1) O documento discute atraso global do desenvolvimento psicomotor em crianças, definindo-o e discutindo sua identificação e avaliação.
2) A avaliação clínica deve caracterizar as capacidades cognitivas da criança, possíveis fatores etiológicos e aspectos comportamentais para guiar o tratamento.
3) As causas de atraso do desenvolvimento são variadas, incluindo anomalias cromossômicas, síndromes genéticas e lesões cerebrais, com etiologia desconhecida em cerca
1. DOSSIER
PERTURBAÇÕES DO DESENVOLVIMENTO
Atraso global do
desenvolvimento
psicomotor
JOSÉ CARLOS FERREIRA*
médico comunitário que acompanha a
INTRODUÇÃO
EDITORIAIS
saúde da criança, seja pediatra ou
médico de família. Estabelecer o diag-
atraso global do desenvol- nóstico de um atraso do desenvolvi-
O vimento psicomotor (AD-
PM) é definido como um
atraso significativo em vá-
rias domínios do desenvolvimento como
sejam a motricidade fina e/ou grossei-
mento pode constituir um difícil desafio.
A muito grande variação nas aquisições
entre crianças normais pode tornar difí-
cil a detecção de alterações subtis mas
com significado. Por outro lado, o natu-
ra, a linguagem, a cognição, as compe- ral receio dos pais em relatar as suas
tências sociais e pessoais e as activida- preocupações quanto ao desenvolvi-
des da vida diária. Qualquer destes do- mento dos filhos e uma inibição do clíni-
mínios pode estar mais ou menos com- co em confrontá-los com a realidade da
prometido e assim o ADPM é uma enti- existência de um atraso podem condu-
dade heterogénea, não apenas na sua zir ao erro de considerar todas as altera-
etiologia mas também no seu perfil fe- ções como uma variação do normal e
notípico. A prevalência é em grande me- confiar exageradamente que elas «de-
dida desconhecida mas estimada em 1 sapareçam com a idade». É mais eficaz
a 3% das crianças abaixo dos cinco anos. considerar a avaliação do desenvolvi-
Define-se um atraso significativo o mento infantil como uma vigilância con-
que se situa dois desvios-padrão abaixo tínua do que um procedimento de ras-
da média das crianças da mesma idade. treio a ser efectuado numa consulta es-
Nos testes de avaliação formal de inteli- pecífica a uma determinada idade, do
gência do tipo Wechsler (WPPSI, WISC, mesmo modo que a informação acu-
WAIS), mais válidos e fiáveis nas crian- mulada na evolução do peso, cresci-
ças mais velhas, adolescentes e adultos, mento e perímetro craniano é muito
corresponde a um QI igual ou inferior mais rica do que a medição destes
a 70. Actualmente classifica-se de atra- parâmetros numa altura isolada. Essa
so mental grave os casos com QI infe- vigilância deve incluir a monitorização
rior a 50 e atraso mental ligeiro os ca- de várias áreas do desenvolvimento
sos com QI entre 50 e 69. (motricidade grosseira e fina, lingua-
gem, cognição e competências sociais).
Muitas alterações do desenvolvimento
IDENTIFICAÇÃO
EDITORIAIS infantil, como as perturbações da lin-
guagem, da atenção ou da empatia pou-
A primeira fase da intervenção médica cas vezes são diagnosticadas antes dos
numa criança com ADPM é o seu re- três a quatro anos e as perturbações es-
conhecimento. Sem negligenciar o pa- pecíficas da aprendizagem como a
*Neurologista pediátrico
pel dos pais e educadores, a responsa- dislexia ou discalculia, só depois da ida-
Hospital Egas Moniz bilidade desta identificação cabe ao de escolar. No entanto, deve haver um
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2. DOSSIER
PERTURBAÇÕES DO DESENVOLVIMENTO
esforço para identificar as perturbações critiva a mais completa possível decorre
mais graves e globais numa idade pre- da grande heterogeneidade dos quadros
coce. Embora a maioria das crianças clínicos que globalmente denominamos
pequenas com ADPM não esteja asso- atraso do desenvolvimento. A variedade
ciada a uma entidade causal específica de parâmetros cognitivos e de proces-
curável ou mesmo tratável, mesmo na sos neuropsicológicos que podem estar
ausência de uma explicação etiológica perturbados numa determinada crian-
definitiva, a identificação precoce aju- ça, contribuindo para um mau desem-
da as crianças e as famílias a encontra- penho nos testes de avaliação global, é
rem o equilíbrio justo de expectativas e muito grande. Processos complexos en-
de estimulação adequada. volvidos em funções tão diversas como
Sem ser exaustivo, o Quadro I for- a atenção, a memória de curto prazo, o
nece algumas indicações dos parâme- «armazenamento» na memória de lon-
tros que podem servir como sinais de ga duração (aprendizagem), a recupera-
alarme de um desenvolvimento que não ção a partir desta, os processos per-
se está a processar dentro dos limites ceptivos nos vários canais e a vários ní-
da que é considerada a norma para a veis de complexidade, a elaborada teia
idade da criança. Deve ter-se sempre de funções envolvidas no processamen-
em linha de conta a variação individual to receptivo e produtor da linguagem,
normal, mas a média das crianças sem as programações motoras mais ou
problemas atinge os estádios do desen- menos voluntárias ou automáticas, pa-
volvimento citados bem antes da idade ra dar apenas exemplos, encontram-se
referida na tabela. afectados em grau variável e essa va-
riabilidade deve ser conhecida se qui-
sermos ter uma acção baseada em fun-
DIAGNÓSTICO CLÍNICO
EDITORIAIS damentos sólidos.
O diagnóstico descritivo deve, tanto
Estabelecida a existência de um atraso quanto possível, incluir quatro dimen-
global do desenvolvimento da criança, sões:
é necessária uma avaliação e caracteri- As capacidades cognitivas e do
zação detalhadas. comportamento adaptativo
Nesta avaliação clínica deve ter-se As escalas de avaliação do desenvolvi-
em conta dois níveis, igualmente de- mento são úteis no esclarecimento mais
terminantes para o acompanhamento detalhado das capacidades da criança
clínico e terapêutica subsequentes. nas várias áreas referidas acima. Sem
Um é o diagnóstico etiológico, que cair na tentação de preciosismos nu-
pode implicar ou não o recurso a vários méricos minuciosos, sem significado
tipos de avaliações e exames comple- real na prática clínica, uma quantifica-
mentares; o outro é o diagnóstico des- ção aproximada pode ser vantajosa
critivo, ou seja, a caracterização dos para servir de comparação no tempo;
vários aspectos do quadro clínico.
De facto, para uma determinada Os factores etiológicos e da patologia
criança, pode ser tanto ou mais im- orgânica associada
portante o diagnóstico detalhado dos O diagnóstico etiológico é só em parte
seus défices e limitações das suas com- independente do diagnóstico descriti-
petências e potencialidades, como o da vo. Em alguns casos, o facto de se ter
etiologia que lhes deu origem. uma etiologia específica influencia o
modo de apoiar a criança e traz elemen-
Diagnóstico descritivo tos de previsão e prognóstico relevantes.
A necessidade de uma avaliação des- Também a co-existência de patologia
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3. DOSSIER
PERTURBAÇÕES DO DESENVOLVIMENTO
QUADRO I
SINAIS DE ALARME DE ATRASO DE DESENVOLVIMENTO PSICOMOTOR
Área e Idade Sinal de alarme
MOTRICIDADE GROSSEIRA
4 1/2 meses Não puxa para se sentar, com a cabeça alinhada com o corpo
5 meses Não rebola
9 meses Não fica sentado sem apoio
10 meses Não fica de pé com apoio
15 meses Não anda sem apoio
2 anos Não sobe ou desce escadas
2 1/2 anos Não salta
3 anos Não pedala no triciclo
4 1/2 anos Não salta «ao pé-coxinho»
5 anos Não é capaz de andar pé-ante-pé numa linha recta
MOTRICIDADE FINA
3 1/2 meses Persistência do reflexo de preensão
4-5 meses Não segura a roca; não junta as mãos na linha média
8 meses Não transfere os objectos de uma mão para a outra
10-11 meses Ausência de pinça dedos-polegar
15 meses Não põe ou tira de uma caixa
20 meses Não tira meias ou luvas sem ajuda
2 anos Não faz torre de 5 cubos ou não rabisca
2 1/2 anos Não volta a página de um livro
3 anos Não faz torre de 8 cubos ou não esboça uma linha recta
4 anos Não faz torre de 10 cubos ou não copia um círculo
4 1/2 anos Não copia uma cruz
5 anos Não constrói uma escada com cubos ou não imita um quadrado
LINGUAGEM
5-6 meses Não palra
8-9 meses Não diz «da» ou «ba»
10-11 meses Não diz «dada» ou «baba»
16 meses Não produz palavras únicas
2 anos Não faz frases de 2 palavras
2 1/2 anos Não usa pelo menos um pronome pessoal
3 1/2 anos Não fala de modo inteligível
4 anos Não compreende preposições
5 anos Não utiliza a sintaxe correcta em frases curtas
COGNIÇÃO
2-3 meses Não faz sentir necessidades
6-7 meses Não procura o objecto caído
8-9 meses Não se interessa por fazer «cu-cu»
12 meses Não procura o objecto escondido
12-15 meses Não aponta
15-18 meses Não se interessa por jogos de causa e efeito
2 anos Não categoriza semelhanças (por ex. animais, veículos)
3/5 anos Não sabe nome próprio e apelido
4 anos Não sabe escolher entre a maior e a menor de 2 linhas
continua na página seguinte
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4. DOSSIER
PERTURBAÇÕES DO DESENVOLVIMENTO
QUADRO I
SINAIS DE ALARME DE ATRASO DE DESENVOLVIMENTO PSICOMOTOR (continuação)
Área e Idade Sinal de alarme
4 1/2 anos Não sabe contar
5 anos Não sabe as cores nem qualquer letra
5 1/2 anos Não sabe o seu próprio aniversário ou a morada
PSICOSSOCIAL
3 meses Não tem sorriso social
6-8 meses Não ri numa situação apropriada
10 meses Não estranha
1 ano Não se consola, não aceita «mimos»
2 anos Agride sem provocação; sem contacto ocular nem interacção com crianças e adulto
3-5 anos Não brinca com as outras crianças; desafia a obediência
associada, seja do foro neurológico ou desenvolvimento psicomotor são varia-
sensorial, como um défice auditivo ou das. O Quadro II dá uma ideia da fre-
visual, uma dificuldade motora acresci- quência relativa dos grandes grupos diag-
da por paralisia cerebral, seja de outro nósticos. Apesar do desenvolvimento
sistema, como uma cardiopatia congé- técnico-científico, existe ainda um impor-
nita, uma malformação gastrintestinal, tante número de casos em que o diag-
urológica ou músculo-esquelética, pode nóstico etiológico fica por determinar.
ser fundamental na caracterização da O primeiro passo, fundamental, do
situação da criança. diagnóstico etiológico, é a distinção en-
tre uma lesão estática e uma encefa-
Os aspectos comportamentais, psicológi- lopatia progressiva. Na prática clínica
cos e emocionais e as condições ambien- esta questão põe-se desta forma: trata-
tais e do enquadramento sócio-familiar
Para além do nível de desenvolvimento
psicomotor, o modo como a criança vive QUADRO II
e aprende é influenciado por aspectos CAUSAS POSSÍVEIS DE ATRASO GLOBAL
psicológicos, afectivos e comportamen- DO DESENVOLVIMENTO PSICOMOTOR
tais e pelo ambiente sócio-económico e
familiar onde se enquadra. Não existe Categorias diagnósticas %
diferença maior entre a terapia e reabi- Anomalias cromossómicas 11,6
litação de duas crianças com um défice X-frágil 3,3
cognitivo equivalente, sendo uma cal- Síndromes de anomalias múltiplas conhecidos 15,8
ma, disponível e interessada e outra Síndromes neurocutâneos 2,5
permanentemente irritável, angustiada Doenças neurometabólicas 2,5
e agressiva ou entre a que provém de Tóxicos/teratogénicos 0,8
um meio desestruturado e sem recur- Encefalopatia hipoxico-isquémica 2,5
sos económicos e afectivos da que está Infecções 0,8
bem apoiada por uma família interes- Síndromes epilépticos 8,3
sada e empenhada no melhor bem-es- Malformações cerebrais 3,2
tar e interesse da criança. Síndromes de anomalias múltiplas
indeterminados 29,1
Diagnóstico etiológico Etiologia desconhecida 19,1
As causas possíveis de atraso global do
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5. DOSSIER
PERTURBAÇÕES DO DESENVOLVIMENTO
-se de um atraso na aquisição dos mar- ou mais importante como o exame neu-
cos normais do desenvolvimento ou, rológico.
pelo contrário, verificou-se uma regres- O processo diagnóstico de uma
são, com perda de aquisições? Em al- criança com regressão do desenvolvi-
guns casos, numa determinada fase de mento, em que se põe a hipótese de
uma doença progressiva pode haver al- uma doença neurometabólicas ou
gumas aquisições cognitivas, mas se neurodegenerativa é orientado por um
estas aquisições se mantêm ao longo do conjunto de factores, de que se realçam:
tempo, por muito lentas que sejam, a idade de aparecimento dos sintomas,
mais frequentemente se trata de uma o padrão de envolvimento relativo do
lesão estática pré- ou pós-natal. Pelo córtex cerebral (epilepsia, regressão
contrário, a perda de capacidades pre- cognitiva), da substância cinzenta sub-
viamente alcançadas é sempre indi- cortical (sintomas extrapiramidais), do
cadora de uma perturbação evolutiva. cerebelo (ataxia), da substância branca
A anamnese e o exame objectivo po- (regressão cognitiva de instalação mais
dem pôr-nos imediatamente na pista tardia, sinais e sintomas das vias lon-
de uma etiologia específica. A existên- gas de aparecimento mais precoce), o
cia, por exemplo, de antecedentes fa- envolvimento paralelo do sistema
miliares de atraso do desenvolvimento nervoso periférico, a associação de en-
ou de consanguinidade dos pais, pode volvimento de um ou vários sistemas
indicar uma etiologia genética. A co- extra-neurológicos.
existência de paralisia cerebral ou ou- A urgência em chegar a um diagnós-
tras alterações do exame neurológico, tico preciso, aliada à especificidade
pode indicar a ocorrência de uma lesão deste diagnóstico diferencial, exige que
pré ou perinatal. Manchas acrómicas estas crianças sejam precocemente
ou hipermelânicas podem ser o indício orientadas para uma consulta especiali-
de uma síndrome neurocutânea como zada de neurologia pediátrica.
a esclerose tuberosa ou a neurofibro-
matose tipo 1, respectivamente. Num
número não negligenciável de crianças
EXAMES COMPLEMENTARES
com ADPM, podem encontrar-se peque- DE DIAGNÓSTICO
nas dismorfias ou malformações minor
(na face, nos pavilhões auriculares, na Quando a história pessoal ou familiar
implantação do cabelo, nas mãos e pés, ou o exame objectivo fornecerem uma
nos genitais) que no seu conjunto ca- orientação para o diagnóstico, podem
racterizem um determinado síndrome estar indicados alguns exames ou in-
genético ou indiciem uma perturbação vestigações complementares para o
de anomalias múltiplas que pode in- confirmarem dependendo do caso es-
cluir o atraso do desenvolvimento. pecífico.
Do mesmo modo, a associação a uma Mesmo quando isso não sucede, al-
baixa estatura, de organomegalias, de guns exames também são necessários.
doença ou malformação em outros Então quais exames e quando os pedir
órgãos ou sistemas (visual, cardiovas- numa criança com ADPM?
cular, gastrintestinal, renal, osteoarti-
cular) pode ser reveladora de uma pato- O cariotipo
logia específica em que esteja também Um exame cromossómico feito pelas
envolvido o sistema nervoso central e mais modernas técnicas de citogenéti-
como tal, ser causa de ADPM. Este ca deve ser obtido em todas as crianças
aspecto do exame objectivo global é fun- em que exista um fenotipo característi-
damental no processo diagnóstico, tão co (de síndrome de Down, síndrome de
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6. DOSSIER
PERTURBAÇÕES DO DESENVOLVIMENTO
Turner, de Klinefelter) ou outras dis- por vezes com cardiopatia congénita ou
morfias indiciadoras, sempre que haja hipocalcémia, pode estar indicado o es-
antecedentes familiares de ADPM sem tudo para a síndrome de Williams. Em
diagnóstico. Está igualmente indicado outras crianças com cardiopatia con-
em todas as crianças com atraso do de- génita ou hipocalcémia, ou aplana-
senvolvimento não explicado que no fim mento da região malar, fendas palpe-
da anamnese e da observação não brais pequenas, mandíbula pequena,
demonstrem quaisquer pistas diagnós- voz nasalada, pode estar indicado o es-
ticas. tudo específico para a síndrome velo-
cardio-facial.
O estudo para X-frágil
O rastreio molecular para a mutação do A neuroimagem
X-frágil está indicado em crianças com Se o diagnóstico etiológico tiver sido es-
antecedentes familiares de ADPM, so- tabelecido directamente pela anamnese
bretudo nos homens da via materna e e observação e confirmado pelos meios
se tiverem um fenotipo sugestivo, como apropriados a cada caso, pode dispen-
a face longa com uma mandíbula proe- sar-se um exame imagiológico do encé-
minente, uma macrocefalia relativa, falo. Na maioria das outras crianças es-
pavilhões auriculares grandes e/ou des- te é recomendado como parte da avalia-
colados, macrorquidia e um padrão de ção diagnostica do ADPM. A probabili-
comportamento que pode incluir algu- dade da imagiologia ser informativa,
ma hiperactividade e défice de empatia. aumenta se estiverem presentes sinais
neurológicos focais, estigmas de uma
Outros estudos genéticos doença neurocutânea ou uma microce-
Outras investigações genéticas especí- falia. Por outro lado, na ausência de
ficas são reservadas para casos em que quaisquer sinais, essa probabilidade é
exista a suspeita clínica do respectivo baixa, sobretudo se o atraso for ligeiro.
diagnóstico. Por exemplo, numa criança Quando se toma a decisão de realizar
com atraso grave, sobretudo da lingua- um exame de imagem para investigar
gem, aloirada, braquicefálica, atáxica, um atraso, a ressonância magnética é
com epilepsia e bem disposta deve rea- superior à TAC na detecção de lesões se-
lizar-se um estudo para a síndrome de quelares de pequena dimensão, altera-
Angelman. Noutra com antecedentes de ções da substância branca e pequenas
hipotonia e má progressão ponderal no malformações cerebrais, devendo as-
primeiro ano de vida, por dificuldades sim ser preferida, quando disponível.
alimentares ou com hipogenitalismo
que evolui para uma hiperfagia e obesi- Os estudos metabólicos
dade a partir dos três anos, deve procu- As análises para pesquisa de erros ina-
rar-se a síndrome de Prader-Willi. Nu- tos do metabolismo (como aminoáci-
ma menina autista, que sofreu uma de- dos, ácidos orgânicos, lactato e amónia)
saceleração do perímetro craniano no fi- trazem informação útil em apenas cer-
nal do primeiro ano e tem uma ca de 1% das crianças com ADPM está-
incapacidade na utilização pragmática tico, não progressivo. Como tal, mesmo
das mãos, deve pesquisar-se a mutação considerando a possibilidade (real mas
específica da síndrome de Rett. Quan- diminuta) de conduzirem ao diagnósti-
do exista um atraso maior nas com- co de uma doença tratável, não estão in-
petências visuo-espaciais do que na lin- dicados como investigações de primeira
guagem, numa criança exagerada- linha. Em algumas crianças, no entan-
mente sociável, com bochechas grandes to, a presença de certos sinais ou sin-
e descaídas, lábio inferior proeminente, tomas, pode aumentar a probabilidade
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7. DOSSIER
PERTURBAÇÕES DO DESENVOLVIMENTO
de se tornarem úteis os estudos me- a importância de se explorar a função
tabólicos (Quadro IV). tiroideia nas crianças com ADPM. Esta
não deve porém ser esquecida em cri-
O EEG anças que não tenham realizado o ras-
Um exame electroencefalográfico deve treio ou que evidenciem estigmas de
ser obtido nas crianças com ADPM em disfunção tiroideia.
que haja qualquer sugestão da exis-
tência de crises epilépticas. Deve ainda Observações especializadas
ser obtido se houver regressão do de- Na maioria das crianças com ADPM
senvolvimento ou uma clara flutuação existe vantagem na realização de um
nas capacidades psicomotoras. Nos rastreio oftalmológico. Por outro lado,
restantes casos, não existe evidência em casos específicos pode haver neces-
que apoie a indicação para um EEG. sidade de uma avaliação por outras es-
pecialidades, como endocrinologia ou
O chumbo cardiologia pediátricas
Embora o chumbo seja um dos mais
claros tóxicos para o sistema nervoso
central, a sua pesquisa pode limitar-se
CONCLUSÃO DITORIAIS
E E RECOMENDAÇÕES
às raras crianças com alto risco de ex-
posição ambiental a esse elemento. Em resumo, a investigação etiológica
de uma criança com ADPM, pode es-
As hormonas tiroideias quematizar-se em quatro fases, que po-
A quase total universalidade do diag- dem não se processar necessariamente
nóstico precoce neonatal reduziu muito por ordem sequencial.
Em todo o caso, a primeira fase cons-
titui sempre a investigação clínica bási-
QUADRO III ca, aplicável a todas as crianças e que
CAUSAS DE ATRASO MENTAL «NÃO PROGRESSIVO» inclui uma anamnese pré-, peri- e pós-
-natal detalhada, os antecedentes fa-
Alterações cromossómicas miliares e árvore genealógica e o exame
• Trissomia 21 físico com especial destaque para a so-
• X-frágil matometria, o exame neurológico, a pele
• Outros e a procura de dismorfias e malforma-
Síndromes congénitos específicos e associações de ções. Eventualmente, devem ainda ser
anomalias congénitas submetidas a uma avaliação oftalmo-
Síndromes neurocutâneos lógica e audiológica.
• Esclerose tuberosa A partir dos dados da investigação
• Neurofibromatose clínica básica obtêm-se logo três grupos
Malformações cerebrais de crianças:
Lesões sequelares pré-natais Aquelas em que suspeita de uma
• Infecções intra-uterinas (grupo TORCH) doença progressiva, seja metabólica ou
• Teratogéneos (fármacos, diabetes, degenerativa, por haver regressão do
hiperfenilalaninemia)
desenvolvimento ou antecedentes fa-
• Lesões vasculares
miliares de uma dessas doenças, devem
Encefalopatia hipoxico-isquémica perinatal
ser orientadas rapidamente para uma
Lesões sequelares pós-natais
consulta especializada de neurologia
• Infecciosas
• Vasculares
pediátrica, para uma investigação etio-
• Traumáticas lógica específica;
Desconhecido, idiopático ou familiar As que aparentem um ADPM estáti-
co, cuja causa provável seja logo apa-
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8. DOSSIER
PERTURBAÇÕES DO DESENVOLVIMENTO
rente pela evolução, antecedentes ou car ao electroencefalograma, ao dosea-
observação, devem realizar exames es- mento do chumbo ou a estudos en-
pecíficos (cromossómicos, genéticos, docrinológicos.
imagiológicos ou outros) para a respec- Um número considerável de crian-
tiva patologia (por ex. trissomia 21, sín- ças, depois de todo o processo diagnós-
drome do X-frágil, síndromes neuro- tico julgado adequado caso a caso – que
cutâneos ou outras doenças genéticas); pode ter incluído apenas a primeira fase
As crianças que aparentem igual- de investigação básica clínica ou, pelo
mente um ADPM estático, mas não apre- contrário, uma longa lista de investiga-
sentem qualquer pista diagnóstica após ções – fica ainda sem um diagnóstico
completarem a investigação clínica bási- etiológico definido. Estas, como todas as
ca, devem ainda assim realizar um exa- outras, devem ser sinalizadas e orienta-
me citogenético e eventualmente uma das para obterem as medidas pedagógi-
pesquisa de X-frágil. Poderá ainda estar cas e de reabilitação apropriadas ao seu
indicado nesta fase um exame imagio- grau e tipo de limitação que são habi-
lógico encefálico, sobretudo se houver si- tualmente independentes da etiologia.
nais neurológicos, história de problemas No entanto, devem manter -se um
perinatais ou alteração da forma ou di- acompanhamento clínico activo, já que
mensões do crânio cranianas. uma determinada patologia pode não
A consultadoria ou referência a uma ser evidente numa determinada idade
consulta de neurologia pediátrica e/ou e tornar-se clara com a evolução e/ou
de genética clínica com experiência nes- com o desenvolvimento do conheci-
ta área pode ser útil em caso de dúvida. mento técnico ou científico.
Em casos já seleccionados pode es-
tar indicada uma investigação metabóli-
ca (Quadro IV). O mesmo se poderá apli-
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