DeGRAAF et al, 1985), porém antagonizando a clonidina (induz hipotermia)
(VON VOIGTLANDER et al., 1978); serotoninérgico, revertendo a ação da paracloramfetamina,
a qual induz hipertermia e depleção de 5-HT (VON VOIGTLANDER et al., 1978);
dopaminérgico, diminuindo a ação hipotérmica da apomorfina (MAJ et al., 1974).
Os receptores benzodiazepínicos (BZD) e o ácido gama-butírico (GABA) estão
presentes difusamente no Sistema Nervoso Central, afetando diversos sistemas funcionais.
Entretanto, os sistemas neuronais envolvidos na regulação da ansiedade são particularmente os
núcleos lateral e baso-lateral da amígdala, os quais são ricos em receptores BZD (GRAEFF,
1997; RIBEIRO e KAPCZINSK, 2000). A noradrenalina tem sido relacionada também com
experiências intrusivas. Na resposta aguda ao estresse, há um aumento importante de
noradrenalina na fenda sináptica, resultando num aumento da resposta monosináptica evocada
(KATZ et al, 1996). Finalmente, o estresse aumenta a liberação e o metabolismo da dopamina
no córtex pré-frontal, uma área envolvida na produção de respostas ao estresse (CHARNEY et
al., 1993).
Nos últimos anos, os pesquisadores têm submetido os animais a modelos que alteram
especificamente os marcadores neurais desejados, aplicando, posteriormente, antidepressivos ou
ansiolíticos específicos.
60
Paralelamente, HUNSBERGER et al (2007) discute que a ação dos antidepressivos
possivelmente envolve a regulação de fatores neurotróficos. Esses fatores participam de funções
fundamentais à saúde neuronal: sobrevivência, diferenciação, suporte, manutenção e aumento da
atividade do neurônio e são afetados pelo estresse (HUNSBERGER et al, 2007; RUSSO-
NEUSTADT et al, 2006).
O Fator Neurotrófico de Crescimento cerebral (BDNF) é o mais encontrado no cérebro,
especialmente no hipocampo. Estudos indicam que o BDNF é reduzido em roedores submetidos a
modelos animais de depressão e em pacientes com Alzheimer; em contrapartida, é estimulado
pelo exercício físico (HUNSBERGER et al, 2007; RUSSO-NEUSTADT et al, 2006;
SCACCIANOCE et al, 2005; HOCK et al, 2000; DUMAN e MONTEGGIA, 2006).
Infusões intraventriculares de IGF-1 (Fator de Crescimento Insulínico) e VEGF (Fator de
Crescimento Vascular Endotelial) produzem ações antidepressivas no Teste do Nado Forçado e
no Desamparo Aprendido (NEWTON et al, 2003).
 2.3 Modelos relacionados a lesões cerebrais.
Considerando-se que a depressão altera o funcionamento cerebral, é de suma importância
avaliar o impacto causado pelas lesões neuronais em modelos animais de depressão. A região
mais estudada é o bulbo olfatório. Lesões nessa região prejudicam as conexões do eixo
hipotálamo-sistema límbico, causando, portanto, mudanças neurofisiológicas e comportamentais
(SONG e LEONARD, 2005). Essas mudanças são comparáveis aos sintomas da depressão, pois
ratos bulbectomizados apresentam: aumento da exploração e da hiperatividade no teste do Campo
Aberto; déficits no ritmo circadiano e em atividades cognitivas; níveis elevados de
glucocorticóides; queda da ingestão de glicose e do comportamento sexual; e anedonia (HARKIN
et al., 2003; MONLEON et al., 1995). Segundos esses autores, tais alterações não seriam
causadas simplesmente pela perda olfativa, mas por modificações nas sinapses e na densidade de
regiões como o hipocampo e a amígdala.
61
 2.4 Modelos indutores de estresse.
A maioria dos modelos de depressão e ansiedade utiliza a exposição do animal a
situações estressantes. No primeiro caso, observa-se uma incapacidade do mesmo de enfrentar
situações aversivas; enquanto que, no tocante à ansiedade, os roedores tendem a exacerbar seu
comportamento natural de evitar/esquivar-se de situações aversivas.
O Teste do Nado Forçado (FST) e o Teste de Suspensão da Cauda (TST) baseiam-se na
premissa de que um roedor submetido a uma situação aversiva e incontrolável empreenderá
tentativas de escape até, finalmente, permanecer imóvel. Enquanto no FST o roedor encontra-se
imerso em um cilindro com água, no TST ele é preso pela cauda verticalmente. A validade destes
testes consiste no fato de diversos antidepressivos diminuírem o tempo de imobilidade do animal
(CRYAN e HOLMES, 2005). A imobilidade apresentada nestes testes é interpretada como uma
falha em persistir na fuga de uma contingência aversiva. Comparativamente, em pacientes
deprimidos, há uma inabilidade de lidar com o estresse (CRYAN e HOLMES, 2005).
O FST e o TST são sensíveis a vários fatores que influenciam ou são alterados em
humanos deprimidos, como predisposição genética, anedonia, exposição prévia a eventos
estressores e alterações no sono (CRYAN e HOLMES, 2005). Para CRYAN et al (2005), ambos
os testes possuem a vantagem de ser facilmente aplicados, requerem pouco tempo (5-6 min) e
ainda, de responderem a um amplo espectro de antidepressivos. Apesar das semelhanças,
CRYAN et al (2005) apontam algumas diferenças entre o FST e o TST: o tempo de imobilidade
do animal varia bastante; as doses eficazes de antidepressivos são distintas; o primeiro pode
induzir hipotermia, enquanto o segundo induz hipertermia; a alternação entre agitação motora-
imobilidade é visível somente a partir do 3º minuto no FST.
O modelo do Desamparo Aprendido baseia-se na observação de déficits de tentativas de
escape em roedores que recebem choques incontroláveis. Os efeitos do Desamparo Aprendido
permanecem apenas 2-3 dias após o termino das sessões de choque; no entanto, quando os
62
animais são expostos a estressores crônicos moderados, os sintomas permanecem por semanas,
sendo revertidos por fluoxetina e imipramina (CRYAN et al., 2002).
Outro modelo de depressão muito utilizado é o Estresse Crônico Moderado (CMS).
WILLNER (1997) comenta que, ao desenvolver este modelo, planejava simular a depressão tanto
na sintomatologia quanto na cronicidade. O CMS induz anedonia nos roedores, a qual
caracteriza-se por uma queda da capacidade de buscar situações que antes da depressão eram
consideradas prazerosas. Os estressores propostos por WILLNER (1997) são: iluminação
noturna; períodos de privação de água ou comida; mudanças de companheiro da gaiola.
Os testes comportamentais mais comumente utilizados para medir o grau de ansiedade e
atividade locomotora são, respectivamente, o Labirinto em Cruz Elevado (LCE) e o Campo
Aberto (CA), que exploram a aversão natural dos roedores a espaços abertos e a tendência natural
à exploração de ambientes ou objetos novos sem risco aparente (ASANO, 1986; HANDLEY e
MITHANI, 1984; HEGMANN e DEFRIES, 1968; LISTER, 1987; MONTGOMERY, 1955;
PELLOW et al, 1985; RODGERS e JOHNSON, 1997; TREIT et al, 1993).
O LCE é usado para investigar as bases biológicas da emoção e suas correlações com
memória, aprendizado, síndromes de dependência e abstinência, assim como várias formas de
síndromes ansiosas (PELLOW et al, 1985). No teste do LCE, os animais ficam livres para
explorar o ambiente, que é dividido em dois braços abertos, dois braços fechados e uma
plataforma central, observando-se uma preferência natural dos roedores pelos braços fechados,
que evitam as áreas abertas, sendo esse um indicador de ansiedade natural (HANDLEY e
MITHANI, 1984)
O teste de Campo Aberto é comum na análise de comportamentos ansiosos, atividade
motora ou sedação (PRUT e BELZUNG, 2003). A ansiedade medida pelo teste parece ser
ativada por dois fatores: a separação do indivíduo de seu grupo social na hora do teste, e a
agorafobia produzida pela exposição do animal à arena, que é desenhada para ser aberta e maior
do que o ambiente natural que ele costuma habitar. A ansiedade gerada por esse tipo de
63
paradigma só se instala em espécies gregárias e que exibem medo em espaços abertos, nos quais
são forçados a entrar (PRUT e BELZUNG, 2003).
Apesar da grande disponibilidade de modelos animais, é necessário estar atento a alguns
critérios de validação dos testes. Os mais aceitos são os propostos por MCKINNEY e BUNNEY
(1969): os sintomas ou manifestações apresentadas pelos animais devem ter razões análogas à
patologia em humanos; as mudanças comportamentais precisam ser objetivamente observáveis; a
produção de mudanças comportamentais reversíveis pelos mesmos tratamentos efetivos em
humanos; e os resultados devem ser reproduzíveis entre diferentes laboratórios.
64
3. Plasticidade na Formação Hipocampal
A capacidade do Sistema Nervoso, especialmente dos neurônios, de adaptar-se às
diferentes situações vivenciadas pelos indivíduos é conhecida como neuroplasticidade. Esse
fenômeno é imprescindível ao funcionamento neural e está presente desde lesões irreversíveis até
os processos de aprendizagem (LENT, 2004). A fase mais plástica do Sistema Nervoso é durante
o desenvolvimento ontogenético, no qual o organismo está altamente suscetível às modificações
ambientais e às informações genéticas (LENT, 2004).
 3.1 O hipocampo
O hipocampo é composto por duas áreas principais: o corno de Amon (também chamado
de hipocampo propriamente dito) e o giro denteado (LENT, 2004). Em secções coronais, o corno
de Amon divide-se em quatro campos, de acordo com a morfologia dos neurônios piramidais,
chamados de CA1, CA2, CA3 e CA4 (Figura 5) (DUVERNOY, 1998).
Quanto às conexões hipocampais, as fibras perfurantes são aferentes externos ao
hipocampo e fazem sinapse com as células granulares do giro denteado. Os axônios das células
granulares, por sua vez, estabelecem sinapses com os dendritos das células piramidais e se
estendem até a região de CA3. Por fim, as células piramidais podem seguir dois caminhos:
projetar seus axônios para fora do hipocampo ou enviar os colaterais de Schaffer à região CA1,
onde fazem sinapses com os dendritos de outras células piramidais, cujos axônios projetam para
fora do hipocampo (LENT, 2004). Segundo FRITSCHY et al., (1998), as células granulares e as
glutamatérgicas piramidais representam 90% do hipocampo, enquanto que interneurônios
produtores de GABA correspondem a 10%.
65
Lesões em diferentes subcampos hipocampais ocasionam respostas fisiológicas e
comportamentais distintas; isso porque há diferenças na conectividade aferente e eferente ao
longo do eixo longitudinal do hipocampo, dividindo-o em uma porção dorsal e uma porção
ventral, ambas funcionalmente distintas (CAMPBELL e MACQUEEN, 2003; SAHAY e HEN,
2007).
SAHAY e HEN (2007) esclarecem que a parte dorsal do giro denteado recebe projeções
do córtex entorrinal, o que concede a essa área participação no processamento de informações
sensoriais visuais e espaciais. Assim, lesões no hipocampo dorsal afetam a aprendizagem espacial
e a memória.
Acerca do hipocampo ventral, os autores supracitados explicam que, além do envio de
projeções axonais para o córtex pré-frontal, essa região possui forte conexão com a amígdala, o
núcleo acumbens, os terminais estriados e com o eixo hipotálamo-adrenal-hipofisário. Classes
específicas de interneurônios e fibras musgosas são mais freqüentes no hilo ventral; ambos são
Figura 4. As fibras Colaterais de Schaffer conectam a região CA3 a CA1, representando o circuito neural no qual
ocorre a LTP. A região de CA3 comunica-se com o giro denteado através das fibras musgosas. As fibras perfurantes
são provenientes do córtex entorrinal e conduzem informações sensoriais ao giro denteado. Na camada de neurônios
piramidais (CA1) encontramos o estrato oriens. O giro denteado divide-se em camadas: molecular, granular e
polimórfica (ou hilo). Figura adaptada encontrada em www.sciencephtolibrary.com.
Colaterais de Schaffer
Fibras musgosas
Fibras perfurantes
66
modulados por vias dopaminérgicas, serotoninérgicas e noradrenérgicas, circuitos conhecidos
pela influência nos estados de humor. Injúrias no hipocampo ventral ocasionam alterações nos
comportamentos relacionados às emoções (CAMPBELL e MACQUEEN, 2003; SAHAY e HEN,
2007).
O hipocampo é a principal região de acúmulo da proteína prion (FOURNIER e
GRIGORIEV, 2001). A injeção intrahipocampal dessa proteína altera características
comportamentais (GUENTHER et al., 2001), neurológicas (JEFFREY et al., 1995) e
eletrofisiológicas (JOHNSTON et al., 1998). Dentre os tipos de prion estudados em
camundongos, o ME7 é conhecido pela ação patológica no hipocampo e no tálamo, ocasionando
perda sináptica e alterações comportamentais (SCHWARZE-EICKER et al., 2005).
 3.2 A plasticidade sináptica no hipocampo
A primeira teoria conectando memória e plasticidade surgiu nos anos 40, quando o
psicólogo Donald Hebb propôs que a transmissão de informação entre dois neurônios seria
facilitada ou fortalecida se houvesse sincronia entre o disparo do primeiro e do segundo
neurônio.
A comprovação dessa teoria só foi possível anos mais tarde, quando Bliss e Terje Lomo
aplicaram uma estimulação repetitiva nas fibras colaterais de Schaffer e verificaram um
aumento significativo na atividade elétrica das células piramidais de CA1. Mesmo após a
interrupção da eletroestimulação, o potencial pós-sináptico excitatório mantinha-se por horas ou
dias. O LTP (Potenciação de Longa Duração) é um exemplo de plasticidade sináptica
específico, pois só ocorre entre os colaterais de Schaffer (neurônio pré-sináptico) e as células
piramidais de CA1 (neurônio pós-sináptico). Assim como no condicionamento clássico, o LTP é
uma indução associativa, pois só ocorrerá se a estimulação for suficientemente forte para
67
despolarizar os colaterais de Schaffer e aumentar a eficácia sináptica entre os neurônios
envolvidos (MORRIS e FREY, 1997).
A LTP é o modelo mais estudado de plasticidade sináptica e foi primeiramente
identificado no hipocampo; estudos indicam que tanto o hipocampo quanto a amígdala sofrem
modificações sinápticas durante a aprendizagem (WHITLOCK et al., 2006). O hipocampo
ocupa um papel central no estudo da plasticidade sináptica, especialmente em relação ao
armazenamento das informações. O padrão laminar de neurônios e os caminhos neuronais
existentes possibilitam que o hipocampo armazene eventos sinápticos por períodos virtualmente
ilimitados in vivo (NEVES et al., 2008).
 3.3 Prion e Plasticidade Sináptica
O modelo murino da Doença Prion resulta em perda sináptica, mudanças na plasticidade
sináptica e degradação das redes perineuronais. A redução da plasticidade sináptica (LTP) ocorre
no hipocampo ventral, acompanhada de dificuldade em testes comportamentais que envolvem a
atividade hipocampal (FRANKLIN et al, 2008).
A expressão da LTP hipocampal depende da integridade de uma região específica da
matriz extracelular, a chamada rede perineuronal, a qual é formada por células gliais, neurônios e
sinapses (FRANKLIN et al, 2008). No córtex cerebral, as redes perineuronais associam-se a
interneurônios inibitórios gabaérgicos positivos para parvalbumina; no hipocampo, estão dentro
ou próximos à camada piramidal do hipocampo propriamente dito, subículo e pré-subículo, mas
também nos neurofilamentos de CA2 e CA3 (FRANKLIN et al, 2008).
Modelos experimentais que não possuem alguns componentes das redes perineuronais
(tenascina e brevican) mostram redução na LTP (BRAKEBUSCH et al., 2002). Ademais, a perda
de redes perineuronais em modelos humanos e experimentais de Doença de Creutzfeldt-Jakob
precede a degeneração neuronal (GUENTCHEV et al., 1998).
68
Estudos genéticos com roedores sugerem que a ausência de PrPc
prejudica tanto a função
quanto a plasticidade sináptica. Sabemos que a presença dessa proteína é essencial para o
desenvolvimento da Doença Prion, mas a sua ausência altera a LTP (BRANDNER et al., 1996).
Se o PrP tem uma papel crítico na LTP, podemos esperar que o seu acúmulo anormal diminua a
função sináptica no hipocampo (JOHNSTON et al., 1998).
A matriz extracelular (ME) do tecido nervoso é formada por uma complexa rede de
proteínas e carboidratos secretados tanto por neurônios quanto por células gliais e difere da ME de
outros tecidos por suas propriedades bioquímicas, composição molecular e complexidade de função
(JOHN et al, 2006; RAUCH, 1997; RUOSLAHTI, 1996). Uma das principais especializações da ME
no SNC são as Redes Perineuronais presentes em alguns neurônios (GOLGI, 1989). Essas redes são
compostos agregados de macromoléculas de proteoglicanos (MIYATAL et al, 2005), formadas por
proteínas da membrana plasmática associadas à cadeias longas de dissacarídeos
(glicosaminoglicanos). A composição das redes perineuronais pode diferir dependendo do tipo
neuronal, região cerebral ou mesmo espécie animal a ser considerada (BANDTLOW E
ZIMMERMANN, 2000).
No que concerne ao papel funcional das redes perineuronais, recentemente levantou-se as
seguintes hipóteses: moléculas-guia para axônios em crescimento; concentradoras de fatores de
crescimento em microambiente ao redor de certos neurônios; manutenção das relações intercelulares
e estabilização das sinapses formadas; e integração dos inputs sinápticos e propriedades elétricas da
membrana (BENEYTO et al, 1999; BRUCKNER et al, 2006; CELIO et al, 1998; HENDRY et al,
1988; MULLIGAN et al, 1989; VIGGIANO, 2000). A perda de redes perineuronais coincide com a
ativação microglial e com a redução da plasticidade sináptica na Doença Prion (Franklin et al.,
2008b).
69
4. Neurogênese, Astrogênese, Depressão e Ansiedade.
Há pouco tempo acreditava-se que o Sistema Nervoso não possuía a capacidade de gerar
novos neurônios, uma vez que, após a embriogênese, as células progenitoras neurais seriam
incapazes de dividir-se (SCORZA et al, 2005).
Desde a década de 90, entretanto, inúmeras pesquisas constataram a existência de três
áreas no cérebro mamífero geradoras de células nervosas: a zona subventricular, o giro denteado
do hipocampo e o bulbo olfatório (Figura 5) (SCHARFMAN e REN, 2007). Segundo esses
autores, a neurogênese parece ocorrer para fins bastante específicos, possuindo, assim, limitações.
Em condições neuropatológicas, por exemplo, há liberação de fatores neurotróficos e
conseqüente migração de novos neurônios para a região lesada. Em seguida, há um decréscimo
da taxa dessas células. A sobrevivência desses
neurônios pode sofrer influência da aprendizagem e do enriquecimento do ambiente
(SCHARFMAN e REN, 2007).
O hipocampo possui conexões com outras áreas cerebrais - córtex pré-frontal, córtex
cingulado e amígdala - também conhecidas por possuírem relações com comportamentos
afetivos. Seguindo esse raciocínio, parece possível que alterações na neurogênese hipocampal
contribuam para os sintomas apresentados nas síndromes depressivas e ansiosas (DUMAN,
2004).
Figura 5. Localização de células
progenitoras mitoticamente ativas no SNC
adulto. Fonte: SCORZA et al, 2005.
70
Especialmente em razão dos efeitos positivos dos antidepressivos na neurogênese
hipocampal, essa região tem sido o principal alvo de estudos neuropatológicos sobre os distúrbios
do humor (CAMPBELL e MACQUEEN, 2003). Apesar de não ser o único responsável pela
complexa gama de sintomas emocionais, o hipocampo parece desempenhar um papel
patofisiológico central.
No campo das pesquisas com antidepressivos, em modelos que utilizam o FST (Teste do
Nado Forçado), os efeitos da fluoxetina são permeados pela neurogênese (AIRAN et al, 2007).
Em humanos, os medicamentos antidepressivos demoram algumas semanas para fazer efeito, o
que pode estar relacionado ao tempo de maturação de novos neurônios no giro denteado
(SAHAY e REN, 2007).
Estudos recentes de neuroimagem mostram que a magnitude da redução hipocampal está
diretamente ligada à gravidade do estresse; tratamentos antidepressivos/ansiolíticos reduzem os
efeitos dessa atrofia (DUMAN, 2004). De forma análoga, história prévia do paciente, histórico
familiar e presença de outras doenças podem contribuir para a alteração do volume hipocampal
(CAMPBELL e MACQUEEN, 2003). Essas alterações podem ser causadas pela remodelação de
elementos celulares chave, envolvendo retração de dendritos e perda de células gliais
(CAMPBELL e MACQUEEN, 2003).
BECKER e WOJTOWICZ (2006) sugerem que a conexão entre hipocampo e
neurogênese está fundamenta basicamente em duas evidências. Primeiro, o estresse é largamente
conhecido por seu papel contributivo na patogênese da depressão maior e, em conjunto com
outros fatores predisponentes, pode ocasionar déficit na gênese neuronal. Em segundo,
tratamentos benéficos para os sintomas depressivos estimulam a neurogênese, como exercício,
ECT (Eletro Convulso Terapia) e enriquecimento ambiental.
Estudos com animais que sofreram estresse indicam redução da expressão dos receptores
GABA A, aumento da ansiedade, além de redução na neurogênese (CALDJI et al., 2000, 2003,
71
2004). Os efeitos inibitórios do estresse estão mais relacionados à proliferação do que a
maturação, sobrevivência ou diferenciação neuronal (KARTEN et al., 2005).
Há poucos estudos sobre a relação entre os astrócitos e a ansiedade. Sabe-se que a
astrogliose no giro cingulado pode causar comportamentos ansiosos em roedores, o que pode
levar a mudanças na transmissão sináptica e a efeitos ansiogênicos (NARITA et al., 2006). A
presença de astrócitos no córtex cingulado (microinjetados em roedores de dois meses) ou a
liberação de moléculas por estas células estão implicadas, de alguma forma, na ansiedade
(NARITA et al., 2006). Os processos próprios do envelhecimento promovem astrogliose através
da disfunção no receptor gama-opióide no córtex frontal, incluindo o córtex cingulado. Isso
pode levar a distúrbios emocionais, como aumento da ansiedade e da depressão (NARITA et al.,
2006).
72
5. Neuromorfologia quantitativa.
Embora haja um conjunto notável de estudos dedicados a revelar aspectos morfológicos,
fisiológicos e comportamentais associados à formação hipocampal do camundongo, tanto em
condições normais como em alteradas, não há esforço sistemático para investigar o número de
elementos celulares que compõem àquela região, empregando estimativas sem viés (BONTHIUS
et al, 2004; BUCKMASTER et al, 2002; FABRICIUS et al, 2008; LONG et al,1998A; LONG et
al, 1998B; LORENZI AND REEVES, 2006; MOUTON et al, 2002; SEVERI et al, 2005;
WIRENFELDT et al, 2003).
Quando se fala de estimativas sem viés no contexto da contagem de elementos de
interesse em uma dada região, estamos nos referindo a um capítulo da estatística espacial
denominada estereologia, que permite a realização de análises quantitativas de estruturas
tridimensionais, a partir da reconstrução serial de estruturas bidimensionais (WEIBEL, 1989).
Dado que neste trabalho estima-se o número de células empregando o fracionador óptico, é
interessante rever, ainda que superficialmente, suas bases conceituais. A regra geral em análises
qualitativas é encontrar palavras descritivas tais como menores, maiores, mais largas, menos
freqüentes, mais freqüentes, diferente, similar, ausência ou presença que em geral são suficientes
para os propósitos investigados (SCHMITZ e HOF, 2005).
Entretanto, outros estudos que geram análises quantitativas e expressam valores
numéricos sobre contagem de células, densidades, áreas e volumes apresentam resultados
controversos que se devem à suposições prévias acerca do tecido, da geometria das células e de
suas distribuições no plano da secção (GEINISMAN et al, 1995; MAYHEW e GUNDERSEN,
1996). Esses estudos quantitativos eventualmente introduzem vieses de amostragem e/ou erros
sistemáticos, cuja magnitude é impossível de ser apreciada, qualquer que seja a resolução da
análise: óptica (Gardella et al., 2003; Howard and Reed, 2005; Mandarim-de-Lacerda, 2003;
73
Mayhew and Gundersen, 1996), confocal (KUBINOVA e JANACEK, 2001; PETERSON, 1999)
ou eletrônica (FIALA e HARRIS, 2001; NYENGAARD e GUNDERSEN, 2006).
A análise microscópica, em qualquer nível, é uma ferramenta analítica poderosa para se
descrever formas normais e anormais de tecidos biológicos, particularmente se for possível gerar
números a partir de secções histológicas. Entretanto é necessário considerar que, se um
microscópio é utilizado para analisar a estrutura de interesse, é inevitável, na maioria dos
experimentos, que apenas uma pequena fração da área de interesse original será de fato analisada
em detalhe (HOWARD e REED, 2005; SCHMITZ e HOF, 2005). Para contornar tais viéses,
empregam-se técnicas estereológicas que estimam o número total dos objetos contidos em uma
dada região de interesse através de coleta de informação aleatória e sistemática, multiplicando-se
o número de elementos de interesse registrados pelos valores de probabilidade da amostra
(WEST, 2002).
O termo sem viés é utilizado para definir sistemas de amostragem que são independentes
das propriedades do tecido, onde as dimensões da sonda (caixa de contagem) e os parâmetros
amostrais a ela associados (número e intervalo entre elas) são definidos a priori, desprezando-se
a coleta de dados acerca do tamanho, forma e orientação espacial da área a ser investigada
(GLASER e GLASER, 2000). Assim, os números estimados a partir da amostragem podem ser
expressos em valores relativos ou absolutos indicando volume, número, conectividade,
distribuição espacial e tamanho das estruturas biológicas, sem conhecimento prévio da geometria
das células ou do tecido a ser investigado e.g. (GLASER e GLASER, 2000; SCHMITZ e HOF,
2005; WEST, 2002).
Dentre todos os procedimentos utilizados para estimar o número total de objetos de
interesse dentro de uma determinada região ou camada, o fracionador óptico é o que tem sido
usado com mais freqüência, pois combina as propriedades da sonda tri-dimensional para
contagem dos elementos de interesse (o dissector óptico) com o sistema de amostragem
sistemática e aleatória (o fracionador), removendo vieses amostrais e pressuposições (WEST et
74
al, 1991). Essa metodologia foi adotada no presente trabalho e sua utilização para fins práticos é
descrita a seguir.
 5.1. O fracionador óptico em ação
Para estimar o número de células dentro de um volume específico, usando investigação
estereológica sem viés, a estereologia utiliza caixas de contagem virtuais (sondas estereológicas)
aplicadas a uma série ordenada de secções histológicas obtidas das regiões de interesse. É
possível seccionar opticamente as secções histológicas usando objetivas de grande abertura
numérica para produzir imagens de baixa profundidade de foco. O plano de foco (ou secção
óptica) pode ser deslocado, através de distâncias conhecidas, ao longo da espessura da secção,
produzindo planos de foco contínuos através dos quais a contagem é feita de acordo com as
regras de contagem do dissector escolhido. Na prática, o que acontece é a inclusão na contagem
de objetos novos que entram em foco (ou saem de foco) enquanto descemos ou subimos dentro
da caixa de contagem de volume conhecido.
A combinação do dissector óptico com o fracionador de amostras, conhecida na literatura
como fracionador óptico (WEST et al, 1991), tem numerosas vantagens práticas, sendo a
principal o fato de não ser afetado pela retração do tecido e não requerer definições rigorosas de
fronteiras estruturais, que podem ser feitas em objetivas de baixo aumento. O fracionador óptico
envolve a contagem de objetos utilizando sondas de dissectores ópticos em uma amostra
sistemática uniforme que constitui uma fração conhecida do volume da região em análise. Na
prática, isso é feito através de amostragem sistemática de uma fração conhecida da espessura da
secção, tsf (iniciais de “thickness sample fraction”), de uma fração conhecida da área seccional
asf (iniciais de “area sample fraction”) e de uma fração conhecida do número de secções que
incluem a região de interesse, ssf (iniciais de “section sample fraction”).
75
Cada análise estereológica começa com o delineamento da região de interesse em uma
série de secções escolhidas de forma randômica e sistemática (HOWARD e REED, 2005). Para
analisar sistematicamente e registrar a ocorrência dos objetos de interesse, é necessário mudar
para uma objetiva de grande aumento (60x) com elevada abertura numérica e reduzida
profundidade de foco (SCHMITZ E HOF, 2005).
Utilizando essa metodologia não é possível contar todas as células dentro da região de
interesse. Para contornar esse dilema e obter estimativas confiáveis (que se aproximam do real) a
partir de uma diminuta fração amostral, é necessária a utilização de coleta sistemática e aleatória
de dados, incluindo a terceira dimensão. Essa alternativa assegura a estimativa adequada do
número total de células dentro da área de interesse, a partir do número de células detectadas em
cada caixa de contagem da amostra e da probabilidade amostral (SCHMITZ E HOF, 2005).
Entretanto, mesmo com todos esses cuidados, a incerteza nas estimativas ainda
permanece e é decorrente de outras fontes de erro possíveis, como aquelas introduzidos pelos
pressupostos do operador acerca dos grupos experimentais, pelas alterações induzidas nas
secções pelo processamento do tecido, pela ambigüidade no reconhecimento de áreas ou dos
objetos de interesse. Para minimizar esse tipo de incerteza é necessário executar uma série de
procedimentos controle, como ensaios duplo-cegos, escolhas adequadas no tipo de
processamento tecidual incluindo fixação, plano de corte, imunohistoquímicas seletivas,
garantindo a cada passo que todas as regiões da estrutura tenham a mesma probabilidade de
contribuir para a amostra, reduzindo a ambigüidade no reconhecimento dos limites da região
assim como dos objetos da contagem.
A partir de critérios arquitetônicos, hodológicos e de marcadores seletivos, é possível
caracterizar sem ambigüidades as áreas e os objetos de interesse com arquitetonia clássica
utilizando técnicas consagradas (como o Nissil); imunohistoquímica e histoquímicas específicas.
Para caracterização de áreas ou núcleos funcionais específicos no sistema nervoso,
uma série de critérios são aplicados e foram resumidos em cinco principais abordagens
76
experimentais: estudos arquitetônicos, padrão de conexões, mapeamento topográfico, análise
eletrofisiológica de propriedades de neurônios isolados e déficits comportamentais após lesões
seletivas reprodutíveis (PHILLIPS et al., 1984).
77
6. O Modelo Murino de Doença Prion.
Os efeitos da proteína prion anormal são estudados em vários mamíferos, entre eles
ovelhas, gatos, bovinos, cabras e roedores (BRUCE, 2003). As primeiras pesquisas sobre o prion
investigaram as características biológicas elementares e descobriram que a doença é transmissível
e que possui diferentes espécies, as quais possuem tempos de incubação e cursos
neuropatológicos diferenciados. Em seguida, os estudos concentraram-se no isolamento e na
caracterização bioquímica da proteína PrPsc
(TELLING, 2000; BRANDNER et al., 2000).
Nos últimos anos, animais geneticamente modificados têm sido utilizados para a
caracterização genética da proteína anormal e para o estudo dos efeitos dos tipos de prion em
diferentes espécies de mamíferos. Nesse sentido, a confirmação do papel essencial da proteína
prion normal no desenvolvimento da Doença Prion provém de pesquisas com ratos que sofreram
ablação do gene PrP e que se mostraram resistentes ao prion e incapazes de reproduzir as
proteínas infecciosas (PRUSINER, 1998; BRANDNER et al., 2000).
A microinjeção hipocampal de homogenado cerebral infectado com o agente ME7 (uma
espécie de prion estudada em murinos) produz neurodegeneração progressiva (GUENTHER et
al., 2001). Apesar dos sinais clínicos só aparecerem vinte semanas após a inoculação, mudanças
no desempenho cognitivo e locomotor são visíveis antes disso, sendo que o curso total do ME7
gira em torno de 24 semanas (BETMOUNI et al., 1999; DEACON et al., 2001). Em relação a
outras espécies de prion, o ME7 atinge principalmente o hipocampo, possibilitando o estudo de
alterações na memória dos roedores infectados (GUENTHER et al., 2001).
O critério usado para o começo dos sinais clínicos é a detecção de mudanças na atividade
locomotora, que aparece poucas semanas antes da morte (HUNTER et al., 1986). Diversos testes
são realizados na tentativa de caracterizar os prejuízos cognitivos causados pelo ME7. A tela
invertida requer que o camundongo exerça força com as quatro patas juntas. A barra horizontal,
além de avaliar a força nas patas, também detecta déficits na coordenação (GUENTHER et al.,
78
2001). As mudanças comportamentais precoces no modelo murino de prion está associado à
ativação microglial, ativação de astrócitos e deposição de PrPsc
no sistema límbico
(CUNNINGHAM et al, 2003).
O burrowing é um teste simples e de curta duração muito sensível aos efeitos precoces do
da doença induzida pelo agente ME7 (DEACON et al, 2001). A inibição do burrowing ocorre
quando a atividade no Campo Aberto aumenta; assim, esse decréscimo não é devido a uma
depressão motora geral (GUENTHER et al, 2001). Mudanças no comportamento espontâneo
(aumento da atividade locomotora, queda no burrowing e no consumo de glicose) precedem tanto
o prejuízo nas tarefas que requerem coordenação e força motora quanto os sinais clínicos mais
severos (DEACON et al, 2001; GUENTHER et al, 2001).
A espécie C57BL/6J é bastante estudada na Doença Prion; nessa variedade de
camundongo, a deposição do PrPsc
causa morte por apoptose, a qual é precedida por alterações
sinápticas e dendríticas (GIESE et al., 1995; LUCASSEN et al., 1995; CUNNINGHAM et al,
2003). Essa morte ocorre nos últimos estágios da doença (GUENTHER et al., 2001). Análises
com microscopia eletrônica mostram perda de sinapses no estrato radiado do hipocampo em 98
dias (CUNNINGHAM et al, 2003).
Diante do exposto e da literatura revisada até o momento, consideramos importante
estudar a influência de eventos estressores prévios no curso temporal da Doença Prion pelos
seguintes motivos:
1. Já sabemos que o hipocampo é uma região de vital importância para o estudo da Doença
Prion e de eventos estressores. Desse modo, é plausível supormos que a combinação dessas
condições patológicas, em modelos animais, resulte em mudanças hipocampais significativas.
2. Há poucos estudos sobre o agente ME7 na variedade suíça albina.
3. Não obstante os efeitos significativos do estresse no organismo, não existem trabalhos na
literatura que investiguem a influência de eventos estressores prévios no desenvolvimento da
Doença Prion.
79
4. Não há dados, na variedade suíça albina, acerca de possíveis alterações comportamentais na
temperatura corporal, no consumo de glicose, ganho de peso e no testes do Labirinto em Cruz
Elevado; apesar destas alterações serem bem documentadas em outras espécies de roedores, nas
fases iniciais e intermediárias da Doença Prion.
5. Os comportamentos relacionados ao grooming (autolimpeza) ainda não foram investigados
nos roedores injetados com o agente ME7, apesar de ser um indicativo inato do funcionamento
geral ótimo do SNC.
6. O avanço na caracterização dos eventos comportamentais e neuropatológicos iniciais
provocados pela Doença Prion e possivelmente alterados por um evento estressor prolongado é
relevante para o um melhor entendimento da evolução desta doença e mesmo para o
desenvolvimento de possíveis mecanismos de intervenção terapêutica.
Nesse sentido, o presente trabalho pretende investigar qual a contribuição do isolamento
social para as alterações comportamentais precoces observadas na doença prion, assim como as
possíveis alterações relacionadas à matriz extracelular (redução de redes perineuronais) e à
resposta inflamatória (ativação microglial) previamente descritas nessa variedade.
80
II. OBJETIVOS
 Geral.
Avaliar o impacto do isolamento social sobre a fase inicial da Doença Prion através de
alguns ensaios comportamentais relacionados e análise estereológica da resposta inflamatória
microglial e das redes perineuronais empregando o fracionador óptico.
 Específicos.
1. Verificar, ao longo das semanas de isolamento e após a injeção do agente ME7, possíveis
mudanças comportamentais nos seguintes aspectos:
1.1. Atividade exploratória: Campo Aberto e Labirinto em Cruz Elevado;
1.2. Comportamentos naturais da espécie: grooming, consumo de glicose, burrowing;
1.3. Respostas inatas: temperatura corporal, peso corporal;
1.4. Comportamento diante de uma situação aversiva: Teste de Suspensão da Cauda.
2. Descrever possíveis mudanças neuropatológicas no hipocampo (região de CA1) e no septum
a partir dos seguintes ensaios neuropatológicos:
2.2. Contagem de microglias;
2.3. Alteração da ocorrência e distribuição das redes perineuronais.
81
III. MÉTODOS
1. Formação dos grupos experimentais
Foram utilizadas 40 fêmeas de camundongos da variedade albina suíça, com oito semanas
de idade, originários da colônia do Instituto Evandro Chagas (Pará – Brasil) e manipulados
segundo os "Principles of Laboratory Animal Care" (NIH).
O primeiro passo foi dividir os 40 camundongos em dois grupos: Agrupados (20) -
divididos em quatro gaiolas, com cinco camundongos cada; Isolados (20) - uma gaiola para cada
animal, sendo que, em nenhum momento, esses animais isolados mantiveram contato entre si.
Após três semanas, os dois grupos (Agrupados e Isolados) passaram por testes
experimentais e receberam a injeção com NBH (homogenado de cérebro normal) ou com ME7
(agente da Doença Prion). A partir da injeção, os animais Agrupados subdividiram-se em NBH-
Grupo (n=10) e ME7-Grupo (n=10); e os Isolados em NBH-Isolados (n=10) e ME7-Isolados
(n=10). O esquema abaixo ilustra a divisão dos grupos experimentais:
AGRUPADOS
(n=20)
ISOLADOS
(n=20)
NBH-GRUPO
(n=10)
ME7-GRUPO
(n=10)
NBH-ISOLADOS
(n=10)
ME7-ISOLADOS
(n=10)
Figura 6. Formação dos grupos experimentais antes e após a inoculação com NBH ou ME7.
Após a injeção com NBH ou ME7
82
Tanto os animais Agrupados (Figura 7A) quanto Isolados (Figura 7B) foram mantidos em
gaiolas-padrão de plástico (32cm x 39cm x 16.5cm), com livre acesso a água e comida, em uma
temperatura média de 22ºC, e ciclo claro-escuro de 12 horas (início às 7h, término às 19h).
Figura 7. (A) Camundongos em grupo; (B) camundongo isolado na gaiola-padrão.
A B
83
2. Indução da doença (injeção no hipocampo)
Na 12ª semana de idade os animais foram anestesiados com 2,2,2 tribromoetanol (0.2ml/g
I.P.) e fixados em aparelho estereotáxico (Insight Equipamentos Ltda.). Após a tricotomia, o
crânio foi exposto através de uma incisão no escalpo e, com o auxílio de uma broca, foram feitas
duas aberturas para permitir a infusão bilateral de 1µl do Homogenado (10% p/v em PBS estéril)
de Cérebro de Camundongo Normal (NBH, n=20) ou do agente da Doença Prion (ME7, n=20).
As injeções forram feitas com uma seringa de Hamilton de 1.0µl no hipocampo dorsal, segundo
as seguintes coordenadas estereotáxicas, adotando-se o bregma como ponto de referência:
+1.3mm da linha interaural, ±2.0mm da linha média, e –2.0mm da superfície do crânio, que
correspondem à CA1 do hipocampo dorsal (PAXINOS e FRANKLIN, 2001).
Após a infusão da suspensão, a agulha foi mantida no local por 3 minutos para evitar o
refluxo da solução, após os quais era retirada lentamente. O escalpo era, então, suturado e o
camundongo posto em uma gaiola para recuperação. Terminado o procedimento cirúrgico, os
animais retornaram às suas gaiolas e foram transportados para o Instituto Evandro Chagas
(Belém-PA), onde permaneceram até o término dos experimentos.
84
3. Ensaios comportamentais
Entre a 1ª e a 17ª semana pós-injeção, os camundongos foram submetidos, duas vezes por
semana, aos seguintes testes comportamentais: burrowing, medida de temperatura corporal e
ingestão de glicose. Os testes de Campo Aberto, Labirinto em Cruz Elevado, Testes de Suspensão
da Cauda, Grooming e Peso foram realizados em dois momentos: no período pré-inoculação e na
17ª semana pós-inoculação.
3.1.1 Burrowing. O burrowing é uma palavra inglesa que se refere ao comportamento
típico de certos roedores de remover e estocar comida a partir de uma toca. A toca é simulada por
um tubo de PVC de 20cm de comprimento por 7,2cm de diâmetro. O burrowing é um teste
desenvolvido recentemente e sabe-se que os protocolos mais eficazes são aqueles em que o teste
é feito em 2 horas ou durante o ciclo escuro (CUNNINGHAM et al, 2003). Optamos pela
primeira opção em virtude do testes de consumo de glicose ser realizado durante a noite. Os
camundongos eram colocados individualmente em gaiolas de 100x50x100cm (Figura 8),
previamente equipadas com os tubos de PVC, contendo 150g de ração e posicionados a 3cm da
base, na parte superior direita da gaiola, para evitar que os péletes caíssem acidentalmente
(GUENTHER et al., 2001). Os animais tinham livre acesso à água. A quantidade de ração
deixada nos tubos era pesada no dia seguinte. O teste era realizado, em média, das 16h às 18h.
Figura 8. Gaiola e tubos de PVC utilizados no teste do burrowing.
85
3.1.2 Temperatura. Após o término do burrowing, os animais permaneciam na gaiola de
100x50x100cm e a temperatura anal era medida utilizando-se um termômetro digital (InfraRed
Thermometer TD-960), posicionado a 2cm da região anal do camundongo (Figura 9). Essa
medida era realizada pelo mesmo experimentador, em horário definido (19h), para evitar
diferenças na manipulação do camundongo e a interferência de luminosidade e temperaturas
variadas. O ambiente era silencioso e a manipulação cuidadosa, a fim de evitar estresse adicional
aos animais, visto que a medida da temperatura em si já consiste em um evento estressor
(HEYDEN et al, 1997; COUDEREAU et al., 1996).
3.1.3 Consumo de glicose. Para termos acesso aos níveis basais de consumo de glicose
dos camundongos (Figura 10A), a ingestão desta solução foi auferida durante quatorze dias, antes
da indução da Doença Prion. Depois da inoculação, da 1ª a 17ª semana de tratamento, a solução
de glicose (5% - Solução Glicosada Madrevita) era disponibilizada, em recipientes plásticos
individuais de 25ml (Figura 10B), logo após a medida da temperatura anal. A quantidade ingerida
pelos animais era conferida no dia seguinte.
Figura 9. Procedimento realizado para a medida da temperatura anal.
86
Os testes relatados abaixo foram realizados uma semana antes da indução da Doença
Prion e na 17ª semana de tratamento.
3.1.4 Labirinto em Cruz Elevado. O LCE é constituído por dois braços abertos e dois
fechados (30cm x 5cm) colocados em posições opostas, e uma plataforma central (5cm x 5cm)
(LISTER, 1987). Os braços fechados possuem paredes de 15 cm de altura, enquanto que nos
braços abertos não há paredes. As plataformas de passeio do LCE distanciam-se 45 cm do chão
(Figura 11).
O protocolo usado para este teste foi o mesmo utilizado por CAROLA et al. (2002). O
teste foi realizado em dois dias, sendo que cada animal explorava o ambiente por 5 minutos a
cada dia. O teste iniciava-se sempre que o animal era colocado na plataforma central do LCE e
solto com a face virada para um dos braços abertos. As imagens de cada treino foram capturadas
por uma câmera de vídeo instalada a 1 m de altura do LCE e conectada a um computador, com o
objetivo de armazenar os testes para posterior análise. Os testes eram analisados com o auxílio do
programa Any Maze (Stoelting®
). Ao fim de cada treino, o LCE era limpo com álcool a 10%.
Os parâmetros analisados nos braços abertos e fechados foram: tempo de permanência,
Figura 10. Camundongo isolado em gaiola-padrão para a medição do consumo de glicose (A). Soluções de
glicose e recipientes plásticos utilizados (B).
A B
87
distância percorrida e número de entradas. Esses parâmetros foram contados somente quando o
animal colocava as quatro patas nas áreas correspondentes aos braços ou ao centro do LCE
(CRUZ et al., 1994; LISTER, 1987; RODGERS E JOHSON, 1995).
3.1.5 Campo Aberto. Para a realização deste teste utilizamos o protocolo descrito em
CAROLA et al (2002). A tarefa de exploração foi realizada em uma caixa de 30x30x40 cm, feita
em compensado (Figura 12). O piso foi dividido em nove quadrantes de 10cm x 10cm. Um metro
acima do Campo Aberto (CA) havia uma câmera de vídeo conectada a um computador, de modo
a filmar e armazenar as sessões de amostragem e avaliação, para posteriores análises.
Este teste durou três dias consecutivos e consistiu em colocar o camundongo, através de
sua cauda, no centro do CA como ponto de partida. Nos dois primeiros dias de testes os animais
foram expostos ao CA por 1 min (habituação ao aparato) e no 3º dia exploraram o ambiente
durante 5 min. Ao fim de cada sessão de exploração os animais eram retirados do CA, devolvidos
às suas gaiolas e o aparelho era limpo com uma solução de etanol a 75%. O número de
quadrantes explorados foi o parâmetro analisado como medida para a atividade exploratória.
Figura 11. Labirinto em Cruz Elevado.
88
3.1.6 Grooming. O groomimg é uma palavra inglesa que se refere a uma série de
comportamentos inatos de limpeza observados na maioria das espécies, sendo um repertório
comportamental particularmente importante em roedores (BERRIDGE e ALDRIDGE, 2000). O
aparato utilizado neste teste é o mesmo do Campo Aberto. A partir das imagens capturadas no
terceiro dia de treino no Campo Aberto, observou-se a freqüência dos comportamentos
referentes ao grooming, que são: lamber as patas; passar as patas no focinho e na cabeça;
movimentos semicirculares no topo da cabeça e atrás da orelha; lamber e arranhar o corpo;
lamber a cauda e a região genital (KALUEFF e TUOHIMAA, 2004, 2005).
3.1.7 Teste de Suspensão da Cauda. O aparato usado para este teste foi uma caixa com
36cm(altura) x 30cm(largura) x 20cm(profundidade). O interior da caixa foi forrado com papel
preto para contrastar com as paredes do aparato e como os sujeitos albinos (Figura 13). Uma
câmera de vídeo foi posicionada diante da caixa, a 70 cm de distância. O topo do aparato
continha um orifício por onde era suspensa e presa a cauda do animal, a qual era envolta por um
pedaço de gaze para evitar escoriações. O comportamento foi analisado durante 5 minutos
(JUSZCZAK et al., 2006; LAD et al., 2007). A análise do vídeo foi feita com o auxílio do
Figura 12. Teste do Campo Aberto.
89
programa Any Maze (Stoelting®
) e o parâmetro avaliado foi o tempo e a freqüência de
imobilidade.
3.1.8 Peso corporal. O peso corporal dos sujeitos foi medido em dois momentos: antes da
injeção de NBH ou ME7 e antes da perfusão (17ª semana pós-inoculação).
Figura 14. Pesagem dos camundongos.
Figura 13. Teste de Suspensão da Cauda
90
4. Ensaios neuropatológicos
 4.1 Perfusão e microtomia.
Com o encerramento dos testes comportamentais (semanais e agudos), os animais foram
pesados para receber uma dose do anestésico (avertina, 0,08mg/ 5g de peso) por via
intraperitoneal. Assim que verificado o efeito do anestésico, fez-se uma ampla toracotomia e
iniciou-se a perfusão, por via transcardíaca, com solução salina (0,9%, com 1ml/L de heparina
sódica - Liquemine, Roche), durante 10 minutos. Em seguida, a solução salina foi substituída pela
solução fixadora de paraformaldeído (PFA, 4%, pH 7.2-7.4) em solução tampão fosfato (PB)
0,2M, por 30 minutos.
Posteriormente, iniciou-se a craniotomia: os encéfalos foram removidos após a dissecação
de pele, do tecido subcutâneo e músculos e posterior retirada da dura-máter e secção dos nervos
cranianos. O encéfalo ficou imerso em PFA 4% a 4ºC, durante a noite e, então, conservado em
PFA 2%.
O tecido foi seccionado no plano horizontal com o auxílio de um vibrátomo (Série 1000
Pelco Internacional) na espessura de 70µm. Uma a cada cinco secções foi utilizada para detectar
proteína ácida fibrilar glial (GFAP), microglias (Lectina Esculentum) e redes perineuronais
(Lectina Floribunda).
 4.2 Processamento de tecidos para histoquímica
4.2.1 Lectina Esculentum: A proliferação e ativação da microglia foram avaliadas usando
histoquímica para lectina de tomate Lycopersicon esculentum–Biotinilada. Esta técnica marca
receptores de açúcar presentes nas microglias ativadas.
91
As secções foram incubadas em solução de Peróxido de Hidrogênio (H202) + Metanol
por vinte minutos e lavadas duas vezes em tampão fosfato salina (PBS-T 5%) com intervalos de
cinco minutos, sendo, em seguida, imersas PBS-T por vinte minutos. Seguiu-se a incubação em
Lectina Biotinilada (3µl sol estoque + 1ml PBS) por 12 horas.
Os cortes foram lavados três vezes em PBS (com intervalo de dois minutos) antes e após
a incubação em solução ABC (complexo Biotina Avidina) por 1 hora. Por fim, os cortes foram
reagidos em solução GND (0,5mg/ml de DAB + 1,2mg/ml Níquel) e lavados três vezes em PB
0,1M (com intervalos de cinco minutos). As secções reagidas foram montadas em lâminas
gelatinizadas para posterior análise estereológica.
4.2.2 Lectina Floribunda: A alteração da ocorrência e distribuição das redes
perineuronais foi avaliada usando a marcação de proteoglicanos da matriz extracelular através
da lectina Wisteria floribunda. A histoquímica com a lectina Wisteria floribunda empregada no
presente trabalho marca os terminais de açúcar (glicosaminoglicanos) ligados aos
proteoglicanos da matriz extracelular.
As secções foram incubadas em solução de Ácido Bórico (70º C) por 1 hora e lavadas
três vezes em tampão TRIS salina triton (TBST-Tris 5%) com intervalos de cinco minutos. Em
seguida, as secções foram imersas em solução de Peróxido de Hidrogênio (H202) + Metanol por
vinte minutos; lavadas duas vezes em TBST.
A seguir, realizou-se a incubação em Lectina Floribunda (3 µl sol estoque + 1ml PBS)
por 12 horas. Antes e após serem incubadas em solução ABC (complexo Biotina Avidina) por 1
hora, as secções foram lavadas três vezes em tampão Tris (0,1M pH 7,4) com intervalo de dois
minutos. Após a imersão em tampão acetato (0,1 M) por cinco minutos, os cortes foram
reagidos em solução GND (0,5mg/ml de DAB + 1,2mg/ml Níquel). As secções reagidas foram
montadas em lâminas gelatinizadas para posterior análise estereológica.
92
 4.3 Coloração com Nissil
As secções processadas por histoquímica foram montadas para avaliação microscópica e
posteriormente contracoradas para Nissl. A coloração de Nissl utiliza o cresil violeta tingindo
núcleos e nucléolos com a coloração violeta. Neurônios e glia são corados indistintamente pela
técnica de Nissl. Para preparar a solução de coloração é preciso aquecer o cresil violeta em
banho-maria a 40°C, agitando-a por 5 minutos; filtrar a solução final em papel filtro; e
acrescentar o ácido acético até que o pH da solução esteja entre 3 e 3,5.
93
5. Análise estereológica.
As análises estereológicas foram realizadas no Laboratório de Neuroanatomia Funcional
através do programa StereoInvestigator (MicroBrightField, Williston, VT, USA). O uso desse
software integrado a um microscópio óptico Nikon, de alta resolução, com placa motorizada para
os eixos “x”, “y” e “z”, possibilitou que os dados das coordenadas tridimensionais e a
implementação dos métodos e fórmulas estereológicas fossem aplicados.
O número total de redes perineuronais e microglias presentes na região CA1 e do septum
foi estimado segundo o método do fracionador óptico em combinação com o princípio do
dissector óptico, e segundo regras que minimizam os vieses de contagem celular (HOWARD e
REED, 2005).
Foram analisadas, pelo menos, cinco secções por animal, sendo o intervalo entre elas de 5
secções. Os limites de CA1 e do septum (de apenas um dos hemisférios, escolhido
aleatoriamente) foram facilmente identificados e delineados, a partir da imagem de uma objetiva
de baixo aumento (3.2x) e possíveis reajustes empregados na objetiva de 10x. Uma vez
delimitada a área de interesse, a mesma é dividida em quadrantes (matriz ou gride), sendo que em
cada um deles é posicionada apenas uma caixa de contagem. As dimensões das caixas de
contagem e da matriz de contagem estão descritas na tabela abaixo.
Objeto de interesse Caixa de
contagem (µm²)
Matriz de
Contagem (µm²)
Espessura da
caixa (µm)
Secções
contadas
CA1
Redes Perineuronais 120x120 120x120 20 5
Microglias 45x45 80x80 10 5
Septum
Redes Perineuronais 70x70 120x120 20 3
Microglias 40x40 120x120 13 3
Tabela 1: Parâmetros estereológicos utilizados na contagem de redes perineuronais e microglias em CA1 e no
septum.
94
Tais medidas particulares diferiram por técnica de marcação em função da necessidade
de, sempre que possível, obter um coeficiente de erro igual ou menor que 0.05 e manter um
número mínimo de 30 caixas contadas por secção (considerando-se as diferenças de tamanho e
distribuição, conforme o tipo celular marcado). A imunorreatividade seletiva, associada a
características morfológicas, foram os critérios adotados na contagem, que foi realizada em uma
objetiva de grande aumento (60x), com exceção da contagem de redes perineuronais, que foi feita
em uma objetiva de 40x.
O processamento histológico (microtomia, desidratação, imunohistoquímica, etc.) pode
resultar em variações de espessura dentro do mesmo corte. Para corrigir esse erro, a cada caixa de
contagem mensurou-se a espessura do tecido e o bloco de contagem foi posicionado no centro da
espessura total do tecido. A disposição do bloco de contagem no centro não comprometeu a
visualização e foco da célula, visto que o protocolo adotado resultou num padrão de marcação
satisfatório.
 5.1 Caracterização das áreas e dos objetos de interesse.
Nossas áreas de interesse nas análises estereológicas foram o hipocampo (mais
especificamente, CA1) e o septum. A figura 15 ilustra a fotomicrografia do hipocampo e do giro
denteado, detalhando a laminação e os limites arquitetônicos.
B
A
95
Figura 15. Fotomicrografia ilustrando o giro denteado (GD) e o hipocampo dorsal da fêmea adulta do camundongo
da variedade suíça albina marcados com o anticorpo NEU-N (A) e com lectina Wisteria floribunda biotinilada (B).
Legenda: (Or) Oriens; (Pir) Piramidal; (Rad) Radiatum; (Lac Mol) Lacunosum Molecular; (Mol) Molecular; (Gr)
Granular; (Po) Camada Polimórfica. Escala: (A) 500µm, (B) 250µm.
No presente trabalho dois critérios foram suficientes para caracterização do hipocampo
(CA1, CA2, CA3) e do septum: os padrões arquitetônicos e de conexões. No que concerne ao
padrão arquitetônico, empregou-se imunohistoquímica seletiva para identificação de neurônios
empregando anticorpos dirigidos contra a proteína nuclear NeuN e histoquímica seletiva
empregando a lectina Wisteria floribunda para marcação de proteoglicanos da matriz
extracelular e melhor definição dos limites de CA1, CA2 e CA3 e dos núcleos septais,
preenchendo o critério de definição inambígua da área e dos objetos de interesse.
NeuN é uma proteína nuclear específica de neurônios, encontrada no núcleo e parte do
citoplasma da vasta maioria de tipos neuronais do sistema nervoso dos vertebrados. Por conta da
especificidade de sua expressão ele tem sido referido como um marcador universal do fenótipo
neuronal maduro (pós-mitótico) e é usado para distinguir neurônios de células da glia, assim
como de outras células que não expressam NeuN (DARLINGTON et al, 2008; KUMAR e
BUCKMASTER, 2007). Assim, anticorpos monoclonais dirigidos contra a proteína NeuN do
núcleo neuronal, marcam seletivamente o núcleo e parte do citoplasma de neurônios maduros
em todas as regiões neurais até então estudadas (AMBROGINI et al, 2004; DARLINGTON et
al, 2008; EDGAR AND ROSENBLUM, 2008; MAGAVI et al, 2000).
Na formação hipocampal do camundongo em particular, objeto de interesse do
presente trabalho, uma série extensa de estudos confirma essa observação tanto em animais
saudáveis quanto em doentes (BRANDT et al, 2003; KEMPERMANN et al, 2003;
TAKAHASHI et al, 2008; VON BOHLEN e HALBACH, 2007). O anticorpo monoclonal
empregado no presente trabalho (MAB377, Chemicon, Tremecula, CA), dirigido contra o
96
epitopo murino de NeuN, reage positivamente em uma variedade de espécies, sugerindo que é
conservado por todas elas e isso inclui pássaros, outros roedores e humanos (KUMAR e
BUCKMASTER, 2007).
O limite arquitetônico entre as regiões CA1, CA2 e CA3 podem ser identificados com
relativa facilidade por imunomarcação com anticorpo para NEU-N em função da variação do
empacotamento e do tamanho dos neurônios marcados em cada região (Figura 15A). Os corpos
celulares marcados em CA3 parecem maiores e distribuídos de forma menos empacotada do que
os de CA1 e CA2. As células da camada piramidal de CA2 são mais dispersas espacialmente que
as de CA1, observando-se um estreitamento desta camada no limite entre CA1 e CA2. Essa
distinção anatômica entre CA1 e CA2 é melhor observada na histoquímica para Wisteria
floribunda (Figura 15B).
Paralelamente, as características da distribuição dos terminais de glicosaminoglicanos
da matriz extracelular foram utilizadas também como um indicador de transformações
neuropatológicas que afetam as redes perineuronais da matriz associadas à doença
neurodegenerativa crônica.
Essa escolha se deveu ao fato de que dados da literatura mostram que tanto os
neurônios quanto as próprias redes que os envolvem, são afetados na Doença de Alzheimer e na
Doença Prion; além disso, a integridade dessas redes perineuronais é relevante para preservação
dos mecanismos de memória e aprendizado, promovendo neuroprotetor contra excitotoxicidade,
estresse oxidativo (MORAWSKI et al., 2004) e formação de placas neurofibrilares
(BRUCKNER et al, 1999; HARTIG et al., 2001).
Além das redes perineuronais, nossos objetos de interesse nas análises estereológicas
foram as microglias ativadas, seletivamente marcadas por histoquímica com lectina de tomate
(Lycopersicum esculentum) para a microglia ativada, de modo a acompanhar sua plasticidade
fenotípica em forma e número que acompanham a neurodegeneração (BOUCSEIN et al., 2000;
KANNAN et al., 2007; STREIT, 2000)
97
A região septal, por sua vez, foi definida como aquela delimitada entre a linha média, a
comissura anterior e núcleo anterior do bulbo olfatório, em sua porção mais ventral, enquanto
que, em sua porção mais dorsal, compreendida entre a linha média, o corpo caloso e a fímbria.
A identificação das redes perineuronais através da Wisteria floribunda biotinilada permitiu,
portanto, a definição clara dos campos hipocampais, e do septum medial e lateral assim como a
distinção entre os dois tipos de redes.
Tomados os resultados em conjunto foi possível caracterizar com precisão os limites das
áreas e identificar-se sem ambigüidades os objetos de interesse.
98
6. Análise Estatística
A estimativa do número total de células dentro da região de interesse foi obtida através do
método do fracionador óptico, multiplicando-se o número de células contadas dentro de cada
bloco pelos valores de probabilidade da amostra. Esses valores dependem: 1) do número de
secções investigadas comparadas com o número total de secções que contem a região de interesse
(“section sampling fraction”); 2) da área dos blocos de contagem comparada com a área da matriz
de contagem (“area sampling fraction”); e 3) a altura do bloco de contagem comparada com a
média da espessura da secção após os procedimentos histológicos (“thickness sampling
fraction”).
Onde,
N – número total de células
ΣQ – número de células contados
ssf – “section sampling fraction” = secções contadas/total de secções
asf – “area sampling fraction” = área bloco/área matriz (x,y)
tsf – “tissue sampling fraction” = altura bloco/espessura da secção.
Comparando o coeficiente de erro verdadeiro para grandes amostras com o calculado
por diferentes métodos, encontrou-se que o coeficiente de Scheaffer é o que mais se aproxima do
erro verdadeiro (GLASER e WILSON, 1998). Assim, no presente trabalho, deu-se preferência ao
fracionador óptico como método estereológico e ao coeficiente de Scheaffer como instrumento
de medida do erro intrínseco à metodologia. Utilizando esse coeficiente, definiu-se que a grade e
as dimensões da caixa de contagem seriam adequadas quando a relação entre o coeficiente de
erro e o coeficiente de variação fosse menor do que 0.5.
N = ΣQ * 1/ssf * 1/asf * 1/tsf
99
Outro parâmetro que se estimou de forma sistemática foi o coeficiente de variação
biológica, definido como: CVB2
= CV2
– CE2
(CE, coeficiente de erro; CV coeficiente de
variação; CVB, coeficiente de variação biológica), expresso em valor percentual do coeficiente
de variação, estabelecendo-se que sua contribuição precisa ser sempre maior do que 50% para
que se minimize os erros intrínsecos do processo amostral.
A análise estatística paramétrica avaliou o grau de significância dos resultados dos
testes comportamentais através da análise de variância (ANOVA, um critério) seguido do teste
de Bonferroni a priori, aceitando-se como significantes as diferenças entre grupos com intervalo
de confiança mínimo de 95% (p<0,05). O software Bioestat 5.0 foi empregado em todos os testes
estatísticos.
A seguir (Quadro 2) vemos um esquema ilustrativo da metodologia e dos
procedimentos experimentais.
74
IV. RESULTADOS.
Seleção de 40 camundongos
da variedade Suíça albina
com 8 semanas de idade
Divisão dos grupos:
Agrupados (n=20)
Isolados (n=20)
Isolados: três semanas de isolamento
Agrupados: cinco por gaiola
Aferição dos níveis basais de consumo de glicose
1ª fase
1ª a 3ª semana de isolamento
social
2ª fase
Testes comportamentais:
Campo Aberto, Labirinto em
Cruz, Peso corporal
Subdivisão dos grupos:
Agrupados – NBH-GR e ME7-GR
Isolados – NBH-IS e ME7-IS
Testes (2x por semana): consumo
de glicose, burrowing e medida e
da temperatura anal.
1ª a 17ª semana pós-inoculaçãoInoculação com NBH ou ME73ª semana de isolamento
Testes comportamentais:
Campo Aberto, Labirinto em Cruz,
TST, Grooming e Peso corporal.
Perfusão, fixação, microtomia,
técnicas de histoquímica
Análises estereológicas em CA1 e
no septum: redes perineuronais e
microglias ativadas
3ª fase
17ª semana pós-inoculação
Quadro 2: Esquema ilustrativo da metodologia e dos procedimentos experimentais.
75
0
5
10
15
20
25
3 5 7 9 11 13 15 17
semanas pós-inoculação
qtde.ingerida(ml)
NBH-GR ME7-GR NBH-IS ME7-IS
1. Ensaios Comportamentais.
Os testes de Consumo de Glicose, Burrowing e Temperatura foram aplicados duas vezes por
semana, da 1ª a 17ª semana pós-inoculação; enquanto que os testes Campo Aberto, Labirinto em
Cruz Elevado, Grooming, Teste de Suspensão da Cauda e Peso corporal foram realizados antes e
depois da inoculação com a Doença Prion (17ª semana).
 1.1 Consumo de glicose
CONSUMO DE GLICOSE – 17ª SEMANA PÓS-INOCULAÇÃO
Média Aritmética (ml) Desvio Padrão Grupos Significância (Anova, Bonferroni)*
NBH-GR = 18.4 5.27 NBH-GR e NBH-IS p<0.025
ME7-GR = 15.66 2.96 NBH-GR e ME7-IS p<0.01
NBH-IS = 11.62 4.87 ME7-GR e ME7-IS p<0.01
ME7-IS = 8.30 6.31 NBH-IS e ME7-IS p<0.05
Figura 16. Média da quantidade de glicose consumida ao longo das semanas pós-inoculação com NBH ou ME7.
 Os ME7-IS consumiram menor quantidade de glicose que os demais grupos (NBH-Grupo, ME7-Grupo e NBH-
Isolados). ANOVA um critério, Bonferroni, p<0.01.

76
Tabela 2: Dados estatísticos relativos ao consumo de glicose na 17ª semana pós-inoculação. *Apenas as diferenças
significativas.
A figura 16 mostra que não houve diferença no consumo de glicose entre animais em grupo
(NBH-GR e ME7-GR) e isolados (NBH-IS e ME7-IS), exceto na 17ª semana PI.
Da 3ª a 9ª semana PI os grupos NBH-GR e ME7-GR ingeriram, em média, 11ml da solução
glicosada; na 13ª houve uma queda dessa média para 5ml, o que não representa um dado
significativo, pois na semana seguinte, os camundongos retornaram para os níveis iniciais de
consumo, apresentando uma tendência crescente da ingestão de glicose.
Os sujeitos isolados (NBH-IS e ME7-IS), por sua vez, exibiram níveis de consumo similares
até a 17ª semana PI, nas qual os ME7-IS (MA=8.30, Erro Padrão=1.99) ingeriram menor quantidade
de glicose que os NBH-IS (MA=12, EP=1.72, p<0.05). Na 17ª semana os animais ME7-IS também
se diferenciaram dos NBH-GR (MA=18; EP=1.67, p<0.01) e dos ME7-GR (MA=16; DP=0.99,
p<0.01).
77
0
30
60
90
120
150
180
5 7 9 11 13 5 16 17
semanas pós-inoculação
qtde.removida
NBH ME7 NBH+IS ME7+IS
 1.2 Remoção e estoque de ração (burrowing)
Figura 17. Quantidade de ração removida ao longo das semanas pós-inoculação com ME7 e NBH. Legenda: 
Diferença entre os animais NBH-Isolados e ME7-Isolados (ANOVA, Bonferroni, p<0.01);  Os sujeitos ME7 (GR e IS)
removeram menor quantidade de ração que os NBH (GR e IS). ANOVA um critério, Bonferroni, p<0.01.
Tabela 3: Quantidade de ração removida na 16ª e na 17ª semana pós-inoculação. *Apenas os dados estatisticamente
significativos.
BURROWING – 16ª SEMANA PÓS-INOCULAÇÃO
Média Aritmética
(gramas)
Desvio Padrão Grupos* Significância
(Anova, Bonferroni)*
NBH-GR = 119 45 NBH-GR e ME7-IS p<0.01
ME7-GR = 90 61 ME7-GR e NBH-IS p<0.01
NBH-IS = 148 4.5 NBH-IS e ME7-IS p<0.01
ME7-IS = 66 60
BURROWING – 17ª SEMANA PÓS-INOCULAÇÃO
Média Aritmética
(gramas)
Desvio Padrão Grupos Significância
(Anova, Bonferroni)*
NBH-GR = 135 35 NBH-GR e ME7-GR p<0.01
ME7-GR = 80 59 NBH-GR e ME7-IS p<0.01
NBH-IS = 135 22 ME7-GR e NBH-IS p<0.01
ME7-IS = 24 32 ME7-GR e ME7-IS p<0.01
NBH-IS e ME7-IS p<0.01


78
Nas primeiras 15 semanas, não encontramos diferença entre os grupos experimentais quanto
ao burrowing (Figura 17).
Na 16ª semana, observamos que os animais ME7-IS (MA=66, EP=10) se distinguem dos
NBH-IS (MA=148, EP=8), apresentando uma queda brusca na quantidade de ração removida
(p<0.01) que persiste na semana seguinte.
Na 17ª semana os sujeitos ME7-GR (MA=87.51, EP= 20) removeram menos ração que os
NBH-GR (MA=145.60, EP=11, p<0.01) e os NBH-IS (MA=135, EP=7.95, p<0.01). O grupo ME7-
IS distinguiu-se dos demais grupos, apresentando maior queda no burrowing na 17ª semana PI
(MA=24, EP=10.40, p<0.01).
Observamos que, enquanto os ME7-IS distinguiram-se dos NBH-IS na 16ª semana, os ME7-
GR só apresentaram queda no burrowing, em relação aos NBH-GR, na 17ª semana PI.
 1.3 Temperatura corporal
36
37
38
Figura 18. Temperatura retal dos animais da 5ª a 17ª semana pós-inoculação. Legenda:  Diferença entre os
sujeitos em grupo (NBH-GR e ME7-GR) e os sujeitos isolados (NBH-IS e ME7-IS). ANOVA, Bonferroni, p<0.01.
semanas pós-inoculação
controles
ME7
isolados
Isolados+ME7
 



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ISOLAMENTO SOCIAL ANTECIPA A INSTALAÇÃO DAS ALTERAÇÕES COMPORTAMENTAIS EM MODELO MURINO DE DOENÇA PRION

  • 1. 38 Universidade Federal do Pará Programa de Pós-Graduação em Neurociências Defesa de Dissertação de Mestrado Impacto do Isolamento Social no Curso Temporal da Doença Prion em Modelo Murino. Amanda de Oliveira Ferreira
  • 2. 39  “O temor do Senhor é o princípio da sabedoria e de toda ciência”. Provérbios do Rei Salomão, capítulo 1, verso 7. 
  • 3. 40 Agradecimentos... Como agradecer a realização de um sonho? Há muitas pessoas que fazem parte dessa conquista e seria impossível enumerá-las todas. Acima de tudo, agradeço a Deus por ter me criado e por ter sonhado como seria cada minuto da minha vida. Ele é o sentido da minha existência. Agradeço a meus pais, pelo esforço, amor e dedicação que me dedicam incondicionalmente. Agradeço aos amigos, especialmente: aos de infância (Manuela e Luciana), da juventude (Renata, Renan, Lyfson, Rebeca, Josué), da amada faculdade de Psicologia (Jacqueline e Fábio), aos professores e psicólogos (Edson Frazão, Mauro Barreto, Denise Scaff, Léa Salles e Emanuel Tourinho). Sem vocês, não teria chegado até aqui, seja pelo apoio emocional ou pela inestimável contribuição que trouxeram para minha prática e conhecimentos profissionais. Agradeço grandemente ao querido professor Cristovam Diniz, que me recebeu e me orientou sempre com muito bom humor, respeito e algo que realmente me cativou: acreditou no meu potencial (ainda latente) e me conduziu por caminhos que eu nem sabia que poderia andar. Obrigada por ter sido meu orientador. Agradeço aos colegas do Laboratório de Neuropatologia e Infecção, pelo apoio constante e de grande valor, em especial, aos amigos Juliana Paes, Aline Andrade, Renatinha e Roseane Borner. Finalizo no esmo ponto onde comecei: sou grata ao meu Deus, pois Ele é fiel pra terminar a boa obra que começou em mim. Tenho certeza que essa vitória é apenas uma de muitas que Ele me reservou.
  • 4. 41 UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ INSTITUTO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM NEUROCIÊNCIAS E BIOLOGIA CELULAR ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: NEUROCIÊNCIAS. AMANDA DE OLIVEIRA FERREIRA ISOLAMENTO SOCIAL ANTECIPA A INSTALAÇÃO DAS ALTERAÇÕES COMPORTAMENTAIS EM MODELO MURINO DE DOENÇA PRION Belém – Pará Julho/2009
  • 5. 42 UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ INSTITUTO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM NEUROCIÊNCIAS E BIOLOGIA CELULAR ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: NEUROCIÊNCIAS. DISSERTAÇÃO DE MESTRADO Amanda de Oliveira Ferreira Este exemplar corresponde à redação final da dissertação defendida por Amanda de Oliveira Ferreira e aprovada pela comissão julgadora. Aprovada em: 15/07/2009 Orientador: Prof. Dr. Cristovam W. Picanço Diniz. Examinador: Prof. Dr. Juarez A. S. Quaresma. Examinador: Prof. Dr. Rommel M. R. Burbano
  • 6. 43 FERREIRA-OLIVEIRA, A. ISOLAMENTO SOCIAL ANTECIPA A INSTALAÇÃO DAS ALTERAÇÕES COMPORTAMENTAIS EM MODELO MURINO DE DOENÇA PRION. Amanda de Oliveira Ferreira. Belém, Pará, UFPA/ICB, 2009. Dissertação: Mestre em Neurociências.
  • 7. 44 RESUMO O objetivo do presente trabalho é avaliar o impacto do isolamento social sobre a instalação da Doença Prion em modelo murino da variedade Albina Suíça. Camundongos isolados (IS) ou agrupados (GR) foram infectados com o agente ME7 ou com homogenado de cérebro normal (NBH). O consumo de glicose, a remoção e estocagem de comida e a temperatura anal foram medidos duas vezes por semana, entre a 1ª e a 17ª semana pós-inoculação (PI). Grooming, Labirinto em Cruz Elevado (LCE), Campo Aberto (CA) e Peso corporal foram mensurados antes da inoculação e na 17ª semana PI. Em todos os testes estatísticos (ANOVA, um critério, Bonferroni a priori) o nível de significância foi p<0.05. Burrowing: o grupo ME7-IS apresentou redução desse comportamento (16ª semana PI) mais precocemente que o ME7-GR (17ª semana PI). Consumo de glicose: na 17ª PI os sujeitos IS, principalmente o grupo ME7-IS, reduziram o consumo de glicose quando comparados aos sujeitos GR (NBH e ME7) que mantiveram consumo igual até a 17ª semana. Grooming: o grupo ME7-IS apresentou menor freqüência de grooming que os demais (p<0.01). Campo Aberto: os sujeitos GR apresentaram menor atividade que os sujeitos IS antes da inoculação e na 17ª semana PI, quando os indivíduos ME7-IS demonstraram maior atividade locomotora do que os demais grupos (p<0.01). LCE: os animais isolados apresentaram comportamentos semelhantes aos associados à ansiedade, na 3ª semana na de isolamento, enquanto que, na 17ª semana PI, esses mesmos sujeitos pareciam estar se aproximando do espectro de comportamento semelhante à depressão. Além disso, o grupo ME7-IS apresentou alteração no LCE enquanto que o ME7-GR não teve seu comportamento alterado nesse teste. Burrowing, grooming, consumo de glicose, LCE e peso corporal sugerem uma influência aditiva do isolamento social nas mudanças comportamentais da Doença Prion. Os grupos ME7 (GR e IS) apresentaram redução do número de redes perineuronais e microgliose, tanto na região de CA1 como no septum, na 17ª semana PI. Não encontramos diferença estatística significante nos achados neuropatológicos entre os grupos ME7-GR e ME7-IS. Em conclusão o isolamento social promove alterações comportamentais mais precoces e seus efeitos parecem agravar os sintomas da fase precoce da doença. Permanecem por ser investigados os mecanismos moleculares associados a tais alterações. Palavras-chave: Doença Prion, Isolamento Social, Comportamento, Neurodegeneração Crônica, Camundongo suíço albino.
  • 8. 45 I. INTRODUÇÃO 1. Doenças Neurodegenerativas Crônicas Associadas ao Envelhecimento  1.1 Envelhecimento Normal e Envelhecimento Patológico. O envelhecimento normal apresenta inúmeras transformações bioquímicas, morfológicas, fisiológicas e psicológicas (MOI, 2004). Dentre elas, podemos citar a perda de funções biológicas; a diminuição da fertilidade; o aumento da mortalidade; e o aparecimento de dificuldades cognitivas. Tais modificações implicam em perda gradual da capacidade de adaptação ao meio ambiente e conseqüente diminuição da capacidade de sobrevivência. O envelhecimento é influenciado por fatores como educação, estilo de vida, estresse, alimentação e exercícios físicos (MOI, 2004). Em geral, o envelhecimento normal não traz danos que interferem abruptamente nas atividades diárias do idoso (CHARCHAT-FICHMAN et al., 2005). Por outro lado, o envelhecimento patológico possui limites conceituais tênues. Atualmente, muitas características outrora atribuídas à idade, são consideradas parte de um quadro de demência leve não-reconhecida (COREY-BLOOM et al., 1995). Apesar de observamos uma queda das funções cognitivas gerais no idoso, não é normal que as mesmas decresçam consideravelmente (ALMEIDA e NITRINI, 1998). O termo demência designa o declínio progressivo e global das funções cognitivas, interferindo nas atividades sociais e ocupacionais do indivíduo e afetando obrigatoriamente a memória (ALMEIDA, 1997; CARAMELLI e BARBOSA, 2002). A demência é uma das maiores causas de morbidade entre idosos e sua prevalência está entre 2% e 25% dos pacientes com mais de 65 anos (FRATIGLIONI e AMADUCI, 1990). A maioria das doenças crônicas que acometem o indivíduo idoso tem a idade como principal fator de risco (ALMEIDA e NITRINI, 1998).  1.2 Neurodegeneração crônica no idoso: o Mal de Alzheimer como a doença do século.
  • 9. 46 A Doença de Alzheimer tem apresentação clínica e patológica bem definida (MARINHO et al, 1997), afetando pelo menos 5% dos indivíduos com mais de 65 anos e 20% daqueles acima de 80 anos (JORM e JACOMB, 1989), representando a forma mais comum de demência (TUPPO e ARIAS, 2005). Clinicamente, o indicador mais notável na Doença de Alzheimer é a perda progressiva da memória, além do prejuízo na linguagem, na capacidade cognitiva, laborativa e social (TEIXEIRA e CARAMELLI, 2006). Nos estágios mais avançados da doença, observam-se alterações comportamentais significativas, a saber: sintomas depressivos (apatia, desinteresse, desmotivação); sintomas ansiosos (ansiedade generalizada, fobias, perturbações obsessivo- compulsivas); comportamentos agressivos; desinibição sexual e idéias delirantes (ABREU et al., 2005). Os primeiros dados sobre a neuropatologia do Alzheimer remontam a 1906, quando o médico alemão Alois Alzheimer (1864-1915) observou em uma autópsia lesões cerebrais até então desconhecidas: atrofia neuronal, presença de placas e fibras retorcidas em diferentes regiões do encéfalo (ALMEIDA, 1997). Atualmente, sabe-se que as placas senis são depósitos extracelulares da proteína β-amilóide (Figura 1) e que os emaranhados neurofibrilares são estruturas intraneuronais compostas pela proteína tau (Figura 2) (TUPPO e ARIAS, 2005). Placas β-amilóide β-amilóide Enzimas APP Neurônio Interior celular Figura1: Agregação da proteína β-amilóide; (APP) proteína precursora amilóide. Adaptado de: www.boston.com /yourlife/health/special /alzheimers.
  • 10. 47 Em condições normais, a proteína tau está associada à estabilização dos microtúbulos axonais (Figura 2); no Alzheimer ela é encontrada nas placas senis e nos emaranhados neurofibrilares (SHIN et al., 1989). O depósito da proteína β-amilóide - derivada da proteína precursora amilóide (APP) - nas placas senis é um dos carimbos oficiais da Doença de Alzheimer (RAMÍREZ et al., 2005). O Alzheimer também se caracteriza pela perda sináptica, morte neuronal e astrogliose reativa (LEONARD, 2007). As alterações cerebrais ocorrem especialmente no córtex cerebral e no hipocampo. A etiologia da doença permanece obscura, mas há vários estudos indicando a importância de fenômenos inflamatórios (EIKELENBOOM et al., 2002; TUPPO e ARIAS, 2005; ROGERS e LUE, 2001; DICKSON, 1997). EIKELENBOOM et al (2002) destaca quatro evidências que relacionam o acúmulo fibrilar de β-amilóide a eventos inflamatórios: diversos fatores inflamatórios já foram identificados em cérebros com Alzheimer (citocinas e proteínas pró-inflamatórias); as placas Microtúbulos Emaranhados neurofibrilares Tau Axônio Neurônio Figura 2: A hiperfosforilação da proteína tau ocasiona a desintegração dos microtúbulos axonais e a formação dos emaranhados neurofibrilares. Adaptado de: www.boston.com/yourlife/health/special /alzheimers.
  • 11. 48 amilóides são caracterizadas pela presença de microglia ativada; a ausência de células T e de imunoglobinas indicam que respostas imunes clássicas não estão envolvidas; e não há indícios de que sejam requeridos leucócitos nas repostas inflamatórias do Alzheimer. A neuroinflamação difere da inflamação periférica, pois além da ausência de células T, imunoglobinas e leucócitos, não estão presentes sinais inflamatórios característicos, como rubor, calor e dor (EIKELENBOOM et al., 2002). Ademais, as células neurais se defendem de eventos inflamatórios e patogênicos através de um estratagema singular: a barreira hemato-encefálica, ausente no sistema vascular periférico (TUPPO e ARIAS, 2005). Os componentes celulares mais importantes no desenvolvimento das respostas inflamatórias da Doença de Alzheimer são as microglias, os astrócitos e os neurônios, os quais estão envolvidos em processos fundamentais como a homeostase e o funcionamento cerebral (TUPPO e ARIAS, 2005). O Sistema Nervoso Central (SNC) possui um mecanismo endógeno imunoprotetor que é coordenado pelas microglias, as quais proveem suporte e proteção aos neurônios (TUPPO e ARIAS, 2005). Dependendo das condições nas quais há ativação microglial, essas células podem exercer efeitos neuroprotetores ou neurotóxicos (RAMÍREZ et al., 2005). A microglia é ativada nos locais de depósito da proteína β-amilóide, agrupando-se, em seguida, ao redor desses agregados amilóides (TUPPO e ARIAS, 2005). Essa exposição microglial à β-amilóide estimula a secreção de fatores pró-inflamatórios, como as interleucinas (IL-6 e IL-1β) e o Fator de Necrose Tumoral (TNF ) (ROGERS e LUE, 2001). A β-amilóide pode, ainda, viabilizar a circulação de macrófagos periféricos através da barreira hemato-encefálica, aumentando as chances de um evento inflamatório (TUPPO e ARIAS, 2005). Os astrócitos são as células encontradas em maiores quantidades no cérebro (TUPPO e ARIAS, 2005). Sabe-se que eles estão envolvidos na conexão dos tecidos e nas funções esqueléticas cerebrais, mantendo a integridade funcional das sinapses (TUPPO e ARIAS, 2005). Quando ocorre uma injúria neural, os astrócitos participam do processo de cura, formando uma
  • 12. 49 cicatriz glial na lesão (TUPPO e ARIAS, 2005). Sabe-se pouco sobre o papel dos astrócitos na inflamação da Doença de Alzheimer; no entanto, astrócitos reativos foram associados às placas senis e à secreção de moléculas pró-inflamatórias (DICKSON, 1997). Alguns dados sugerem que os astrócitos estão envolvidos na síntese ou na fagocitose da β-amilóide (KURT et al., 1999). Na Doença Prion e no Mal de Alzheimer, os astrócitos parecem ir além das ações benéficas identificadas nas lesões agudas, contribuindo para o aumento do dano tecidual e para a evolução destas doenças (MRAKA e GRIFiN, 2001). Essas ações parecem estar associadas a superexpressão da proteína S100B, um mensageiro químico intercelular em astrócitos ativados (SHENG et al, 1994). Foram descritas dezenove proteínas da família S100, as quais são encontradas em diversos tecidos e estão envolvidas na regulação intracelular de cálcio associado à múltiplas funções dependentes do cálcio, tais como: fosforilação de proteínas; atividades enzimáticas; proliferação e diferenciação celular; construção e reparo do citoesqueleto; e homeostase do cálcio (DONATO, 1999). O tipo S100B é o mais abundante nas células da glia do SNC, contribuindo para o crescimento de neuritos, a sobrevivência de subpopulações neuronais (durante o desenvolvimento e após injúrias), além de estimular a proliferação e hipertrofia de astrócitos (GRIFiN et al, 1995; SHASHOUA et al, 1984). Os astrócitos ativados são componentes indissociáveis das placas amilóides na Doença de Alzheimer, localizando-se na periferia dessas placas e envolvendo os depósitos amilóides (MANDYBUR e CHUIRAZZI, 1990). Esses astrócitos ativados também podem ser observados nos estágios iniciais da Doença, antes mesmo da formação de placas, quando o depósito amilóide ainda é difuso (MRAK et al, 1996). Sabe-se que pacientes com leve distúrbio cognitivo, nos primeiros sinais do Mal de Alzheimer, mostram um aumento expressivo do número de astrócitos associado a um reduzido número de placas; enquanto que, nos estágios mais tardios, o número de astrócitos associados à placas está diminuído, sugerindo que a astrocitose reativa parece contribuir principalmente para a patologia dos estágios iniciais (PIKE et al, 1995).
  • 13. 50 Assim como as microglias e os astrócitos, os neurônios também secretam substâncias inflamatórias, como IL-1, IL-6 e TNF . Esses produtos conduzem os neurônios a um aumento da toxicidade e à morte (TUPPO e ARIAS, 2005).  1.3 A Doença Prion como modelo de Neurodegeneração Crônica A Encefalopatia Espongiforme Bovina e sua variante humana, a Doença Creutzfeldt- Jakob, são conhecidas como encefalopatias espongiformes transmissíveis ou Doenças Prion (FOURNIER e GRIGORIEV, 2001). Essas desordens neurológicas são fatais e estão associadas a mudanças conformacionais anormais de proteínas celulares: a proteína celular prion (PrPc ), rica em -hélices, é convertida em proteína prion scrapie (PrPsc ), que contém folhas β-pregueadas (PRUSINER, 1998). Essa é a principal diferença estrutural entre as duas formas de prion, visto que a seqüência de aminoácidos é idêntica (SAKAGUCHI, 2007). A PrPc é uma glicoproteína da membrana celular expressa em altas concentrações no SNC, especialmente nos neurônios (PRUSINER et al., 1998). A proteína prion não possui ácido nucléico, replicando-se através da conversão autocatalítica da PrPc em PrPsc (Figura 3) (PRUSINER, 1989). Em condições normais, a PrPc é fundamental na emissão de prolongamentos neuronais e na comunicação entre as células nervosas (MARTINS et al., 1997). Figura 3: Esquema do processo patológico da conversão da proteína prion normal (PrPc ) em sua forma aberrante (PrPsc ). Adaptado de: http://fig.cox.miami.edu/~cmallery/255/255prot Passo 1: PrP c normal (em verde) Passo 2: Príons invasores estimulam a conversão de PrP em PrP sc Passo 3: O neurônio não consegue destruir o prion aberrante e morre Passo 4: Os prions migram para outras células e recomeçam o ciclo PrP PrPsc Núcleo
  • 14. 51 O aparecimento da proteína infecciosa no organismo pode ocorrer, entre outros fatores, por hereditariedade, uso de material cirúrgico contaminado ou consumo de carne de animais infectados. O acúmulo de moléculas alteradas nos neurônios provoca a morte dessas células, o que pode prejudicar a coordenação motora e a memória (MARTINS et al., 1997). O processo neuropatológico do prion requer a participação tanto da proteína normal quanto da anormal (FOURNIER e GRIGORIEV, 2001). Como exposto na Figura 3, a PrPsc invade o neurônio sadio e força a PrPc a assumir sua forma patogênica. A conformação da PrPsc é inflexível, o que a torna resistente à degradação enzimática e permite que ela se acumule e destrua a célula nervosa. Assim como a Doença de Alzheimer tem como principal característica neuropatológica o acúmulo do peptídeo β-amilóide, a Doença Prion é reconhecida pelo depósito difuso, perivacuolar ou em forma de placas, da proteína prion. As placas senis dos pacientes com Alzheimer comumente contêm depósitos de PrPc (SCHWARZE-EICKER et al, 2005). Apesar do papel funcional do acúmulo de PrPc ainda ser desconhecido, dados sugerem que essa proteína promove a formação de placas e que parece ser mediada pelo aumento da agregação do peptídeo β-amilóide (SCHWARZE-EICKER et al., 2005). Estas duas patologias também apresentam em comum ativação microglial e a ação de fatores pró-inflamatórios (EIKELENBOOM, 2002). Em contrapartida, apenas na Doença de Alzheimer vemos a presença prévia de baixas concentrações de β-amilóide, mais uma evidência de que processos neuroinflamatórios estão envolvidos (EIKELENBOOM, 2002). Ademais, a ativação microglial exerce um feedback positivo, regulando a síntese de APP e a fibrilação da β-amilóide, mantendo, assim, a cadeia de eventos que conduzem a neurodegeneração no Alzheimer.  1.4 Doenças Neurodegenerativas Crônicas, Depressão e Ansiedade.
  • 15. 52 A associação entre os estados de humor e alterações biológicas em humanos remonta a Hipócrates, que acreditava que a melancolia estaria associada a um excesso de bile negra. Charles Darwin foi o primeiro cientista a realizar um estudo científico das emoções em animais, no livro A expressão das emoções no homem e nos animais. Nas últimas décadas, as pesquisas genéticas, moleculares e de neuroimagem têm provido contribuições substanciais sobre os mecanismos neurais subjacentes aos estados afetivos. 1.4.1 Estresse, Depressão e Ansiedade. O estresse é um fator importante para o desenvolvimento de alterações de humor (MCARTHUR e BORSINI, 2006). Em situações aversivas, a ativação do eixo hipotálamo- pituitária-adrenal é uma das primeiras respostas fisiológicas, sendo que a manutenção dessa ativação resulta em altos níveis de glucocorticóides, seguida de perda neuronal (LEONARD, 2007; DUMAN, 2004). O estresse crônico também afeta o sistema imunológico e o funcionamento dos neurotransmissores (DUMAN, 2004). A reação ao estresse pode resultar em conseqüências comportamentais e psicológicas, como a depressão e a ansiedade (NESSE, 1999; FAVA e KENDLER, 2000). As causas que podem levar um indivíduo a estados alterados de humor são inúmeras. Biologicamente, podemos citar predisposição genética; funcionamento alterado de neurotransmissores ou de seus receptores; lesões cerebrais; presença de outras condições patológicas que envolvam circuitos neurais relacionados às emoções (TENG et al., 2005; ROZENTHAL et al., 2004). Quanto às condições ambientais, podemos citar perdas, frustrações, mudanças abruptas, histórico de abandono familiar, dentre muitos (ROZENTHAL et al, 2004). É importante frisar que, no tangente ao contexto psicossocial, indivíduos diferentes manifestam sintomas depressivos ou ansiosos por motivos distintos, o que depende da capacidade ou possibilidade do mesmo de lidar com as situações aversivas cotidianas.
  • 16. 53 Muitas vezes, uma condição genética pré-existente manifesta-se após a exposição do paciente a uma situação traumática. Segundo CRYAN e HOLMES (2005) a exposição a traumas e a situações de estresse são os principais fatores predisponentes para o aparecimento da Depressão Maior1 . Ademais, pessoas que enfrentam mudanças abruptas de ambiente ou na forma como são tratadas pelos seus pares apresentam aumento da ansiedade; baixa auto-estima; sentimentos de solidão e sintomas depressivos (DEUSSING, 2006). Os sintomas depressivos e ansiosos são heterogêneos, manifestando-se em aspectos comportamentais, psicológicos, fisiológicos e neurofisiológicos, como exposto no quadro abaixo (Quadro 1). Quadro 1: Quadro dos principais sintomas presentes na ansiedade e na depressão. 1 O conceito de depressão maior inclui os sintomas depressivos como um todo, dos mais leves aos mais severos (DSM-IV, 1994). Sintomas Depressão Ansiedade Comportamentais (DSM IV, 1994)  Mudanças no apetite  Insônia ou sono excessivo  Aumento ou diminuição da atividade motora  Perda de peso  Inquietação  Fadiga  Irritabilidade  Distúrbios do sono  Comportamentos compulsivos Psicológicos (DSM IV, 1994)  Anedonia (diminuição do interesse por atividades prazerosas)  Dificuldade de concentração e de planejamento  Sentimento de culpa  Ideações suicidas  Excesso de preocupação  Pensamentos obsessivos  Dificuldade de concentração  Sentimento de perda de controle  Lembranças recorrentes de eventos traumáticos Fisiológicos (OVERSTREET et al, 1994; WILLNER, 1997)  Queda da temperatura  Perda de peso  Taquicardia  Rubor  Sudorese Neuropatológicos (ROZENTHAL, 2004; LEMAIRE et al, 2000; CONNOR e DAVIDSON, 1998; DEACON et al,2002)  Queda do metabolismo cerebral  Funcionamento alterado da amídala, hipocampo e córtex frontal  Queda da neurogênese hipocampal  Queda da expressão de fatores neurotróficos  Alterações nos sistemas serotoninérgicos, gabaérgicos e noradrenérgicos  Lesões hipocampais  Queda da expressão de fatores neurotróficos
  • 17. 54 Segundo DEUSSING (2006), a depressão é uma patologia de alta prevalência, atingindo cerca de 20% da população mundial. Sua característica essencial é o humor triste por um período prolongado, levando a perda do interesse nas atividades cotidianas (DEUSSING, 2006). Diante da prevalência e do potencial incapacitante da doença, há um grande esforço das entidades governamentais em desenvolver novas formas de tratamento. Os antidepressivos atuais são eficazes em 65% dos casos e requerem uma administração continuada (semanas ou meses) (HUNSBERGER et al., 2007). Assim, várias pesquisas enfocam o esclarecimento das bases neurobiológicas da depressão, buscando caminhos alternativos de tratamento. Uma possibilidade é o estudo dos efeitos do exercício físico, que tem mostrado ações antidepressivas em modelos animais (CRYAN e HOLMES, 2005; HUNSBERGER et al., 2007). Paralelamente, problemas cardíacos, obesidade, diabetes, ansiedade e demências, têm sido associados à ocorrência de eventos estressores e à Depressão Maior (LEONARD, 2007). O estado ansioso pode ser definido como um desprazer emocional diante de uma situação de perigo ou escassez controlado e modulado por múltiplas regiões do Sistema Nervoso Central, incluindo amídala, córtex, núcleo tegmentar ventral, hipotálamo, septum e hipocampo (CLEMENT e CHAPOUTHIER, 1998; FENDT e FANSELOW, 1999; HANDLEY, 1995). Diferentemente da depressão, a ansiedade é uma reposta natural e adaptativa a situações de perigo. O quadro patológico caracteriza-se por um medo persistente, excessivo, aparentemente infundado ou desproporcional, que interfere significativamente nas atividades cotidianas (CONNOR e DAVIDSON, 1998). Indivíduos expostos a estresse periódico podem desenvolver comportamentos de supervigilância, na tentativa de evitar os efeitos indesejáveis da situação ansiogênica, mesmo na ausência dela. A divisão da ansiedade em seis subtipos torna visível a complexidade comportamental da doença: ansiedade generalizada, transtorno do pânico, fobia específica, fobia social, transtorno obsessivo-compulsivo e estresse pós-traumático (DSM IV, 1994).
  • 18. 55 Há controvérsias quanto à relação entre ansiedade e depressão: trata-se de um transtorno misto ou de patologias distintas que, eventualmente, ocorrem em comorbidade? De qualquer forma, ambas são as condições psiquiátricas mais prevalentes; as taxas de comorbidade são altas, pois cerca de 85% dos pacientes deprimidos apresentam sintomas ansiosos (RIHMER et al., 2001). 1.4.2 Eventos inflamatórios, demências e distúrbios do humor. LYKETOS e OLIN (2002) relatam que a incidência de depressão em pacientes com Alzheimer é de, aproximadamente, 50%. Estudos epidemiológicos indicam que sintomas depressivos, como perda de interesse e de energia, podem estar presentes nos estágios iniciais do Alzheimer (GEERLINGS et al, 2000). Ultimamente, as pesquisas têm concedido espaço ao papel do sistema imunológico e endócrino na depressão (LEONARD, 2007; BRAMBILLA, 2000). Nesse sentido, LEONARD (2007) relatou uma série de citocinas que provocam mudanças imunológicas tanto nas demências (particularmente, no Alzheimer) quanto na depressão: citocinas pró-inflamatórias (IL-1, IL-6, TNF) e citocinas antiinflamatórias (IL-4, IL-10, IL-13 e Fator Transformador do Crescimento Tumoral-β). De acordo com o autor, o aumento de proteínas pró-inflamatórias também é encontrado em pacientes com sintomas de fadiga e insônia, comuns na ansiedade. Ainda segundo LEONARD (2007) a perda neuronal resultante das demências e do estresse pode estar relacionada às mudanças crônicas inflamatórias estimuladas pela ativação de macrófagos no sangue e de microglias no cérebro. Quanto às mudanças neurodegenerativas, LEONARD (2007) comenta que elas estão associadas ao aumento de citocinas pró-inflamatórias e a outros mediadores inflamatórios. A ativação microglial por essas citocinas, juntamente com a apoptose astrocitária, resulta em degeneração neuronal. Em suma, o aumento da
  • 19. 56 neurodegeneração, a queda da neuroproteção e do reparo neuronal são comuns ao estresse e ao Alzheimer (LEONARD, 2007).
  • 20. 57 II. Os Modelos Animais de Depressão e Ansiedade. Historicamente, o estudo das emoções a partir de modelos animais tem buscado responder a três questões: quais sistemas neurais estão envolvidos nas emoções; como esses sistemas funcionam quando alterados por psicopatologias; e como essas condições patológicas podem ser modeladas (CRYAN e HOLMES, 2005). As semelhanças neurofuncionais entre os vertebrados, especialmente os mamíferos, possibilitaram o desenvolvimento de diversas técnicas experimentais. Por décadas os estudos com ratos foram privilegiados, principalmente pelo desempenho desses roedores em testes cognitivos e pela possibilidade do uso de técnicas invasivas, envolvendo o sacrifício dos animais para estudos de correlação neuropatológica. Entretanto, com o desenvolvimento das pesquisas genéticas e com o avanço do conhecimento sobre as bases neurais do comportamento, tornou-se possível o uso de animais menores, como os camundongos, de manipulação mais fácil e custo menor (CRYAN e HOLMES, 2005). Podemos dividir os modelos experimentais de depressão e ansiedade em quatro grupos: genéticos; neuroquímicos; relacionados a lesões cerebrais; e indutores de estresse.  2.1 Modelos genéticos. No experimento de OVERSTREET et al (1994), os pesquisadores aumentaram a sensibilidade dos roedores ao 8-OH-DPAT (8-hidroxi-DPAT-hidrobromida). Sabe-se que os receptores de serotonina estão envolvidos na patofisiologia da depressão e da ansiedade, além de participarem da regulação da temperatura corporal. O 8-OH-DPAT reduz a temperatura, induzindo hipotermia. Camundongos sensíveis ao DPAT e, portanto, mais propensos à queda de temperatura, apresentaram maior tempo de imobilidade no Teste do Nado Forçado (conhecido como FST, da expressão inglesa Forced Swim Test) e comportaram-se de forma ansiosa em testes de interação social.
  • 21. 58 LACHMAN et al (1992) criou roedores geneticamente mais propensos a desenvolverem o Desamparo Aprendido. Esses animais mostraram queda no desempenho quando testados para memória espacial e regulação alterada dos receptores de serotonina. WEISS et al (1998), por sua vez, criaram ratos com diferentes desempenhos no FST (um grupo mais sensível ao teste e outro controle) que recebiam choques na cauda antes de executarem a tarefa. O primeiro grupo apresentou menos tentativa de escape no FST e maior tempo de flutuação em relação aos controles. O comportamento induzido por estresse apresentado pelos roedores foi revertido pelo tratamento crônico com diferentes antidepressivos. YOSHIKAWA et al (2002) objetivou determinar, por mapeamento genético, os genes que estariam envolvidos na resposta de imobilidade no Teste de Suspensão da Cauda (conhecido como TST, referente à expressão inglesa Tail Suspension Test) e no FST. As linhagens estudadas foram a F2, C57BL/6 e C3H/He. Foram encontrados 5 loci que afetam a imobilidade no FST e 4 no TST. Por fim, KROMER et al (2005) observaram que roedores treinados para desenvolver comportamentos ansiosos no Labirinto em Cruz Elevado (LCE) são mais ansiosos em diversos outros testes de ansiedade e apresentam tempo de imobilidade maior no FST e no TST.  2.2 Modelos neuroquímicos. Podemos elencar os estudos com monoaminas (KALIA, 2005); psicofármacos (HUNSBERGER et al, 2007; RUSSO-NEUSTADT et al., 2006; SCACCIANOCE et al., 2005; HOCK et al., 2000; DUMAN e MONTEGGIA, 2006); e fatores neurotróficos (HUNSBERGER et al., 2007; RUSSO-NEUSTADT et al., 2006). As monoaminas são representadas por neurônios oriundos de pequenos núcleos no tronco cerebral e no mesencéfalo, os quais se difundem pelo córtex e pelo sistema límbico (KALIA, 2005). O primeiro modelo de funcionamento alterado das monoaminas utilizou a reserpina, droga que causa depleção ou inativação da norepinefrina [NE], induzindo estados depressivos ou
  • 22. 59 sedativos. Esses efeitos são reversíveis quando são administrados antidepressivos tricíclicos [TCA] ou inibidores da monoaminoxidase [MAOI] (MCARTHUR e BORSINI, 2006). A descoberta de que drogas que potencializam a NE também têm efeito antidepressivo indicou uma relação entre o funcionamento monoaminérgico e o humor (KALIA, 2005). No mesmo sentido, pacientes deprimidos apresentam elevados níveis de receptores de serotonina [5- HT] e menor quantidade de 5-HT no sangue, na urina e no líquido cefalorraquidiano (KALIA, 2005). Os antidepressivos agem nos sistemas: noradrenérgico, aumentando a atividade cardíaca e a pressão em ratos (DeGRAAF et al, 1985), porém antagonizando a clonidina (induz hipotermia) (VON VOIGTLANDER et al., 1978); serotoninérgico, revertendo a ação da paracloramfetamina, a qual induz hipertermia e depleção de 5-HT (VON VOIGTLANDER et al., 1978); dopaminérgico, diminuindo a ação hipotérmica da apomorfina (MAJ et al., 1974). Os receptores benzodiazepínicos (BZD) e o ácido gama-butírico (GABA) estão presentes difusamente no Sistema Nervoso Central, afetando diversos sistemas funcionais. Entretanto, os sistemas neuronais envolvidos na regulação da ansiedade são particularmente os núcleos lateral e baso-lateral da amígdala, os quais são ricos em receptores BZD (GRAEFF, 1997; RIBEIRO e KAPCZINSK, 2000). A noradrenalina tem sido relacionada também com experiências intrusivas. Na resposta aguda ao estresse, há um aumento importante de noradrenalina na fenda sináptica, resultando num aumento da resposta monosináptica evocada (KATZ et al, 1996). Finalmente, o estresse aumenta a liberação e o metabolismo da dopamina no córtex pré-frontal, uma área envolvida na produção de respostas ao estresse (CHARNEY et al., 1993). Nos últimos anos, os pesquisadores têm submetido os animais a modelos que alteram especificamente os marcadores neurais desejados, aplicando, posteriormente, antidepressivos ou ansiolíticos específicos.
  • 23. 60 Paralelamente, HUNSBERGER et al (2007) discute que a ação dos antidepressivos possivelmente envolve a regulação de fatores neurotróficos. Esses fatores participam de funções fundamentais à saúde neuronal: sobrevivência, diferenciação, suporte, manutenção e aumento da atividade do neurônio e são afetados pelo estresse (HUNSBERGER et al, 2007; RUSSO- NEUSTADT et al, 2006). O Fator Neurotrófico de Crescimento cerebral (BDNF) é o mais encontrado no cérebro, especialmente no hipocampo. Estudos indicam que o BDNF é reduzido em roedores submetidos a modelos animais de depressão e em pacientes com Alzheimer; em contrapartida, é estimulado pelo exercício físico (HUNSBERGER et al, 2007; RUSSO-NEUSTADT et al, 2006; SCACCIANOCE et al, 2005; HOCK et al, 2000; DUMAN e MONTEGGIA, 2006). Infusões intraventriculares de IGF-1 (Fator de Crescimento Insulínico) e VEGF (Fator de Crescimento Vascular Endotelial) produzem ações antidepressivas no Teste do Nado Forçado e no Desamparo Aprendido (NEWTON et al, 2003).  2.3 Modelos relacionados a lesões cerebrais. Considerando-se que a depressão altera o funcionamento cerebral, é de suma importância avaliar o impacto causado pelas lesões neuronais em modelos animais de depressão. A região mais estudada é o bulbo olfatório. Lesões nessa região prejudicam as conexões do eixo hipotálamo-sistema límbico, causando, portanto, mudanças neurofisiológicas e comportamentais (SONG e LEONARD, 2005). Essas mudanças são comparáveis aos sintomas da depressão, pois ratos bulbectomizados apresentam: aumento da exploração e da hiperatividade no teste do Campo Aberto; déficits no ritmo circadiano e em atividades cognitivas; níveis elevados de glucocorticóides; queda da ingestão de glicose e do comportamento sexual; e anedonia (HARKIN et al., 2003; MONLEON et al., 1995). Segundos esses autores, tais alterações não seriam causadas simplesmente pela perda olfativa, mas por modificações nas sinapses e na densidade de regiões como o hipocampo e a amígdala.
  • 24. 61  2.4 Modelos indutores de estresse. A maioria dos modelos de depressão e ansiedade utiliza a exposição do animal a situações estressantes. No primeiro caso, observa-se uma incapacidade do mesmo de enfrentar situações aversivas; enquanto que, no tocante à ansiedade, os roedores tendem a exacerbar seu comportamento natural de evitar/esquivar-se de situações aversivas. O Teste do Nado Forçado (FST) e o Teste de Suspensão da Cauda (TST) baseiam-se na premissa de que um roedor submetido a uma situação aversiva e incontrolável empreenderá tentativas de escape até, finalmente, permanecer imóvel. Enquanto no FST o roedor encontra-se imerso em um cilindro com água, no TST ele é preso pela cauda verticalmente. A validade destes testes consiste no fato de diversos antidepressivos diminuírem o tempo de imobilidade do animal (CRYAN e HOLMES, 2005). A imobilidade apresentada nestes testes é interpretada como uma falha em persistir na fuga de uma contingência aversiva. Comparativamente, em pacientes deprimidos, há uma inabilidade de lidar com o estresse (CRYAN e HOLMES, 2005). O FST e o TST são sensíveis a vários fatores que influenciam ou são alterados em humanos deprimidos, como predisposição genética, anedonia, exposição prévia a eventos estressores e alterações no sono (CRYAN e HOLMES, 2005). Para CRYAN et al (2005), ambos os testes possuem a vantagem de ser facilmente aplicados, requerem pouco tempo (5-6 min) e ainda, de responderem a um amplo espectro de antidepressivos. Apesar das semelhanças, CRYAN et al (2005) apontam algumas diferenças entre o FST e o TST: o tempo de imobilidade do animal varia bastante; as doses eficazes de antidepressivos são distintas; o primeiro pode induzir hipotermia, enquanto o segundo induz hipertermia; a alternação entre agitação motora- imobilidade é visível somente a partir do 3º minuto no FST. O modelo do Desamparo Aprendido baseia-se na observação de déficits de tentativas de escape em roedores que recebem choques incontroláveis. Os efeitos do Desamparo Aprendido permanecem apenas 2-3 dias após o termino das sessões de choque; no entanto, quando os
  • 25. 62 animais são expostos a estressores crônicos moderados, os sintomas permanecem por semanas, sendo revertidos por fluoxetina e imipramina (CRYAN et al., 2002). Outro modelo de depressão muito utilizado é o Estresse Crônico Moderado (CMS). WILLNER (1997) comenta que, ao desenvolver este modelo, planejava simular a depressão tanto na sintomatologia quanto na cronicidade. O CMS induz anedonia nos roedores, a qual caracteriza-se por uma queda da capacidade de buscar situações que antes da depressão eram consideradas prazerosas. Os estressores propostos por WILLNER (1997) são: iluminação noturna; períodos de privação de água ou comida; mudanças de companheiro da gaiola. Os testes comportamentais mais comumente utilizados para medir o grau de ansiedade e atividade locomotora são, respectivamente, o Labirinto em Cruz Elevado (LCE) e o Campo Aberto (CA), que exploram a aversão natural dos roedores a espaços abertos e a tendência natural à exploração de ambientes ou objetos novos sem risco aparente (ASANO, 1986; HANDLEY e MITHANI, 1984; HEGMANN e DEFRIES, 1968; LISTER, 1987; MONTGOMERY, 1955; PELLOW et al, 1985; RODGERS e JOHNSON, 1997; TREIT et al, 1993). O LCE é usado para investigar as bases biológicas da emoção e suas correlações com memória, aprendizado, síndromes de dependência e abstinência, assim como várias formas de síndromes ansiosas (PELLOW et al, 1985). No teste do LCE, os animais ficam livres para explorar o ambiente, que é dividido em dois braços abertos, dois braços fechados e uma plataforma central, observando-se uma preferência natural dos roedores pelos braços fechados, que evitam as áreas abertas, sendo esse um indicador de ansiedade natural (HANDLEY e MITHANI, 1984) O teste de Campo Aberto é comum na análise de comportamentos ansiosos, atividade motora ou sedação (PRUT e BELZUNG, 2003). A ansiedade medida pelo teste parece ser ativada por dois fatores: a separação do indivíduo de seu grupo social na hora do teste, e a agorafobia produzida pela exposição do animal à arena, que é desenhada para ser aberta e maior do que o ambiente natural que ele costuma habitar. A ansiedade gerada por esse tipo de
  • 26. 63 paradigma só se instala em espécies gregárias e que exibem medo em espaços abertos, nos quais são forçados a entrar (PRUT e BELZUNG, 2003). Apesar da grande disponibilidade de modelos animais, é necessário estar atento a alguns critérios de validação dos testes. Os mais aceitos são os propostos por MCKINNEY e BUNNEY (1969): os sintomas ou manifestações apresentadas pelos animais devem ter razões análogas à patologia em humanos; as mudanças comportamentais precisam ser objetivamente observáveis; a produção de mudanças comportamentais reversíveis pelos mesmos tratamentos efetivos em humanos; e os resultados devem ser reproduzíveis entre diferentes laboratórios.
  • 27. 64 3. Plasticidade na Formação Hipocampal A capacidade do Sistema Nervoso, especialmente dos neurônios, de adaptar-se às diferentes situações vivenciadas pelos indivíduos é conhecida como neuroplasticidade. Esse fenômeno é imprescindível ao funcionamento neural e está presente desde lesões irreversíveis até os processos de aprendizagem (LENT, 2004). A fase mais plástica do Sistema Nervoso é durante o desenvolvimento ontogenético, no qual o organismo está altamente suscetível às modificações ambientais e às informações genéticas (LENT, 2004).  3.1 O hipocampo O hipocampo é composto por duas áreas principais: o corno de Amon (também chamado de hipocampo propriamente dito) e o giro denteado (LENT, 2004). Em secções coronais, o corno de Amon divide-se em quatro campos, de acordo com a morfologia dos neurônios piramidais, chamados de CA1, CA2, CA3 e CA4 (Figura 5) (DUVERNOY, 1998). Quanto às conexões hipocampais, as fibras perfurantes são aferentes externos ao hipocampo e fazem sinapse com as células granulares do giro denteado. Os axônios das células granulares, por sua vez, estabelecem sinapses com os dendritos das células piramidais e se estendem até a região de CA3. Por fim, as células piramidais podem seguir dois caminhos: projetar seus axônios para fora do hipocampo ou enviar os colaterais de Schaffer à região CA1, onde fazem sinapses com os dendritos de outras células piramidais, cujos axônios projetam para fora do hipocampo (LENT, 2004). Segundo FRITSCHY et al., (1998), as células granulares e as glutamatérgicas piramidais representam 90% do hipocampo, enquanto que interneurônios produtores de GABA correspondem a 10%.
  • 28. 65 Lesões em diferentes subcampos hipocampais ocasionam respostas fisiológicas e comportamentais distintas; isso porque há diferenças na conectividade aferente e eferente ao longo do eixo longitudinal do hipocampo, dividindo-o em uma porção dorsal e uma porção ventral, ambas funcionalmente distintas (CAMPBELL e MACQUEEN, 2003; SAHAY e HEN, 2007). SAHAY e HEN (2007) esclarecem que a parte dorsal do giro denteado recebe projeções do córtex entorrinal, o que concede a essa área participação no processamento de informações sensoriais visuais e espaciais. Assim, lesões no hipocampo dorsal afetam a aprendizagem espacial e a memória. Acerca do hipocampo ventral, os autores supracitados explicam que, além do envio de projeções axonais para o córtex pré-frontal, essa região possui forte conexão com a amígdala, o núcleo acumbens, os terminais estriados e com o eixo hipotálamo-adrenal-hipofisário. Classes específicas de interneurônios e fibras musgosas são mais freqüentes no hilo ventral; ambos são Figura 4. As fibras Colaterais de Schaffer conectam a região CA3 a CA1, representando o circuito neural no qual ocorre a LTP. A região de CA3 comunica-se com o giro denteado através das fibras musgosas. As fibras perfurantes são provenientes do córtex entorrinal e conduzem informações sensoriais ao giro denteado. Na camada de neurônios piramidais (CA1) encontramos o estrato oriens. O giro denteado divide-se em camadas: molecular, granular e polimórfica (ou hilo). Figura adaptada encontrada em www.sciencephtolibrary.com. Colaterais de Schaffer Fibras musgosas Fibras perfurantes
  • 29. 66 modulados por vias dopaminérgicas, serotoninérgicas e noradrenérgicas, circuitos conhecidos pela influência nos estados de humor. Injúrias no hipocampo ventral ocasionam alterações nos comportamentos relacionados às emoções (CAMPBELL e MACQUEEN, 2003; SAHAY e HEN, 2007). O hipocampo é a principal região de acúmulo da proteína prion (FOURNIER e GRIGORIEV, 2001). A injeção intrahipocampal dessa proteína altera características comportamentais (GUENTHER et al., 2001), neurológicas (JEFFREY et al., 1995) e eletrofisiológicas (JOHNSTON et al., 1998). Dentre os tipos de prion estudados em camundongos, o ME7 é conhecido pela ação patológica no hipocampo e no tálamo, ocasionando perda sináptica e alterações comportamentais (SCHWARZE-EICKER et al., 2005).  3.2 A plasticidade sináptica no hipocampo A primeira teoria conectando memória e plasticidade surgiu nos anos 40, quando o psicólogo Donald Hebb propôs que a transmissão de informação entre dois neurônios seria facilitada ou fortalecida se houvesse sincronia entre o disparo do primeiro e do segundo neurônio. A comprovação dessa teoria só foi possível anos mais tarde, quando Bliss e Terje Lomo aplicaram uma estimulação repetitiva nas fibras colaterais de Schaffer e verificaram um aumento significativo na atividade elétrica das células piramidais de CA1. Mesmo após a interrupção da eletroestimulação, o potencial pós-sináptico excitatório mantinha-se por horas ou dias. O LTP (Potenciação de Longa Duração) é um exemplo de plasticidade sináptica específico, pois só ocorre entre os colaterais de Schaffer (neurônio pré-sináptico) e as células piramidais de CA1 (neurônio pós-sináptico). Assim como no condicionamento clássico, o LTP é uma indução associativa, pois só ocorrerá se a estimulação for suficientemente forte para
  • 30. 67 despolarizar os colaterais de Schaffer e aumentar a eficácia sináptica entre os neurônios envolvidos (MORRIS e FREY, 1997). A LTP é o modelo mais estudado de plasticidade sináptica e foi primeiramente identificado no hipocampo; estudos indicam que tanto o hipocampo quanto a amígdala sofrem modificações sinápticas durante a aprendizagem (WHITLOCK et al., 2006). O hipocampo ocupa um papel central no estudo da plasticidade sináptica, especialmente em relação ao armazenamento das informações. O padrão laminar de neurônios e os caminhos neuronais existentes possibilitam que o hipocampo armazene eventos sinápticos por períodos virtualmente ilimitados in vivo (NEVES et al., 2008).  3.3 Prion e Plasticidade Sináptica O modelo murino da Doença Prion resulta em perda sináptica, mudanças na plasticidade sináptica e degradação das redes perineuronais. A redução da plasticidade sináptica (LTP) ocorre no hipocampo ventral, acompanhada de dificuldade em testes comportamentais que envolvem a atividade hipocampal (FRANKLIN et al, 2008). A expressão da LTP hipocampal depende da integridade de uma região específica da matriz extracelular, a chamada rede perineuronal, a qual é formada por células gliais, neurônios e sinapses (FRANKLIN et al, 2008). No córtex cerebral, as redes perineuronais associam-se a interneurônios inibitórios gabaérgicos positivos para parvalbumina; no hipocampo, estão dentro ou próximos à camada piramidal do hipocampo propriamente dito, subículo e pré-subículo, mas também nos neurofilamentos de CA2 e CA3 (FRANKLIN et al, 2008). Modelos experimentais que não possuem alguns componentes das redes perineuronais (tenascina e brevican) mostram redução na LTP (BRAKEBUSCH et al., 2002). Ademais, a perda de redes perineuronais em modelos humanos e experimentais de Doença de Creutzfeldt-Jakob precede a degeneração neuronal (GUENTCHEV et al., 1998).
  • 31. 68 Estudos genéticos com roedores sugerem que a ausência de PrPc prejudica tanto a função quanto a plasticidade sináptica. Sabemos que a presença dessa proteína é essencial para o desenvolvimento da Doença Prion, mas a sua ausência altera a LTP (BRANDNER et al., 1996). Se o PrP tem uma papel crítico na LTP, podemos esperar que o seu acúmulo anormal diminua a função sináptica no hipocampo (JOHNSTON et al., 1998). A matriz extracelular (ME) do tecido nervoso é formada por uma complexa rede de proteínas e carboidratos secretados tanto por neurônios quanto por células gliais e difere da ME de outros tecidos por suas propriedades bioquímicas, composição molecular e complexidade de função (JOHN et al, 2006; RAUCH, 1997; RUOSLAHTI, 1996). Uma das principais especializações da ME no SNC são as Redes Perineuronais presentes em alguns neurônios (GOLGI, 1989). Essas redes são compostos agregados de macromoléculas de proteoglicanos (MIYATAL et al, 2005), formadas por proteínas da membrana plasmática associadas à cadeias longas de dissacarídeos (glicosaminoglicanos). A composição das redes perineuronais pode diferir dependendo do tipo neuronal, região cerebral ou mesmo espécie animal a ser considerada (BANDTLOW E ZIMMERMANN, 2000). No que concerne ao papel funcional das redes perineuronais, recentemente levantou-se as seguintes hipóteses: moléculas-guia para axônios em crescimento; concentradoras de fatores de crescimento em microambiente ao redor de certos neurônios; manutenção das relações intercelulares e estabilização das sinapses formadas; e integração dos inputs sinápticos e propriedades elétricas da membrana (BENEYTO et al, 1999; BRUCKNER et al, 2006; CELIO et al, 1998; HENDRY et al, 1988; MULLIGAN et al, 1989; VIGGIANO, 2000). A perda de redes perineuronais coincide com a ativação microglial e com a redução da plasticidade sináptica na Doença Prion (Franklin et al., 2008b).
  • 32. 69 4. Neurogênese, Astrogênese, Depressão e Ansiedade. Há pouco tempo acreditava-se que o Sistema Nervoso não possuía a capacidade de gerar novos neurônios, uma vez que, após a embriogênese, as células progenitoras neurais seriam incapazes de dividir-se (SCORZA et al, 2005). Desde a década de 90, entretanto, inúmeras pesquisas constataram a existência de três áreas no cérebro mamífero geradoras de células nervosas: a zona subventricular, o giro denteado do hipocampo e o bulbo olfatório (Figura 5) (SCHARFMAN e REN, 2007). Segundo esses autores, a neurogênese parece ocorrer para fins bastante específicos, possuindo, assim, limitações. Em condições neuropatológicas, por exemplo, há liberação de fatores neurotróficos e conseqüente migração de novos neurônios para a região lesada. Em seguida, há um decréscimo da taxa dessas células. A sobrevivência desses neurônios pode sofrer influência da aprendizagem e do enriquecimento do ambiente (SCHARFMAN e REN, 2007). O hipocampo possui conexões com outras áreas cerebrais - córtex pré-frontal, córtex cingulado e amígdala - também conhecidas por possuírem relações com comportamentos afetivos. Seguindo esse raciocínio, parece possível que alterações na neurogênese hipocampal contribuam para os sintomas apresentados nas síndromes depressivas e ansiosas (DUMAN, 2004). Figura 5. Localização de células progenitoras mitoticamente ativas no SNC adulto. Fonte: SCORZA et al, 2005.
  • 33. 70 Especialmente em razão dos efeitos positivos dos antidepressivos na neurogênese hipocampal, essa região tem sido o principal alvo de estudos neuropatológicos sobre os distúrbios do humor (CAMPBELL e MACQUEEN, 2003). Apesar de não ser o único responsável pela complexa gama de sintomas emocionais, o hipocampo parece desempenhar um papel patofisiológico central. No campo das pesquisas com antidepressivos, em modelos que utilizam o FST (Teste do Nado Forçado), os efeitos da fluoxetina são permeados pela neurogênese (AIRAN et al, 2007). Em humanos, os medicamentos antidepressivos demoram algumas semanas para fazer efeito, o que pode estar relacionado ao tempo de maturação de novos neurônios no giro denteado (SAHAY e REN, 2007). Estudos recentes de neuroimagem mostram que a magnitude da redução hipocampal está diretamente ligada à gravidade do estresse; tratamentos antidepressivos/ansiolíticos reduzem os efeitos dessa atrofia (DUMAN, 2004). De forma análoga, história prévia do paciente, histórico familiar e presença de outras doenças podem contribuir para a alteração do volume hipocampal (CAMPBELL e MACQUEEN, 2003). Essas alterações podem ser causadas pela remodelação de elementos celulares chave, envolvendo retração de dendritos e perda de células gliais (CAMPBELL e MACQUEEN, 2003). BECKER e WOJTOWICZ (2006) sugerem que a conexão entre hipocampo e neurogênese está fundamenta basicamente em duas evidências. Primeiro, o estresse é largamente conhecido por seu papel contributivo na patogênese da depressão maior e, em conjunto com outros fatores predisponentes, pode ocasionar déficit na gênese neuronal. Em segundo, tratamentos benéficos para os sintomas depressivos estimulam a neurogênese, como exercício, ECT (Eletro Convulso Terapia) e enriquecimento ambiental. Estudos com animais que sofreram estresse indicam redução da expressão dos receptores GABA A, aumento da ansiedade, além de redução na neurogênese (CALDJI et al., 2000, 2003,
  • 34. 71 2004). Os efeitos inibitórios do estresse estão mais relacionados à proliferação do que a maturação, sobrevivência ou diferenciação neuronal (KARTEN et al., 2005). Há poucos estudos sobre a relação entre os astrócitos e a ansiedade. Sabe-se que a astrogliose no giro cingulado pode causar comportamentos ansiosos em roedores, o que pode levar a mudanças na transmissão sináptica e a efeitos ansiogênicos (NARITA et al., 2006). A presença de astrócitos no córtex cingulado (microinjetados em roedores de dois meses) ou a liberação de moléculas por estas células estão implicadas, de alguma forma, na ansiedade (NARITA et al., 2006). Os processos próprios do envelhecimento promovem astrogliose através da disfunção no receptor gama-opióide no córtex frontal, incluindo o córtex cingulado. Isso pode levar a distúrbios emocionais, como aumento da ansiedade e da depressão (NARITA et al., 2006).
  • 35. 72 5. Neuromorfologia quantitativa. Embora haja um conjunto notável de estudos dedicados a revelar aspectos morfológicos, fisiológicos e comportamentais associados à formação hipocampal do camundongo, tanto em condições normais como em alteradas, não há esforço sistemático para investigar o número de elementos celulares que compõem àquela região, empregando estimativas sem viés (BONTHIUS et al, 2004; BUCKMASTER et al, 2002; FABRICIUS et al, 2008; LONG et al,1998A; LONG et al, 1998B; LORENZI AND REEVES, 2006; MOUTON et al, 2002; SEVERI et al, 2005; WIRENFELDT et al, 2003). Quando se fala de estimativas sem viés no contexto da contagem de elementos de interesse em uma dada região, estamos nos referindo a um capítulo da estatística espacial denominada estereologia, que permite a realização de análises quantitativas de estruturas tridimensionais, a partir da reconstrução serial de estruturas bidimensionais (WEIBEL, 1989). Dado que neste trabalho estima-se o número de células empregando o fracionador óptico, é interessante rever, ainda que superficialmente, suas bases conceituais. A regra geral em análises qualitativas é encontrar palavras descritivas tais como menores, maiores, mais largas, menos freqüentes, mais freqüentes, diferente, similar, ausência ou presença que em geral são suficientes para os propósitos investigados (SCHMITZ e HOF, 2005). Entretanto, outros estudos que geram análises quantitativas e expressam valores numéricos sobre contagem de células, densidades, áreas e volumes apresentam resultados controversos que se devem à suposições prévias acerca do tecido, da geometria das células e de suas distribuições no plano da secção (GEINISMAN et al, 1995; MAYHEW e GUNDERSEN, 1996). Esses estudos quantitativos eventualmente introduzem vieses de amostragem e/ou erros sistemáticos, cuja magnitude é impossível de ser apreciada, qualquer que seja a resolução da análise: óptica (Gardella et al., 2003; Howard and Reed, 2005; Mandarim-de-Lacerda, 2003;
  • 36. 73 Mayhew and Gundersen, 1996), confocal (KUBINOVA e JANACEK, 2001; PETERSON, 1999) ou eletrônica (FIALA e HARRIS, 2001; NYENGAARD e GUNDERSEN, 2006). A análise microscópica, em qualquer nível, é uma ferramenta analítica poderosa para se descrever formas normais e anormais de tecidos biológicos, particularmente se for possível gerar números a partir de secções histológicas. Entretanto é necessário considerar que, se um microscópio é utilizado para analisar a estrutura de interesse, é inevitável, na maioria dos experimentos, que apenas uma pequena fração da área de interesse original será de fato analisada em detalhe (HOWARD e REED, 2005; SCHMITZ e HOF, 2005). Para contornar tais viéses, empregam-se técnicas estereológicas que estimam o número total dos objetos contidos em uma dada região de interesse através de coleta de informação aleatória e sistemática, multiplicando-se o número de elementos de interesse registrados pelos valores de probabilidade da amostra (WEST, 2002). O termo sem viés é utilizado para definir sistemas de amostragem que são independentes das propriedades do tecido, onde as dimensões da sonda (caixa de contagem) e os parâmetros amostrais a ela associados (número e intervalo entre elas) são definidos a priori, desprezando-se a coleta de dados acerca do tamanho, forma e orientação espacial da área a ser investigada (GLASER e GLASER, 2000). Assim, os números estimados a partir da amostragem podem ser expressos em valores relativos ou absolutos indicando volume, número, conectividade, distribuição espacial e tamanho das estruturas biológicas, sem conhecimento prévio da geometria das células ou do tecido a ser investigado e.g. (GLASER e GLASER, 2000; SCHMITZ e HOF, 2005; WEST, 2002). Dentre todos os procedimentos utilizados para estimar o número total de objetos de interesse dentro de uma determinada região ou camada, o fracionador óptico é o que tem sido usado com mais freqüência, pois combina as propriedades da sonda tri-dimensional para contagem dos elementos de interesse (o dissector óptico) com o sistema de amostragem sistemática e aleatória (o fracionador), removendo vieses amostrais e pressuposições (WEST et
  • 37. 74 al, 1991). Essa metodologia foi adotada no presente trabalho e sua utilização para fins práticos é descrita a seguir.  5.1. O fracionador óptico em ação Para estimar o número de células dentro de um volume específico, usando investigação estereológica sem viés, a estereologia utiliza caixas de contagem virtuais (sondas estereológicas) aplicadas a uma série ordenada de secções histológicas obtidas das regiões de interesse. É possível seccionar opticamente as secções histológicas usando objetivas de grande abertura numérica para produzir imagens de baixa profundidade de foco. O plano de foco (ou secção óptica) pode ser deslocado, através de distâncias conhecidas, ao longo da espessura da secção, produzindo planos de foco contínuos através dos quais a contagem é feita de acordo com as regras de contagem do dissector escolhido. Na prática, o que acontece é a inclusão na contagem de objetos novos que entram em foco (ou saem de foco) enquanto descemos ou subimos dentro da caixa de contagem de volume conhecido. A combinação do dissector óptico com o fracionador de amostras, conhecida na literatura como fracionador óptico (WEST et al, 1991), tem numerosas vantagens práticas, sendo a principal o fato de não ser afetado pela retração do tecido e não requerer definições rigorosas de fronteiras estruturais, que podem ser feitas em objetivas de baixo aumento. O fracionador óptico envolve a contagem de objetos utilizando sondas de dissectores ópticos em uma amostra sistemática uniforme que constitui uma fração conhecida do volume da região em análise. Na prática, isso é feito através de amostragem sistemática de uma fração conhecida da espessura da secção, tsf (iniciais de “thickness sample fraction”), de uma fração conhecida da área seccional asf (iniciais de “area sample fraction”) e de uma fração conhecida do número de secções que incluem a região de interesse, ssf (iniciais de “section sample fraction”).
  • 38. 75 Cada análise estereológica começa com o delineamento da região de interesse em uma série de secções escolhidas de forma randômica e sistemática (HOWARD e REED, 2005). Para analisar sistematicamente e registrar a ocorrência dos objetos de interesse, é necessário mudar para uma objetiva de grande aumento (60x) com elevada abertura numérica e reduzida profundidade de foco (SCHMITZ E HOF, 2005). Utilizando essa metodologia não é possível contar todas as células dentro da região de interesse. Para contornar esse dilema e obter estimativas confiáveis (que se aproximam do real) a partir de uma diminuta fração amostral, é necessária a utilização de coleta sistemática e aleatória de dados, incluindo a terceira dimensão. Essa alternativa assegura a estimativa adequada do número total de células dentro da área de interesse, a partir do número de células detectadas em cada caixa de contagem da amostra e da probabilidade amostral (SCHMITZ E HOF, 2005). Entretanto, mesmo com todos esses cuidados, a incerteza nas estimativas ainda permanece e é decorrente de outras fontes de erro possíveis, como aquelas introduzidos pelos pressupostos do operador acerca dos grupos experimentais, pelas alterações induzidas nas secções pelo processamento do tecido, pela ambigüidade no reconhecimento de áreas ou dos objetos de interesse. Para minimizar esse tipo de incerteza é necessário executar uma série de procedimentos controle, como ensaios duplo-cegos, escolhas adequadas no tipo de processamento tecidual incluindo fixação, plano de corte, imunohistoquímicas seletivas, garantindo a cada passo que todas as regiões da estrutura tenham a mesma probabilidade de contribuir para a amostra, reduzindo a ambigüidade no reconhecimento dos limites da região assim como dos objetos da contagem. A partir de critérios arquitetônicos, hodológicos e de marcadores seletivos, é possível caracterizar sem ambigüidades as áreas e os objetos de interesse com arquitetonia clássica utilizando técnicas consagradas (como o Nissil); imunohistoquímica e histoquímicas específicas. Para caracterização de áreas ou núcleos funcionais específicos no sistema nervoso, uma série de critérios são aplicados e foram resumidos em cinco principais abordagens
  • 39. 76 experimentais: estudos arquitetônicos, padrão de conexões, mapeamento topográfico, análise eletrofisiológica de propriedades de neurônios isolados e déficits comportamentais após lesões seletivas reprodutíveis (PHILLIPS et al., 1984).
  • 40. 77 6. O Modelo Murino de Doença Prion. Os efeitos da proteína prion anormal são estudados em vários mamíferos, entre eles ovelhas, gatos, bovinos, cabras e roedores (BRUCE, 2003). As primeiras pesquisas sobre o prion investigaram as características biológicas elementares e descobriram que a doença é transmissível e que possui diferentes espécies, as quais possuem tempos de incubação e cursos neuropatológicos diferenciados. Em seguida, os estudos concentraram-se no isolamento e na caracterização bioquímica da proteína PrPsc (TELLING, 2000; BRANDNER et al., 2000). Nos últimos anos, animais geneticamente modificados têm sido utilizados para a caracterização genética da proteína anormal e para o estudo dos efeitos dos tipos de prion em diferentes espécies de mamíferos. Nesse sentido, a confirmação do papel essencial da proteína prion normal no desenvolvimento da Doença Prion provém de pesquisas com ratos que sofreram ablação do gene PrP e que se mostraram resistentes ao prion e incapazes de reproduzir as proteínas infecciosas (PRUSINER, 1998; BRANDNER et al., 2000). A microinjeção hipocampal de homogenado cerebral infectado com o agente ME7 (uma espécie de prion estudada em murinos) produz neurodegeneração progressiva (GUENTHER et al., 2001). Apesar dos sinais clínicos só aparecerem vinte semanas após a inoculação, mudanças no desempenho cognitivo e locomotor são visíveis antes disso, sendo que o curso total do ME7 gira em torno de 24 semanas (BETMOUNI et al., 1999; DEACON et al., 2001). Em relação a outras espécies de prion, o ME7 atinge principalmente o hipocampo, possibilitando o estudo de alterações na memória dos roedores infectados (GUENTHER et al., 2001). O critério usado para o começo dos sinais clínicos é a detecção de mudanças na atividade locomotora, que aparece poucas semanas antes da morte (HUNTER et al., 1986). Diversos testes são realizados na tentativa de caracterizar os prejuízos cognitivos causados pelo ME7. A tela invertida requer que o camundongo exerça força com as quatro patas juntas. A barra horizontal, além de avaliar a força nas patas, também detecta déficits na coordenação (GUENTHER et al.,
  • 41. 78 2001). As mudanças comportamentais precoces no modelo murino de prion está associado à ativação microglial, ativação de astrócitos e deposição de PrPsc no sistema límbico (CUNNINGHAM et al, 2003). O burrowing é um teste simples e de curta duração muito sensível aos efeitos precoces do da doença induzida pelo agente ME7 (DEACON et al, 2001). A inibição do burrowing ocorre quando a atividade no Campo Aberto aumenta; assim, esse decréscimo não é devido a uma depressão motora geral (GUENTHER et al, 2001). Mudanças no comportamento espontâneo (aumento da atividade locomotora, queda no burrowing e no consumo de glicose) precedem tanto o prejuízo nas tarefas que requerem coordenação e força motora quanto os sinais clínicos mais severos (DEACON et al, 2001; GUENTHER et al, 2001). A espécie C57BL/6J é bastante estudada na Doença Prion; nessa variedade de camundongo, a deposição do PrPsc causa morte por apoptose, a qual é precedida por alterações sinápticas e dendríticas (GIESE et al., 1995; LUCASSEN et al., 1995; CUNNINGHAM et al, 2003). Essa morte ocorre nos últimos estágios da doença (GUENTHER et al., 2001). Análises com microscopia eletrônica mostram perda de sinapses no estrato radiado do hipocampo em 98 dias (CUNNINGHAM et al, 2003). Diante do exposto e da literatura revisada até o momento, consideramos importante estudar a influência de eventos estressores prévios no curso temporal da Doença Prion pelos seguintes motivos: 1. Já sabemos que o hipocampo é uma região de vital importância para o estudo da Doença Prion e de eventos estressores. Desse modo, é plausível supormos que a combinação dessas condições patológicas, em modelos animais, resulte em mudanças hipocampais significativas. 2. Há poucos estudos sobre o agente ME7 na variedade suíça albina. 3. Não obstante os efeitos significativos do estresse no organismo, não existem trabalhos na literatura que investiguem a influência de eventos estressores prévios no desenvolvimento da Doença Prion.
  • 42. 79 4. Não há dados, na variedade suíça albina, acerca de possíveis alterações comportamentais na temperatura corporal, no consumo de glicose, ganho de peso e no testes do Labirinto em Cruz Elevado; apesar destas alterações serem bem documentadas em outras espécies de roedores, nas fases iniciais e intermediárias da Doença Prion. 5. Os comportamentos relacionados ao grooming (autolimpeza) ainda não foram investigados nos roedores injetados com o agente ME7, apesar de ser um indicativo inato do funcionamento geral ótimo do SNC. 6. O avanço na caracterização dos eventos comportamentais e neuropatológicos iniciais provocados pela Doença Prion e possivelmente alterados por um evento estressor prolongado é relevante para o um melhor entendimento da evolução desta doença e mesmo para o desenvolvimento de possíveis mecanismos de intervenção terapêutica. Nesse sentido, o presente trabalho pretende investigar qual a contribuição do isolamento social para as alterações comportamentais precoces observadas na doença prion, assim como as possíveis alterações relacionadas à matriz extracelular (redução de redes perineuronais) e à resposta inflamatória (ativação microglial) previamente descritas nessa variedade.
  • 43. 80 II. OBJETIVOS  Geral. Avaliar o impacto do isolamento social sobre a fase inicial da Doença Prion através de alguns ensaios comportamentais relacionados e análise estereológica da resposta inflamatória microglial e das redes perineuronais empregando o fracionador óptico.  Específicos. 1. Verificar, ao longo das semanas de isolamento e após a injeção do agente ME7, possíveis mudanças comportamentais nos seguintes aspectos: 1.1. Atividade exploratória: Campo Aberto e Labirinto em Cruz Elevado; 1.2. Comportamentos naturais da espécie: grooming, consumo de glicose, burrowing; 1.3. Respostas inatas: temperatura corporal, peso corporal; 1.4. Comportamento diante de uma situação aversiva: Teste de Suspensão da Cauda. 2. Descrever possíveis mudanças neuropatológicas no hipocampo (região de CA1) e no septum a partir dos seguintes ensaios neuropatológicos: 2.2. Contagem de microglias; 2.3. Alteração da ocorrência e distribuição das redes perineuronais.
  • 44. 81 III. MÉTODOS 1. Formação dos grupos experimentais Foram utilizadas 40 fêmeas de camundongos da variedade albina suíça, com oito semanas de idade, originários da colônia do Instituto Evandro Chagas (Pará – Brasil) e manipulados segundo os "Principles of Laboratory Animal Care" (NIH). O primeiro passo foi dividir os 40 camundongos em dois grupos: Agrupados (20) - divididos em quatro gaiolas, com cinco camundongos cada; Isolados (20) - uma gaiola para cada animal, sendo que, em nenhum momento, esses animais isolados mantiveram contato entre si. Após três semanas, os dois grupos (Agrupados e Isolados) passaram por testes experimentais e receberam a injeção com NBH (homogenado de cérebro normal) ou com ME7 (agente da Doença Prion). A partir da injeção, os animais Agrupados subdividiram-se em NBH- Grupo (n=10) e ME7-Grupo (n=10); e os Isolados em NBH-Isolados (n=10) e ME7-Isolados (n=10). O esquema abaixo ilustra a divisão dos grupos experimentais: AGRUPADOS (n=20) ISOLADOS (n=20) NBH-GRUPO (n=10) ME7-GRUPO (n=10) NBH-ISOLADOS (n=10) ME7-ISOLADOS (n=10) Figura 6. Formação dos grupos experimentais antes e após a inoculação com NBH ou ME7. Após a injeção com NBH ou ME7
  • 45. 82 Tanto os animais Agrupados (Figura 7A) quanto Isolados (Figura 7B) foram mantidos em gaiolas-padrão de plástico (32cm x 39cm x 16.5cm), com livre acesso a água e comida, em uma temperatura média de 22ºC, e ciclo claro-escuro de 12 horas (início às 7h, término às 19h). Figura 7. (A) Camundongos em grupo; (B) camundongo isolado na gaiola-padrão. A B
  • 46. 83 2. Indução da doença (injeção no hipocampo) Na 12ª semana de idade os animais foram anestesiados com 2,2,2 tribromoetanol (0.2ml/g I.P.) e fixados em aparelho estereotáxico (Insight Equipamentos Ltda.). Após a tricotomia, o crânio foi exposto através de uma incisão no escalpo e, com o auxílio de uma broca, foram feitas duas aberturas para permitir a infusão bilateral de 1µl do Homogenado (10% p/v em PBS estéril) de Cérebro de Camundongo Normal (NBH, n=20) ou do agente da Doença Prion (ME7, n=20). As injeções forram feitas com uma seringa de Hamilton de 1.0µl no hipocampo dorsal, segundo as seguintes coordenadas estereotáxicas, adotando-se o bregma como ponto de referência: +1.3mm da linha interaural, ±2.0mm da linha média, e –2.0mm da superfície do crânio, que correspondem à CA1 do hipocampo dorsal (PAXINOS e FRANKLIN, 2001). Após a infusão da suspensão, a agulha foi mantida no local por 3 minutos para evitar o refluxo da solução, após os quais era retirada lentamente. O escalpo era, então, suturado e o camundongo posto em uma gaiola para recuperação. Terminado o procedimento cirúrgico, os animais retornaram às suas gaiolas e foram transportados para o Instituto Evandro Chagas (Belém-PA), onde permaneceram até o término dos experimentos.
  • 47. 84 3. Ensaios comportamentais Entre a 1ª e a 17ª semana pós-injeção, os camundongos foram submetidos, duas vezes por semana, aos seguintes testes comportamentais: burrowing, medida de temperatura corporal e ingestão de glicose. Os testes de Campo Aberto, Labirinto em Cruz Elevado, Testes de Suspensão da Cauda, Grooming e Peso foram realizados em dois momentos: no período pré-inoculação e na 17ª semana pós-inoculação. 3.1.1 Burrowing. O burrowing é uma palavra inglesa que se refere ao comportamento típico de certos roedores de remover e estocar comida a partir de uma toca. A toca é simulada por um tubo de PVC de 20cm de comprimento por 7,2cm de diâmetro. O burrowing é um teste desenvolvido recentemente e sabe-se que os protocolos mais eficazes são aqueles em que o teste é feito em 2 horas ou durante o ciclo escuro (CUNNINGHAM et al, 2003). Optamos pela primeira opção em virtude do testes de consumo de glicose ser realizado durante a noite. Os camundongos eram colocados individualmente em gaiolas de 100x50x100cm (Figura 8), previamente equipadas com os tubos de PVC, contendo 150g de ração e posicionados a 3cm da base, na parte superior direita da gaiola, para evitar que os péletes caíssem acidentalmente (GUENTHER et al., 2001). Os animais tinham livre acesso à água. A quantidade de ração deixada nos tubos era pesada no dia seguinte. O teste era realizado, em média, das 16h às 18h. Figura 8. Gaiola e tubos de PVC utilizados no teste do burrowing.
  • 48. 85 3.1.2 Temperatura. Após o término do burrowing, os animais permaneciam na gaiola de 100x50x100cm e a temperatura anal era medida utilizando-se um termômetro digital (InfraRed Thermometer TD-960), posicionado a 2cm da região anal do camundongo (Figura 9). Essa medida era realizada pelo mesmo experimentador, em horário definido (19h), para evitar diferenças na manipulação do camundongo e a interferência de luminosidade e temperaturas variadas. O ambiente era silencioso e a manipulação cuidadosa, a fim de evitar estresse adicional aos animais, visto que a medida da temperatura em si já consiste em um evento estressor (HEYDEN et al, 1997; COUDEREAU et al., 1996). 3.1.3 Consumo de glicose. Para termos acesso aos níveis basais de consumo de glicose dos camundongos (Figura 10A), a ingestão desta solução foi auferida durante quatorze dias, antes da indução da Doença Prion. Depois da inoculação, da 1ª a 17ª semana de tratamento, a solução de glicose (5% - Solução Glicosada Madrevita) era disponibilizada, em recipientes plásticos individuais de 25ml (Figura 10B), logo após a medida da temperatura anal. A quantidade ingerida pelos animais era conferida no dia seguinte. Figura 9. Procedimento realizado para a medida da temperatura anal.
  • 49. 86 Os testes relatados abaixo foram realizados uma semana antes da indução da Doença Prion e na 17ª semana de tratamento. 3.1.4 Labirinto em Cruz Elevado. O LCE é constituído por dois braços abertos e dois fechados (30cm x 5cm) colocados em posições opostas, e uma plataforma central (5cm x 5cm) (LISTER, 1987). Os braços fechados possuem paredes de 15 cm de altura, enquanto que nos braços abertos não há paredes. As plataformas de passeio do LCE distanciam-se 45 cm do chão (Figura 11). O protocolo usado para este teste foi o mesmo utilizado por CAROLA et al. (2002). O teste foi realizado em dois dias, sendo que cada animal explorava o ambiente por 5 minutos a cada dia. O teste iniciava-se sempre que o animal era colocado na plataforma central do LCE e solto com a face virada para um dos braços abertos. As imagens de cada treino foram capturadas por uma câmera de vídeo instalada a 1 m de altura do LCE e conectada a um computador, com o objetivo de armazenar os testes para posterior análise. Os testes eram analisados com o auxílio do programa Any Maze (Stoelting® ). Ao fim de cada treino, o LCE era limpo com álcool a 10%. Os parâmetros analisados nos braços abertos e fechados foram: tempo de permanência, Figura 10. Camundongo isolado em gaiola-padrão para a medição do consumo de glicose (A). Soluções de glicose e recipientes plásticos utilizados (B). A B
  • 50. 87 distância percorrida e número de entradas. Esses parâmetros foram contados somente quando o animal colocava as quatro patas nas áreas correspondentes aos braços ou ao centro do LCE (CRUZ et al., 1994; LISTER, 1987; RODGERS E JOHSON, 1995). 3.1.5 Campo Aberto. Para a realização deste teste utilizamos o protocolo descrito em CAROLA et al (2002). A tarefa de exploração foi realizada em uma caixa de 30x30x40 cm, feita em compensado (Figura 12). O piso foi dividido em nove quadrantes de 10cm x 10cm. Um metro acima do Campo Aberto (CA) havia uma câmera de vídeo conectada a um computador, de modo a filmar e armazenar as sessões de amostragem e avaliação, para posteriores análises. Este teste durou três dias consecutivos e consistiu em colocar o camundongo, através de sua cauda, no centro do CA como ponto de partida. Nos dois primeiros dias de testes os animais foram expostos ao CA por 1 min (habituação ao aparato) e no 3º dia exploraram o ambiente durante 5 min. Ao fim de cada sessão de exploração os animais eram retirados do CA, devolvidos às suas gaiolas e o aparelho era limpo com uma solução de etanol a 75%. O número de quadrantes explorados foi o parâmetro analisado como medida para a atividade exploratória. Figura 11. Labirinto em Cruz Elevado.
  • 51. 88 3.1.6 Grooming. O groomimg é uma palavra inglesa que se refere a uma série de comportamentos inatos de limpeza observados na maioria das espécies, sendo um repertório comportamental particularmente importante em roedores (BERRIDGE e ALDRIDGE, 2000). O aparato utilizado neste teste é o mesmo do Campo Aberto. A partir das imagens capturadas no terceiro dia de treino no Campo Aberto, observou-se a freqüência dos comportamentos referentes ao grooming, que são: lamber as patas; passar as patas no focinho e na cabeça; movimentos semicirculares no topo da cabeça e atrás da orelha; lamber e arranhar o corpo; lamber a cauda e a região genital (KALUEFF e TUOHIMAA, 2004, 2005). 3.1.7 Teste de Suspensão da Cauda. O aparato usado para este teste foi uma caixa com 36cm(altura) x 30cm(largura) x 20cm(profundidade). O interior da caixa foi forrado com papel preto para contrastar com as paredes do aparato e como os sujeitos albinos (Figura 13). Uma câmera de vídeo foi posicionada diante da caixa, a 70 cm de distância. O topo do aparato continha um orifício por onde era suspensa e presa a cauda do animal, a qual era envolta por um pedaço de gaze para evitar escoriações. O comportamento foi analisado durante 5 minutos (JUSZCZAK et al., 2006; LAD et al., 2007). A análise do vídeo foi feita com o auxílio do Figura 12. Teste do Campo Aberto.
  • 52. 89 programa Any Maze (Stoelting® ) e o parâmetro avaliado foi o tempo e a freqüência de imobilidade. 3.1.8 Peso corporal. O peso corporal dos sujeitos foi medido em dois momentos: antes da injeção de NBH ou ME7 e antes da perfusão (17ª semana pós-inoculação). Figura 14. Pesagem dos camundongos. Figura 13. Teste de Suspensão da Cauda
  • 53. 90 4. Ensaios neuropatológicos  4.1 Perfusão e microtomia. Com o encerramento dos testes comportamentais (semanais e agudos), os animais foram pesados para receber uma dose do anestésico (avertina, 0,08mg/ 5g de peso) por via intraperitoneal. Assim que verificado o efeito do anestésico, fez-se uma ampla toracotomia e iniciou-se a perfusão, por via transcardíaca, com solução salina (0,9%, com 1ml/L de heparina sódica - Liquemine, Roche), durante 10 minutos. Em seguida, a solução salina foi substituída pela solução fixadora de paraformaldeído (PFA, 4%, pH 7.2-7.4) em solução tampão fosfato (PB) 0,2M, por 30 minutos. Posteriormente, iniciou-se a craniotomia: os encéfalos foram removidos após a dissecação de pele, do tecido subcutâneo e músculos e posterior retirada da dura-máter e secção dos nervos cranianos. O encéfalo ficou imerso em PFA 4% a 4ºC, durante a noite e, então, conservado em PFA 2%. O tecido foi seccionado no plano horizontal com o auxílio de um vibrátomo (Série 1000 Pelco Internacional) na espessura de 70µm. Uma a cada cinco secções foi utilizada para detectar proteína ácida fibrilar glial (GFAP), microglias (Lectina Esculentum) e redes perineuronais (Lectina Floribunda).  4.2 Processamento de tecidos para histoquímica 4.2.1 Lectina Esculentum: A proliferação e ativação da microglia foram avaliadas usando histoquímica para lectina de tomate Lycopersicon esculentum–Biotinilada. Esta técnica marca receptores de açúcar presentes nas microglias ativadas.
  • 54. 91 As secções foram incubadas em solução de Peróxido de Hidrogênio (H202) + Metanol por vinte minutos e lavadas duas vezes em tampão fosfato salina (PBS-T 5%) com intervalos de cinco minutos, sendo, em seguida, imersas PBS-T por vinte minutos. Seguiu-se a incubação em Lectina Biotinilada (3µl sol estoque + 1ml PBS) por 12 horas. Os cortes foram lavados três vezes em PBS (com intervalo de dois minutos) antes e após a incubação em solução ABC (complexo Biotina Avidina) por 1 hora. Por fim, os cortes foram reagidos em solução GND (0,5mg/ml de DAB + 1,2mg/ml Níquel) e lavados três vezes em PB 0,1M (com intervalos de cinco minutos). As secções reagidas foram montadas em lâminas gelatinizadas para posterior análise estereológica. 4.2.2 Lectina Floribunda: A alteração da ocorrência e distribuição das redes perineuronais foi avaliada usando a marcação de proteoglicanos da matriz extracelular através da lectina Wisteria floribunda. A histoquímica com a lectina Wisteria floribunda empregada no presente trabalho marca os terminais de açúcar (glicosaminoglicanos) ligados aos proteoglicanos da matriz extracelular. As secções foram incubadas em solução de Ácido Bórico (70º C) por 1 hora e lavadas três vezes em tampão TRIS salina triton (TBST-Tris 5%) com intervalos de cinco minutos. Em seguida, as secções foram imersas em solução de Peróxido de Hidrogênio (H202) + Metanol por vinte minutos; lavadas duas vezes em TBST. A seguir, realizou-se a incubação em Lectina Floribunda (3 µl sol estoque + 1ml PBS) por 12 horas. Antes e após serem incubadas em solução ABC (complexo Biotina Avidina) por 1 hora, as secções foram lavadas três vezes em tampão Tris (0,1M pH 7,4) com intervalo de dois minutos. Após a imersão em tampão acetato (0,1 M) por cinco minutos, os cortes foram reagidos em solução GND (0,5mg/ml de DAB + 1,2mg/ml Níquel). As secções reagidas foram montadas em lâminas gelatinizadas para posterior análise estereológica.
  • 55. 92  4.3 Coloração com Nissil As secções processadas por histoquímica foram montadas para avaliação microscópica e posteriormente contracoradas para Nissl. A coloração de Nissl utiliza o cresil violeta tingindo núcleos e nucléolos com a coloração violeta. Neurônios e glia são corados indistintamente pela técnica de Nissl. Para preparar a solução de coloração é preciso aquecer o cresil violeta em banho-maria a 40°C, agitando-a por 5 minutos; filtrar a solução final em papel filtro; e acrescentar o ácido acético até que o pH da solução esteja entre 3 e 3,5.
  • 56. 93 5. Análise estereológica. As análises estereológicas foram realizadas no Laboratório de Neuroanatomia Funcional através do programa StereoInvestigator (MicroBrightField, Williston, VT, USA). O uso desse software integrado a um microscópio óptico Nikon, de alta resolução, com placa motorizada para os eixos “x”, “y” e “z”, possibilitou que os dados das coordenadas tridimensionais e a implementação dos métodos e fórmulas estereológicas fossem aplicados. O número total de redes perineuronais e microglias presentes na região CA1 e do septum foi estimado segundo o método do fracionador óptico em combinação com o princípio do dissector óptico, e segundo regras que minimizam os vieses de contagem celular (HOWARD e REED, 2005). Foram analisadas, pelo menos, cinco secções por animal, sendo o intervalo entre elas de 5 secções. Os limites de CA1 e do septum (de apenas um dos hemisférios, escolhido aleatoriamente) foram facilmente identificados e delineados, a partir da imagem de uma objetiva de baixo aumento (3.2x) e possíveis reajustes empregados na objetiva de 10x. Uma vez delimitada a área de interesse, a mesma é dividida em quadrantes (matriz ou gride), sendo que em cada um deles é posicionada apenas uma caixa de contagem. As dimensões das caixas de contagem e da matriz de contagem estão descritas na tabela abaixo. Objeto de interesse Caixa de contagem (µm²) Matriz de Contagem (µm²) Espessura da caixa (µm) Secções contadas CA1 Redes Perineuronais 120x120 120x120 20 5 Microglias 45x45 80x80 10 5 Septum Redes Perineuronais 70x70 120x120 20 3 Microglias 40x40 120x120 13 3 Tabela 1: Parâmetros estereológicos utilizados na contagem de redes perineuronais e microglias em CA1 e no septum.
  • 57. 94 Tais medidas particulares diferiram por técnica de marcação em função da necessidade de, sempre que possível, obter um coeficiente de erro igual ou menor que 0.05 e manter um número mínimo de 30 caixas contadas por secção (considerando-se as diferenças de tamanho e distribuição, conforme o tipo celular marcado). A imunorreatividade seletiva, associada a características morfológicas, foram os critérios adotados na contagem, que foi realizada em uma objetiva de grande aumento (60x), com exceção da contagem de redes perineuronais, que foi feita em uma objetiva de 40x. O processamento histológico (microtomia, desidratação, imunohistoquímica, etc.) pode resultar em variações de espessura dentro do mesmo corte. Para corrigir esse erro, a cada caixa de contagem mensurou-se a espessura do tecido e o bloco de contagem foi posicionado no centro da espessura total do tecido. A disposição do bloco de contagem no centro não comprometeu a visualização e foco da célula, visto que o protocolo adotado resultou num padrão de marcação satisfatório.  5.1 Caracterização das áreas e dos objetos de interesse. Nossas áreas de interesse nas análises estereológicas foram o hipocampo (mais especificamente, CA1) e o septum. A figura 15 ilustra a fotomicrografia do hipocampo e do giro denteado, detalhando a laminação e os limites arquitetônicos. B A
  • 58. 95 Figura 15. Fotomicrografia ilustrando o giro denteado (GD) e o hipocampo dorsal da fêmea adulta do camundongo da variedade suíça albina marcados com o anticorpo NEU-N (A) e com lectina Wisteria floribunda biotinilada (B). Legenda: (Or) Oriens; (Pir) Piramidal; (Rad) Radiatum; (Lac Mol) Lacunosum Molecular; (Mol) Molecular; (Gr) Granular; (Po) Camada Polimórfica. Escala: (A) 500µm, (B) 250µm. No presente trabalho dois critérios foram suficientes para caracterização do hipocampo (CA1, CA2, CA3) e do septum: os padrões arquitetônicos e de conexões. No que concerne ao padrão arquitetônico, empregou-se imunohistoquímica seletiva para identificação de neurônios empregando anticorpos dirigidos contra a proteína nuclear NeuN e histoquímica seletiva empregando a lectina Wisteria floribunda para marcação de proteoglicanos da matriz extracelular e melhor definição dos limites de CA1, CA2 e CA3 e dos núcleos septais, preenchendo o critério de definição inambígua da área e dos objetos de interesse. NeuN é uma proteína nuclear específica de neurônios, encontrada no núcleo e parte do citoplasma da vasta maioria de tipos neuronais do sistema nervoso dos vertebrados. Por conta da especificidade de sua expressão ele tem sido referido como um marcador universal do fenótipo neuronal maduro (pós-mitótico) e é usado para distinguir neurônios de células da glia, assim como de outras células que não expressam NeuN (DARLINGTON et al, 2008; KUMAR e BUCKMASTER, 2007). Assim, anticorpos monoclonais dirigidos contra a proteína NeuN do núcleo neuronal, marcam seletivamente o núcleo e parte do citoplasma de neurônios maduros em todas as regiões neurais até então estudadas (AMBROGINI et al, 2004; DARLINGTON et al, 2008; EDGAR AND ROSENBLUM, 2008; MAGAVI et al, 2000). Na formação hipocampal do camundongo em particular, objeto de interesse do presente trabalho, uma série extensa de estudos confirma essa observação tanto em animais saudáveis quanto em doentes (BRANDT et al, 2003; KEMPERMANN et al, 2003; TAKAHASHI et al, 2008; VON BOHLEN e HALBACH, 2007). O anticorpo monoclonal empregado no presente trabalho (MAB377, Chemicon, Tremecula, CA), dirigido contra o
  • 59. 96 epitopo murino de NeuN, reage positivamente em uma variedade de espécies, sugerindo que é conservado por todas elas e isso inclui pássaros, outros roedores e humanos (KUMAR e BUCKMASTER, 2007). O limite arquitetônico entre as regiões CA1, CA2 e CA3 podem ser identificados com relativa facilidade por imunomarcação com anticorpo para NEU-N em função da variação do empacotamento e do tamanho dos neurônios marcados em cada região (Figura 15A). Os corpos celulares marcados em CA3 parecem maiores e distribuídos de forma menos empacotada do que os de CA1 e CA2. As células da camada piramidal de CA2 são mais dispersas espacialmente que as de CA1, observando-se um estreitamento desta camada no limite entre CA1 e CA2. Essa distinção anatômica entre CA1 e CA2 é melhor observada na histoquímica para Wisteria floribunda (Figura 15B). Paralelamente, as características da distribuição dos terminais de glicosaminoglicanos da matriz extracelular foram utilizadas também como um indicador de transformações neuropatológicas que afetam as redes perineuronais da matriz associadas à doença neurodegenerativa crônica. Essa escolha se deveu ao fato de que dados da literatura mostram que tanto os neurônios quanto as próprias redes que os envolvem, são afetados na Doença de Alzheimer e na Doença Prion; além disso, a integridade dessas redes perineuronais é relevante para preservação dos mecanismos de memória e aprendizado, promovendo neuroprotetor contra excitotoxicidade, estresse oxidativo (MORAWSKI et al., 2004) e formação de placas neurofibrilares (BRUCKNER et al, 1999; HARTIG et al., 2001). Além das redes perineuronais, nossos objetos de interesse nas análises estereológicas foram as microglias ativadas, seletivamente marcadas por histoquímica com lectina de tomate (Lycopersicum esculentum) para a microglia ativada, de modo a acompanhar sua plasticidade fenotípica em forma e número que acompanham a neurodegeneração (BOUCSEIN et al., 2000; KANNAN et al., 2007; STREIT, 2000)
  • 60. 97 A região septal, por sua vez, foi definida como aquela delimitada entre a linha média, a comissura anterior e núcleo anterior do bulbo olfatório, em sua porção mais ventral, enquanto que, em sua porção mais dorsal, compreendida entre a linha média, o corpo caloso e a fímbria. A identificação das redes perineuronais através da Wisteria floribunda biotinilada permitiu, portanto, a definição clara dos campos hipocampais, e do septum medial e lateral assim como a distinção entre os dois tipos de redes. Tomados os resultados em conjunto foi possível caracterizar com precisão os limites das áreas e identificar-se sem ambigüidades os objetos de interesse.
  • 61. 98 6. Análise Estatística A estimativa do número total de células dentro da região de interesse foi obtida através do método do fracionador óptico, multiplicando-se o número de células contadas dentro de cada bloco pelos valores de probabilidade da amostra. Esses valores dependem: 1) do número de secções investigadas comparadas com o número total de secções que contem a região de interesse (“section sampling fraction”); 2) da área dos blocos de contagem comparada com a área da matriz de contagem (“area sampling fraction”); e 3) a altura do bloco de contagem comparada com a média da espessura da secção após os procedimentos histológicos (“thickness sampling fraction”). Onde, N – número total de células ΣQ – número de células contados ssf – “section sampling fraction” = secções contadas/total de secções asf – “area sampling fraction” = área bloco/área matriz (x,y) tsf – “tissue sampling fraction” = altura bloco/espessura da secção. Comparando o coeficiente de erro verdadeiro para grandes amostras com o calculado por diferentes métodos, encontrou-se que o coeficiente de Scheaffer é o que mais se aproxima do erro verdadeiro (GLASER e WILSON, 1998). Assim, no presente trabalho, deu-se preferência ao fracionador óptico como método estereológico e ao coeficiente de Scheaffer como instrumento de medida do erro intrínseco à metodologia. Utilizando esse coeficiente, definiu-se que a grade e as dimensões da caixa de contagem seriam adequadas quando a relação entre o coeficiente de erro e o coeficiente de variação fosse menor do que 0.5. N = ΣQ * 1/ssf * 1/asf * 1/tsf
  • 62. 99 Outro parâmetro que se estimou de forma sistemática foi o coeficiente de variação biológica, definido como: CVB2 = CV2 – CE2 (CE, coeficiente de erro; CV coeficiente de variação; CVB, coeficiente de variação biológica), expresso em valor percentual do coeficiente de variação, estabelecendo-se que sua contribuição precisa ser sempre maior do que 50% para que se minimize os erros intrínsecos do processo amostral. A análise estatística paramétrica avaliou o grau de significância dos resultados dos testes comportamentais através da análise de variância (ANOVA, um critério) seguido do teste de Bonferroni a priori, aceitando-se como significantes as diferenças entre grupos com intervalo de confiança mínimo de 95% (p<0,05). O software Bioestat 5.0 foi empregado em todos os testes estatísticos. A seguir (Quadro 2) vemos um esquema ilustrativo da metodologia e dos procedimentos experimentais.
  • 63. 74 IV. RESULTADOS. Seleção de 40 camundongos da variedade Suíça albina com 8 semanas de idade Divisão dos grupos: Agrupados (n=20) Isolados (n=20) Isolados: três semanas de isolamento Agrupados: cinco por gaiola Aferição dos níveis basais de consumo de glicose 1ª fase 1ª a 3ª semana de isolamento social 2ª fase Testes comportamentais: Campo Aberto, Labirinto em Cruz, Peso corporal Subdivisão dos grupos: Agrupados – NBH-GR e ME7-GR Isolados – NBH-IS e ME7-IS Testes (2x por semana): consumo de glicose, burrowing e medida e da temperatura anal. 1ª a 17ª semana pós-inoculaçãoInoculação com NBH ou ME73ª semana de isolamento Testes comportamentais: Campo Aberto, Labirinto em Cruz, TST, Grooming e Peso corporal. Perfusão, fixação, microtomia, técnicas de histoquímica Análises estereológicas em CA1 e no septum: redes perineuronais e microglias ativadas 3ª fase 17ª semana pós-inoculação Quadro 2: Esquema ilustrativo da metodologia e dos procedimentos experimentais.
  • 64. 75 0 5 10 15 20 25 3 5 7 9 11 13 15 17 semanas pós-inoculação qtde.ingerida(ml) NBH-GR ME7-GR NBH-IS ME7-IS 1. Ensaios Comportamentais. Os testes de Consumo de Glicose, Burrowing e Temperatura foram aplicados duas vezes por semana, da 1ª a 17ª semana pós-inoculação; enquanto que os testes Campo Aberto, Labirinto em Cruz Elevado, Grooming, Teste de Suspensão da Cauda e Peso corporal foram realizados antes e depois da inoculação com a Doença Prion (17ª semana).  1.1 Consumo de glicose CONSUMO DE GLICOSE – 17ª SEMANA PÓS-INOCULAÇÃO Média Aritmética (ml) Desvio Padrão Grupos Significância (Anova, Bonferroni)* NBH-GR = 18.4 5.27 NBH-GR e NBH-IS p<0.025 ME7-GR = 15.66 2.96 NBH-GR e ME7-IS p<0.01 NBH-IS = 11.62 4.87 ME7-GR e ME7-IS p<0.01 ME7-IS = 8.30 6.31 NBH-IS e ME7-IS p<0.05 Figura 16. Média da quantidade de glicose consumida ao longo das semanas pós-inoculação com NBH ou ME7.  Os ME7-IS consumiram menor quantidade de glicose que os demais grupos (NBH-Grupo, ME7-Grupo e NBH- Isolados). ANOVA um critério, Bonferroni, p<0.01. 
  • 65. 76 Tabela 2: Dados estatísticos relativos ao consumo de glicose na 17ª semana pós-inoculação. *Apenas as diferenças significativas. A figura 16 mostra que não houve diferença no consumo de glicose entre animais em grupo (NBH-GR e ME7-GR) e isolados (NBH-IS e ME7-IS), exceto na 17ª semana PI. Da 3ª a 9ª semana PI os grupos NBH-GR e ME7-GR ingeriram, em média, 11ml da solução glicosada; na 13ª houve uma queda dessa média para 5ml, o que não representa um dado significativo, pois na semana seguinte, os camundongos retornaram para os níveis iniciais de consumo, apresentando uma tendência crescente da ingestão de glicose. Os sujeitos isolados (NBH-IS e ME7-IS), por sua vez, exibiram níveis de consumo similares até a 17ª semana PI, nas qual os ME7-IS (MA=8.30, Erro Padrão=1.99) ingeriram menor quantidade de glicose que os NBH-IS (MA=12, EP=1.72, p<0.05). Na 17ª semana os animais ME7-IS também se diferenciaram dos NBH-GR (MA=18; EP=1.67, p<0.01) e dos ME7-GR (MA=16; DP=0.99, p<0.01).
  • 66. 77 0 30 60 90 120 150 180 5 7 9 11 13 5 16 17 semanas pós-inoculação qtde.removida NBH ME7 NBH+IS ME7+IS  1.2 Remoção e estoque de ração (burrowing) Figura 17. Quantidade de ração removida ao longo das semanas pós-inoculação com ME7 e NBH. Legenda:  Diferença entre os animais NBH-Isolados e ME7-Isolados (ANOVA, Bonferroni, p<0.01);  Os sujeitos ME7 (GR e IS) removeram menor quantidade de ração que os NBH (GR e IS). ANOVA um critério, Bonferroni, p<0.01. Tabela 3: Quantidade de ração removida na 16ª e na 17ª semana pós-inoculação. *Apenas os dados estatisticamente significativos. BURROWING – 16ª SEMANA PÓS-INOCULAÇÃO Média Aritmética (gramas) Desvio Padrão Grupos* Significância (Anova, Bonferroni)* NBH-GR = 119 45 NBH-GR e ME7-IS p<0.01 ME7-GR = 90 61 ME7-GR e NBH-IS p<0.01 NBH-IS = 148 4.5 NBH-IS e ME7-IS p<0.01 ME7-IS = 66 60 BURROWING – 17ª SEMANA PÓS-INOCULAÇÃO Média Aritmética (gramas) Desvio Padrão Grupos Significância (Anova, Bonferroni)* NBH-GR = 135 35 NBH-GR e ME7-GR p<0.01 ME7-GR = 80 59 NBH-GR e ME7-IS p<0.01 NBH-IS = 135 22 ME7-GR e NBH-IS p<0.01 ME7-IS = 24 32 ME7-GR e ME7-IS p<0.01 NBH-IS e ME7-IS p<0.01  
  • 67. 78 Nas primeiras 15 semanas, não encontramos diferença entre os grupos experimentais quanto ao burrowing (Figura 17). Na 16ª semana, observamos que os animais ME7-IS (MA=66, EP=10) se distinguem dos NBH-IS (MA=148, EP=8), apresentando uma queda brusca na quantidade de ração removida (p<0.01) que persiste na semana seguinte. Na 17ª semana os sujeitos ME7-GR (MA=87.51, EP= 20) removeram menos ração que os NBH-GR (MA=145.60, EP=11, p<0.01) e os NBH-IS (MA=135, EP=7.95, p<0.01). O grupo ME7- IS distinguiu-se dos demais grupos, apresentando maior queda no burrowing na 17ª semana PI (MA=24, EP=10.40, p<0.01). Observamos que, enquanto os ME7-IS distinguiram-se dos NBH-IS na 16ª semana, os ME7- GR só apresentaram queda no burrowing, em relação aos NBH-GR, na 17ª semana PI.  1.3 Temperatura corporal 36 37 38 Figura 18. Temperatura retal dos animais da 5ª a 17ª semana pós-inoculação. Legenda:  Diferença entre os sujeitos em grupo (NBH-GR e ME7-GR) e os sujeitos isolados (NBH-IS e ME7-IS). ANOVA, Bonferroni, p<0.01. semanas pós-inoculação controles ME7 isolados Isolados+ME7     