1. convidado
Colunista
Fabíula Nascimento*
Divulgação
Lixo extraordinário
‘‘
Meu Deus! Essa foi a primeira frase que eu disse Uma pena que as pessoas pensem assim. Na
ao chegar ao depósito de lixo do meu prédio. lixeira já encontrei livros, uma fralda descartável
Aviso: essa frase contém alegria e surpresa. Pela abraçada a um aspirador de pó, o gato de pelúcia,
primeira vez num prédio do Rio, encontrei um a sacola de calcinhas velhas... E sempre que me
depósito com lixeiras para coleta seletiva. Uma preparo para colocar o lixo para fora, me sinto
para plástico, outra para vidro, papel e metal e indo para a guerra. Fiquei sabendo que num
uma terceira para orgânicos. Eu sou de Curitiba e,
desde muito pequenina, aprendi a separar o lixo
condomínio em Belo Horizonte, o moço da lim-
peza encontrou uma granada. Pode isso? No mês Não entendo
para reciclagem, então fico muito feliz quando passado, dei de cara com um garotinho, de mais
encontro essas lixeiras. Mas a alegria durou ou menos cinco anos, dentro da lixeira de papel e essa dislexia das
pouco. No dia seguinte, quando fui levar o lixo perguntei: “Você é desse andar?” Ele respondeu
todo separadinho como de costume, o que eu
encontro? A lixeira de plástico com papel, a de
que não. Perguntei ainda: “Sua mãe jogou você
aqui no lixo do bloco dois?” “Não tia, eu tô
pessoas quando
papel com metal, a de metal com plástico e a de
orgânico com um gato! Nem morto nem vivo, de
brincando de esconde-esconde!”
Percebi que tudo pode acontecer. E fico es-
o assunto é lixo.
pelúcia, mas, mesmo assim, assustador.
Eu não entendo essa dislexia das pessoas
perando o dia em que vou encontrar o Jude Law de
cuecas empilhando os jornais velhos. Tenho uma Tá escrito, tem
quando o assunto é lixo. Tá escrito, tem desenho. amiga que mobiliou um apartamento nos EUA com
É de papel, coloca papel. Plástico? Coloca plás- o lixo que encontrou nas ruas. Um sofá, uma cama desenho. É de
tico! Será que essas mesmas pessoas colocam de madeira desmontada, cadeiras, tudo em per-
creme dental no cabelo? Outro dia, fui colocar
meu lixo e, quando abri a porta do depósito,
parecia uma instalação do Vik Muniz, mas de mau
gosto. Alguém empilhou todas as caixas de mu-
dança dentro do depósito de um jeito que não
dava para abrir a porta. Quando consegui entrar,
encontrei uma sacola de calcinhas velhas pen-
durada na caixa da geladeira. Achei muito doido!
Quem é essa pessoa? Aí lembrei que ninguém
havia se mudado, todos os apartamentos estavam
ocupados quando cheguei. Resolvi investigar.
Atravessei para o outro bloco no mesmo andar
e percebi que o Projeto de Vik Muniz do Mau tinha
passado por ali também. O começo da instalação
era no depósito de lá, e o fim, no nosso. São quatro
apartamentos por andar, oito contando com os do
feito estado. Encontrou até um computador! Esse
tipo de lixo não aparece por aqui. Eu bem que tô
precisando de uma mesinha de centro... Dizem que
podemos conhecer uma pessoa através do seu
lixo. O que será que meus vizinhos acham de mim?
Eles devem pensar: essa garota come tudo light,
mas adora uma cerveja, é sugarholic e gasta muito
dinheiro com sapatos.
Há duas semanas, as lixeiras sumiram. Foram
retiradas e substituídas por outras duas: uma para
o lixo orgânico, e outra para “plasticopapelme-
talvidropilhasvelhasgatosdepeluciaeafins”. Quer
dizer, de nada adiantou minha preocupação em
colocar cada lixo no seu lugar. Mas vou continuar
fazendo a minha parte. Separando, embrulhando
os restos de comida com cuidado. Depois de ter
‘‘
papel, coloca
papel. Será que
essas mesmas
pessoas
colocam creme
dental no
cabelo?
43• REVISTA O GLOBO • 12 DE FEVEREIRO DE 2012
outro lado da escada. Se a gente não se organizar, assistido a “Estamira”, de Marcos Prado, sei que
vira bagunça. E eu sou uma pessoa preocupada alguém pode acabar comendo. Penso todos os dias
com o lixo, vem da infância. Já ouvi a frase: “Tirei que meu lixo vai voltar para mim. Espero que em
de casa, não é mais meu!” forma de uma mesinha de centro.
O
*FabíulaNascimentoéatriz