2. O ex-presidente do Paraguai, Fernando Lugo, construiu sua
formação política a partir de vertentes da esquerda latino-americana
que tiveram sua vigência nos anos 60 e 70. A corrente política da qual
ele é originário, embora sincera, ignorou cruciais mudanças ocorridas
no mundo nas últimas décadas. Quando uma ideia ou um método estão
fora de seu tempo e lugar, ao invés de produzir soluções, acabam
produzindo apenas crise, impasse, imobilidade e, quase sempre, o
pior: efeitos contrários aos seus objetivos.
O discurso político sustentado por Lugo, no entanto, mesmo
envelhecido e incapaz de garantir na prática avanços reais àqueles a
quem pretendeu defender, foi inegavelmente o discurso que o elegeu.
Diferentemente do que aconteceu em outros lugares, Lugo não pode
ser acusado de ter vencido com um discurso e governado com outro.
Não. Lugo foi rigorosamente coerente com o sucesso político de seus
dogmas e de seu anacronismo. Colocou em prática o seu discurso: o
mesmo que o levou ao epicentro do poder também o levou ao abismo.
3. Nunca é demasiado reafirmar: o mundo mudou, mas a
transformação social continua uma necessidade urgente e
absolutamente inadiável. As diferenças, os dramáticos desníveis de
acesso aos meios de produção e à renda não desapareceram. A miséria
e a injustiça constituem ainda a amarga realidade de imensas parcelas
desta América Latina.
Hoje, no entanto, a ruptura com esse estado de coisas passa
por outras formas de luta. Há muito mais avanço, há muito mais
mudança e transformação social em políticas públicas lastreadas na
cooperação do que nas ações engendradas a partir do conflito e da
ruptura. A governabilidade hoje é essencial à defesa dos excluídos.
Destruir a governabilidade é destruir os instrumentos de luta dos
menos favorecidos. A erradicação da pobreza depende hoje da
capacidade de se produzir consenso em torno de um projeto comum e
socialmente solidário, que se construa em um ambiente de diálogo,
confiança e soluções negociadas, um ambiente favorável aos
investimentos, ao crescimento econômico, à geração de empregos, à
legitimação e viabilização da pequena propriedade agrícola.
4. Ou seja: em uma democracia de mercado na qual o Estado não
abra mão de seu necessário papel de iniciativa e coordenação em
defesa do bem comum.
Diante do desfecho surpreendente da crise política do Paraguai,
acho importante deixar algo muito claro: Lugo tem uma visão política
extemporânea, superada - equivocada, talvez – mas não criminosa.
Mesmo que os movimentos políticos de Lugo tenham sido vacilantes,
erráticos e contraditórios, a decisão-relâmpago de subtraí-lo do
poder não deixou de causar estranheza e mal-estar. Mesmo que tenha
sido por meios constitucionais e pela maioria das duas casas do
Congresso. O instrumento que a democracia inventou para combater
seus equívocos são outros: a organização política, a liberdade, o
debate, o diálogo e o voto.
Se vivesse no Paraguai, provavelmente não teria votado em
Fernando Lugo. Mas também não apoiaria de modo nenhum a sua
destituição.