O documento descreve como os domingos são vividos no Rio de Janeiro, com atividades descontraídas, lazer, comida e momentos com a família e amigos. O autor destaca que os domingos são dias para não se preocupar com nada e aproveitar a liberdade e alegria que a cidade oferece, seja na orla, parques ou em casa.
1. convidado
Colunista
O
30• REVISTA O GLOBO• 8 DE JANEIRO DE 2012
Divulgação/Paula Kossatz
Rodrigo Penna*
No verão, todo dia é domingo
‘‘
A gente aprende no Rio que domingo é dia de Todos estão preocupados com todas as outras
desaprender. coisas que vão se preocupar na segunda, mas tam-
Um dia Manoel de Barros de ser. Fragmento bém não estão nem aí pra nada. Pra alguns, no
perdido da criação, um transbordamento de poe- domingo, preocupação é ter o que comer, pra outros
sia esse dia, ainda mais no verão carioca. Domingo é a fila do restaurante. O filho que corre de repente em
é dia de não fazer escolhas. Dia de ver qual é… Sair direção à rua, os amigos esperando no churrasco, a
Ler um bom pela rua com um amigo, algum samba no pé e
muita areia no corpo.
tia ranzinza que sorri ao pé da porta, o namorado que
arromba a porta e te toma nos braços — domingo é
livro, comer de A menina arrasta sua canga e sua alma pela
ciclovia… O vermelho que vem vindo do ho-
dia de fazer as pazes!
Uma boa transa num domingo chuvoso pode ser
rizonte, pôr do sol… Aplausos, é batata! a redenção.
colher, dormir Domingo é sempre dia seguinte, ou dia que pre- Num dia de sol vira celebração.
cede, dia de graça, dia de crente, olhar displicente, No domingo a gente come, dorme, reza e se
até tarde, abrir mergulho no mar, rolé de bike, maresia, suco de prepara pro dia seguinte... No Rio, a gente se
frutas, de luz, lanchonete, bermuda, jornal, revista. exibe também.
a janela. Ou Aquela boa arrumada no armário, dia de futebol,
família, teatro e cinema, missa e macumba, dia de
Quando chove é esquisito. Um verdadeiro par-
que de diversões pros introspectivos. E vira rá-
nem levantar, solidão, desespero, Gugu e Faustão, aaahhh!!!
Filhos definem a agenda dos pais e nada é mais
pido dia de shopping pra moça da academia. As
pessoas se sobressaem, são maiores que seus
importante que isso. desejos, viram elas mesmas. O ego carioca fica
ficar o dia
‘‘
todo deitado
pensando na
morte da
bezerra.
Coitada da
bichinha
Poucas coisas funcionam no domingo; farmácia,
banco, dieta, você de ressaca e o serviço de aten-
dimento da sua operadora não estão entre elas.
Domingo é o dia oficial do chocolate, do es-
trogonofe, dos classificados, de se estar bem bron-
zeado e de ser gentil com o vizinho. Dia de fazer feira,
ir ao circo ou passear no Jardim Botânico. É dia de
agradecer, doar o que te sobra e esquecer o que te
falta. Ler um bom livro, comer de colher, dormir até
tarde, abrir a janela, desligar o ar-condicionado. Ou
nem levantar, ficar o dia todo deitado pensando na
morte da bezerra. Coitada da bichinha…
É dia de acordar de conchinha. Afinal, dormir
juntinho não é exclusividade do domingo. A gente
deixa pras noites gélidas de sábado no inverno.
O que acontece na Orla Bardot, no piscinão de
ferido. Isso é bom.
Domingo é um dia que você pode sentir culpa, se
quiser. Sem sentir culpa por isso.
Tem gente que escolhe esse dia pra brincar
com o cachorro, lavar o carro, buscar a sogra,
ficar em casa. Tem gente que sofre e faz isso com
imenso prazer, chora o dia todo e nem sabe o
porquê. Tem gente que escolhe, pobre ou rico,
doente ou são, a alegria.
Cazuza, Chico, Cássia ou Renato cantam na vitrola
do meu coração. Saudade é um sentimento que se
aproveita do domingo, cuidado.
Feira, cerveja gelada, calçada, varanda, pagode,
feijão, aqui no verão todo dia é domingo. Prancha,
sorvete, patins ou skate e um date com a mina dos
sonhos. Marca no cinema pra dar tempo de tomar
Ramos, Arpoador, do Leme ao Pontal, em cada um banho rapidinho, tirar o sal do corpo e chegar
esquina, parece comercial de TV. O mundo vira cheirosinho. Domingo…
passarela, a vaidade, assim como a liberdade, está É dia de bailinho! (Desculpa, foi mais forte que
em alta na estação. eu, sabe como é, carioca é exibido mesmo.)
*RodrigoPennaéprodutorcultural,DJ,ator,diretorecriadordoBailinho