1. Cadernos de opinião. Moçambique - Maputo. 2017 1
“A luta contra a fome passa necessariamente pela reorganização do Aparelho de
Estado”
- Samora Moisés Machel, 1º Presidente da República de Moçambique
Sérgio dos Céus Nelson1
Um país que não sabe identificar suas prioridades é um país que será sempre jogado ao
despesismo e a ignorância dos reais problemas enfrentados por seus cidadãos, por isso
vemos os espectáculos de importações de carros de altos níveis (de preços exorbitantes)
em momentos em que ainda parece não se perceber onde injectar os fundos que
aparentemente sobram nos cofres do estado.
Vivemos, ainda, numa realidade em que crianças definham de fome, mães não conseguem
tirar leite de qualidade por falta de alimentação adequada que fortalece seu leite com
nutrientes para melhor saúde do seu bebé. Mas ao mesmo tempo estamos nesta lenga-
lenga de um povo que vive em dualidades (um governo de luxo versus sociedade
analfabeta e pobre).
Quando Beatriz Buchilli (PGR) apresentava o relatório sobre a corrupção na Assembleia
da República, disse ser imperioso recuperar os activos derivados dos actos de corrupção.
Tal discurso que põe em causa o que realmente acontece no cenário moçambicano. Ora
vejamos:
Numa altura em que Moçambique ocupava a posição 112ª (2015), num total de 168 países
envolvidos, em 2016 caiu 32 lugares no Ranking da Transparência Internacional (TI),
ocupando a posição 142 (sendo a Dinarmarca o 1º lugar), num total de 177 países.
É importante perceber que tais quedas são, sem dúvidas, resultantes das dívidas ocultas,
casos de suborno da Embraer com envolvimento de altos quadros do país na compra de
aeronaves, sem falar dos empréstimos da EMATUM, MAM, PROINDICUS. Todos estes
factores que catapultam os custos da corrupção em Moçambique, fazem do país ocupar a
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Sérgio dos Céus Nelson é licenciado em Jornalismo pela Universidade Eduardo Mondlane – Moçambique
(Maputo). É jornalista e pesquisador. Suas áreas de actuação estão ligadas aos direitos humanos, meio
ambiente e conflitos (Jornalismo de guerra).
Email: sergiodoscnelson@gmail.com
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pior posição desde que o ranking começou a ser publicado a 22 anos, se formos a analisar
os relatórios da Transparência Internacional.
Em 2015, segundo o Gabinete Central de Combate a Corrupção (GCCC), Moçambique
perdeu 80 milhões de dólares, dos quais apenas 14 milhoes foram recuperados, o que nos
desafia a melhorar os nossos sistemas de fiscalização (pode ser através de monitorias e
avaliação nos diversos sectores do estado, penalisando os infratctores (mas como fazê-lo,
se os que cometem tais atrocidades são os próprios que ocupam cargos de mais elevada
relevância?) e, sem dúvidas, saber apostar em políticas de prestação de contas. Falo claro
de prestação de contas racionais e fiáveis.
Antes de me alongar convido a ler o trecho de um dos discursos de Samora Moisés
Machel proferido numa reunião do Bureau Político com a população, em Nampula,
1984:
"O IV Congresso, o Comité Central, determinaram que é
necessário reduzir o efectivo do Aparelho de Estado. É preciso
fazer dos Ministérios uma estrutura pequena, forte,
contundente, altamente disciplinada e executiva. Esta deve ser a
primeira característica dos Ministérios que queremos, nossos.
A segunda característica é que o pessoal deve ser qualificado,
competente, operativo, eficiente, eficaz e capaz.
A terceira característica é que o Ministério deve ser uma
estrutura dinâmica, capaz de operar 24 horas sobre 24
horas.
Mas não conseguimos fazer isso até hoje, ao nível do Aparelho
de Estado. Acomodamos lá preguiçosos, ladrões, desviadores
dos bens do Estado. Acomodamos lá pessoal incompetente,
incapaz, que não sabe o que é cortesia, que não sabe a quem
está a servir. Não sabe ser servidor do povo, nem sabe mesmo o
que é o povo. Não tem patrão. Sente-se, ele próprio, como sendo
a autoridade, como sendo o poder, como sendo o povo, como
sendo tudo! (Risos). É isto o nosso Aparelho de Estado! Isto
acontece no nosso Aparelho de Estado, porque estes meus
colegas Ministros gostam de ter muito pessoal, para ficarem
muito grandes também! É por isso que prolifera nos Ministérios
gente incompetente. Quando têm um dactilógrafo incompetente,
eles admitem mais três, para fazerem o trabalho de um. Por
vezes, no lugar de um admitem quatro e no lugar de dois,
admitem oito!
Assim, como vai ser dinâmica e contundente a estrutura?
Não expulsamos a incompetência, a incapacidade.
Acomodamos, sim, a ignorância, a arrogância, a prepotência.
Fazemos desses incompetentes nossos aduladores, nossos
admiradores.
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Não expulsamos, não punimos, não prendemos os motoristas
que destroem carros do Estado, que atropelam e matam
cidadãos. Não prendemos, não julgamos, não condenamos os
que desviam os bens do Estado . É assim que o nosso Aparelho
de Estado está infiltrado.
Mas a luta contra a fome passa necessariamente pela
reorganização do Aparelho de Estado, pela eliminação dos
prepotentes, dos arrogantes, dos preguiçosos, dos ladrões no
Aparelho de Estado."
Certamente que depois de ler o trecho, acima, do discurso de Samora Machel 2
notamos,
na actualidade, uma roptura com aquilo que chamaria de valorização racional de um povo,
ou se ainda preferirmos, o respeito pelas lideranças no contexto africano, particularmente
em Moçambique (se formos a tomar este discurso na essência da palavra). Há, sem
dúvidas, a necessidade de uma reestruturação da máquina do estado, mas que tal
resstruturação significa, também, a participação da sociedade na implementação de tais
anseios.
Continuar cego nao é uma opção para quem sabe que ainda pode recuperar a “visão”, mas
estar paralítico e ver seu país ruir pode ser alternativa de quem acredita que somente as
futuras gerações serão as responsáveis por uma mudança. Coloco, neste sentido, a
aparente dualidade de Homens que não sabem se decidem acordar para tomar banho ou
continuam na manta e sentem a quentura (da manta) que pode retardar o seu
desenvolvimento.
Quando Samora Machel diz que “É preciso fazer dos Ministérios uma estrutura pequena”
desafia a sociedade (moçambicana) a repensar não só nos seus gastos, mas também numa
ética laboral que significa acima de tudo perceber que há uma nação que precisa de
atenção e não um escritório cheio de mao-de-obra ineficiente. Aliás, pensar nesta
perspectiva de Samora Machael, provavelmente nos faça repensar no como formatar
(recriar) ministérios que já se encontram enfermados de lerdeza, ineficiência e acima de
tudo do desconhecimento sobre as suas reais funções.
Sem dúvidas que a necessidade de “o pessoal deve ser qualificado” deve/deveria ser uma
aposta a se levar a sérios se o que se precisar for um estado virado para o futuro. Um
futuro de oportunidades e de desenvolvimento, onde as “doenças crónicas e agudas” etc
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Samora Moisés Machel foi o primeiro Presidente da República de Moçambique e quem dirigiu
o país a sua independência a 25 de junho de 1975.
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sejam uma utopia porque o estado/governo disponibilizou recursos para lutar contra as
diversas doenças fatais que aniquilam gente e crianças desnutridas.
Quando Samora Machel desafia que “o Ministério deve ser uma estrutura dinâmica, capaz
de operar 24 horas sobre 24 horas”, certamente remete-me as ausênicas massivas que se
notam durante as horas do trabalho nos diversos sectores do estado (e nao só). Tais
desistências que amortecem e desaceleram a função pública, por isso que temos uma
administração pública enferujada e asfixiada e deixada aos relento. Claro que a sua
reactualização significa uma “limpeza institucional” séria, no sentido de perceber, de
forma séria, a necessidade de galvanizar a máquina do estado para garantir o seu
desenvolvimento, de forma mais produtiva, celere e acima de tudo inclusivo.
Reflectindo sobre a visão de Samora Machel quando diz “Acomodamos lá (no Aparelho
do Estado) pessoal incompetente, incapaz, que não sabe o que é cortesia”, percebo a falta
de seriedade no que tange a forma como so funcionários públicos percebem o seu dever
de servir. Disse DEVER, porque é sim uma missão que se tem a cumprir, atender de forma
cordial os utentes e não como se nada se tratasse (que se leia o Estatuto e Regulamento
dos Funcionários e Agentes do Estado para se perceber como se portar e o que seria
incompatibilidades nos funcionários do estado).
Samora Machel dizia que “quando um gato foge e vai viver no mato e só visita a casa
para roubar ouvos e galinhas já não é gato, mas sim uma góia”. Faço esta analogia olhando
para os diversos sectores do Aparelho do Estado que, nas suas anomalias, continuam se
enfraquecendo cada vez mais, como se não soubessem identicar dificuldades e através de
uma analise FOFA (Forças, Oportunidas, Fraquezas e Ameaças) criar ideias/políticas para
o desenvolvimento, criando novas rédeas que dinamizem e fortifiquem aquilo que são
ambições da nação (ou será que não temos ambições como estado?).
Soluções? Há várias, mas de entre elas, acredito ser imperioso que se saiba ser servidor
do povo e saber o que é o povo. Não se pode continuar com um discurso de que “o povo
é o patrão”, se esquecemos dele (o povo) nas tomadas de decisão e quando os dirigentes
se sobrepõem ao povo.
Acho também importante a racionalização dos fundos do estado, porque somente dessa
forma se poderá perceber que “a luta contra a fome passa necessariamente pela
reorganização do Aparelho de Estado”.