O jornal Correio Popular veiculou matéria, no dia 14 de agosto, com entrevista do pesquisador do IAC, Hamilton Humberto Ramos, sobre o mercado ilegal de agrotóxico e o curso dado pelo Instituto sobre defensivos agrícolas.
Nematoides são responsaveis por perdas de até 30% dos canaviais
O risco do mercado ilegal de agrotóxico
1. Oriscodomercadoilegaldeagrotóxico
PERIGO ||| ALIMENTAÇÃO
José Eduardo Mansur
DA AGÊNCIA ANHANGUERA
jose.mansur@rac.com.br
O mercado bilionário dos
agrotóxicos esconde uma
guerra velada entre a cadeia
produtiva, os órgãos de fisca-
lização e o judiciário. En-
quanto ações na justiça ten-
tam derrubar registros de pro-
dutos possivelmente danosos
à saúde, não se conhece os
riscos dos defensivos comer-
cializados ilegalmente. O
País, um dos maiores exporta-
dores agrícolas do globo, con-
trola pragas nas lavouras
com venenos contrabandea-
dos e aplicados por trabalha-
dores sem qualificação profis-
sional.
Hoje, o Brasil é líder mun-
dial no consumo de defensi-
vos agrícolas. Entre 2006 e
2016, o volume comercial
cresceu cerca de 190%, de
acordo com a Anvisa. “Diver-
sos fabricantes internacio-
nais de defensivos agrícolas
vendem no Brasil produtos
que não podem ser comer-
cializados em seus mercados
domésticos”, diz Sylvia Wa-
chsner, coordenadora do
Centro de Inteligência em Or-
gânicos da Sociedade Nacio-
nal de Agricultura (SNA). “As
isenções fiscais e tributárias
que são concedidas a estes
produtos também têm favore-
cido o crescimento da comer-
cialização” , acrescenta.
De acordo com dados do
governo, somente no ano pas-
sado 277 novos produtos fo-
ram liberados para a venda
no País. Apesar dos incenti-
vos, os números do Sindicato
Nacional da Indústria de Pro-
dutos para Defesa Vegetal
(Sindiveg) mostram que o se-
tor faturou US$ 9,56 bilhões
em 2016, resultado 1% me-
nor que o ano anterior. Em
comparação a 2014, a queda
foi significativa: 24%.
As projeções do Sindiveg
para 2017 apontam que as
vendas apresentam tendên-
cia de queda, não somente
por causa da crise econômi-
ca e pela valorização do dó-
lar, mas também pela comer-
cialização de produtos ile-
gais. “As estimativas apon-
tam que de 20 a 30% dos pro-
dutos vendidos no Brasil se-
jam ilegais. Muitos entram
pelas fronteiras com o Para-
guai, Argentina e Uruguai. Is-
so é crime. É caso de polí-
cia”, diz Hamilton Humberto
Ramos, pesquisador do Insti-
tuto Agronômico de Campi-
nas (IAC).
Apesar de não haver da-
dos oficiais, as quantidades
apreendidas pelas autorida-
des este ano demonstram a
gravidade do problema. No
primeiro trimestre, pouco
mais de sete toneladas de de-
fensivos ilegais foram confis-
cados em diferentes localida-
des no Sul do País. Apenas
no início deste mês, foram
quatro toneladas no Mato
Grosso do Sul e outras sete
no Mato Grosso. Na região
de Campinas, a Coordenado-
ria de Defesa Agropecuária,
órgão da Secretaria de Agri-
cultura e Abastecimento do
Estado de São Paulo, não
tem registrado irregularida-
des em propriedades rurais e
empresas desde 2013.
O especialista do IAC infor-
ma que muitos dos princí-
pios ativos dos defensivos
vendidos de forma ilegal são
autorizados no País. “O pro-
blema é que um defensivo
não é composto somente pe-
lo ativo. Os componentes da
fórmula também têm que ser
registrados”, explica Ramos,
dizendo que outras substân-
cias chegam a ser até mais tó-
xicas que o próprio veneno
agrícola. “Você pode ter um
solvente não permitido nessa
formulação. A grande ques-
tão é que você não conhece
os riscos” , diz o pesquisador.
Assim, quando um produ-
tor rural compra um produto
ilegal, apesar de conhecer o
principal componente da fór-
mula e usar a mesma quanti-
dade de veneno na lavoura,
pode estar exposto a um ris-
co diferente de contamina-
ção, comprometendo ainda
os alimentos cultivados. Mas,
sobre os produtos liberados
para a venda, Ramos assegu-
ra que o uso correto dos agro-
tóxicos não oferece perigo
nem ao produtor rural e nem
aos consumidores. “O Brasil
está partindo para um siste-
ma de avaliação de riscos
mais claro, inclusive preven-
do a utilização dos produtos
em diferentes cenários”, afir-
ma o perito em tecnologia de
aplicação de defensivos.
Proibidos
Desde 2008, seis substâncias
foram banidas do País e ou-
tras pesquisas ainda avaliam
a potencialidade tóxica de
princípios ativos como o car-
bofurano, mas sem laudos
conclusivos. “Os procedimen-
tos de análise e estudos da An-
visa têm sido complexos devi-
do a liminares concedidas a
favor das empresas produto-
ras, o que dificulta o trabalho
da Agência para inibir a co-
mercialização”, diz Sylvia Wa-
chsner.
Há dois anos, a justiça ne-
gou o pedido do Ministério
Público sobre a suspensão da
comercialização do herbicida
2,4-D. Ainda tramitam nos tri-
bunais outras ações relaciona-
das ao glifosato. Já o para-
quat foi alvo de discussão
ano passado na Anvisa e aca-
bou tendo a venda liberada
pelos técnicos.
Análise de alimentos
Nesta década, a Anvisa publi-
cou dois estudos onde avalia
os produtos consumidos pe-
los brasileiros, no entanto o
órgão usou diferentes meto-
dologias na análise dos índi-
ces de contaminação pelos
produtos químicos.
No levantamento realizado
entre 2013 e 2015, a Agência
avaliou o risco agudo de into-
xicação 24 horas após o con-
sumo dos alimentos. Das
amostras coletadas, 98,9%
não apresentaram potencial
de prejuízo à saúde. De outra
forma, 38,3% dos produtos ti-
veram um nível permitido de
resíduos e outros 19,7% tra-
ziam índices insatisfatórios
de agentes químicos. No en-
tanto, a Anvisa ratificou que
as irregularidades não repre-
sentavam perigos ao consumi-
dor, mas alertou que 12% das
amostras de laranja apresen-
taram potencial de risco. Aba-
caxi (5%), couve (2,6%), uva
(2,2%) e alface (1,3%) vieram
na sequência.
Apesar de o manejo dos
agrotóxicos não ter sofrido
mudanças significativas, o es-
tudo anterior da Anvisa, reali-
zado entre 2011 e 2012, mos-
trou outros vilões. O pimen-
tão, com 89% das amostras
consideradas insatisfatórias,
liderou o ranking, seguido pe-
la cenoura (67%), morango
(59%), pepino (44%) e alface
(43%). Em 2011, 64% dos pro-
dutos coletados estavam com
índices de resíduos satisfató-
rios. No ano seguinte, a taxa
subiu para 71%.
O pesquisador do IAC ga-
rante que a pesquisa mais re-
cente, que avaliou a contami-
nação aguda, é mais eficiente
e que o entrave hoje está na
mão de obra rural. “A tecnolo-
gia de produtos e máquinas
evoluiu muito, mas não adian-
ta nada se estivermos pecan-
do na profissionalização des-
se trabalhador. Que qualifica-
ção ele tem?”, questiona Ra-
mos, alertando que o melhor
uso dos agrotóxicos depende
do entendimento dos riscos.
“Precisamos investir na quali-
ficação para termos menor
contaminação do ambiente,
do alimento e do próprio tra-
balhador” , afirma o especia-
lista do IAC.
IAC treina agentes sobre defensivos agrícolas
Agricultor utiliza agrotóxicos em plantação de goiaba em Valinhos: contrabando do produto coloca em risco os trabalhadores e os consumidores
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Tiveram o uso e venda liberados
este ano no Brasil
Segundo estatísticas do setor, de 20 a 30% dos produtos vendidos no Brasil são contrabandeados
Cedoc/RAC
Uso de defensivos
ilícitos coloca saúde
de todos em risco
NOVOS
PRODUTOS
A
Unidade de Referência
em Tecnologia e
Segurança na Aplicação
de Agrotóxicos do IAC
funciona em Jundiaí. O
objetivo é treinar agentes,
como representantes de
cooperativas e professores,
que possam repassar o
conhecimento adiante. O
pesquisador do IAC acredita
que, em todo o País, os cursos
sobre defensivos consigam
beneficiar 100 mil pessoas
por ano, mas é uma
abrangência longe da ideal.
"Vamos levar 20 anos para
oferecer conhecimento para
os que estão aí. Ou agilizamos
isso ou vamos ter esse
problema eternamente. Por
isso, temos que fazer a
informação chegar a todos e
com urgência" , explica
Ramos, acreditando que
número de pessoas que
aplicam defensivos agrícolas
seja superior a dois milhões
em todo o País. Não existe um
levantamento oficial sobre o
assunto. Em relação aos
acidentes com químicos, o
Centro de Informação e
Assistência Toxicológica da
Unicamp (Ciatox) registrou
120 atendimentos por
exposição a agrotóxicos, em
atividades laborais, entre
2014 e agosto deste ano. A
região de Campinas responde
por 66% desses pacientes e
metade dos casos envolve a
intoxicação por inseticidas.
No panorama nacional, de
acordo com as estatísticas do
Ministério da Saúde, de 2007
a 2015, o Brasil registrou
28.321 casos de intoxicação
por agrotóxicos agrícolas. O
campeão de notificações é o
Paraná, com 5.307
apontamentos, seguido de
São Paulo (3.127774) e
Pernambuco (2.447). Não há
estudos mais recentes e o
próprio governo alerta que os
números podem ser maiores
pela falta de registro ou
irregularidades nas
ocorrências. (JEM/AAN)
CORREIO POPULAR A7CIDADES Campinas, segunda-feira, 14 de agosto de 2017
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