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OS “FILHOS” DO ESTADO ISLÂMICO: UM NOVO CASO PARA O
TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL?
Vanessa Oliveira de Queiroz1
RESUMO: As ofensivas terroristas vêm sendo reproduzidas em larga escala nos
últimos anos. Em particular destacam-se as práticas empreendidas pelo grupo liderado
por Abu Bakr al-Baghdadi e conhecido como Estado Islâmico, cujos vídeos veiculados
na mídia internacional explicitam a ampliação de suas frentes de combate, incluindo a
captura e o aprisionamento de crianças em jaulas e o uso de outras como perpetradoras
para a execução sumária de reféns. Este trabalho procura verificar a possibilidade de
exercício da jurisdição do Tribunal Penal Internacional no tocante às ações do grupo,
especialmente aquelas que envolvem o treinamento e a participação de menores como
soldados.
PALAVRAS-CHAVE: Estado Islâmico; crianças-soldado; responsabilização penal
internacional; Abu Bakr al-Baghdadi.
ABSTRACT: Terrorist offensives have been reproduced on a large scale in recent
years. In particular, we highlight the practices undertaken by the group led by Abu Bakr
al-Baghdadi and known as the Islamic State, which videos broadcasted by the
international media show the expansion of their fighting fronts, including the capture
and imprisonment of children in cages and the use of others as perpetrators of summary
executions of hostages. This work seeks to verify the possibility of exercising
jurisdiction of the International Criminal Court on ISIS´s actions, especially those
involving the recruitment and participation of children as soldiers.
KEYWORDS: Islamic State; child soldiers; international criminal responsibility; Abu
Bakr al-Baghdadi.
1
Advogada e Consultora Jurídica. Mestre em Direito Internacional pela Universidade do Estado do Rio
de Janeiro (UERJ). Bacharel em Direito pela UERJ e em Relações Internacionais pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro.
Vanessa Oliveira de Queiroz
Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.280-305. 281
1. INTRODUÇÃO
Bagdá, janeiro de 2015. Ele tem a pele branca, olhos pretos e puxados, cabelos
negros e compridos até os ombros, com uma leve franja voltada à esquerda, cerca de
1,30m de altura, vestido de pulôver negro, calças marrons e um relógio. O olhar é fixo,
mas sereno. Ele segura uma arma e a aponta para dois homens que estão ajoelhados. Em
seguida, atira na cabeça de cada um deles, por trás. Com aproximadamente dez anos de
idade, o atirador é um menino-soldado.2
Trata-se de mais um episódio que retrata o envolvimento direto de crianças nas
práticas da organização terrorista conhecida como Estado Islâmico (EI) – Islamic State
of Iraq and Al-Sham (ISIS, na sigla em inglês). O grupo atua de forma mais expressiva
no norte da Síria e no Iraque, sob o comando de Abu Bakr al-Baghdadi, e tem como
objetivo precípuo a conquista de territórios e o estabelecimento de um califado sunita.
Para a consecução desse propósito, além de promover o recrutamento de
combatentes estrangeiros – principalmente de Estados vizinhos, mas também de Estados
ocidentais –, um dos instrumentos amplamente adotados pelo grupo jihadista é
justamente a utilização de menores de idade. Esses participam de treinamentos oficiais,
do sequestros de opositores e de execuções sumárias, e realizam o carregamento e a
distribuição de armas, entre outras atividades. Muitos desses atos são transmitidos
online, em tempo real, e propagados para todo o mundo através da mídia internacional e
os menores têm suas imagens expostas de forma abrangente, já que seus rostos não são
cobertos, ao contrário do que ocorre com os membros adultos do EI.3
O fenômeno vem causando preocupação aos integrantes de organizações não-
governamentais (ONGs) e demais aos membros da comunidade internacional,
particularmente em função das consequências advindas do recrutamento de combatentes
2
ANSA. Em vídeo do Estado Islâmico, criança aparece atirando em refém. Último Segundo, 13 jan. 2015.
Disponível em: <http://ultimosegundo.ig.com.br/mundo/2015-01-13/em-video-do-estado-islamico-
crianca-aparece-atirando-em-refem.html>. Acesso em: 22 fev. 2016.
3
MOSENDZ, Polly. ISIS Releases Video Purporting to Show Child Soldier Killing Hostage. Newsweek,
10 mar. 2015. Disponível em: <http://www.newsweek.com/isis-releases-video-purporting-show-child-
soldier-killing-hostage-312816>. Acesso em: 20 fev. 2016. MOSENDZ, Polly. Child Soldier Involved in
Islamic State Mass Beheading. Newsweek, 30 mar. 2015. Disponível em:
<http://www.newsweek.com/child-soldier-involved-islamic-state-mass-beheading-318025>. Acesso em:
20 fev. 2016.
Os “filhos” do Estado Islâmico: um novo caso para o Tribunal Penal Internacional?
Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.280-305. 282
tão jovens e sua exposição à violência em massa.4
Esse método de atuação do EI, no
entanto, não pode ser considerado como uma nova ameaça em termos de segurança
humana5
. O uso de pessoas com menos de dezoito anos para a realização de manobras
militares trata-se, em verdade, de uma prática reiterada, que é reproduzida há vários
séculos e atinge países com realidades sociais muito diferentes, como a República
Democrática do Congo (RDC), o Reino Unido e a Colômbia.
Várias estratégias já vêm sendo implementadas como respostas à problemática,
em especial no âmbito do Direito Internacional (DI), como a assinatura de instrumentos
internacionais que proíbem e criminalizam o emprego das chamadas “crianças-
soldado”. O Tribunal Penal Internacional (TPI), por sua vez, tem desempenhado um
importante papel no tocante à persecução criminal de perpetradores, o que restou
comprovado, por exemplo, com a condenação e o sentenciamento do congolês Thomas
Lubanga Dyilo pelo crime de recrutamento infantil. Indaga-se, então, se essa corte
poderia contribuir para a repressão à conduta dos extremistas do grupo EI no mesmo
sentido.
Inicialmente, talvez a resposta a esse questionamento fosse negativa, já que a
Síria e o Iraque – países nos quais há maior atuação daquela organização terrorista – não
são partes do Estatuto do TPI, isto é, não aceitaram submeter-se à jurisdição da referida
corte. Ao mesmo tempo, ONGs como a Human Rights Watch (HRW) e a Anistia
Internacional permanecem denunciando de forma sistemática as ações do EI, exigindo
dos Estados e das instâncias internacionais a adoção de posturas mais concretas quanto
à responsabilização de todos os integrantes do grupo envolvidos na prática de crimes de
guerra, como o alistamento e uso de menores nos combates.6
4
BRANNEN, Kate. Children of the Caliphate, Foreign Policy, 24 out. 2014. Disponível em:
<http://foreignpolicy.com/2014/10/24/children-of-the-caliphate/>. Acesso em: 22 fev. 2016.
5
A concepção de segurança humana surgiu na segunda metade da década de 1990 como uma nova
abordagem da disciplina de segurança internacional no campo de Relações Internacionais. Ganhou espaço
como um paradigma de mudança, cujas premissas poderiam ser utilizadas para a formulação de políticas
práticas voltadas à promoção da segurança dos indivíduos e comunidades diante dos novos desafios da
ordem mundial pós-Guerra Fria. Essa perspectiva de análise reúne preocupações com a vida e a dignidade
dos indivíduos, buscando-se a adoção de medidas voltadas à proteção das pessoas diante de ameaças
violentas e não-violentas. Nesse sentido, propõe a existência de sete categorias de segurança humana:
econômica, alimentar, de saúde, ambiental, pessoal, comunitária e política. Sobre o tema, ver:
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Human Development Report, 1994. Disponível em:
<http://hdr.undp.org/sites/default/files/reports/255/hdr_1994_en_complete_nostats.pdf>. Acesso em: 20
fev. 2016; CANADÁ. Departamento de Assuntos Exteriores e Comércio Internacional. Human Security:
Safety for People in a Changing World, abr. 1999. Disponível em: <http://www.summit-
americas.org/canada/humansecurity-english.htm>. Acesso em: 18 fev. 2016.
6
HUMAN RIGHTS WATCH. Syria: Armed Groups Send Children into Battle. 23 jun. 2014. Disponível
em: <http://www.hrw.org/news/2014/06/22/syria-armed-groups-send-children-battle>. Acesso em: 07
jan. 2016.
Vanessa Oliveira de Queiroz
Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.280-305. 283
Por seu turno, órgãos das Nações Unidas já apresentaram diversas declarações
afirmando que, ao treinar e utilizar crianças para funções de combate, o EI viola o
Direito Internacional Humanitário (DIH) e perpetra crimes de guerra em larga escala.7
Logo, deve-se investigar as possibilidades de efetivo exercício da jurisdição
internacional pelo TPI quanto a essa situação, verificando-se, por exemplo, se
indivíduos com papel de liderança no grupo, como Abu Bakr al-Baghdadi, poderiam ser
denunciados e processados por aquela entidade internacional. Adicionalmente, cumpre
esclarecer se existem ou não outras alternativas para o combate à impunidade no tocante
às infrações em questão.
2. OS JOVENS SOLDADOS E A REAÇÃO INTERNACIONAL
Os registros históricos evidenciam que o envolvimento de menores em
hostilidades teve início antes mesmo da década de 1990, a partir da qual se observou um
recrudescimento da prática. Há relatos de que meninos espartanos de apenas sete anos
carregavam armas para os combates e desde cedo treinavam para a guerra, e de que
jovens franceses e alemães participaram da chamada “Cruzada das Crianças”, em 1212.
Divisões do Exército de Napoleão Bonaparte, a Marinha inglesa no século XVIII e as
tropas confederadas que lutaram na guerra civil nos Estados Unidos também reuniram
meninos em suas fileiras.8
A questão foi marcante no âmbito da Guerra do Paraguai (1864-1870), com os
conhecidos niños combatientes, colocados na linha de frente do Exército de Solano
López nos combates contra as tropas brasileiras. Em 16 de agosto de 1869, na batalha
de Acosta Ñu, foram mortas aproximadamente 3.500 crianças com idades entre nove e
quinze anos.9
As forças Aliadas e as do Eixo também empregaram crianças nos embates
7
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Report of the Independent International Commission of
Inquiry on the Syrian Arab Republic. 14 nov. 2014, p.11. Disponível em:
<http://www.ohchr.org/Documents/HRBodies/HRCouncil/CoISyria/HRC_CRP_ISIS_14Nov2014.pdf>.
Acesso em: 20 jan. 2016.
8
WEBSTER, Thimoty. Babes with Arms: International Law and Child Soldiers. The George Washington
International Law Review, v. 39, n.2, jan. 2007. MARTEN, James. Soldier Children: Global Human
Rights Issues. In: FASS, Paula S. (Ed). Encyclopedia of Children and Childhood: in History and Society.
New York: Macmillan Reference USA, p.776-778, 2004.
9
PASCAL, Maria Aparecida Macedo. As Mulheres e a Guerra do Paraguai. Revista Eletrônica de Ética e
Cidadania, 2006. Disponível em:
<http://www.mackenzie.com.br/fileadmin/Graduacao/EST/Publicacoes_-_artigos/pascal_11.0.pdf>.
Acesso em: 03 jan. 2016.
Os “filhos” do Estado Islâmico: um novo caso para o Tribunal Penal Internacional?
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da Segunda Guerra Mundial10
, e nos conflitos armados internos deflagrados nas décadas
de 1980 e 1990 a história se repetiu com o National Resistance Army, em Uganda, e
grupos combatentes no Camboja, em Moçambique, na Libéria, em Mianmar e em Serra
Leoa.11
Em 2013, crianças a partir dos doze anos de idade foram treinadas como
combatentes pelo Sudan People’s Liberation Army (Exército Vermelho) e atuaram em
prol da independência do Sudão do Sul.12
Nota-se, assim, que, ao contrário do que afirmam alguns autores, o fenômeno
sob estudo não é uma exclusividade de cenários africanos13
, pois, na verdade, é
detectado em países de diversas regiões globais e com características distintas.
Pesquisas realizadas por ONGs e organismos intergovernamentais indicam que mais de
quinze Estados continuam recrutando oficialmente menores de dezoito anos para a
composição de forças armadas nacionais, como El Salvador, México, Chade, Costa do
Marfim, Coreia do Norte, RDC, Líbia, Mianmar, Irã, Somália, Sudão do Sul, Sudão,
Reino Unido e Iêmen.14
Nesses locais, outras forças de algum modo subordinadas ao
controle estatal, como polícias e grupos aliados, também realizam o recrutamento
infanto-juvenil, o que também ocorre em países como Eritréia, Afeganistão, República
Centro-Africana (RCA), Iraque, Filipinas, Ruanda e Tailândia.15
A situação é de tamanha gravidade em algumas regiões que as Nações Unidas
resolveram criar a chamada “lista da vergonha”. Essa listagem contém uma relação de
grupos apontados como autores persistentes das condutas de recrutamento e utilização
de crianças como soldados, assim considerados em função de reconhecidamente
cometerem essas práticas de forma reiterada por pelo menos cinco anos, como é o caso
10
JANFELT, Monika. War in the Twentieth Century. In: FASS, Paula S. (Ed). Encyclopedia of Children
and Childhood: in History and Society. New York: Macmillan Reference USA, 2004.
11
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. The State of The World´s Children 1996. Children as
soldiers. Nova Iorque, 1996. Disponível em: <http://www.unicef.org/sowc96/2csoldrs.htm>. Acesso em:
20 fev. 2016.
12
LUFFMAN, Laurinda. Former child soldiers take on new role in South Sudan. SOS Children. 05 abr.
2013. Disponível em: <http://www.soschildrensvillages.org.uk/news/archive/2013/04/former-child-
soldiers-take-on-new-role-in-south-sudan>. Acesso em: 02 jan. 2016.
13
Em sentido oposto, ver: FAÇANHA, Luisa Café Figueiredo. A Construção Social das Crianças-
Soldado: representações e dilemas dentro do marco regulatório da ordem internacional do Pós-Guerra
Fria. 2011. 136f. Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais) – Instituto de Relações
Internacionais. PUC, Rio de Janeiro, 2011.
14
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Informe de la Representante Especial del Secretario
General para la cuestión de los niños y los conflictos armados. 03 ago. 2011. Disponível em:
<http://daccess-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/N11/443/73/PDF/N1144373.pdf?OpenElement>.
Acesso em: 15 jan. 2016.
15
CHILD SOLDIERS INTERNATIONAL. Louder than words: An agenda for action to end state use of
child soldiers, 2012, p.11. Disponível em: <http://www.child-
soldiers.org/global_report_reader.php?id=562>. Acesso em: 03 jan. 2016.
Vanessa Oliveira de Queiroz
Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.280-305. 285
do Ejército de Liberación Nacional e das Fuerzas Armadas Revolucionarias de
Colombia - Ejército del Pueblo (FARC).16
Em resposta, algumas iniciativas de combate estão sendo adotadas, como a
aprovação de legislações domésticas, a promoção de investigações e da persecução
penal de indivíduos através de instâncias nacionais, e a criação de órgãos e instrumentos
de monitoramento, como o Mecanismo de Revisão Periódica Universal do Conselho de
Direitos Humanos das Nações Unidas. Estratégias de prevenção a novas ocorrências e
programas de recuperação de ex-combatentes também têm destaque, como aqueles
voltados ao seu desarmamento, sua desmobilização e sua reintegração (DDR) em
comunidades na Colômbia.17
Diversas organizações da sociedade civil global
promovem campanhas no mesmo sentido, como a Child Rights International Network, o
Comitê Internacional da Cruz Vermelha, a Child Soldiers International, a HRW e a
Coalición contra la Vinculación de Niños, Niñas y Jóvenes al Conflicto Armado en
Colombia.
Somam-se aos esforços sobreditos a celebração de acordos internacionais que
buscam limitar a participação infantil em hostilidades, entre os quais a IV Convenção de
Genebra para a Proteção de Civis em Tempos de Guerra de 1949 (arts. 50 e 51), e os
Protocolos Adicionais I (art. 77, item 2) e II (art. 4º, item 3, alínea “c”) de 1977. A
relação dos documentos abrange, ainda, a Convenção das Nações Unidas sobre os
Direitos da Criança de 1989 (art. 38, itens 2 e 3), seu Protocolo Facultativo II de 2000
(arts. 1º, 2º, 3º, item 1, e 4º, item 1) e a Carta Africana dos Direitos e Bem-Estar da
Criança de 1990 (art. 22).
Em um movimento crescente voltado à repressão sobre aquela prática, a
Convenção sobre a Proibição das Piores Formas de Trabalho Infantil e Ação Imediata
para sua Eliminação de 1999 caracteriza o recrutamento forçado ou obrigatório de
crianças para serem utilizadas em conflitos armados como das piores formas de trabalho
infantil (art. 3º, alínea “a”). Na esfera da responsabilização penal internacional, o
Estatuto do Tribunal Especial para Serra Leoa, adotado em janeiro de 2002, relaciona as
condutas de recrutamento, alistamento e utilização de crianças menores de quinze anos
16
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Report of the Secretary-General. 26 abr. 2012. Disponível
em: <http://www.un.org/children/conflict/_documents/A66782.pdf>. Acesso em: 08 jan. 2016.
17
Sobre os programas de DDR, ver: TABAK, Jana. As Vozes de Ex-Crianças Soldado: Reflexões
Críticas sobre o Programa de Desarmamento, Desmobilização e Reintegração das Nações Unidas. 2009.
169f. Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais) – Instituto de Relações Internacionais. PUC,
Rio de Janeiro, 2009.
Os “filhos” do Estado Islâmico: um novo caso para o Tribunal Penal Internacional?
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por forças ou grupos armados para participação ativa em hostilidades entre as sérias
violações ao DIH sujeitas à jurisdição da corte (art. 4º, alínea “c”). 18
Para o propósito deste estudo, ressalta-se, em particular, o disposto no Estatuto
do TPI, de 1998, que aborda a questão em dois momentos. O item 2, alínea “b”, inciso
xxvi, do artigo 8º dispõe que:
2. Para os efeitos do presente Estatuto, entende-se por "crimes de
guerra": [...] b) Outras violações graves das leis e costumes aplicáveis
em conflitos armados internacionais no quadro do direito
internacional, a saber, qualquer um dos seguintes atos: [...] xxvi)
Recrutar ou alistar menores de 15 anos nas forças armadas nacionais
ou utilizá-los para participar ativamente nas hostilidades. (grifos
nossos)
Já o item 2, alínea “e”, inciso vii, do artigo 8º estabelece que:
2. Para os efeitos do presente Estatuto, entende-se por "crimes de
guerra": [...] (e) As outras violações graves das leis e costumes
aplicáveis aos conflitos armados que não têm caráter internacional, no
quadro do direito internacional, a saber, qualquer um dos seguintes
atos: [...] vii) Recrutar ou alistar menores de 15 anos nas forças
armadas nacionais ou em grupos, ou utilizá-los para participar
ativamente nas hostilidades. (grifos nossos)
Com base nessas previsões, a Promotoria do TPI já iniciou investigações a
respeito de ocorrências de recrutamento infantil na República Democrática do Congo
(RDC), em Uganda19
, na República Centro-Africana20
, no Mali21
e na Colômbia22
.
18
O Tribunal Especial para Serra Leoa possui casos paradigmas no que tange ao tema, principalmente os
julgamentos de Alex Tamba Brima, Ibrahim Bazzy Kamara e Santigie Borbor Kanu, além de Issa Hassan
Sesay, Morris Kallon, Sam Hinga Norman, Moinina Fofana e Allieu Kondewa.
19
No que se refere à situação ugandense, três indivíduos foram investigados pelo TPI sob a acusação de
promoverem o alistamento forçado de crianças, entre outras práticas criminosas: Joseph Kony, Vincent
Otti e Okot Odhiambo.
20
A investigação sobre as ocorrências nesse Estado foram iniciadas formalmente em setembro de 2014
após terem sido reunidas consideráveis evidências de que grupos que atuam no conflito em curso no país
vêm cometendo crimes contra a humanidade e crimes de guerra, entre os quais o uso de crianças menores
quinze anos em combates desde o ano de 2012. TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL. Statement of
the Prosecutor of the International Criminal Court, Fatou Bensouda, on opening a second investigation in
the Central African Republic. 24 set. 2014. Disponível em: <http://www.icc-
cpi.int/EN_Menus/icc/press%20and%20media/press%20releases/pages/pr1043.aspx>. Acesso em: 03 jan.
2016.
21
No caso do Mali, o próprio Ministro da Justiça do país, Malick Coulibaly, referiu a situação nacional ao
TPI em julho de 2012 e solicitou a sua intervenção, afirmando que graves crimes vinham sendo
cometidos desde janeiro daquele ano no território malinense, como o uso de crianças-soldado para
participação em confrontos armados. TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL. Referral letter by the
Government of Mali. 13 jul. 2012. Disponível em: <http://www.icc-cpi.int/NR/rdonlyres/A245A47F-
BFD1-45B6-891C-3BCB5B173F57/0/ReferralLetterMali130712.pdf>. Acesso em: 29 jan. 2015.
22
A Promotoria do TPI acompanha a situação na Colômbia com vistas a assegurar que o Estado continue
a envidar esforços para processar os responsáveis pela prática de crimes de guerra – entre os quais o
recrutamento infantil – cometidos pelas partes do conflito interno. TRIBUNAL PENAL
Vanessa Oliveira de Queiroz
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O caso da RDC é o mais emblemático até o momento, pois resultou na
primeira condenação imposta pelo tribunal. Em 14 de março de 2012, a Câmara de
Julgamento I considerou o membro do grupo Union des Patriotes Congolais e ex-líder
político e militar congolês Thomas Lubanga Dyilo responsável como co-autor pelos
crimes de recrutamento, alistamento e utilização de crianças menores de quinze anos
como soldados no conflito armado ocorrido na RDC entre os anos de 2002 e 2003. Em
10 de julho de 2012, aquela mesma Câmara sentenciou-o a um período total de quatorze
anos de prisão, decisão essa mantida pela Câmara de Apelação em 2014 por ocasião do
julgamento dos recursos apresentados pelas partes.23
O TPI possui, ainda, outros casos
relativos à situação da RDC envolvendo denúncias contra líderes de guerrilhas, como
Bosco Ntaganda, Germain Katanga e Mathieu Ngudjolo Chui – todos investigados e
processados também pela cooptação e uso de menores de idade em combates.
Desse modo, identifica-se a existência de um conjunto de iniciativas,
especialmente jurídicas, que está sendo desenvolvido continuamente para a formação de
um regime internacional de combate ao envolvimento de menores em hostilidades,
especialmente a partir da abertura de investigações e processos pelo TPI. Resta saber,
agora, se tal sistema poderá oferecer respostas concretas às condutas do EI.
3. OS MINI-JIHADISTAS DO ESTADO ISLÂMICO
Assim como o grupo Al Shabab e a organização Al Qaeda, o EI é hoje o
responsável pela condução de diversos atos terroristas, como aqueles praticados em
países envolvidos em conflitos armados internos, como é o caso da Síria. Como
mencionado, o grupo age com extremismo e possui o objetivo claro de perseguir os
ideais jihadistas e estabelecer um Califado, implantando um regime totalitário24
.
Para tanto, realiza recrutamentos em massa de nacionais de diversos países,
incluindo crianças a partir dos cinco anos e adolescentes, que são chamados pelo grupo
INTERNACIONAL. Situation in Colombia. Interim Report, p.69. 14 nov. 2012. Disponível em:
<http://www.icc-cpi.int/NR/rdonlyres/3D3055BD-16E2-4C83-BA85-
35BCFD2A7922/285102/OTPCOLOMBIAPublicInterimReportNovember2012.pdf>. Acesso em: 02 jan.
2016.
23
TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL. The Prosecutor v. Thomas Lubanga Dyilo. Disponível em:
<http://www.icc-
cpi.int/en_menus/icc/situations%20and%20cases/situations/situation%20icc%200104/related%20cases/ic
c%200104%200106/Pages/democratic%20republic%20of%20the%20congo.aspx>. Acesso em: 02 fev.
2016.
24
Sobre os exercícios militares do grupo, ver: STERN, Jessica & BERGER, J. M. ISIS: The State of
Terror. 1ª Ed. Ecco, 2015, 416 p.; WEISS, Michael & HASSAN, Hassan. ISIS: Inside the Army of
Terror. 1a
ed. Regan Arts, 2015, 288p.
Os “filhos” do Estado Islâmico: um novo caso para o Tribunal Penal Internacional?
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de “filhotes dos leões do Califado”. Os mesmos são submetidos a treinamentos militares
e estudos religiosos, a partir dos quais a ideologia jihadista é propagada numa espécie
de “lavagem cerebral”, porquanto as crianças se mostram mais vulneráveis e
influenciáveis. Nos campos de treinamento, como Al Raqqa, os menores carregam
escopetas, realizam disparos e rastejam em exercícios de guerrilha. A partir dos quinze
anos as crianças já têm a opção de se tornar combatentes remunerados pelo EI,
conforme aponta a organização não-governamental Observatório Sírio de Direitos
Humanos (OSDH).25
Segundo o relatório da Comissão Independente Internacional de Inquérito para
a Síria (CIIIS), divulgado em maio de 2014, aproximadamente cento e cinquenta
crianças curdas, incluindo meninos com idades entre 13 e 14 anos, foram sequestrados
pelo EI em Minbeij. Após sua abdução, sofreram torturas e passaram a ser doutrinados
com ensinamentos sobre a ideologia do grupo, sendo forçados a assistir vídeos de
execuções. Foram submetidos a inúmeras regras, como a proibição de falar a língua
curda e de falar alto, e a obrigação de rezar em determinados horários e observar o
Ramadã. Quando os meninos violavam quaisquer dessas regras eram reprimidos pelos
guardas com violência, incluindo choques elétricos.26
A Comissão reconheceu que as
crianças têm sido submetidas à educação religiosa em uma aparente tentativa de
doutriná-las à ideologia do EI e dessensibilizá-las quanto às formas de violência
empregues pelo grupo, sendo os menores forçados, por exemplo, a assistir vídeos de
decapitações.27
Conforme registros de março de 2015 apresentados pela OSDH, o número de
crianças recrutadas pelo grupo representa o dobro do número de adultos. Essa aparente
preferência dada à cooptação de menores foi atribuída pelo Alto Comissariado de
Direitos Humanos das Nações Unidas à relação de lealdade em longo prazo que pode
advir da integração de menores ao EI, de acordo com o relatório divulgado em
novembro de 2014 pelo órgão. Criam-se, assim, laços maiores de fidelidade e ampliam-
se as possibilidades de aceitação e absorção dos ideais do grupo pelos meninos-soldado,
25
AFP. Estado Islâmico treina mais de 400 crianças para combater na Síria. G1, 24 mar. 2015. Disponível
em: <http://g1.globo.com/mundo/noticia/2015/03/estado-islamico-treina-mais-de-400-criancas-para-
combater-na-siria.html>. Acesso em: 24 jan. 2016.
26
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Report of the Independent…, parágrafo 167.
27
Ibid., parágrafo 207.
Vanessa Oliveira de Queiroz
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que passam a compreender a prática de ações violentas como algo normal, próprio de
seus estilos de vida enquanto combatentes.28
Os pequenos são recrutados perto de escolas, mesquitas e áreas públicas e os
pais também são incentivados pela organização terrorista a enviarem seus filhos aos
campos de treinamento, inclusive através da oferta de dinheiro como contrapartida.29
Ao
recrutamento e à doutrinação das crianças segue-se a exposição midiática de sua
participação nos exercícios militares do EI – principalmente execuções sumárias – e nas
frentes de batalha, em uma clara estratégia de chocar e espalhar o terror.30
De acordo com as Nações Unidas, as crianças têm sido vítimas, perpetradores e
testemunhas das execuções empreendidas pelo EI. Aquelas previamente associadas a
outros grupos armados e capturadas pelo EI são decapitadas ou assassinadas por
disparos à queima roupa. Outras são treinadas e desempenham o papel de executoras.
As informações coletadas pela CIIIS demonstram que a organização terrorista
de fato prioriza o recrutamento infantil como instrumento para assegurar a adesão à sua
ideologia e a formação de combatentes fiéis, sendo a educação utilizada como principal
meio. Os métodos educacionais vêm sendo empregues como ferramenta de doutrinação,
funcionando como um catalisador do surgimento de uma nova geração de apoiadores.
Os currículos escolares têm sido alterados nesse mesmo sentido, passando a incluir
ensinamentos sobre prioridades ideológicas e armamentos. Centros de recrutamento e
campos de treinamentos para menores de dezoito anos têm sido estabelecidos nas
proximidades de instituições de ensino, como a escola de Al-Bouhtri, em Aleppo.
A CIIIS conclui, com isso, que, ao usar, recrutar e alistar crianças para papéis
de combate ativos, o EI perpetra abusos e crimes de guerra de maneira sistemática e
organizada.31
Além disso, no entender do Fundo das Nações Unidas para a Infância, há
evidências concretas e robustas de que todas as partes envolvidas no conflito em curso
no Iraque estão constantemente recrutando menores de idade.32
28
AGENCIA EFE. Estado Islâmico prioriza recrutamento de crianças para a guerra. EFE, 31 mar. 2015.
Disponível em: <https://br.noticias.yahoo.com/ucr%C3%A2nia-registra-24-candidatos-%C3%A0-
elei%C3%A7%C3%A3o-presidencial-maio-091207475.html>. Acesso em: 30 jan. 2016.
29
WESTALL, Sylvia. Islamic State Has Recruited At Least 400 Children In Syria Since January,
Monitoring Group Says. Reuters, 24 mar. 2015. Disponível em:
<http://www.huffingtonpost.com/2015/03/24/islamic-state-children_n_6929534.html>. Acesso em: 08
jan. 2016.
30
STERN, Jessica & BERGER, J. M. ISIS: The State of Terror. 1ª Ed. Ecco, 2015, 416 p.
31
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Report of the Independent…, p.10-11.
32
AGENCIA EFE. Estado Islâmico prioriza recrutamento de crianças para a guerra. EFE, 31 mar. 2015.
Disponível em: <https://br.noticias.yahoo.com/ucr%C3%A2nia-registra-24-candidatos-%C3%A0-
elei%C3%A7%C3%A3o-presidencial-maio-091207475.html>. Acesso em: 12 fev. 2016.
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Realmente, o envolvimento dos menores se mostra muito atrativo ao EI, que os
utiliza para a composição de postos de controle e como espiões ou informantes em
ações de inteligência, sendo deslocados para coletar dados principalmente nas zonas não
controladas pelo grupo, onde passam despercebidas. A situação se mostra ainda mais
grave quando são colocadas à frente de atos de violência, como assassinatos de
prisioneiros e atentados suicidas, o que vem chamando a atenção da comunidade
internacional e, em especial, motivando clamores pela abertura de investigações e
procedimentos penais pelo TPI.
4. PRIMEIROS PASSOS PARA O INÍCIO DA REPRESSÃO PENAL
O artigo 25 do Estatuto do TPI determina que uma pessoa pode ser
individualmente responsabilizada e punida caso cometa quaisquer dos crimes relativos à
jurisdição da Corte – crimes de guerra, contra a humanidade, de agressão e genocídio
(cf. arts. 6º a 8bis). Por isso, qualquer sancionamento aos membros do EI no âmbito da
Corte exigiria, precipuamente, a identificação da contribuição de eventual denunciado
para a ocorrência de crimes daquela natureza no contexto de conflitos armados
internacionais e não-internacionais nos quais o grupo atue.
No caso das condutas relativas à utilização das crianças-soldado, deve ser
demonstrada a culpabilidade dos acusados, provando-se, por exemplo, a ciência de
comandantes militares sobre as campanhas de recrutamento e treinamento de menores
empreendidas por seus subordinados ou a sua participação direta nas referidas
campanhas. A consciência dos investigados sobre a menoridade dos recrutados também
pode vir a ser objeto de análise pela Promotoria do TPI e, posteriormente, pelos juízes
da corte com o fito de verificarem o enquadramento ou não de suas condutas nos tipos
penais constantes dos dispositivos do Estatuto (item 2, alínea “b”, inciso xxvi, e item 2,
alínea “e”, inciso vii do artigo 8º).
Várias organizações internacionais já vêm conclamando o Conselho de
Segurança das Nações Unidas (CSNU) a submeter as ações do EI ao TPI e, assim,
requerer a abertura de investigações. Em diversas denúncias são apontadas evidências
de que o grupo teria empreendido atos de genocídio na tentativa de eliminar a minoria
Yazidi no Iraque, já que seus membros são vistos pelos extremistas como pagãos.33
33
NEBEHAY, Stephanie. ICC should prosecute Islamic State for Iraq Genocide, war crimes: UN.
Reuters, 19 mar. 2015. Disponível em: <http://www.reuters.com/article/2015/03/19/us-mideast-crisis-
iraq-un-idUSKBN0MF0TX20150319>. Acesso em: 12 fev. 2016.
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Adicionalmente, a Promotoria do TPI está recebendo constantes relatórios de Estados-
membros a respeito do envolvimento de indivíduos em crimes de guerra e crimes contra
a humanidade supostamente perpetrados pelo EI, especialmente em desfavor de
crianças. Em resposta, a Promotora Fatou Bensouda afirmou que seu Escritório estaria
estudando a possibilidade de formular acusações contra os combatentes.34
No que tange às possibilidades concretas de responsabilização dos integrantes
do EI pelo TPI, parece não haver dúvidas de que as provas dos atos de violência
perpetrados atualmente nos territórios do Iraque e da Síria fundamentam, no mínimo, a
caracterização de uma situação suficientemente grave para justificar a intervenção
daquela corte. Esse reconhecimento é um dos requisitos processuais de admissibilidade
dos casos submetidos à jurisdição do TPI, conforme previsto no artigo 17, item 1, alínea
“d” do Estatuto de Roma.
No mesmo sentido, qualifica-se como um reforço ao cabimento da intervenção
judicial a total ausência de esforços internos no tocante àquela responsabilização –
inclusive porque não há condições estruturais adequadas para países como a Síria
adotarem medidas com tal intuito nesse momento, devido à continuação e ao
recrudescimento das hostilidades em seus territórios.
Mesmo após vários anos de reprodução reiterada de atos criminosos
internacionais pelo EI, ainda se aguarda a instauração de uma fase de exame preliminar
no âmbito do TPI para tratar da situação. Esse procedimento está previsto no artigo 15
do Estatuto de Roma e abrange investigações realizadas pela Promotoria a partir do
material enviado por denunciantes com o fito de verificar se há base material para a
identificação de crimes. Constatando-se a seriedade das informações recebidas, a
Promotora pode determinar a coleta de dados complementares junto a Estados, órgãos
das Nações Unidas, outras organizações internacionais e ONGs, entre outras fontes
confiáveis.
Diante da documentação reunida, se entender que há fundamento suficiente em
conformidade com o que dispõe o artigo 53 do Estatuto (critérios de jurisdição,
admissibilidade e interesse de Justiça), pode a Promotora decidir pela abertura de um
inquérito, apresentando um pedido nesse sentido aos juízes do Tribunal. Então, se o
chamado juízo de instrução por parte da Câmara de Pré-Julgamento for positivo, o
34
SNYDER, Peter. ICC Prosecutor contemplating war crimes charges against Islamic State fighters:
report. Jurist, 20 nov. 2014. Disponível em: <http://jurist.org/paperchase/2014/11/icc-prosecutor-
contemplating-war-crimes-charges-against-islamic-state-fighters-report.php>. Acesso em: 12 fev. 2016.
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Tribunal autorizará a abertura de um inquérito e, assim, a Promotoria dará
prosseguimento à reunião de provas para a persecução penal.
Quanto aos atos dos integrantes do EI, para aparelhar eventual pedido de
abertura de inquérito a ser submetido ao juízo de instrução do TPI, uma importante
estratégia seria a apresentação de apontamentos sobre a participação de menores nas
suas atividades, com a juntada dos materiais divulgados pelos próprios integrantes do
grupo. Uma vez autorizada a abertura do inquérito, os depoimentos de vítimas e
testemunhas também poderiam contribuir para a instrução processual, incluindo aqueles
coletados pelo Escritório de Direitos Humanos das Nações Unidas – órgão esse que,
aliás, já apresentou pedido formal ao CSNU para que a situação seja submetida ao TPI
visando a responsabilização de perpetradores.35
Com efeito, as evidências de que já dispõem diversos organismos
governamentais e não governamentais, além da própria Promotoria da corte, podem ser
consideradas suficientes para aparelhar a abertura formal de investigações sobre a
sistemática geral de atuação do EI. Já no que toca à inauguração de processos judiciais
individuais, deve-se aprofundar a análise para verificar se há integrantes do grupo que
possam ser formalmente denunciados pelos crimes que envolvem as crianças-soldado.
5. DE “SHEIK INVISÍVEL” A RÉU
O relatório divulgado em fevereiro de 2015 pela CIIIS traz conclusões
expressas de seus membros no sentido de que a aplicação de sanções aos criminosos é
uma das medidas imprescindíveis para a cessação das hostilidades na Síria, seja através
da persecução doméstica ou pelo exercício da jurisdição internacional. A utilização de
armas químicas em ataques (e.g. gás de cloro), as punições cruéis (e.g. apedrejamento e
mutilação), os assassinatos, as torturas e os sequestros de membros de minorias étnicas
e religiosas somam-se aos estupros, às práticas de escravidão sexual e ao recrutamento e
uso de menores como soldados na longa lista de crimes pelos quais os membros do EI
estão sendo acusados e que são abrangidos pela jurisdição do TPI, já que cometidos em
um contexto de conflito armado.36
De forma mais específica, a CIIIS aponta que os papéis são desempenhados na
estrutura do EI com base em uma lógica de comando responsável, dentro de uma
35
NEBEHAY, op. cit., nota 64.
36
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Report of the Independent…, parágrafos 96, 102, 132,
139, 146.
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hierarquia que abrange um nível político-decisório.37
Nesse particular, destaca-se a
função exercida por Abu Bakr al-Baghdadi na estrutura organizacional do grupo,
porquanto esse indivíduo ocupa um proeminente posto de liderança militar e política,
além de participar da coordenação e condução das atividades. Pode-se presumir, assim,
sua ciência e anuência no tocante às ações desenvolvidas pelos extremistas quanto à
promoção de treinamentos e ao efetivo uso de crianças e adolescentes em práticas
militares, como as execuções veiculadas na mídia pelo próprio grupo.
Conhecido como “Sheik invisível”, al-Baghdadi costuma proferir sermões em
mesquitas e se dirige aos seus comandados usando uma máscara, para preservar sua
identidade, apesar de já existirem registros fotográficos que o identificam. Ao contrário
de seus antecessores, como Abu Musab Al-Zarqawi, o comandante rechaça a exposição,
principalmente com vistas a evitar a descoberta de sua localização.
De acordo com alguns relatos, ele teria nascido na cidade de Samarra, no norte
de Bagdá, no ano de 1971, e depois se tornado um clérigo, atuando em uma mesquita
próxima àquela cidade, inclusive durante a invasão norte-americana em 2003. Há
indícios de que agia como militante jihadista no regime de Saddam Hussein e outros no
sentido de que apenas teria se radicalizado durante os quatro anos em que foi mantido
como prisioneiro no campo Bucca, uma unidade norte-americana localizada no sul do
Iraque onde muitos comandantes da Al Qaeda foram detidos. Posteriormente, al-
Baghdadi tornou-se o líder da unidade da Al Qaeda no Iraque – unidade essa que
tempos depois se uniu a outros grupos para finalmente formar ao EI, em 2010.38
O comandante é comumente descrito pelos analistas como sendo um
estrategista, já que desenvolve táticas voltadas à manutenção de campos de batalha
altamente organizados e implacáveis, e sua reputação é considerada muito atrativa aos
jovens jihadistas.39
Há, portanto, fortes indícios de que, considerando a liderança de al-
Baghdadi quanto à organização do EI, o planejamento estratégico e o controle que
exerce sobre as ações da entidade, as práticas desenvolvidas pelos extremistas são de
seu pleno conhecimento. De sua parte, a ausência de medidas concretas voltadas à
cessação de condutas perpetradas pelos comandados quanto ao alistamento e a
37
Ibid., parágrafos 74 e 76.
38
BBC NEWS. Profile: Abu Bakr al-Baghdadi. Disponível em: <http://www.bbc.com/news/world-
middle-east-27801676>. Acesso em: 02 fev. 2016.
39
Ibid.
Os “filhos” do Estado Islâmico: um novo caso para o Tribunal Penal Internacional?
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utilização de crianças-soldado também pode ser considerada para fins de
responsabilização por omissão.
Há, com isso, um liame capaz de fundamentar a apresentação de denúncias à
Promotoria do TPI, para que, em seguida, seja autorizada a abertura de uma
investigação a respeito das práticas empreendidas por aquele grupo e, mais
especificamente, para que seja analisada a conduta de Abu Bakr al-Baghdadi no tocante
à admissão de pessoas menores de quinze anos como participantes dos exercícios
militares. Aliás, a CIIIS já se manifestou no sentido de que os comandantes do EI
devem ser individualmente responsabilizados pelos crimes em questão, atraindo-se a
competência do TPI e de outros mecanismos de responsabilização internacional.40
Para isso, a Promotoria deve atuar no sentido de reunir informações que
evidenciem a materialidade e a autoria das condutas criminosas, de maneira que seja
possível identificar perpetradores. Feito isso, futuramente o Tribunal poderá expedir
contra os mesmos mandados de prisão e, uma vez capturados, seus testemunhos serão
capazes de esclarecer a cadeia de comando interna, inclusive para demonstrar a ciência
de al-Baghdadi e de outros líderes sobre as táticas empregues, como a utilização de
crianças e adolescentes como soldados.
Contudo, é necessário reconhecer que, conquanto o TPI tenha historicamente
abraçado em sua jurisprudência a estratégia de persecução baseada na prestação de
contas por parte dos principais comandantes dos grupos armados, à Promotoria ainda
incumbe o ônus de provar a culpabilidade dos acusados, demonstrando o nexo de
causalidade específico entre suas condutas e as infrações cometidas. É que,
tradicionalmente, os líderes têm sido considerados como sendo aqueles que possuem as
maiores responsabilidades pelos mais sérios crimes praticados em contextos de conflito,
motivo pelo qual são alvos dos principais casos julgados no âmbito daquela corte. Por
outro lado, a Promotoria vem se esforçando no sentido de alterar a estratégia de
persecução para alcançar perpetradores de níveis hierárquicos inferiores, de modo a
reunir dados robustos para guarnecer processos futuros contra os mais graduados.41
Assim, antes de al-Baghdadi tornar-se o foco das investigações, podem as ações de
outros integrantes do EI vir a ser objeto de inquéritos penais.
40
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Report of the Independent…, parágrafos 78 e 82.
41
TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL. Office of the Prosecutor. Strategic Plan – June 2012-2015.
11 out. 2013, p.14, parágrafo 22. Disponível em: <http://www.icc-
cpi.int/en_menus/icc/structure%20of%20the%20court/office%20of%20the%20prosecutor/policies%20an
d%20strategies/Documents/OTP-Strategic-Plan-2012-2015.pdf>. Acesso em: 05 jan. 2016.
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6. ALGUNS DESAFIOS AO EXERCÍCIO DA JURISDIÇÃO PENAL
INTERNACIONAL
A competência do TPI para processar e julgar indivíduos não pode ser exercida
sobre qualquer caso hipoteticamente enquadrável nos tipos penais afetos à sua
jurisdição. Particularmente, em relação às infrações supostamente cometidas por
componentes do EI, o CSNU deve, o quanto antes, referir a situação do Iraque e da Síria
ao TPI.
Isso porque, como já mencionado, os países em questão, nos quais são
praticados a maioria dos atos criminosos pelo grupo, não são partes do Tratado de Roma
– o que exige, como alternativa, a submissão pelo CSNU. Tal referência só não será
necessária caso sejam identificados perpetradores nacionais de Estados Partes ou, ainda,
se a Síria ou o Iraque aceitarem o exercício da jurisdição do TPI de forma ad hoc (cf.
arts. 12 e 13 do Estatuto). Cabe ressaltar, quanto a isso, que investigadores do Conselho
de Direitos Humanos das Nações Unidas vêm conclamando o Iraque a aderir ao Tratado
de Roma42
, diante do que os crimes cometidos no território do país poderiam ser
amplamente investigados e os autores processados internacionalmente, sem a
necessidade de atuação prévia do CSNU.
De acordo com a sistemática prevista do Estatuto, a situação eventualmente
instaurada para investigação pela Promotoria não poderá abranger as ações do EI de
forma exclusiva, pois já restou expresso na jurisprudência do TPI que, para preservar a
objetividade das investigações e dos processos penais da Corte, é preciso definir
parâmetros gerais, sob aspectos temporais, territoriais e pessoais, quando cabível.43
Assim, as condutas de outros grupos armados estatais e não estatais envolvidos nos
conflitos em curso naqueles dois países poderão ser alvos de futuras acusações.
Entretanto, não se pode deixar de lado a preocupação manifestada por alguns
analistas quanto à viabilidade jurídica do TPI voltar-se às ações do EI, autorizando a
abertura de um exame preliminar e posteriormente conduzindo investigações e a
persecução penal. Para Carsten Stahn, por exemplo, a intervenção do Tribunal poderá
ser um obstáculo no caminho dos esforços internacionais de combate ao grupo, ao invés
de parte da solução para o problema da segurança humana nas regiões alcançadas pelos
42
NEBEHAY, op. cit., nota 64.
43
TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL. Decision on the applications for participation in the
proceedings of VPRS 1, VPRS 2, VPRS 3, VPRS 4, VPRS 5 and VPRS 6. 17 jan. 2006, p. 17, parágrafo
65. Disponível em: <http://www.icc-cpi.int/iccdocs/doc/doc183441.PDF>. Acesso em: 09 jan. 2016.
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atos terroristas.44
Ademais, alguns críticos preocupam-se com a possibilidade de o
indiciamento de líderes do grupo vir a ser identificado como uma tentativa forçada de
criminalização do EI – uma espécie de condenação simbólica –, o que prejudicaria a
credibilidade da Promotoria e poderia abastecer ainda mais as tensões entre os grupos
combatentes.45
De acordo com essa abordagem, haveria uma clara dificuldade de identificação
dos indivíduos diretamente responsáveis, o que forçaria uma estratégia inadequada de
persecução penal, a saber, a denúncia genérica de líderes, sem a especificação de suas
respectivas contribuições para as práticas criminosas.46
Logo, seria preciso cautela ao se
utilizar da persecução penal como estratégia de gerenciamento dos conflitos armados
em curso, até mesmo porque, segundo Carsten, o alcance da paz possuiria pouca
conexão com esforços de responsabilização penal individual. O exercício da jurisdição
do TPI só seria viável, para o autor, caso se mostrasse possível empreender uma
investigação independente, efetiva e objetiva sobre os crimes, o que dependeria, em
grande medida, de uma postura colaborativa dos governos sírio e iraquiano.47
De fato, o enfrentamento ao grupo terrorista EI depende de uma ampla
estratégia de prestação de contas, podendo incluir esforços internos de
responsabilização através de estruturas judiciais locais ou, ainda, o estabelecimento de
câmaras mistas de julgamento, integradas por especialistas nacionais e internacionais,
em formato análogo àquele adotado pelo Tribunal Especial para Serra Leoa. Contudo, a
possibilidade de exercício da jurisdição subsidiária do TPI não deve ser descartada
apenas com base em cálculos políticos.
Isso porque é preciso respeitar a neutralidade e imparcialidade da Promotoria
da Corte, que deve poder analisar com objetividade todas as informações que lhe são
submetidas. Nesse caso, não se mostra coerente exigir da Promotoria que oriente suas
44
Sobre a interseção entre os esforços de paz e o exercício da jurisdição penal internacional, ver
ROBINSON, Darryl. The International Criminal Court. In MCRAE, Robert Grant III; HIBERT, Don.
Human Security and the New Diplomacy: Protecting People, Promoting Peace. Montreal: McGill-
Queen´s University Press, 2001, p.170-177; e LAUREN, Paul G. From Impunity to Accountability:
Forces of Transformation and the Changing International Human Rights Context. In: MALCONTENT,
Peter; THAKUR, Ramesh (Org.). From Sovereign Impunity to International Accountability: The Search
for Justice in a World of States. Tóquio: United Nations University Press, 2004, pp. 15-41.
45
STAHN, Carsten. Why the ICC should be cautious to use the Islamic State to get out of Africa: part 1.
Ejil Talk, 03 dez. 2014. Disponível em: <http://www.ejiltalk.org/why-the-icc-should-be-cautious-to-use-
the-islamic-state-to-get-out-of-africa-part-1/>. Acesso em: 25 jan. 2016.
46
STAHN, Carsten. Why the ICC should be cautious to use the Islamic State to get out of Africa: part 2.
Ejil Talk, 04 dez. 2014. Disponível em: <http://www.ejiltalk.org/why-the-icc-should-be-cautious-to-use-
the-islamic-state-to-get-out-of-africa-part-2/>. Acesso em: 25 jan. 2016.
47
STAHN, op.cit., nota 76.
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decisões no que tange à abertura ou não de inquéritos por considerações alheias àquelas
relativas ao exame dos critérios de admissibilidade previstos no Estatuto do Tribunal.
De qualquer modo, como prevê o primeiro dos chamados Princípios de
Chicago de Justiça Pós-Conflito, os Estados possuem o dever de processar todos os
indivíduos envolvidos na prática de violações ao DIH. Tal obrigação pode ser cumprida
no escopo das instituições domésticas ou, ainda, através da criação de tribunais penais
internacionais e tribunais mistos (nacionais e internacionais).48
As vítimas daquelas
infrações não podem se tornar reféns de estratégias políticas, sendo forçadas a
concordar com medidas voltadas a acelerar processos de paz com base no afastamento
da responsabilização penal individual, como é o caso das anistias gerais e irrestritas.
Aliás, admitir a impunidade dos perpetradores sob a justificativa de que sua persecução
poderia desacelerar processos de paz e ocasionar novas tensões não seria coadunar com
mais um ato de terrorismo?
Por isso, em que pese o acerto dos argumentos supracitados no sentido de que a
responsabilização penal internacional dependerá da individualização das condutas, a
atuação do TPI não pode ser completamente rechaçada antes mesmo de iniciado um
exame preliminar e a abertura oficial de um inquérito. Através desses procedimentos,
será dada ampla publicidade e conhecimento à comunidade internacional sobre o
material coletado. Essa ação contribuirá, ademais, para a mobilização de novas
estratégias de combate àquele grupo terrorista e a todos os Estados e organismos que de
alguma maneira financiam os atos de violência.
Ao mesmo tempo, pode-se pensar em alternativas à atuação do TPI. É que,
diante de eventuais dificuldades para a apresentação de indivíduos denunciados perante
a corte – considerando ser o comparecimento dos acusados condição imprescindível
para o início dos julgamentos –, seja em virtude de seu paradeiro ou por ausência de
cooperação dos Estados para a sua entrega, o recurso à promoção de iniciativas
nacionais de prestação de contas surge como importante ferramenta para se evitar a
impunidade.
Quanto a isso, deve-se incentivar a adoção de esforços judiciais baseados nas
estruturas institucionais já existentes ou por meio da criação de câmaras ad hoc para
julgamentos especiais. Nesse caso, eventuais investigações e processos seriam
48
BASSIOUNI, M. Cherif. The Chicago Principles on post-conflict justice. Chicago: International
Human Rights Law Institute (IRLHI), 2008, p.3, 29-30.
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fundamentados com base nas legislações domésticas vigentes e nas leis humanitárias e
penais internacionais pelas quais se obrigaram os Estados – no caso a Síria e o Iraque.
Além disso, há a possibilidade de adoção de estratégias não judiciais, como acordos de
anistia individuais.
Em caráter subsidiário, diante de uma possível exaustão de remédios locais ou
negligência das autoridades nacionais em adotá-los, o exercício da chamada jurisdição
universal também se apresenta como meio para a responsabilização. Esse instrumento
jurídico envolve a persecução penal por tribunais de outros Estados que não aqueles
onde ocorrem os crimes ou dos quais os autores sejam nacionais, sempre diante de
perpetradores de infrações consideradas de maior gravidade pela comunidade
internacional, como aqueles responsáveis por atos de genocídio. Trata-se de claro
incentivo à ampliação do acesso à justiça internacional.
O reconhecimento dos indivíduos como sujeitos do Direito Internacional
implica a necessidade de lhes conferir mecanismos para fazer valer seus direitos,
particularmente quando figuram como vítimas de violações a regras materiais daquele
ordenamento jurídico. O meio mais fundamental nesse sentido é o chamado direito de
ação ou petição (jus standi in judicio), que permite não apenas o acesso de indivíduos às
cortes internacionais, como as Cortes Europeia e Interamericana de Direitos Humanos –
ainda que por instituições intermediárias, como a Comissão Interamericana de Direitos
Humanos49
–, como também a cortes de outros países que não aqueles dos quais são
nacionais. Nessa última hipótese, o conhecimento de demandas propostas por cidadãos
estrangeiros pode constituir-se como mais um instrumento de combate a situações de
desrespeito às obrigações internacionais relativas à proteção aos direitos humanos e as
de caráter humanitário, em especial as chamadas jus cogens (normas imperativas ou
peremptórias de DI).
Não obstante ainda depender de desenvolvimentos jurisprudenciais e
legislativos internacionais50
e nacionais para sua incidência ser considerada legítima e
49
A intermediação pela Comissão está prevista no artigo 61 da Convenção Americana sobre Direitos
Humanos. Apesar disso, os indivíduos podem apresentar queixas e denúncias diretamente ao órgão ou
através de representantes, como ONGs, e, ainda, participar de todo o processo eventualmente instaurado
na corte, endereçando à mesma argumentos e provas de forma autônoma, de acordo com a permissão
outorgada pelo Regulamento do Tribunal, em seu artigo 25.
50
Sobre isso, cumpre informar que a Corte Internacional de Justiça (CIJ) e a CEDH possuem precedentes
no sentido de que o princípio do par in parem non habet imperium (isonomia interestatal) não pode ser
excepcionado para permitir o exercício da jurisdição doméstica contra autoridades de outros Estados em
relação a causas cíveis, ainda que estas estejam relacionadas a atos de tortura, prevalecendo o princípio da
imunidade de jurisdição estatal. Nesse sentido, destacam-se os casos Al-Adsani v. The United Kingdom
(CEDH) e “Imunidades do Estado, Alemanha v. Itália, Grécia intervindo” (CIJ).
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legal, a jurisdição universal pode ser mais um instrumento utilizado para a repreensão a
graves situações de desrespeito a leis humanitárias internacionais – seja no campo penal
ou no cível –, inclusive no tocante às violações objeto do presente estudo, das quais os
extremistas do EI são protagonistas. Assim, caso a jurisdição do TPI não seja exercida
em determinado caso, em virtude da não entrega de um indivíduo investigado, por
exemplo, ou mesmo pelo reconhecimento da insuficiência de provas pela Promotoria da
corte para seu indiciamento, o Estado em que o mesmo se encontre poderia lançar mão
de sua estrutura doméstica de responsabilização para processá-lo e julgá-lo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em territórios sírios e iraquianos, a organização terrorista EI vem executando
inúmeros atos massivos de violência, muitos dos quais constituem infrações tipificadas
como crimes no Estatuto do TPI. O grupo, sob o comando do líder religioso Abu Bakr
al-Baghdadi, assume a autoria de inúmeros sequestros e assassinatos de civis, além de
buscar a disseminação do terror através da transmissão de vídeos que retratam
explicitamente os atos criminosos.
Suas ações chocam a comunidade internacional também em função do uso
sistemático de pessoas menores de dezoito anos como soldados. Crianças e adolescentes
são recrutados, alistados, participam de treinamentos militares e são envolvidos
diretamente nas atividades violentas do grupo, como execuções sumárias. O EI forma,
assim, um novo exército de combatentes jovens, capazes de reproduzir os ideais da
entidade de forma indiscriminada, considerando a facilidade com que são doutrinados.
Como visto, seja no âmbito de um conflito armado internacional ou em
cenários de guerras internas, o recrutamento, o alistamento e o uso de pessoas menores
de idade para participação ativa em hostilidades são condutas classificadas como crimes
de guerra pelo Estatuto do TPI, em seu artigo 8º. Logo, as práticas empreendidas por
integrantes do EI nesse sentido se enquadram na competência material daquela corte,
motivo pelo qual, em tese, seria possível o exercício de sua jurisdição sobre os fatos em
questão.
Ainda assim, a instauração de um exame preliminar pela Procuradoria do TPI
dependeria do reconhecimento da competência territorial do órgão ou, ainda, de sua
competência em razão da nacionalidade dos perpetradores. A princípio, isso só seria
Os “filhos” do Estado Islâmico: um novo caso para o Tribunal Penal Internacional?
Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.280-305. 300
possível em relação a violações ocorridas em regiões de Estados Partes do Tratado de
Roma ou quanto àquelas praticadas por cidadãos nacionais desses Estados.
Não obstante isso, os dois principais países em cujos territórios o EI concentra
suas atividades – a Síria e o Iraque – são Estados não-Partes. Desse modo, pelos fatos
aqui narrados, o início das investigações sobre a situação daqueles países demandaria
uma referência pelo CSNU ou a aceitação ad hoc da jurisdição da Corte pelos
respectivos governos. Nessa última hipótese, o tribunal poderia exercer sua competência
até mesmo em relação aos crimes cometidos antes da entrada em vigor do Estatuto
relativamente àqueles países, o que também poderia ocorrer caso decidam aderir ao
Tratado de Roma e se tornarem Partes, conforme o que estabelece os artigos 11 e 12
daquele diploma, desde que houvesse uma declaração expressa de consentimento nesse
tocante.
Há uma grande expectativa, portanto, no sentido de que em breve a Promotoria
possa efetivamente instaurar um exame preliminar sobre os fatos supracitados, seja por
iniciativa própria ou a partir de denúncias por Estados Partes e pelo CSNU, uma vez
preenchidos os requisitos mencionados no parágrafo anterior. Iniciada a investigação, os
vídeos e demais postagens de autoria daquele grupo terrorista poderiam ser reunidos
para compor o conjunto fático-probatório a ser carreado aos autos de futuros processos
penais a serem conduzidos no âmbito do TPI.
Em consequência, tornar-se-ia possível a expedição de mandados de prisão e a
entrega de cidadãos como al-Baghdadi, para que permaneçam à disposição da Justiça
internacional em caso de eventual persecução. A detenção e a transferência de
extremistas para a custódia do TPI contribuiriam, ademais, para a desarticulação
daquela organização e até mesmo para a prevenção de novas práticas criminosas.
Algumas dificuldades podem ser enfrentadas pela Promotoria para a
identificação dos perpetradores e para a coleta de evidências que atestem o nexo de
causalidade entre as suas condutas e o recrutamento, o alistamento e a participação dos
menores nas hostilidades. No entanto, com a colaboração dos governos sírio e iraquiano
– além de outros Estados, em particular os vizinhos – e a participação de vítimas,
comunidades, organizações internacionais e ONGs, os obstáculos poderiam ser
transpostos para a montagem do acervo probatório, de modo que, no decorrer da
persecutio criminis in judicitio, as teses acusatórias ganhassem força no sentido de
demonstrar a responsabilidade penal individual dos réus.
Vanessa Oliveira de Queiroz
Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.280-305. 301
Como foi demonstrado, as recentes notícias veiculadas pela mídia internacional
a respeito do envolvimento de menores nos atos terroristas do EI são apenas mais um
grave capítulo do fenômeno das crianças-soldado. O TPI tem atuado efetivamente no
tocante à luta contra a impunidade relativa a esse fenômeno e expandido suas frentes de
atuação. A confirmação da condenação de Lubanga Dyilo pela Câmara de Apelação em
2014, o deslocamento recente de juízes que acompanham o caso de Ntaganda até as
regiões onde os crimes foram supostamente cometidos, e a entrada em vigor do Estatuto
de Roma para a Palestina são exemplos recentes da potencialidade do alcance da
jurisdição da corte como instrumento de promoção da justiça internacional.
Reconhece-se, por conseguinte, que o Direito Penal Internacional avança
paulatinamente para tentar evitar uma reprodução ainda maior de práticas criminosas
caracterizadas como crimes internacionais, não apenas através de estratégias de
proibição normativa, como por meio de esforços de responsabilização, afastando a
impunidade dos perpetradores. A instauração de um exame preliminar, seguida da
abertura de um inquérito e, por fim, a persecução criminal a al-Baghdadi e a outros
integrantes do EI por crimes de guerra envolvendo o recrutamento infantil seria mais
um passo considerável no mesmo sentido.
Os “filhos” do Estado Islâmico: um novo caso para o Tribunal Penal Internacional?
Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.280-305. 302
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24-candidatos-%C3%A0-elei%C3%A7%C3%A3o-presidencial-maio-
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4C83-BA85-
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Crianças-soldado do EI: um caso para o TPI

  • 1. OS “FILHOS” DO ESTADO ISLÂMICO: UM NOVO CASO PARA O TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL? Vanessa Oliveira de Queiroz1 RESUMO: As ofensivas terroristas vêm sendo reproduzidas em larga escala nos últimos anos. Em particular destacam-se as práticas empreendidas pelo grupo liderado por Abu Bakr al-Baghdadi e conhecido como Estado Islâmico, cujos vídeos veiculados na mídia internacional explicitam a ampliação de suas frentes de combate, incluindo a captura e o aprisionamento de crianças em jaulas e o uso de outras como perpetradoras para a execução sumária de reféns. Este trabalho procura verificar a possibilidade de exercício da jurisdição do Tribunal Penal Internacional no tocante às ações do grupo, especialmente aquelas que envolvem o treinamento e a participação de menores como soldados. PALAVRAS-CHAVE: Estado Islâmico; crianças-soldado; responsabilização penal internacional; Abu Bakr al-Baghdadi. ABSTRACT: Terrorist offensives have been reproduced on a large scale in recent years. In particular, we highlight the practices undertaken by the group led by Abu Bakr al-Baghdadi and known as the Islamic State, which videos broadcasted by the international media show the expansion of their fighting fronts, including the capture and imprisonment of children in cages and the use of others as perpetrators of summary executions of hostages. This work seeks to verify the possibility of exercising jurisdiction of the International Criminal Court on ISIS´s actions, especially those involving the recruitment and participation of children as soldiers. KEYWORDS: Islamic State; child soldiers; international criminal responsibility; Abu Bakr al-Baghdadi. 1 Advogada e Consultora Jurídica. Mestre em Direito Internacional pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Bacharel em Direito pela UERJ e em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
  • 2. Vanessa Oliveira de Queiroz Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.280-305. 281 1. INTRODUÇÃO Bagdá, janeiro de 2015. Ele tem a pele branca, olhos pretos e puxados, cabelos negros e compridos até os ombros, com uma leve franja voltada à esquerda, cerca de 1,30m de altura, vestido de pulôver negro, calças marrons e um relógio. O olhar é fixo, mas sereno. Ele segura uma arma e a aponta para dois homens que estão ajoelhados. Em seguida, atira na cabeça de cada um deles, por trás. Com aproximadamente dez anos de idade, o atirador é um menino-soldado.2 Trata-se de mais um episódio que retrata o envolvimento direto de crianças nas práticas da organização terrorista conhecida como Estado Islâmico (EI) – Islamic State of Iraq and Al-Sham (ISIS, na sigla em inglês). O grupo atua de forma mais expressiva no norte da Síria e no Iraque, sob o comando de Abu Bakr al-Baghdadi, e tem como objetivo precípuo a conquista de territórios e o estabelecimento de um califado sunita. Para a consecução desse propósito, além de promover o recrutamento de combatentes estrangeiros – principalmente de Estados vizinhos, mas também de Estados ocidentais –, um dos instrumentos amplamente adotados pelo grupo jihadista é justamente a utilização de menores de idade. Esses participam de treinamentos oficiais, do sequestros de opositores e de execuções sumárias, e realizam o carregamento e a distribuição de armas, entre outras atividades. Muitos desses atos são transmitidos online, em tempo real, e propagados para todo o mundo através da mídia internacional e os menores têm suas imagens expostas de forma abrangente, já que seus rostos não são cobertos, ao contrário do que ocorre com os membros adultos do EI.3 O fenômeno vem causando preocupação aos integrantes de organizações não- governamentais (ONGs) e demais aos membros da comunidade internacional, particularmente em função das consequências advindas do recrutamento de combatentes 2 ANSA. Em vídeo do Estado Islâmico, criança aparece atirando em refém. Último Segundo, 13 jan. 2015. Disponível em: <http://ultimosegundo.ig.com.br/mundo/2015-01-13/em-video-do-estado-islamico- crianca-aparece-atirando-em-refem.html>. Acesso em: 22 fev. 2016. 3 MOSENDZ, Polly. ISIS Releases Video Purporting to Show Child Soldier Killing Hostage. Newsweek, 10 mar. 2015. Disponível em: <http://www.newsweek.com/isis-releases-video-purporting-show-child- soldier-killing-hostage-312816>. Acesso em: 20 fev. 2016. MOSENDZ, Polly. Child Soldier Involved in Islamic State Mass Beheading. Newsweek, 30 mar. 2015. Disponível em: <http://www.newsweek.com/child-soldier-involved-islamic-state-mass-beheading-318025>. Acesso em: 20 fev. 2016.
  • 3. Os “filhos” do Estado Islâmico: um novo caso para o Tribunal Penal Internacional? Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.280-305. 282 tão jovens e sua exposição à violência em massa.4 Esse método de atuação do EI, no entanto, não pode ser considerado como uma nova ameaça em termos de segurança humana5 . O uso de pessoas com menos de dezoito anos para a realização de manobras militares trata-se, em verdade, de uma prática reiterada, que é reproduzida há vários séculos e atinge países com realidades sociais muito diferentes, como a República Democrática do Congo (RDC), o Reino Unido e a Colômbia. Várias estratégias já vêm sendo implementadas como respostas à problemática, em especial no âmbito do Direito Internacional (DI), como a assinatura de instrumentos internacionais que proíbem e criminalizam o emprego das chamadas “crianças- soldado”. O Tribunal Penal Internacional (TPI), por sua vez, tem desempenhado um importante papel no tocante à persecução criminal de perpetradores, o que restou comprovado, por exemplo, com a condenação e o sentenciamento do congolês Thomas Lubanga Dyilo pelo crime de recrutamento infantil. Indaga-se, então, se essa corte poderia contribuir para a repressão à conduta dos extremistas do grupo EI no mesmo sentido. Inicialmente, talvez a resposta a esse questionamento fosse negativa, já que a Síria e o Iraque – países nos quais há maior atuação daquela organização terrorista – não são partes do Estatuto do TPI, isto é, não aceitaram submeter-se à jurisdição da referida corte. Ao mesmo tempo, ONGs como a Human Rights Watch (HRW) e a Anistia Internacional permanecem denunciando de forma sistemática as ações do EI, exigindo dos Estados e das instâncias internacionais a adoção de posturas mais concretas quanto à responsabilização de todos os integrantes do grupo envolvidos na prática de crimes de guerra, como o alistamento e uso de menores nos combates.6 4 BRANNEN, Kate. Children of the Caliphate, Foreign Policy, 24 out. 2014. Disponível em: <http://foreignpolicy.com/2014/10/24/children-of-the-caliphate/>. Acesso em: 22 fev. 2016. 5 A concepção de segurança humana surgiu na segunda metade da década de 1990 como uma nova abordagem da disciplina de segurança internacional no campo de Relações Internacionais. Ganhou espaço como um paradigma de mudança, cujas premissas poderiam ser utilizadas para a formulação de políticas práticas voltadas à promoção da segurança dos indivíduos e comunidades diante dos novos desafios da ordem mundial pós-Guerra Fria. Essa perspectiva de análise reúne preocupações com a vida e a dignidade dos indivíduos, buscando-se a adoção de medidas voltadas à proteção das pessoas diante de ameaças violentas e não-violentas. Nesse sentido, propõe a existência de sete categorias de segurança humana: econômica, alimentar, de saúde, ambiental, pessoal, comunitária e política. Sobre o tema, ver: ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Human Development Report, 1994. Disponível em: <http://hdr.undp.org/sites/default/files/reports/255/hdr_1994_en_complete_nostats.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2016; CANADÁ. Departamento de Assuntos Exteriores e Comércio Internacional. Human Security: Safety for People in a Changing World, abr. 1999. Disponível em: <http://www.summit- americas.org/canada/humansecurity-english.htm>. Acesso em: 18 fev. 2016. 6 HUMAN RIGHTS WATCH. Syria: Armed Groups Send Children into Battle. 23 jun. 2014. Disponível em: <http://www.hrw.org/news/2014/06/22/syria-armed-groups-send-children-battle>. Acesso em: 07 jan. 2016.
  • 4. Vanessa Oliveira de Queiroz Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.280-305. 283 Por seu turno, órgãos das Nações Unidas já apresentaram diversas declarações afirmando que, ao treinar e utilizar crianças para funções de combate, o EI viola o Direito Internacional Humanitário (DIH) e perpetra crimes de guerra em larga escala.7 Logo, deve-se investigar as possibilidades de efetivo exercício da jurisdição internacional pelo TPI quanto a essa situação, verificando-se, por exemplo, se indivíduos com papel de liderança no grupo, como Abu Bakr al-Baghdadi, poderiam ser denunciados e processados por aquela entidade internacional. Adicionalmente, cumpre esclarecer se existem ou não outras alternativas para o combate à impunidade no tocante às infrações em questão. 2. OS JOVENS SOLDADOS E A REAÇÃO INTERNACIONAL Os registros históricos evidenciam que o envolvimento de menores em hostilidades teve início antes mesmo da década de 1990, a partir da qual se observou um recrudescimento da prática. Há relatos de que meninos espartanos de apenas sete anos carregavam armas para os combates e desde cedo treinavam para a guerra, e de que jovens franceses e alemães participaram da chamada “Cruzada das Crianças”, em 1212. Divisões do Exército de Napoleão Bonaparte, a Marinha inglesa no século XVIII e as tropas confederadas que lutaram na guerra civil nos Estados Unidos também reuniram meninos em suas fileiras.8 A questão foi marcante no âmbito da Guerra do Paraguai (1864-1870), com os conhecidos niños combatientes, colocados na linha de frente do Exército de Solano López nos combates contra as tropas brasileiras. Em 16 de agosto de 1869, na batalha de Acosta Ñu, foram mortas aproximadamente 3.500 crianças com idades entre nove e quinze anos.9 As forças Aliadas e as do Eixo também empregaram crianças nos embates 7 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Report of the Independent International Commission of Inquiry on the Syrian Arab Republic. 14 nov. 2014, p.11. Disponível em: <http://www.ohchr.org/Documents/HRBodies/HRCouncil/CoISyria/HRC_CRP_ISIS_14Nov2014.pdf>. Acesso em: 20 jan. 2016. 8 WEBSTER, Thimoty. Babes with Arms: International Law and Child Soldiers. The George Washington International Law Review, v. 39, n.2, jan. 2007. MARTEN, James. Soldier Children: Global Human Rights Issues. In: FASS, Paula S. (Ed). Encyclopedia of Children and Childhood: in History and Society. New York: Macmillan Reference USA, p.776-778, 2004. 9 PASCAL, Maria Aparecida Macedo. As Mulheres e a Guerra do Paraguai. Revista Eletrônica de Ética e Cidadania, 2006. Disponível em: <http://www.mackenzie.com.br/fileadmin/Graduacao/EST/Publicacoes_-_artigos/pascal_11.0.pdf>. Acesso em: 03 jan. 2016.
  • 5. Os “filhos” do Estado Islâmico: um novo caso para o Tribunal Penal Internacional? Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.280-305. 284 da Segunda Guerra Mundial10 , e nos conflitos armados internos deflagrados nas décadas de 1980 e 1990 a história se repetiu com o National Resistance Army, em Uganda, e grupos combatentes no Camboja, em Moçambique, na Libéria, em Mianmar e em Serra Leoa.11 Em 2013, crianças a partir dos doze anos de idade foram treinadas como combatentes pelo Sudan People’s Liberation Army (Exército Vermelho) e atuaram em prol da independência do Sudão do Sul.12 Nota-se, assim, que, ao contrário do que afirmam alguns autores, o fenômeno sob estudo não é uma exclusividade de cenários africanos13 , pois, na verdade, é detectado em países de diversas regiões globais e com características distintas. Pesquisas realizadas por ONGs e organismos intergovernamentais indicam que mais de quinze Estados continuam recrutando oficialmente menores de dezoito anos para a composição de forças armadas nacionais, como El Salvador, México, Chade, Costa do Marfim, Coreia do Norte, RDC, Líbia, Mianmar, Irã, Somália, Sudão do Sul, Sudão, Reino Unido e Iêmen.14 Nesses locais, outras forças de algum modo subordinadas ao controle estatal, como polícias e grupos aliados, também realizam o recrutamento infanto-juvenil, o que também ocorre em países como Eritréia, Afeganistão, República Centro-Africana (RCA), Iraque, Filipinas, Ruanda e Tailândia.15 A situação é de tamanha gravidade em algumas regiões que as Nações Unidas resolveram criar a chamada “lista da vergonha”. Essa listagem contém uma relação de grupos apontados como autores persistentes das condutas de recrutamento e utilização de crianças como soldados, assim considerados em função de reconhecidamente cometerem essas práticas de forma reiterada por pelo menos cinco anos, como é o caso 10 JANFELT, Monika. War in the Twentieth Century. In: FASS, Paula S. (Ed). Encyclopedia of Children and Childhood: in History and Society. New York: Macmillan Reference USA, 2004. 11 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. The State of The World´s Children 1996. Children as soldiers. Nova Iorque, 1996. Disponível em: <http://www.unicef.org/sowc96/2csoldrs.htm>. Acesso em: 20 fev. 2016. 12 LUFFMAN, Laurinda. Former child soldiers take on new role in South Sudan. SOS Children. 05 abr. 2013. Disponível em: <http://www.soschildrensvillages.org.uk/news/archive/2013/04/former-child- soldiers-take-on-new-role-in-south-sudan>. Acesso em: 02 jan. 2016. 13 Em sentido oposto, ver: FAÇANHA, Luisa Café Figueiredo. A Construção Social das Crianças- Soldado: representações e dilemas dentro do marco regulatório da ordem internacional do Pós-Guerra Fria. 2011. 136f. Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais) – Instituto de Relações Internacionais. PUC, Rio de Janeiro, 2011. 14 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Informe de la Representante Especial del Secretario General para la cuestión de los niños y los conflictos armados. 03 ago. 2011. Disponível em: <http://daccess-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/N11/443/73/PDF/N1144373.pdf?OpenElement>. Acesso em: 15 jan. 2016. 15 CHILD SOLDIERS INTERNATIONAL. Louder than words: An agenda for action to end state use of child soldiers, 2012, p.11. Disponível em: <http://www.child- soldiers.org/global_report_reader.php?id=562>. Acesso em: 03 jan. 2016.
  • 6. Vanessa Oliveira de Queiroz Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.280-305. 285 do Ejército de Liberación Nacional e das Fuerzas Armadas Revolucionarias de Colombia - Ejército del Pueblo (FARC).16 Em resposta, algumas iniciativas de combate estão sendo adotadas, como a aprovação de legislações domésticas, a promoção de investigações e da persecução penal de indivíduos através de instâncias nacionais, e a criação de órgãos e instrumentos de monitoramento, como o Mecanismo de Revisão Periódica Universal do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas. Estratégias de prevenção a novas ocorrências e programas de recuperação de ex-combatentes também têm destaque, como aqueles voltados ao seu desarmamento, sua desmobilização e sua reintegração (DDR) em comunidades na Colômbia.17 Diversas organizações da sociedade civil global promovem campanhas no mesmo sentido, como a Child Rights International Network, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha, a Child Soldiers International, a HRW e a Coalición contra la Vinculación de Niños, Niñas y Jóvenes al Conflicto Armado en Colombia. Somam-se aos esforços sobreditos a celebração de acordos internacionais que buscam limitar a participação infantil em hostilidades, entre os quais a IV Convenção de Genebra para a Proteção de Civis em Tempos de Guerra de 1949 (arts. 50 e 51), e os Protocolos Adicionais I (art. 77, item 2) e II (art. 4º, item 3, alínea “c”) de 1977. A relação dos documentos abrange, ainda, a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança de 1989 (art. 38, itens 2 e 3), seu Protocolo Facultativo II de 2000 (arts. 1º, 2º, 3º, item 1, e 4º, item 1) e a Carta Africana dos Direitos e Bem-Estar da Criança de 1990 (art. 22). Em um movimento crescente voltado à repressão sobre aquela prática, a Convenção sobre a Proibição das Piores Formas de Trabalho Infantil e Ação Imediata para sua Eliminação de 1999 caracteriza o recrutamento forçado ou obrigatório de crianças para serem utilizadas em conflitos armados como das piores formas de trabalho infantil (art. 3º, alínea “a”). Na esfera da responsabilização penal internacional, o Estatuto do Tribunal Especial para Serra Leoa, adotado em janeiro de 2002, relaciona as condutas de recrutamento, alistamento e utilização de crianças menores de quinze anos 16 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Report of the Secretary-General. 26 abr. 2012. Disponível em: <http://www.un.org/children/conflict/_documents/A66782.pdf>. Acesso em: 08 jan. 2016. 17 Sobre os programas de DDR, ver: TABAK, Jana. As Vozes de Ex-Crianças Soldado: Reflexões Críticas sobre o Programa de Desarmamento, Desmobilização e Reintegração das Nações Unidas. 2009. 169f. Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais) – Instituto de Relações Internacionais. PUC, Rio de Janeiro, 2009.
  • 7. Os “filhos” do Estado Islâmico: um novo caso para o Tribunal Penal Internacional? Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.280-305. 286 por forças ou grupos armados para participação ativa em hostilidades entre as sérias violações ao DIH sujeitas à jurisdição da corte (art. 4º, alínea “c”). 18 Para o propósito deste estudo, ressalta-se, em particular, o disposto no Estatuto do TPI, de 1998, que aborda a questão em dois momentos. O item 2, alínea “b”, inciso xxvi, do artigo 8º dispõe que: 2. Para os efeitos do presente Estatuto, entende-se por "crimes de guerra": [...] b) Outras violações graves das leis e costumes aplicáveis em conflitos armados internacionais no quadro do direito internacional, a saber, qualquer um dos seguintes atos: [...] xxvi) Recrutar ou alistar menores de 15 anos nas forças armadas nacionais ou utilizá-los para participar ativamente nas hostilidades. (grifos nossos) Já o item 2, alínea “e”, inciso vii, do artigo 8º estabelece que: 2. Para os efeitos do presente Estatuto, entende-se por "crimes de guerra": [...] (e) As outras violações graves das leis e costumes aplicáveis aos conflitos armados que não têm caráter internacional, no quadro do direito internacional, a saber, qualquer um dos seguintes atos: [...] vii) Recrutar ou alistar menores de 15 anos nas forças armadas nacionais ou em grupos, ou utilizá-los para participar ativamente nas hostilidades. (grifos nossos) Com base nessas previsões, a Promotoria do TPI já iniciou investigações a respeito de ocorrências de recrutamento infantil na República Democrática do Congo (RDC), em Uganda19 , na República Centro-Africana20 , no Mali21 e na Colômbia22 . 18 O Tribunal Especial para Serra Leoa possui casos paradigmas no que tange ao tema, principalmente os julgamentos de Alex Tamba Brima, Ibrahim Bazzy Kamara e Santigie Borbor Kanu, além de Issa Hassan Sesay, Morris Kallon, Sam Hinga Norman, Moinina Fofana e Allieu Kondewa. 19 No que se refere à situação ugandense, três indivíduos foram investigados pelo TPI sob a acusação de promoverem o alistamento forçado de crianças, entre outras práticas criminosas: Joseph Kony, Vincent Otti e Okot Odhiambo. 20 A investigação sobre as ocorrências nesse Estado foram iniciadas formalmente em setembro de 2014 após terem sido reunidas consideráveis evidências de que grupos que atuam no conflito em curso no país vêm cometendo crimes contra a humanidade e crimes de guerra, entre os quais o uso de crianças menores quinze anos em combates desde o ano de 2012. TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL. Statement of the Prosecutor of the International Criminal Court, Fatou Bensouda, on opening a second investigation in the Central African Republic. 24 set. 2014. Disponível em: <http://www.icc- cpi.int/EN_Menus/icc/press%20and%20media/press%20releases/pages/pr1043.aspx>. Acesso em: 03 jan. 2016. 21 No caso do Mali, o próprio Ministro da Justiça do país, Malick Coulibaly, referiu a situação nacional ao TPI em julho de 2012 e solicitou a sua intervenção, afirmando que graves crimes vinham sendo cometidos desde janeiro daquele ano no território malinense, como o uso de crianças-soldado para participação em confrontos armados. TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL. Referral letter by the Government of Mali. 13 jul. 2012. Disponível em: <http://www.icc-cpi.int/NR/rdonlyres/A245A47F- BFD1-45B6-891C-3BCB5B173F57/0/ReferralLetterMali130712.pdf>. Acesso em: 29 jan. 2015. 22 A Promotoria do TPI acompanha a situação na Colômbia com vistas a assegurar que o Estado continue a envidar esforços para processar os responsáveis pela prática de crimes de guerra – entre os quais o recrutamento infantil – cometidos pelas partes do conflito interno. TRIBUNAL PENAL
  • 8. Vanessa Oliveira de Queiroz Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.280-305. 287 O caso da RDC é o mais emblemático até o momento, pois resultou na primeira condenação imposta pelo tribunal. Em 14 de março de 2012, a Câmara de Julgamento I considerou o membro do grupo Union des Patriotes Congolais e ex-líder político e militar congolês Thomas Lubanga Dyilo responsável como co-autor pelos crimes de recrutamento, alistamento e utilização de crianças menores de quinze anos como soldados no conflito armado ocorrido na RDC entre os anos de 2002 e 2003. Em 10 de julho de 2012, aquela mesma Câmara sentenciou-o a um período total de quatorze anos de prisão, decisão essa mantida pela Câmara de Apelação em 2014 por ocasião do julgamento dos recursos apresentados pelas partes.23 O TPI possui, ainda, outros casos relativos à situação da RDC envolvendo denúncias contra líderes de guerrilhas, como Bosco Ntaganda, Germain Katanga e Mathieu Ngudjolo Chui – todos investigados e processados também pela cooptação e uso de menores de idade em combates. Desse modo, identifica-se a existência de um conjunto de iniciativas, especialmente jurídicas, que está sendo desenvolvido continuamente para a formação de um regime internacional de combate ao envolvimento de menores em hostilidades, especialmente a partir da abertura de investigações e processos pelo TPI. Resta saber, agora, se tal sistema poderá oferecer respostas concretas às condutas do EI. 3. OS MINI-JIHADISTAS DO ESTADO ISLÂMICO Assim como o grupo Al Shabab e a organização Al Qaeda, o EI é hoje o responsável pela condução de diversos atos terroristas, como aqueles praticados em países envolvidos em conflitos armados internos, como é o caso da Síria. Como mencionado, o grupo age com extremismo e possui o objetivo claro de perseguir os ideais jihadistas e estabelecer um Califado, implantando um regime totalitário24 . Para tanto, realiza recrutamentos em massa de nacionais de diversos países, incluindo crianças a partir dos cinco anos e adolescentes, que são chamados pelo grupo INTERNACIONAL. Situation in Colombia. Interim Report, p.69. 14 nov. 2012. Disponível em: <http://www.icc-cpi.int/NR/rdonlyres/3D3055BD-16E2-4C83-BA85- 35BCFD2A7922/285102/OTPCOLOMBIAPublicInterimReportNovember2012.pdf>. Acesso em: 02 jan. 2016. 23 TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL. The Prosecutor v. Thomas Lubanga Dyilo. Disponível em: <http://www.icc- cpi.int/en_menus/icc/situations%20and%20cases/situations/situation%20icc%200104/related%20cases/ic c%200104%200106/Pages/democratic%20republic%20of%20the%20congo.aspx>. Acesso em: 02 fev. 2016. 24 Sobre os exercícios militares do grupo, ver: STERN, Jessica & BERGER, J. M. ISIS: The State of Terror. 1ª Ed. Ecco, 2015, 416 p.; WEISS, Michael & HASSAN, Hassan. ISIS: Inside the Army of Terror. 1a ed. Regan Arts, 2015, 288p.
  • 9. Os “filhos” do Estado Islâmico: um novo caso para o Tribunal Penal Internacional? Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.280-305. 288 de “filhotes dos leões do Califado”. Os mesmos são submetidos a treinamentos militares e estudos religiosos, a partir dos quais a ideologia jihadista é propagada numa espécie de “lavagem cerebral”, porquanto as crianças se mostram mais vulneráveis e influenciáveis. Nos campos de treinamento, como Al Raqqa, os menores carregam escopetas, realizam disparos e rastejam em exercícios de guerrilha. A partir dos quinze anos as crianças já têm a opção de se tornar combatentes remunerados pelo EI, conforme aponta a organização não-governamental Observatório Sírio de Direitos Humanos (OSDH).25 Segundo o relatório da Comissão Independente Internacional de Inquérito para a Síria (CIIIS), divulgado em maio de 2014, aproximadamente cento e cinquenta crianças curdas, incluindo meninos com idades entre 13 e 14 anos, foram sequestrados pelo EI em Minbeij. Após sua abdução, sofreram torturas e passaram a ser doutrinados com ensinamentos sobre a ideologia do grupo, sendo forçados a assistir vídeos de execuções. Foram submetidos a inúmeras regras, como a proibição de falar a língua curda e de falar alto, e a obrigação de rezar em determinados horários e observar o Ramadã. Quando os meninos violavam quaisquer dessas regras eram reprimidos pelos guardas com violência, incluindo choques elétricos.26 A Comissão reconheceu que as crianças têm sido submetidas à educação religiosa em uma aparente tentativa de doutriná-las à ideologia do EI e dessensibilizá-las quanto às formas de violência empregues pelo grupo, sendo os menores forçados, por exemplo, a assistir vídeos de decapitações.27 Conforme registros de março de 2015 apresentados pela OSDH, o número de crianças recrutadas pelo grupo representa o dobro do número de adultos. Essa aparente preferência dada à cooptação de menores foi atribuída pelo Alto Comissariado de Direitos Humanos das Nações Unidas à relação de lealdade em longo prazo que pode advir da integração de menores ao EI, de acordo com o relatório divulgado em novembro de 2014 pelo órgão. Criam-se, assim, laços maiores de fidelidade e ampliam- se as possibilidades de aceitação e absorção dos ideais do grupo pelos meninos-soldado, 25 AFP. Estado Islâmico treina mais de 400 crianças para combater na Síria. G1, 24 mar. 2015. Disponível em: <http://g1.globo.com/mundo/noticia/2015/03/estado-islamico-treina-mais-de-400-criancas-para- combater-na-siria.html>. Acesso em: 24 jan. 2016. 26 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Report of the Independent…, parágrafo 167. 27 Ibid., parágrafo 207.
  • 10. Vanessa Oliveira de Queiroz Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.280-305. 289 que passam a compreender a prática de ações violentas como algo normal, próprio de seus estilos de vida enquanto combatentes.28 Os pequenos são recrutados perto de escolas, mesquitas e áreas públicas e os pais também são incentivados pela organização terrorista a enviarem seus filhos aos campos de treinamento, inclusive através da oferta de dinheiro como contrapartida.29 Ao recrutamento e à doutrinação das crianças segue-se a exposição midiática de sua participação nos exercícios militares do EI – principalmente execuções sumárias – e nas frentes de batalha, em uma clara estratégia de chocar e espalhar o terror.30 De acordo com as Nações Unidas, as crianças têm sido vítimas, perpetradores e testemunhas das execuções empreendidas pelo EI. Aquelas previamente associadas a outros grupos armados e capturadas pelo EI são decapitadas ou assassinadas por disparos à queima roupa. Outras são treinadas e desempenham o papel de executoras. As informações coletadas pela CIIIS demonstram que a organização terrorista de fato prioriza o recrutamento infantil como instrumento para assegurar a adesão à sua ideologia e a formação de combatentes fiéis, sendo a educação utilizada como principal meio. Os métodos educacionais vêm sendo empregues como ferramenta de doutrinação, funcionando como um catalisador do surgimento de uma nova geração de apoiadores. Os currículos escolares têm sido alterados nesse mesmo sentido, passando a incluir ensinamentos sobre prioridades ideológicas e armamentos. Centros de recrutamento e campos de treinamentos para menores de dezoito anos têm sido estabelecidos nas proximidades de instituições de ensino, como a escola de Al-Bouhtri, em Aleppo. A CIIIS conclui, com isso, que, ao usar, recrutar e alistar crianças para papéis de combate ativos, o EI perpetra abusos e crimes de guerra de maneira sistemática e organizada.31 Além disso, no entender do Fundo das Nações Unidas para a Infância, há evidências concretas e robustas de que todas as partes envolvidas no conflito em curso no Iraque estão constantemente recrutando menores de idade.32 28 AGENCIA EFE. Estado Islâmico prioriza recrutamento de crianças para a guerra. EFE, 31 mar. 2015. Disponível em: <https://br.noticias.yahoo.com/ucr%C3%A2nia-registra-24-candidatos-%C3%A0- elei%C3%A7%C3%A3o-presidencial-maio-091207475.html>. Acesso em: 30 jan. 2016. 29 WESTALL, Sylvia. Islamic State Has Recruited At Least 400 Children In Syria Since January, Monitoring Group Says. Reuters, 24 mar. 2015. Disponível em: <http://www.huffingtonpost.com/2015/03/24/islamic-state-children_n_6929534.html>. Acesso em: 08 jan. 2016. 30 STERN, Jessica & BERGER, J. M. ISIS: The State of Terror. 1ª Ed. Ecco, 2015, 416 p. 31 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Report of the Independent…, p.10-11. 32 AGENCIA EFE. Estado Islâmico prioriza recrutamento de crianças para a guerra. EFE, 31 mar. 2015. Disponível em: <https://br.noticias.yahoo.com/ucr%C3%A2nia-registra-24-candidatos-%C3%A0- elei%C3%A7%C3%A3o-presidencial-maio-091207475.html>. Acesso em: 12 fev. 2016.
  • 11. Os “filhos” do Estado Islâmico: um novo caso para o Tribunal Penal Internacional? Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.280-305. 290 Realmente, o envolvimento dos menores se mostra muito atrativo ao EI, que os utiliza para a composição de postos de controle e como espiões ou informantes em ações de inteligência, sendo deslocados para coletar dados principalmente nas zonas não controladas pelo grupo, onde passam despercebidas. A situação se mostra ainda mais grave quando são colocadas à frente de atos de violência, como assassinatos de prisioneiros e atentados suicidas, o que vem chamando a atenção da comunidade internacional e, em especial, motivando clamores pela abertura de investigações e procedimentos penais pelo TPI. 4. PRIMEIROS PASSOS PARA O INÍCIO DA REPRESSÃO PENAL O artigo 25 do Estatuto do TPI determina que uma pessoa pode ser individualmente responsabilizada e punida caso cometa quaisquer dos crimes relativos à jurisdição da Corte – crimes de guerra, contra a humanidade, de agressão e genocídio (cf. arts. 6º a 8bis). Por isso, qualquer sancionamento aos membros do EI no âmbito da Corte exigiria, precipuamente, a identificação da contribuição de eventual denunciado para a ocorrência de crimes daquela natureza no contexto de conflitos armados internacionais e não-internacionais nos quais o grupo atue. No caso das condutas relativas à utilização das crianças-soldado, deve ser demonstrada a culpabilidade dos acusados, provando-se, por exemplo, a ciência de comandantes militares sobre as campanhas de recrutamento e treinamento de menores empreendidas por seus subordinados ou a sua participação direta nas referidas campanhas. A consciência dos investigados sobre a menoridade dos recrutados também pode vir a ser objeto de análise pela Promotoria do TPI e, posteriormente, pelos juízes da corte com o fito de verificarem o enquadramento ou não de suas condutas nos tipos penais constantes dos dispositivos do Estatuto (item 2, alínea “b”, inciso xxvi, e item 2, alínea “e”, inciso vii do artigo 8º). Várias organizações internacionais já vêm conclamando o Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU) a submeter as ações do EI ao TPI e, assim, requerer a abertura de investigações. Em diversas denúncias são apontadas evidências de que o grupo teria empreendido atos de genocídio na tentativa de eliminar a minoria Yazidi no Iraque, já que seus membros são vistos pelos extremistas como pagãos.33 33 NEBEHAY, Stephanie. ICC should prosecute Islamic State for Iraq Genocide, war crimes: UN. Reuters, 19 mar. 2015. Disponível em: <http://www.reuters.com/article/2015/03/19/us-mideast-crisis- iraq-un-idUSKBN0MF0TX20150319>. Acesso em: 12 fev. 2016.
  • 12. Vanessa Oliveira de Queiroz Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.280-305. 291 Adicionalmente, a Promotoria do TPI está recebendo constantes relatórios de Estados- membros a respeito do envolvimento de indivíduos em crimes de guerra e crimes contra a humanidade supostamente perpetrados pelo EI, especialmente em desfavor de crianças. Em resposta, a Promotora Fatou Bensouda afirmou que seu Escritório estaria estudando a possibilidade de formular acusações contra os combatentes.34 No que tange às possibilidades concretas de responsabilização dos integrantes do EI pelo TPI, parece não haver dúvidas de que as provas dos atos de violência perpetrados atualmente nos territórios do Iraque e da Síria fundamentam, no mínimo, a caracterização de uma situação suficientemente grave para justificar a intervenção daquela corte. Esse reconhecimento é um dos requisitos processuais de admissibilidade dos casos submetidos à jurisdição do TPI, conforme previsto no artigo 17, item 1, alínea “d” do Estatuto de Roma. No mesmo sentido, qualifica-se como um reforço ao cabimento da intervenção judicial a total ausência de esforços internos no tocante àquela responsabilização – inclusive porque não há condições estruturais adequadas para países como a Síria adotarem medidas com tal intuito nesse momento, devido à continuação e ao recrudescimento das hostilidades em seus territórios. Mesmo após vários anos de reprodução reiterada de atos criminosos internacionais pelo EI, ainda se aguarda a instauração de uma fase de exame preliminar no âmbito do TPI para tratar da situação. Esse procedimento está previsto no artigo 15 do Estatuto de Roma e abrange investigações realizadas pela Promotoria a partir do material enviado por denunciantes com o fito de verificar se há base material para a identificação de crimes. Constatando-se a seriedade das informações recebidas, a Promotora pode determinar a coleta de dados complementares junto a Estados, órgãos das Nações Unidas, outras organizações internacionais e ONGs, entre outras fontes confiáveis. Diante da documentação reunida, se entender que há fundamento suficiente em conformidade com o que dispõe o artigo 53 do Estatuto (critérios de jurisdição, admissibilidade e interesse de Justiça), pode a Promotora decidir pela abertura de um inquérito, apresentando um pedido nesse sentido aos juízes do Tribunal. Então, se o chamado juízo de instrução por parte da Câmara de Pré-Julgamento for positivo, o 34 SNYDER, Peter. ICC Prosecutor contemplating war crimes charges against Islamic State fighters: report. Jurist, 20 nov. 2014. Disponível em: <http://jurist.org/paperchase/2014/11/icc-prosecutor- contemplating-war-crimes-charges-against-islamic-state-fighters-report.php>. Acesso em: 12 fev. 2016.
  • 13. Os “filhos” do Estado Islâmico: um novo caso para o Tribunal Penal Internacional? Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.280-305. 292 Tribunal autorizará a abertura de um inquérito e, assim, a Promotoria dará prosseguimento à reunião de provas para a persecução penal. Quanto aos atos dos integrantes do EI, para aparelhar eventual pedido de abertura de inquérito a ser submetido ao juízo de instrução do TPI, uma importante estratégia seria a apresentação de apontamentos sobre a participação de menores nas suas atividades, com a juntada dos materiais divulgados pelos próprios integrantes do grupo. Uma vez autorizada a abertura do inquérito, os depoimentos de vítimas e testemunhas também poderiam contribuir para a instrução processual, incluindo aqueles coletados pelo Escritório de Direitos Humanos das Nações Unidas – órgão esse que, aliás, já apresentou pedido formal ao CSNU para que a situação seja submetida ao TPI visando a responsabilização de perpetradores.35 Com efeito, as evidências de que já dispõem diversos organismos governamentais e não governamentais, além da própria Promotoria da corte, podem ser consideradas suficientes para aparelhar a abertura formal de investigações sobre a sistemática geral de atuação do EI. Já no que toca à inauguração de processos judiciais individuais, deve-se aprofundar a análise para verificar se há integrantes do grupo que possam ser formalmente denunciados pelos crimes que envolvem as crianças-soldado. 5. DE “SHEIK INVISÍVEL” A RÉU O relatório divulgado em fevereiro de 2015 pela CIIIS traz conclusões expressas de seus membros no sentido de que a aplicação de sanções aos criminosos é uma das medidas imprescindíveis para a cessação das hostilidades na Síria, seja através da persecução doméstica ou pelo exercício da jurisdição internacional. A utilização de armas químicas em ataques (e.g. gás de cloro), as punições cruéis (e.g. apedrejamento e mutilação), os assassinatos, as torturas e os sequestros de membros de minorias étnicas e religiosas somam-se aos estupros, às práticas de escravidão sexual e ao recrutamento e uso de menores como soldados na longa lista de crimes pelos quais os membros do EI estão sendo acusados e que são abrangidos pela jurisdição do TPI, já que cometidos em um contexto de conflito armado.36 De forma mais específica, a CIIIS aponta que os papéis são desempenhados na estrutura do EI com base em uma lógica de comando responsável, dentro de uma 35 NEBEHAY, op. cit., nota 64. 36 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Report of the Independent…, parágrafos 96, 102, 132, 139, 146.
  • 14. Vanessa Oliveira de Queiroz Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.280-305. 293 hierarquia que abrange um nível político-decisório.37 Nesse particular, destaca-se a função exercida por Abu Bakr al-Baghdadi na estrutura organizacional do grupo, porquanto esse indivíduo ocupa um proeminente posto de liderança militar e política, além de participar da coordenação e condução das atividades. Pode-se presumir, assim, sua ciência e anuência no tocante às ações desenvolvidas pelos extremistas quanto à promoção de treinamentos e ao efetivo uso de crianças e adolescentes em práticas militares, como as execuções veiculadas na mídia pelo próprio grupo. Conhecido como “Sheik invisível”, al-Baghdadi costuma proferir sermões em mesquitas e se dirige aos seus comandados usando uma máscara, para preservar sua identidade, apesar de já existirem registros fotográficos que o identificam. Ao contrário de seus antecessores, como Abu Musab Al-Zarqawi, o comandante rechaça a exposição, principalmente com vistas a evitar a descoberta de sua localização. De acordo com alguns relatos, ele teria nascido na cidade de Samarra, no norte de Bagdá, no ano de 1971, e depois se tornado um clérigo, atuando em uma mesquita próxima àquela cidade, inclusive durante a invasão norte-americana em 2003. Há indícios de que agia como militante jihadista no regime de Saddam Hussein e outros no sentido de que apenas teria se radicalizado durante os quatro anos em que foi mantido como prisioneiro no campo Bucca, uma unidade norte-americana localizada no sul do Iraque onde muitos comandantes da Al Qaeda foram detidos. Posteriormente, al- Baghdadi tornou-se o líder da unidade da Al Qaeda no Iraque – unidade essa que tempos depois se uniu a outros grupos para finalmente formar ao EI, em 2010.38 O comandante é comumente descrito pelos analistas como sendo um estrategista, já que desenvolve táticas voltadas à manutenção de campos de batalha altamente organizados e implacáveis, e sua reputação é considerada muito atrativa aos jovens jihadistas.39 Há, portanto, fortes indícios de que, considerando a liderança de al- Baghdadi quanto à organização do EI, o planejamento estratégico e o controle que exerce sobre as ações da entidade, as práticas desenvolvidas pelos extremistas são de seu pleno conhecimento. De sua parte, a ausência de medidas concretas voltadas à cessação de condutas perpetradas pelos comandados quanto ao alistamento e a 37 Ibid., parágrafos 74 e 76. 38 BBC NEWS. Profile: Abu Bakr al-Baghdadi. Disponível em: <http://www.bbc.com/news/world- middle-east-27801676>. Acesso em: 02 fev. 2016. 39 Ibid.
  • 15. Os “filhos” do Estado Islâmico: um novo caso para o Tribunal Penal Internacional? Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.280-305. 294 utilização de crianças-soldado também pode ser considerada para fins de responsabilização por omissão. Há, com isso, um liame capaz de fundamentar a apresentação de denúncias à Promotoria do TPI, para que, em seguida, seja autorizada a abertura de uma investigação a respeito das práticas empreendidas por aquele grupo e, mais especificamente, para que seja analisada a conduta de Abu Bakr al-Baghdadi no tocante à admissão de pessoas menores de quinze anos como participantes dos exercícios militares. Aliás, a CIIIS já se manifestou no sentido de que os comandantes do EI devem ser individualmente responsabilizados pelos crimes em questão, atraindo-se a competência do TPI e de outros mecanismos de responsabilização internacional.40 Para isso, a Promotoria deve atuar no sentido de reunir informações que evidenciem a materialidade e a autoria das condutas criminosas, de maneira que seja possível identificar perpetradores. Feito isso, futuramente o Tribunal poderá expedir contra os mesmos mandados de prisão e, uma vez capturados, seus testemunhos serão capazes de esclarecer a cadeia de comando interna, inclusive para demonstrar a ciência de al-Baghdadi e de outros líderes sobre as táticas empregues, como a utilização de crianças e adolescentes como soldados. Contudo, é necessário reconhecer que, conquanto o TPI tenha historicamente abraçado em sua jurisprudência a estratégia de persecução baseada na prestação de contas por parte dos principais comandantes dos grupos armados, à Promotoria ainda incumbe o ônus de provar a culpabilidade dos acusados, demonstrando o nexo de causalidade específico entre suas condutas e as infrações cometidas. É que, tradicionalmente, os líderes têm sido considerados como sendo aqueles que possuem as maiores responsabilidades pelos mais sérios crimes praticados em contextos de conflito, motivo pelo qual são alvos dos principais casos julgados no âmbito daquela corte. Por outro lado, a Promotoria vem se esforçando no sentido de alterar a estratégia de persecução para alcançar perpetradores de níveis hierárquicos inferiores, de modo a reunir dados robustos para guarnecer processos futuros contra os mais graduados.41 Assim, antes de al-Baghdadi tornar-se o foco das investigações, podem as ações de outros integrantes do EI vir a ser objeto de inquéritos penais. 40 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Report of the Independent…, parágrafos 78 e 82. 41 TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL. Office of the Prosecutor. Strategic Plan – June 2012-2015. 11 out. 2013, p.14, parágrafo 22. Disponível em: <http://www.icc- cpi.int/en_menus/icc/structure%20of%20the%20court/office%20of%20the%20prosecutor/policies%20an d%20strategies/Documents/OTP-Strategic-Plan-2012-2015.pdf>. Acesso em: 05 jan. 2016.
  • 16. Vanessa Oliveira de Queiroz Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.280-305. 295 6. ALGUNS DESAFIOS AO EXERCÍCIO DA JURISDIÇÃO PENAL INTERNACIONAL A competência do TPI para processar e julgar indivíduos não pode ser exercida sobre qualquer caso hipoteticamente enquadrável nos tipos penais afetos à sua jurisdição. Particularmente, em relação às infrações supostamente cometidas por componentes do EI, o CSNU deve, o quanto antes, referir a situação do Iraque e da Síria ao TPI. Isso porque, como já mencionado, os países em questão, nos quais são praticados a maioria dos atos criminosos pelo grupo, não são partes do Tratado de Roma – o que exige, como alternativa, a submissão pelo CSNU. Tal referência só não será necessária caso sejam identificados perpetradores nacionais de Estados Partes ou, ainda, se a Síria ou o Iraque aceitarem o exercício da jurisdição do TPI de forma ad hoc (cf. arts. 12 e 13 do Estatuto). Cabe ressaltar, quanto a isso, que investigadores do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas vêm conclamando o Iraque a aderir ao Tratado de Roma42 , diante do que os crimes cometidos no território do país poderiam ser amplamente investigados e os autores processados internacionalmente, sem a necessidade de atuação prévia do CSNU. De acordo com a sistemática prevista do Estatuto, a situação eventualmente instaurada para investigação pela Promotoria não poderá abranger as ações do EI de forma exclusiva, pois já restou expresso na jurisprudência do TPI que, para preservar a objetividade das investigações e dos processos penais da Corte, é preciso definir parâmetros gerais, sob aspectos temporais, territoriais e pessoais, quando cabível.43 Assim, as condutas de outros grupos armados estatais e não estatais envolvidos nos conflitos em curso naqueles dois países poderão ser alvos de futuras acusações. Entretanto, não se pode deixar de lado a preocupação manifestada por alguns analistas quanto à viabilidade jurídica do TPI voltar-se às ações do EI, autorizando a abertura de um exame preliminar e posteriormente conduzindo investigações e a persecução penal. Para Carsten Stahn, por exemplo, a intervenção do Tribunal poderá ser um obstáculo no caminho dos esforços internacionais de combate ao grupo, ao invés de parte da solução para o problema da segurança humana nas regiões alcançadas pelos 42 NEBEHAY, op. cit., nota 64. 43 TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL. Decision on the applications for participation in the proceedings of VPRS 1, VPRS 2, VPRS 3, VPRS 4, VPRS 5 and VPRS 6. 17 jan. 2006, p. 17, parágrafo 65. Disponível em: <http://www.icc-cpi.int/iccdocs/doc/doc183441.PDF>. Acesso em: 09 jan. 2016.
  • 17. Os “filhos” do Estado Islâmico: um novo caso para o Tribunal Penal Internacional? Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.280-305. 296 atos terroristas.44 Ademais, alguns críticos preocupam-se com a possibilidade de o indiciamento de líderes do grupo vir a ser identificado como uma tentativa forçada de criminalização do EI – uma espécie de condenação simbólica –, o que prejudicaria a credibilidade da Promotoria e poderia abastecer ainda mais as tensões entre os grupos combatentes.45 De acordo com essa abordagem, haveria uma clara dificuldade de identificação dos indivíduos diretamente responsáveis, o que forçaria uma estratégia inadequada de persecução penal, a saber, a denúncia genérica de líderes, sem a especificação de suas respectivas contribuições para as práticas criminosas.46 Logo, seria preciso cautela ao se utilizar da persecução penal como estratégia de gerenciamento dos conflitos armados em curso, até mesmo porque, segundo Carsten, o alcance da paz possuiria pouca conexão com esforços de responsabilização penal individual. O exercício da jurisdição do TPI só seria viável, para o autor, caso se mostrasse possível empreender uma investigação independente, efetiva e objetiva sobre os crimes, o que dependeria, em grande medida, de uma postura colaborativa dos governos sírio e iraquiano.47 De fato, o enfrentamento ao grupo terrorista EI depende de uma ampla estratégia de prestação de contas, podendo incluir esforços internos de responsabilização através de estruturas judiciais locais ou, ainda, o estabelecimento de câmaras mistas de julgamento, integradas por especialistas nacionais e internacionais, em formato análogo àquele adotado pelo Tribunal Especial para Serra Leoa. Contudo, a possibilidade de exercício da jurisdição subsidiária do TPI não deve ser descartada apenas com base em cálculos políticos. Isso porque é preciso respeitar a neutralidade e imparcialidade da Promotoria da Corte, que deve poder analisar com objetividade todas as informações que lhe são submetidas. Nesse caso, não se mostra coerente exigir da Promotoria que oriente suas 44 Sobre a interseção entre os esforços de paz e o exercício da jurisdição penal internacional, ver ROBINSON, Darryl. The International Criminal Court. In MCRAE, Robert Grant III; HIBERT, Don. Human Security and the New Diplomacy: Protecting People, Promoting Peace. Montreal: McGill- Queen´s University Press, 2001, p.170-177; e LAUREN, Paul G. From Impunity to Accountability: Forces of Transformation and the Changing International Human Rights Context. In: MALCONTENT, Peter; THAKUR, Ramesh (Org.). From Sovereign Impunity to International Accountability: The Search for Justice in a World of States. Tóquio: United Nations University Press, 2004, pp. 15-41. 45 STAHN, Carsten. Why the ICC should be cautious to use the Islamic State to get out of Africa: part 1. Ejil Talk, 03 dez. 2014. Disponível em: <http://www.ejiltalk.org/why-the-icc-should-be-cautious-to-use- the-islamic-state-to-get-out-of-africa-part-1/>. Acesso em: 25 jan. 2016. 46 STAHN, Carsten. Why the ICC should be cautious to use the Islamic State to get out of Africa: part 2. Ejil Talk, 04 dez. 2014. Disponível em: <http://www.ejiltalk.org/why-the-icc-should-be-cautious-to-use- the-islamic-state-to-get-out-of-africa-part-2/>. Acesso em: 25 jan. 2016. 47 STAHN, op.cit., nota 76.
  • 18. Vanessa Oliveira de Queiroz Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.280-305. 297 decisões no que tange à abertura ou não de inquéritos por considerações alheias àquelas relativas ao exame dos critérios de admissibilidade previstos no Estatuto do Tribunal. De qualquer modo, como prevê o primeiro dos chamados Princípios de Chicago de Justiça Pós-Conflito, os Estados possuem o dever de processar todos os indivíduos envolvidos na prática de violações ao DIH. Tal obrigação pode ser cumprida no escopo das instituições domésticas ou, ainda, através da criação de tribunais penais internacionais e tribunais mistos (nacionais e internacionais).48 As vítimas daquelas infrações não podem se tornar reféns de estratégias políticas, sendo forçadas a concordar com medidas voltadas a acelerar processos de paz com base no afastamento da responsabilização penal individual, como é o caso das anistias gerais e irrestritas. Aliás, admitir a impunidade dos perpetradores sob a justificativa de que sua persecução poderia desacelerar processos de paz e ocasionar novas tensões não seria coadunar com mais um ato de terrorismo? Por isso, em que pese o acerto dos argumentos supracitados no sentido de que a responsabilização penal internacional dependerá da individualização das condutas, a atuação do TPI não pode ser completamente rechaçada antes mesmo de iniciado um exame preliminar e a abertura oficial de um inquérito. Através desses procedimentos, será dada ampla publicidade e conhecimento à comunidade internacional sobre o material coletado. Essa ação contribuirá, ademais, para a mobilização de novas estratégias de combate àquele grupo terrorista e a todos os Estados e organismos que de alguma maneira financiam os atos de violência. Ao mesmo tempo, pode-se pensar em alternativas à atuação do TPI. É que, diante de eventuais dificuldades para a apresentação de indivíduos denunciados perante a corte – considerando ser o comparecimento dos acusados condição imprescindível para o início dos julgamentos –, seja em virtude de seu paradeiro ou por ausência de cooperação dos Estados para a sua entrega, o recurso à promoção de iniciativas nacionais de prestação de contas surge como importante ferramenta para se evitar a impunidade. Quanto a isso, deve-se incentivar a adoção de esforços judiciais baseados nas estruturas institucionais já existentes ou por meio da criação de câmaras ad hoc para julgamentos especiais. Nesse caso, eventuais investigações e processos seriam 48 BASSIOUNI, M. Cherif. The Chicago Principles on post-conflict justice. Chicago: International Human Rights Law Institute (IRLHI), 2008, p.3, 29-30.
  • 19. Os “filhos” do Estado Islâmico: um novo caso para o Tribunal Penal Internacional? Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.280-305. 298 fundamentados com base nas legislações domésticas vigentes e nas leis humanitárias e penais internacionais pelas quais se obrigaram os Estados – no caso a Síria e o Iraque. Além disso, há a possibilidade de adoção de estratégias não judiciais, como acordos de anistia individuais. Em caráter subsidiário, diante de uma possível exaustão de remédios locais ou negligência das autoridades nacionais em adotá-los, o exercício da chamada jurisdição universal também se apresenta como meio para a responsabilização. Esse instrumento jurídico envolve a persecução penal por tribunais de outros Estados que não aqueles onde ocorrem os crimes ou dos quais os autores sejam nacionais, sempre diante de perpetradores de infrações consideradas de maior gravidade pela comunidade internacional, como aqueles responsáveis por atos de genocídio. Trata-se de claro incentivo à ampliação do acesso à justiça internacional. O reconhecimento dos indivíduos como sujeitos do Direito Internacional implica a necessidade de lhes conferir mecanismos para fazer valer seus direitos, particularmente quando figuram como vítimas de violações a regras materiais daquele ordenamento jurídico. O meio mais fundamental nesse sentido é o chamado direito de ação ou petição (jus standi in judicio), que permite não apenas o acesso de indivíduos às cortes internacionais, como as Cortes Europeia e Interamericana de Direitos Humanos – ainda que por instituições intermediárias, como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos49 –, como também a cortes de outros países que não aqueles dos quais são nacionais. Nessa última hipótese, o conhecimento de demandas propostas por cidadãos estrangeiros pode constituir-se como mais um instrumento de combate a situações de desrespeito às obrigações internacionais relativas à proteção aos direitos humanos e as de caráter humanitário, em especial as chamadas jus cogens (normas imperativas ou peremptórias de DI). Não obstante ainda depender de desenvolvimentos jurisprudenciais e legislativos internacionais50 e nacionais para sua incidência ser considerada legítima e 49 A intermediação pela Comissão está prevista no artigo 61 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Apesar disso, os indivíduos podem apresentar queixas e denúncias diretamente ao órgão ou através de representantes, como ONGs, e, ainda, participar de todo o processo eventualmente instaurado na corte, endereçando à mesma argumentos e provas de forma autônoma, de acordo com a permissão outorgada pelo Regulamento do Tribunal, em seu artigo 25. 50 Sobre isso, cumpre informar que a Corte Internacional de Justiça (CIJ) e a CEDH possuem precedentes no sentido de que o princípio do par in parem non habet imperium (isonomia interestatal) não pode ser excepcionado para permitir o exercício da jurisdição doméstica contra autoridades de outros Estados em relação a causas cíveis, ainda que estas estejam relacionadas a atos de tortura, prevalecendo o princípio da imunidade de jurisdição estatal. Nesse sentido, destacam-se os casos Al-Adsani v. The United Kingdom (CEDH) e “Imunidades do Estado, Alemanha v. Itália, Grécia intervindo” (CIJ).
  • 20. Vanessa Oliveira de Queiroz Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.280-305. 299 legal, a jurisdição universal pode ser mais um instrumento utilizado para a repreensão a graves situações de desrespeito a leis humanitárias internacionais – seja no campo penal ou no cível –, inclusive no tocante às violações objeto do presente estudo, das quais os extremistas do EI são protagonistas. Assim, caso a jurisdição do TPI não seja exercida em determinado caso, em virtude da não entrega de um indivíduo investigado, por exemplo, ou mesmo pelo reconhecimento da insuficiência de provas pela Promotoria da corte para seu indiciamento, o Estado em que o mesmo se encontre poderia lançar mão de sua estrutura doméstica de responsabilização para processá-lo e julgá-lo. CONSIDERAÇÕES FINAIS Em territórios sírios e iraquianos, a organização terrorista EI vem executando inúmeros atos massivos de violência, muitos dos quais constituem infrações tipificadas como crimes no Estatuto do TPI. O grupo, sob o comando do líder religioso Abu Bakr al-Baghdadi, assume a autoria de inúmeros sequestros e assassinatos de civis, além de buscar a disseminação do terror através da transmissão de vídeos que retratam explicitamente os atos criminosos. Suas ações chocam a comunidade internacional também em função do uso sistemático de pessoas menores de dezoito anos como soldados. Crianças e adolescentes são recrutados, alistados, participam de treinamentos militares e são envolvidos diretamente nas atividades violentas do grupo, como execuções sumárias. O EI forma, assim, um novo exército de combatentes jovens, capazes de reproduzir os ideais da entidade de forma indiscriminada, considerando a facilidade com que são doutrinados. Como visto, seja no âmbito de um conflito armado internacional ou em cenários de guerras internas, o recrutamento, o alistamento e o uso de pessoas menores de idade para participação ativa em hostilidades são condutas classificadas como crimes de guerra pelo Estatuto do TPI, em seu artigo 8º. Logo, as práticas empreendidas por integrantes do EI nesse sentido se enquadram na competência material daquela corte, motivo pelo qual, em tese, seria possível o exercício de sua jurisdição sobre os fatos em questão. Ainda assim, a instauração de um exame preliminar pela Procuradoria do TPI dependeria do reconhecimento da competência territorial do órgão ou, ainda, de sua competência em razão da nacionalidade dos perpetradores. A princípio, isso só seria
  • 21. Os “filhos” do Estado Islâmico: um novo caso para o Tribunal Penal Internacional? Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.280-305. 300 possível em relação a violações ocorridas em regiões de Estados Partes do Tratado de Roma ou quanto àquelas praticadas por cidadãos nacionais desses Estados. Não obstante isso, os dois principais países em cujos territórios o EI concentra suas atividades – a Síria e o Iraque – são Estados não-Partes. Desse modo, pelos fatos aqui narrados, o início das investigações sobre a situação daqueles países demandaria uma referência pelo CSNU ou a aceitação ad hoc da jurisdição da Corte pelos respectivos governos. Nessa última hipótese, o tribunal poderia exercer sua competência até mesmo em relação aos crimes cometidos antes da entrada em vigor do Estatuto relativamente àqueles países, o que também poderia ocorrer caso decidam aderir ao Tratado de Roma e se tornarem Partes, conforme o que estabelece os artigos 11 e 12 daquele diploma, desde que houvesse uma declaração expressa de consentimento nesse tocante. Há uma grande expectativa, portanto, no sentido de que em breve a Promotoria possa efetivamente instaurar um exame preliminar sobre os fatos supracitados, seja por iniciativa própria ou a partir de denúncias por Estados Partes e pelo CSNU, uma vez preenchidos os requisitos mencionados no parágrafo anterior. Iniciada a investigação, os vídeos e demais postagens de autoria daquele grupo terrorista poderiam ser reunidos para compor o conjunto fático-probatório a ser carreado aos autos de futuros processos penais a serem conduzidos no âmbito do TPI. Em consequência, tornar-se-ia possível a expedição de mandados de prisão e a entrega de cidadãos como al-Baghdadi, para que permaneçam à disposição da Justiça internacional em caso de eventual persecução. A detenção e a transferência de extremistas para a custódia do TPI contribuiriam, ademais, para a desarticulação daquela organização e até mesmo para a prevenção de novas práticas criminosas. Algumas dificuldades podem ser enfrentadas pela Promotoria para a identificação dos perpetradores e para a coleta de evidências que atestem o nexo de causalidade entre as suas condutas e o recrutamento, o alistamento e a participação dos menores nas hostilidades. No entanto, com a colaboração dos governos sírio e iraquiano – além de outros Estados, em particular os vizinhos – e a participação de vítimas, comunidades, organizações internacionais e ONGs, os obstáculos poderiam ser transpostos para a montagem do acervo probatório, de modo que, no decorrer da persecutio criminis in judicitio, as teses acusatórias ganhassem força no sentido de demonstrar a responsabilidade penal individual dos réus.
  • 22. Vanessa Oliveira de Queiroz Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.280-305. 301 Como foi demonstrado, as recentes notícias veiculadas pela mídia internacional a respeito do envolvimento de menores nos atos terroristas do EI são apenas mais um grave capítulo do fenômeno das crianças-soldado. O TPI tem atuado efetivamente no tocante à luta contra a impunidade relativa a esse fenômeno e expandido suas frentes de atuação. A confirmação da condenação de Lubanga Dyilo pela Câmara de Apelação em 2014, o deslocamento recente de juízes que acompanham o caso de Ntaganda até as regiões onde os crimes foram supostamente cometidos, e a entrada em vigor do Estatuto de Roma para a Palestina são exemplos recentes da potencialidade do alcance da jurisdição da corte como instrumento de promoção da justiça internacional. Reconhece-se, por conseguinte, que o Direito Penal Internacional avança paulatinamente para tentar evitar uma reprodução ainda maior de práticas criminosas caracterizadas como crimes internacionais, não apenas através de estratégias de proibição normativa, como por meio de esforços de responsabilização, afastando a impunidade dos perpetradores. A instauração de um exame preliminar, seguida da abertura de um inquérito e, por fim, a persecução criminal a al-Baghdadi e a outros integrantes do EI por crimes de guerra envolvendo o recrutamento infantil seria mais um passo considerável no mesmo sentido.
  • 23. Os “filhos” do Estado Islâmico: um novo caso para o Tribunal Penal Internacional? Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.280-305. 302 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AFP. Estado Islâmico treina mais de 400 crianças para combater na Síria. G1, 24 mar. 2015. Disponível em: <http://g1.globo.com/mundo/noticia/2015/03/estado-islamico- treina-mais-de-400-criancas-para-combater-na-siria.html>. Acesso em: 24 jan. 2016. AGENCIA EFE. Estado Islâmico prioriza recrutamento de crianças para a guerra. EFE, 31 mar. 2015. Disponível em: <https://br.noticias.yahoo.com/ucr%C3%A2nia-registra- 24-candidatos-%C3%A0-elei%C3%A7%C3%A3o-presidencial-maio- 091207475.html>. Acesso em: 30 jan. 2016. ANSA. Em vídeo do Estado Islâmico, criança aparece atirando em refém. Último Segundo, 13 jan. 2015. Disponível em: <http://ultimosegundo.ig.com.br/mundo/2015- 01-13/em-video-do-estado-islamico-crianca-aparece-atirando-em-refem.html>. Acesso em: 22 fev. 2016. BASSIOUNI, M. Cherif. The Chicago Principles on post-conflict justice. Chicago: International Human Rights Law Institute (IRLHI), 2008. BBC NEWS. Profile: Abu Bakr al-Baghdadi. Disponível em: <http://www.bbc.com/news/world-middle-east-27801676>. Acesso em: 02 fev. 2016. BRANNEN, Kate. Children of the Caliphate, Foreign Policy, 24 out. 2014. Disponível em: <http://foreignpolicy.com/2014/10/24/children-of-the-caliphate/>. Acesso em: 22 fev. 2016. CANADÁ. Departamento de Assuntos Exteriores e Comércio Internacional. Human Security: Safety for People in a Changing World, abr. 1999. Disponível em: <http://www.summit-americas.org/canada/humansecurity-english.htm>. Acesso em: 18 fev. 2016. CHILD SOLDIERS INTERNATIONAL. Louder than words: An agenda for action to end state use of child soldiers, 2012, p.11. Disponível em: <http://www.child- soldiers.org/global_report_reader.php?id=562>. Acesso em: 03 jan. 2016. FAÇANHA, Luisa Café Figueiredo. A Construção Social das Crianças-Soldado: representações e dilemas dentro do marco regulatório da ordem internacional do Pós- Guerra Fria. 2011. 136f. Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais) – Instituto de Relações Internacionais. PUC, Rio de Janeiro, 2011. HUMAN RIGHTS WATCH. Syria: Armed Groups Send Children into Battle. 23 jun. 2014. Disponível em: <http://www.hrw.org/news/2014/06/22/syria-armed-groups-send- children-battle>. Acesso em: 07 jan. 2016. JANFELT, Monika. War in the Twentieth Century. In: FASS, Paula S. (Ed). Encyclopedia of Children and Childhood: in History and Society. New York: Macmillan Reference USA, 2004. LAUREN, Paul G. From Impunity to Accountability: Forces of Transformation and the Changing International Human Rights Context. In: MALCONTENT, Peter; THAKUR, Ramesh (Org.). From Sovereign Impunity to International Accountability: The Search
  • 24. Vanessa Oliveira de Queiroz Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.280-305. 303 for Justice in a World of States. Tóquio: United Nations University Press, 2004, pp. 15- 41. LUFFMAN, Laurinda. Former child soldiers take on new role in South Sudan. SOS Children. 05 abr. 2013. Disponível em: <http://www.soschildrensvillages.org.uk/news/archive/2013/04/former-child-soldiers- take-on-new-role-in-south-sudan>. Acesso em: 02 jan. 2016. MARTEN, James. Soldier Children: Global Human Rights Issues. In: FASS, Paula S. (Ed). Encyclopedia of Children and Childhood: in History and Society. New York: Macmillan Reference USA, p.776-778, 2004. MOSENDZ, Polly. ISIS Releases Video Purporting to Show Child Soldier Killing Hostage. Newsweek, 10 mar. 2015. Disponível em: <http://www.newsweek.com/isis- releases-video-purporting-show-child-soldier-killing-hostage-312816>. Acesso em: 20 fev. 2016. ______. Child Soldier Involved in Islamic State Mass Beheading. Newsweek, 30 mar. 2015. Disponível em: <http://www.newsweek.com/child-soldier-involved-islamic-state- mass-beheading-318025>. Acesso em: 20 fev. 2016. NEBEHAY, Stephanie. ICC should prosecute Islamic State for Iraq Genocide, war crimes: UN. Reuters, 19 mar. 2015. Disponível em: <http://www.reuters.com/article/2015/03/19/us-mideast-crisis-iraq-un- idUSKBN0MF0TX20150319>. Acesso em: 12 fev. 2016. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Human Development Report, 1994. Disponível em: <http://hdr.undp.org/sites/default/files/reports/255/hdr_1994_en_complete_nostats.pdf> . Acesso em: 20 fev. 2016. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. The State of The World´s Children 1996. Children as soldiers. Nova Iorque, 1996. Disponível em: <http://www.unicef.org/sowc96/2csoldrs.htm>. Acesso em: 20 fev. 2016. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Informe de la Representante Especial del Secretario General para la cuestión de los niños y los conflictos armados. 03 ago. 2011. Disponível em: <http://daccess-dds- ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/N11/443/73/PDF/N1144373.pdf?OpenElement>. Acesso em: 15 jan. 2016. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Report of the Secretary-General. 26 abr. 2012. Disponível em: <http://www.un.org/children/conflict/_documents/A66782.pdf>. Acesso em: 08 jan. 2016. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Report of the Independent International Commission of Inquiry on the Syrian Arab Republic. 14 nov. 2014. Disponível em: <http://www.ohchr.org/Documents/HRBodies/HRCouncil/CoISyria/HRC_CRP_ISIS_1 4Nov2014.pdf>. Acesso em: 20 jan. 2016.
  • 25. Os “filhos” do Estado Islâmico: um novo caso para o Tribunal Penal Internacional? Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.280-305. 304 PASCAL, Maria Aparecida Macedo. As Mulheres e a Guerra do Paraguai. Revista Eletrônica de Ética e Cidadania, 2006. Disponível em: <http://www.mackenzie.com.br/fileadmin/Graduacao/EST/Publicacoes_- _artigos/pascal_11.0.pdf>. Acesso em: 03 jan. 2016. ROBINSON, Darryl. The International Criminal Court. In MCRAE, Robert Grant III; HIBERT, Don. Human Security and the New Diplomacy: Protecting People, Promoting Peace. Montreal: McGill-Queen´s University Press, 2001, p.170-177. SNYDER, Peter. ICC Prosecutor contemplating war crimes charges against Islamic State fighters: report. Jurist, 20 nov. 2014. Disponível em: <http://jurist.org/paperchase/2014/11/icc-prosecutor-contemplating-war-crimes- charges-against-islamic-state-fighters-report.php>. Acesso em: 12 fev. 2016. STAHN, Carsten. Why the ICC should be cautious to use the Islamic State to get out of Africa: part 1. Ejil Talk, 03 dez. 2014. Disponível em: <http://www.ejiltalk.org/why- the-icc-should-be-cautious-to-use-the-islamic-state-to-get-out-of-africa-part-1/>. Acesso em: 25 jan. 2016. ______. Why the ICC should be cautious to use the Islamic State to get out of Africa: part 2. Ejil Talk, 04 dez. 2014. Disponível em: <http://www.ejiltalk.org/why-the-icc- should-be-cautious-to-use-the-islamic-state-to-get-out-of-africa-part-2/>. Acesso em: 25 jan. 2016. STERN, Jessica; BERGER, J. M. ISIS: The State of Terror.1ª Ed. Ecco, 2015, 416 p. TABAK, Jana. As Vozes de Ex-Crianças Soldado: Reflexões Críticas sobre o Programa de Desarmamento, Desmobilização e Reintegração das Nações Unidas. 2009. 169f. Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais) – Instituto de Relações Internacionais. PUC, Rio de Janeiro, 2009. TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL. The Prosecutor v. Thomas Lubanga Dyilo. Disponível em: <http://www.icc- cpi.int/en_menus/icc/situations%20and%20cases/situations/situation%20icc%200104/re lated%20cases/icc%200104%200106/Pages/democratic%20republic%20of%20the%20c ongo.aspx>. Acesso em: 02 fev. 2016. TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL. Decision on the applications for participation in the proceedings of VPRS 1, VPRS 2, VPRS 3, VPRS 4, VPRS 5 and VPRS 6. 17 jan. 2006. Disponível em: <http://www.icc- cpi.int/iccdocs/doc/doc183441.PDF>. Acesso em: 09 jan. 2016. TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL. Referral letter by the Government of Mali. 13 jul. 2012. Disponível em: <http://www.icc-cpi.int/NR/rdonlyres/A245A47F-BFD1- 45B6-891C-3BCB5B173F57/0/ReferralLetterMali130712.pdf>. Acesso em: 29 jan. 2015. TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL. Situation in Colombia. Interim Report, p.69. 14 nov. 2012. Disponível em: <http://www.icc-cpi.int/NR/rdonlyres/3D3055BD-16E2- 4C83-BA85-
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