1. A CUMPLICIDADE
Contrariando os relatos generalizados da imprensa portuguesa, especialmente os dos órgãos de comunicação social televisivos –
que preferiram ignorar as verdadeiras razões subjacentes aos nefastos acontecimentos violentos do final da tarde do dia 14 de
Novembro de 2012 –, o jornalista do jornal “Expresso”, Daniel Oliveira, vem repor com a sua crónica semanal a verdade sobre a
violência ocorrida nesse dia em frente ao Parlamento, em S.Bento, Lisboa.
É bom de verificar que ainda existe jornalismo sério e independente no nosso país!
Aqui fica o seu relato…
A violência impõe-se pela sua irracionalidade e pelo seu poder mediático. Impõe-se porque imita, na contestação, os códigos
do poder do mais forte. É, assim, uma poderosa aliada de qualquer governo acossado. Estive na manifestação de dia 14, em
frente ao Parlamento. Passei, como tantos outros, aquele fim de tarde a gritar com uns poucos rapazolas que arremessavam
objectos contra a polícia. Espantado com a passividade com que as forças de segurança deixavam que uns quantos
desordeiros tomassem conta de uma concentração pacífica. E vendo como alguns agentes infiltrados, facilmente
identificáveis, nada faziam para parar os provocadores, como se fez sempre que se quis evitar a violência. Quando, às 17h30,
me apercebi que nada pararia uma minoria de idiotas, abandonei o local. Muitos decidiram ficar, mantendo a devida
distância dos provocadores. Era já claro que uma das maiores greves gerais de sempre seria esmagada nas televisões pelas
imagens de violência.
Disse o ministro Miguel Macedo que as provocações eram obra de “meia dúzia de profissionais da desordem”. Confirmo. Só
não entendo como, sendo apenas meia dúzia facilmente identificável depois de uma hora e meia de provocações, assistimos
a uma carga policial indiscriminada, que varreu, com uma violência inusitada e arbitrária, como assinalou a Amnistia
Internacional, tudo o que estava à frente. E como se justifica o espancamento e detenção de pessoas que não participaram
em qualquer desacato, incluindo quem, a quilómetros de distância (no Cais do Sodré, por exemplo), nem sequer tinham
participado na manifestação. 120 cidadãos, que não podem, como sabe quem lá esteve, ter participado em qualquer acto
violento, foram detidos sem que lhes fosse permitido o contacto com qualquer advogado. Como disse o presidente do
Conselho Distrital da Ordem dos Advogados, cometeram-se várias ilegalidades que não são próprias de um Estado de Direito.
Disse o ministro: “Não vai ser um conjunto de profissionais da desordem e da provocação que vai impedir os portugueses de
exercerem as suas liberdades cívicas.” Pois foi exactamente isso que sucedeu. Em vez de proteger os cidadãos, a polícia
deixou que floresta pegasse fogo para depois reprimir todos os manifestantes.
O que aconteceu na Quarta-Feira explica-se em poucas palavras: um grupelho de provocadores tomou conta, com a
cumplicidade passiva da polícia, de uma concentração, durante uma hora e meia. Até as condições para uma carga policial de
uma violência inusitada estarem criadas. Assim se garantiu, com ordens superiores, que uma excelente greve fosse ofuscada
por aquelas imagens. Para ficar mais claro ainda: as forças de segurança, por ordem superior, foram cúmplices da violência e
com isso ofereceram ao país um espectáculo deprimente. Ao contrário do que aconteceu em manifestações anteriores, em
que os indivíduos violentos foram isolados e detidos, uns tantos idiotas de cara tapada e as ordens certas vindas de cima
chegam para garantir que uma greve geral com mais adesão do que o esperado pelo Governo morresse nos telejornais. Mas é
bom não esquecer que há país fora da televisão. E que a greve geral foi mesmo uma das maiores de sempre. Mostrando que o
Governo está irremediavelmente isolado. Nem os parvalhões de cara tapada nem a carga policial mudam este facto.
Daniel Oliveira – Jornal “Expresso”, 17 de Novembro de 2012.