SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 3
Baixar para ler offline
Rev. bras. Educ. Fís. Esp., São Paulo, v.20, p.131-33, set. 2006. Suplemento n.5. • 131
XI Congresso Ciências do Desporto e Educação Física
dos países de língua portuguesa
Contribuições a uma epistemologia da Educação Física
João Batista FREIRE
Centro de Educação Física, Fisioterapia e Desportos, Universidade do Estado de Santa Catarina, Brasil
MesaRedonda
EpistemologiadaEducaçãoFísica/CiênciasdoEsporte
Jacques MONOD (1971) dizia que o mecanismo conservador
era o caráter fundamental dos seres vivos, portanto, a evolução
só poderia estar ligada às suas imperfeições. De tal forma que,
ocorrendo alguma situação não identificada por algum ser vivo,
isto é, algo de novo na sua rotina de atividades familiares, uma
imperfeição estaria denunciada. Se há algo de novo, é porque o
aparelho cognitivo do indivíduo, oudaespécie, não o reconhece,
e, senãooreconhece,éporquetalaparelhoéimperfeitoeprecisa
se atualizar. Não sendo possível a atualização, no entanto, a
espécie se extinguirá, como ocorreu com a esmagadora maioria
dos seres vivos que habitaram este planeta. E assim caminharia
a vida, pelos tortuosos caminhos da evolução. Não são os fracos
ou os fortes que a evolução gratifica, mas os mais preparados
para se defrontar com o novo, corrigindo as imperfeições
denunciadas.Nocasodaespécie,tratando-se,portanto,docaráter
genotípico, espera-se que as mutações arquivadas na intimidade
genética respondam positivamente às pressões ambientais. Os
humanos são fartos em exemplos: os dentes do siso, ou do juízo,
lembram o tempo em que nossos ancestrais necessitavam de
dentes mais adequados à mastigação difícil de alimentos não
processados; consequentemente, a arcada dentária era maior.
Com o passar dos anos, milhares e milhares, esses dentes
tornaram-se obsoletos, e tendem a desaparecer. Coincidência
ou não, parece que estamos, de fato, perdendo o juízo! O tempo
segue sua marcha, as imperfeições surgem, as mutações se
revelam e corrigem, ou não, tais imperfeições. De acordo com
as respostas, as espécies prosseguem, ou não, existindo.
As idéias de Jacques Monod e de outros estudiosos da evolução
das espécies, desde Darwin, inevitavelmente lembram episódios
vividos, não na filogênese da espécie humana, mas na ontogênese,
isto é, no tempo de vida de cada um de nós. Enquanto que, do
ponto de vista filogenético, milhares ou milhões de anos são
necessáriosparaqueumamutaçãoserevele,nocurtoespaçodevida
dos indivíduos, a cada instante mudanças podem ser necessárias à
adaptação aos diversos ambientes culturais. Não estou afirmando
que a ontogênese repete a filogênese, como se, dela, fosse um
protótipo.Porém,asobservaçõesautorizam-measuspeitarque,sendo
anaturezaeconômica,osmodelosevolucionários,dealgumamaneira,
são os mesmos para todas as adaptações observadas. Se houver
alguma razão no que afirmava o grande pensador Jacques Monod,
as imperfeições dariam a nota para a evolução e, eu diria, para a
aprendizagemtambém.Nesteponto,nãoéaMonodqueeuseguiria,
masaPIAGET (1977),oqual,emsualucidez,percebeuobrilhantismo
de Monod e acrescentou mais brilho ainda às teorias do
conhecimento, quando reconheceu o caráter de imperfeição das
estruturascognitivasfrenteàssituaçõesnovas.Senãocomoprimeiro,
com o segundo chegamos às possíveis implicações que a idéia de
conservação e imperfeição têm com a educação na sociedade
humana. De forma que, se não há como aplicar mecanicamente as
idéiasdosdarwinistaseneo-darwinistasparaasrelaçõeseducacionais
em uma sociedade como a nossa, há que se reconhecer uma lógica
queregulaaevolução.Decerta,elaseaplicaàevoluçãoontogenética,
isto é, a maneira como, aprendendo, nos desenvolvemos, e vice-
versa.Aolongodeumaexistência,osgenesrevelados,desencadeiam
um desenvolvimento imprevisível, que só o tempo e as relações
com o ambiente externo definirão. Em tempo: ontogênese refere-
se à origem e ao desenvolvimento de um indivíduo, desde seu
nascimento até à morte.
Chegamos ao ponto de afirmar que, sendo ou não adeptos
das teorias de aprendizagem, há no ser humano uma
característica inexorável, que é a de fazer frente às novidades,
isto é, aos registros de experiências que denunciam uma falta,
uma imperfeição, um desconhecimento, sendo esse
desconhecimento a ignorância, a marca da evolução de cada
indivíduo.
Uma vez tendo firmado minha crença na aprendizagem,isto
é, de que, para viver, os indivíduos precisam aprender, afirmo,
conseqüentemente, minha crença na educação. Além disso,
acredito, conforme expus anteriormente, que as aprendizagens
decorrem da existência, diante das novidades, de mecanismos
insuficientes de adaptação, isto é, os indivíduos são imperfeitos,
inacabados. Portanto,sãoseresdetranscendência(SÉRGIO,1994),
no sentido de serem capazes de superar os estados atuais de
adaptação para fazer frente aos desafios do novo. Capazes, mas
não, necessariamente, bem-sucedidos, para isto, dependentes de
possibilidades adequadas a cada situação, quer seja no que se
refere à espécie, quer seja naquilo que diz respeito à vida de cada
indivíduo. Somos os seres humanos, a versão humanizada da
espécie homo, aqueles que são mortais, humildes, realizadores
dos desígnios da natureza, os que podem ser piedosos e
bondosos.
Nascemos, portanto, para aprender. Trata-se de uma
necessidade básica para uma espécie como a nossa. Por mais
radical que pareça tal afirmação, a questão é que temos que
aprender a viver, considerando que os mecanismos colocados,
pela natureza, à nossa disposição, são insuficientes, isto é, não
há, como nos outros animais, instrumentos prontos que, diante
de certos sinais, em contextos naturais específicos, são
automaticamente disparados. De tal maneira que, assim como
as mutações se revelam para a espécie diante das pressões
132 • Rev. bras. Educ. Fís. Esp., São Paulo, v.20, p.131-33, set. 2006. Suplemento n.5.
XI Congresso Ciências do Desporto e Educação Física
dos países de língua portuguesa
ambientais,asestruturascognitivassemobilizamquandoconstatam
asimperfeiçõesdenossoconhecimento.Damesmaformacomoas
mutações, incontáveis, arquivadas em nossa intimidade genética,
revelam-se, se corresponderem às pressões ambientais, também o
arquivo de possibilidades cognitivas responde às pressões externas,
se corresponderem a tais pressões. Entre a espécie e o indivíduo,
umadiferençaenorme:nosegundo,faltandoumpossívelcognitivo,
osmaispróximosdonecessáriomobilizam-separa,talvez,construir
umnovoconhecimento.Oprazoparaqueissoocorraéinfinitamente
mais curto que as respostas genéticas.
Quando digo estruturas cognitivas não me refiro
exclusivamente a pensamentos, mas a todo e qualquer
conhecimentoquemobilizamosparadarcontadeumproblema,
quer sejam recursos motores, morais, intelectuais, e assim por
diante.Seiqueosautores,demaneirageral,referem-seàcognição
como uma ação intelectual, o que inclui mesmo os dicionários
da língua portuguesa. Porém, o que dizer de uma criança pouco
mais que recém-nascida? Embora desprovida da linguagem, do
controle da vontade e de outras ferramentas indispensáveis ao
pensamento, ainda assim dá conta de uma infinidade de
problemas. E o que dizer dos outros animais? Mesmo agindo
instintivamente, têm sua maneira de proceder às adaptações
necessárias.Todososseresvivos,portanto,sãodotadosdealgum
tipo de aparelho cognitivo.
Notemque,nestatrama,nãoestoucolocandoaaprendizagem
como um artifício cultural apenas, uma invenção dos homens
em um determinado momento histórico, para dar conta de
solucionarproblemasquesurgiramemalgumperíododahistória.
Dadas as características dos indivíduos da espécie humana,
aprender está na raiz mesmo da sobrevivência, de modo que se
torna possível dizer que nascemos para aprender, e isso nunca
esteve ao alcance de nossas decisões. Se estamos vivos é porque
aprendemos. Portanto, é o mesmo que dizer que aprender é
aprender a viver. Ao fim e ao cabo, essa seria a base primordial
de todos os esforços de aprendizagem. Claro que a trama que
desenvolvi remete para uma determinada linha teórica, a qual,
porsuavez,negaosfundamentosdeoutraslinhas,especialmente
a que define aprendizagem como uma impossibilidade,
porquanto todos nasceríamos programados geneticamente para
resolver as questões de adaptação.
Não digam, por gentileza, que afirmei que a aprendizagem
não é uma construção cultural humana, porque não é isso que
afirmei no parágrafo anterior. Eu disse que, antes mesmo das
construções culturais que definem o conjunto educacional que
leva às aprendizagens, existe um dado de raiz, uma falta
primordial que precisa ser preenchida, pois somos seres
inacabados, imperfeitos, sendo que as respostas aos problemas
que o mundo nos coloca não nascem conosco. De qualquer
maneira, a natureza não foi tão cruel assim, pois dotou-nos de
mecanismos capazes de proceder às aprendizagens. Não
nascemos sabendo as coisas, mas nascemos sabendo aprender
as coisas, o que já é bastante.
Definido, da forma como o fiz aqui, aprender, que vem do
latim, equerdizerprender,agarrar, tomar,éaaçãoquepossibilita
ao indivíduo tomar para si o que lhe falta. E o que lhe falta?
Aquilo que a vida não lhe deu antes do nascimento. A cada
instante, algo que ele não tem surgirá na sua frente. Ele tem
fome de saber, fome de ter, fome sim, porque nunca teve aquilo
que precisa, e que surge à sua percepção como novidade.
As instâncias de aprendizagem são muitas, algumas mais
específicas, outras nem tanto. Em diversas delas, nem sabemos
que aprendemos. Quando crianças, e quanto mais novas, sequer
está ao nosso alcance saber que aprendemos. A escola, supõe-
se, é a instituição que educa, especializada no ato de ensinar, a
mais preparada de todas as instituições para oferecer aos
indivíduos aquilo que mais lhes falta para dar conta da própria
vida. Enquanto que uma situação cotidiana, como abrir uma
garrafa, destrancar uma porta ou repudiar um gosto amargo
sãoaprendizagenspontuais,localizadas,absolutamentelimitadas,
a escola oferece o conhecimento em pacotes compactados, anos
e anos, séculos e séculos de conhecimentos populares, religiosos
ecientíficosemfórmulaspoderosas.Quantohádeconhecimento
por trás de uma suposição científica de física, química ou
psicologia? Se fôssemos desconstruí-las, quantos séculos de
civilização não se descortinariam? É para a escola que vamos
quando os conhecimentos adquiridos nas brincadeiras infantis,
na família, ou com os amigos, é insuficiente para as demandas
da vida. E aí, nos bancos escolares, tudo muda, fica estranho,
poisédifícilreconhecer, nasfórmulasmatemáticas, nossascasas,
nossas ruas, florestas, relações entre pessoas e coisas. O sucesso
ou fracasso dessa tentativa educacional de ensinar grandes
pacotes de conhecimento dependerá da eficácia da pedagogia.
Embora o tema seja instigante e o assunto longo, não é o caso
agora de se estender demais, dadas as limitações do texto. O fato é
que ensinar e aprender, isto é, educar, é um caso sério; na sociedade
humana, um caso seriíssimo. Quando um professor de português
começa uma aula para seus alunos, mais que português, ele está
ensinando a viver, mesmo que ele não saiba disso. Supõe-se que
quemaprendebemportuguês,numpaíscomooBrasil,poderáviver
melhor, isto é, poderá resolver melhor os problemas que terá pela
frente.Eissodefatoocorre,poisamaioriadaspessoasquepassaram
bempelaescola,queaprenderamadequadamentealínguaportuguesa,
costumam sair-se melhor que aqueles que não tiveram a mesma
oportunidade. O professor de português ensina a viver, oferecendo
como instrumento para tanto o domínio da língua. Assim como o
professor de matemática, que também ensina o mesmo, colocando
à disposição dos alunos um precioso instrumento de vida que é o
domíniodasoperaçõesmatemáticas.Comunicar-semelhoroupensar
melhor enriquece o arcabouço de recursos de adaptação. Portanto,
educar não é uma invenção do espírito humano apenas; mais que
isso,éumanecessidadebásica,paramim,amaisbásicadetodas.No
caso dos humanos, nem à comida se chega sem educação. Nem à
comida, nem ao poder, nem à cooperação, nem à emancipação, e
assim por diante. Estou me atrevendo a dizer que todos os nossos
Rev. bras. Educ. Fís. Esp., São Paulo, v.20, p.131-33, set. 2006. Suplemento n.5. • 133
XI Congresso Ciências do Desporto e Educação Física
dos países de língua portuguesa
recursos são instrumentos para viver e que, para viver, temos que
aprender. Portanto, educação não é só meio, mas também fim.
O capítulo da Educação Física é um caso à parte. Embora nem
osprofissionaisligadosaela,demodogeral,estejamsuficientemente
esclarecidos a respeito, nem a sociedade o saiba, em tese, possui
imensaimportâncianocapítulodaeducaçãohumana.Antesdetudo,
somos corpo, por isso, somos. Ser, no mundo em que vivemos,
exige encarnação, exige corpo (FREIRE, 1991). Essa condição é
indispensável para que a vida se manifeste. Ser corpo não apenas é
umarealidade,maséoqueconduzàidéiaderealidade.Nãoobstante,
séculos de civilização confirmam a idéia de que é para um outro
mundo que temos que nos preparar, e não para viver neste em que
estamos. A negação do corpo é um fato, e não se trata apenas de
crendices, tabus, preconceitos, coisa de gente atrasada e ignorante.
Também entre os intelectuais, entre os cientistas, entre a gente
dita mais culta, a aspiração é libertar-se das amarras do corpo,
das agruras materiais (NOVAES, 2003). Talvez seja esperança dos
que assim pensam, ser o espírito destituído de dor. Quem pensa
assim,noentanto,mantém-sedesatentoàsagrurasdaalma. Julgo
quesejaocontrário:adoradvém,especialmente,denegar aquilo
que somos, isto é, corpo, não importa a existência ou não de
outras dimensões, de outras possibilidades. O que veio antes ou
o que virá depois não está em questão neste momento, mas sim
a experiência que temos agora, neste tempo de vida. É um fato:
nunca aprendemos a viver aquilo que somos, isto é, nunca
aprendemos a viver corporalmente, a viver aceitando aquilo que
somos. A educação não se dirigiu a isso. Se, como afirmei linhas
atrás, para viver temos que aprender a viver, negar a condição
básica é comprometer, talvez, todas as demais aprendizagens. É
indispensável, portanto, educar-se para tanto, isto é, educar-se
para viver plenamente aquilo que somos, uma realidade
encarnada, um corpo que vive.
Me perdoem a pressa (a frase é de Paulinho da Viola), mas
meu tempo terminou. Sou disciplinado e me pediram que não
ultrapassasse as quatro páginas. Ficam aí minhas sugestões. A
Educação Física é uma pedagogia, uma disciplina pedagógica
que educa corporalmente as pessoas, que ensina a ser corpo,
para mim, a educação primordial (FREIRE, 2006). À parte o
respeito que precisamos ter pelas demais ciências, pelo tanto
que nos servem, à parte minhas declarações de confiança no
progresso de uma Ciência da Motricidade Humana, quem sabe,
nossa fonte mais pródiga, a Educação Física é uma pedagogia e,
portanto, tem sua ciência própria, qual seja a própria pedagogia.
Paulo FREIRE (2004) não acreditava que a pedagogia fosse uma
ciência, mas eu acredito que sim. Não há o que não possa ser
investigado, quanto mais o fenômeno de educar, porquanto é
dele que participamos quando queremos nos sair bem na
experiência de viver.
Referências
FREIRE, J.B. De corpo e alma: o discurso da motricidade. São Paulo: Summus, 1991.
______. Uma pedagogia lúdica. In: ARANTES, V.A. (Org.). Humor e alegria na educação. São Paulo: Summus, 2006.
FREIRE, P. Pedagogia da tolerância. São Paulo: Unesp, 2004.
MONOD, J. O acaso e a necessidade. Petrópolis: Vozes, 1971
NOVAES, A. (Org.). O homem-máquina: a ciência manipula o corpo. São Paulo: Companhia das Letras, 2003
PIAGET, J. Comportamento motriz da evolução. Porto: Rés, 1977.
SÉRGIO, M. Para uma epistemologia da motricidade humana. 2. ed. Lisboa: Compendium, 1994.
MesaRedonda
EpistemologiadaEducaçãoFísica/CiênciasdoEsporte

Mais conteúdo relacionado

Semelhante a Epistemologia da Educação Física

O porquê dos nossos sentimentos: por que eles existem?
O porquê dos nossos sentimentos: por que eles existem?O porquê dos nossos sentimentos: por que eles existem?
O porquê dos nossos sentimentos: por que eles existem?Argos Arruda Pinto
 
Escola de Bonneuil, Lugar de Vida relatos de uma educação terapêutica possív...
Escola de Bonneuil, Lugar de Vida  relatos de uma educação terapêutica possív...Escola de Bonneuil, Lugar de Vida  relatos de uma educação terapêutica possív...
Escola de Bonneuil, Lugar de Vida relatos de uma educação terapêutica possív...SEDF
 
Seminário Aline, Fran e Simone.ppt
Seminário Aline, Fran e Simone.pptSeminário Aline, Fran e Simone.ppt
Seminário Aline, Fran e Simone.pptSEDF
 
Diário de leitura a descoberta da sexualidade infantil 08.12.15
Diário de leitura a descoberta da sexualidade infantil 08.12.15Diário de leitura a descoberta da sexualidade infantil 08.12.15
Diário de leitura a descoberta da sexualidade infantil 08.12.15Laura Reis
 
Homem um ser animal, temporal
Homem um ser animal, temporalHomem um ser animal, temporal
Homem um ser animal, temporalheenriqu_e
 
Certificação em Identificação do Potencial y Desenvolvimento do Potencial Humano
Certificação em Identificação do Potencial y Desenvolvimento do Potencial HumanoCertificação em Identificação do Potencial y Desenvolvimento do Potencial Humano
Certificação em Identificação do Potencial y Desenvolvimento do Potencial HumanoCristina Oneto PCC MCOP BT
 
O porquê dos nossos sentimentos
O porquê dos nossos sentimentosO porquê dos nossos sentimentos
O porquê dos nossos sentimentosArgos Arruda Pinto
 
O GENESIS DO CRESCIMENTO INFANTO JUVENIL É PARCEIRO DA COGNIÇÃO
O GENESIS DO CRESCIMENTO INFANTO JUVENIL É PARCEIRO DA COGNIÇÃOO GENESIS DO CRESCIMENTO INFANTO JUVENIL É PARCEIRO DA COGNIÇÃO
O GENESIS DO CRESCIMENTO INFANTO JUVENIL É PARCEIRO DA COGNIÇÃOVan Der Häägen Brazil
 
Keys-to-Bioethics-PT-1.10_SITOWEB.pdf
Keys-to-Bioethics-PT-1.10_SITOWEB.pdfKeys-to-Bioethics-PT-1.10_SITOWEB.pdf
Keys-to-Bioethics-PT-1.10_SITOWEB.pdfRoger621106
 
O enfermeiro e a responsabilidade de se tornar competente
O enfermeiro e a responsabilidade de se tornar competenteO enfermeiro e a responsabilidade de se tornar competente
O enfermeiro e a responsabilidade de se tornar competenteZumarra Banje
 
Humanismo x Behaviorismo
Humanismo x BehaviorismoHumanismo x Behaviorismo
Humanismo x Behaviorismomairamatoscosta
 
Humanismo x Behaviorismo
Humanismo x BehaviorismoHumanismo x Behaviorismo
Humanismo x Behaviorismomairamatoscosta
 

Semelhante a Epistemologia da Educação Física (20)

Tema 1 genética
Tema 1   genéticaTema 1   genética
Tema 1 genética
 
O porquê dos nossos sentimentos: por que eles existem?
O porquê dos nossos sentimentos: por que eles existem?O porquê dos nossos sentimentos: por que eles existem?
O porquê dos nossos sentimentos: por que eles existem?
 
Curso de viagem astral
Curso de viagem astralCurso de viagem astral
Curso de viagem astral
 
A educação dos filhos
A educação dos filhosA educação dos filhos
A educação dos filhos
 
Autismo
AutismoAutismo
Autismo
 
Escola de Bonneuil, Lugar de Vida relatos de uma educação terapêutica possív...
Escola de Bonneuil, Lugar de Vida  relatos de uma educação terapêutica possív...Escola de Bonneuil, Lugar de Vida  relatos de uma educação terapêutica possív...
Escola de Bonneuil, Lugar de Vida relatos de uma educação terapêutica possív...
 
Criancas do futuro
Criancas do futuroCriancas do futuro
Criancas do futuro
 
Seminário Aline, Fran e Simone.ppt
Seminário Aline, Fran e Simone.pptSeminário Aline, Fran e Simone.ppt
Seminário Aline, Fran e Simone.ppt
 
Diário de leitura a descoberta da sexualidade infantil 08.12.15
Diário de leitura a descoberta da sexualidade infantil 08.12.15Diário de leitura a descoberta da sexualidade infantil 08.12.15
Diário de leitura a descoberta da sexualidade infantil 08.12.15
 
Homem um ser animal, temporal
Homem um ser animal, temporalHomem um ser animal, temporal
Homem um ser animal, temporal
 
Certificação em Identificação do Potencial y Desenvolvimento do Potencial Humano
Certificação em Identificação do Potencial y Desenvolvimento do Potencial HumanoCertificação em Identificação do Potencial y Desenvolvimento do Potencial Humano
Certificação em Identificação do Potencial y Desenvolvimento do Potencial Humano
 
O porquê dos nossos sentimentos
O porquê dos nossos sentimentosO porquê dos nossos sentimentos
O porquê dos nossos sentimentos
 
O GENESIS DO CRESCIMENTO INFANTO JUVENIL É PARCEIRO DA COGNIÇÃO
O GENESIS DO CRESCIMENTO INFANTO JUVENIL É PARCEIRO DA COGNIÇÃOO GENESIS DO CRESCIMENTO INFANTO JUVENIL É PARCEIRO DA COGNIÇÃO
O GENESIS DO CRESCIMENTO INFANTO JUVENIL É PARCEIRO DA COGNIÇÃO
 
Ciclo Multiexistencial
Ciclo MultiexistencialCiclo Multiexistencial
Ciclo Multiexistencial
 
Processamento sensorial
Processamento sensorialProcessamento sensorial
Processamento sensorial
 
A metamorfose da vida nas organizações 2010
A metamorfose da vida nas organizações 2010 A metamorfose da vida nas organizações 2010
A metamorfose da vida nas organizações 2010
 
Keys-to-Bioethics-PT-1.10_SITOWEB.pdf
Keys-to-Bioethics-PT-1.10_SITOWEB.pdfKeys-to-Bioethics-PT-1.10_SITOWEB.pdf
Keys-to-Bioethics-PT-1.10_SITOWEB.pdf
 
O enfermeiro e a responsabilidade de se tornar competente
O enfermeiro e a responsabilidade de se tornar competenteO enfermeiro e a responsabilidade de se tornar competente
O enfermeiro e a responsabilidade de se tornar competente
 
Humanismo x Behaviorismo
Humanismo x BehaviorismoHumanismo x Behaviorismo
Humanismo x Behaviorismo
 
Humanismo x Behaviorismo
Humanismo x BehaviorismoHumanismo x Behaviorismo
Humanismo x Behaviorismo
 

Epistemologia da Educação Física

  • 1. Rev. bras. Educ. Fís. Esp., São Paulo, v.20, p.131-33, set. 2006. Suplemento n.5. • 131 XI Congresso Ciências do Desporto e Educação Física dos países de língua portuguesa Contribuições a uma epistemologia da Educação Física João Batista FREIRE Centro de Educação Física, Fisioterapia e Desportos, Universidade do Estado de Santa Catarina, Brasil MesaRedonda EpistemologiadaEducaçãoFísica/CiênciasdoEsporte Jacques MONOD (1971) dizia que o mecanismo conservador era o caráter fundamental dos seres vivos, portanto, a evolução só poderia estar ligada às suas imperfeições. De tal forma que, ocorrendo alguma situação não identificada por algum ser vivo, isto é, algo de novo na sua rotina de atividades familiares, uma imperfeição estaria denunciada. Se há algo de novo, é porque o aparelho cognitivo do indivíduo, oudaespécie, não o reconhece, e, senãooreconhece,éporquetalaparelhoéimperfeitoeprecisa se atualizar. Não sendo possível a atualização, no entanto, a espécie se extinguirá, como ocorreu com a esmagadora maioria dos seres vivos que habitaram este planeta. E assim caminharia a vida, pelos tortuosos caminhos da evolução. Não são os fracos ou os fortes que a evolução gratifica, mas os mais preparados para se defrontar com o novo, corrigindo as imperfeições denunciadas.Nocasodaespécie,tratando-se,portanto,docaráter genotípico, espera-se que as mutações arquivadas na intimidade genética respondam positivamente às pressões ambientais. Os humanos são fartos em exemplos: os dentes do siso, ou do juízo, lembram o tempo em que nossos ancestrais necessitavam de dentes mais adequados à mastigação difícil de alimentos não processados; consequentemente, a arcada dentária era maior. Com o passar dos anos, milhares e milhares, esses dentes tornaram-se obsoletos, e tendem a desaparecer. Coincidência ou não, parece que estamos, de fato, perdendo o juízo! O tempo segue sua marcha, as imperfeições surgem, as mutações se revelam e corrigem, ou não, tais imperfeições. De acordo com as respostas, as espécies prosseguem, ou não, existindo. As idéias de Jacques Monod e de outros estudiosos da evolução das espécies, desde Darwin, inevitavelmente lembram episódios vividos, não na filogênese da espécie humana, mas na ontogênese, isto é, no tempo de vida de cada um de nós. Enquanto que, do ponto de vista filogenético, milhares ou milhões de anos são necessáriosparaqueumamutaçãoserevele,nocurtoespaçodevida dos indivíduos, a cada instante mudanças podem ser necessárias à adaptação aos diversos ambientes culturais. Não estou afirmando que a ontogênese repete a filogênese, como se, dela, fosse um protótipo.Porém,asobservaçõesautorizam-measuspeitarque,sendo anaturezaeconômica,osmodelosevolucionários,dealgumamaneira, são os mesmos para todas as adaptações observadas. Se houver alguma razão no que afirmava o grande pensador Jacques Monod, as imperfeições dariam a nota para a evolução e, eu diria, para a aprendizagemtambém.Nesteponto,nãoéaMonodqueeuseguiria, masaPIAGET (1977),oqual,emsualucidez,percebeuobrilhantismo de Monod e acrescentou mais brilho ainda às teorias do conhecimento, quando reconheceu o caráter de imperfeição das estruturascognitivasfrenteàssituaçõesnovas.Senãocomoprimeiro, com o segundo chegamos às possíveis implicações que a idéia de conservação e imperfeição têm com a educação na sociedade humana. De forma que, se não há como aplicar mecanicamente as idéiasdosdarwinistaseneo-darwinistasparaasrelaçõeseducacionais em uma sociedade como a nossa, há que se reconhecer uma lógica queregulaaevolução.Decerta,elaseaplicaàevoluçãoontogenética, isto é, a maneira como, aprendendo, nos desenvolvemos, e vice- versa.Aolongodeumaexistência,osgenesrevelados,desencadeiam um desenvolvimento imprevisível, que só o tempo e as relações com o ambiente externo definirão. Em tempo: ontogênese refere- se à origem e ao desenvolvimento de um indivíduo, desde seu nascimento até à morte. Chegamos ao ponto de afirmar que, sendo ou não adeptos das teorias de aprendizagem, há no ser humano uma característica inexorável, que é a de fazer frente às novidades, isto é, aos registros de experiências que denunciam uma falta, uma imperfeição, um desconhecimento, sendo esse desconhecimento a ignorância, a marca da evolução de cada indivíduo. Uma vez tendo firmado minha crença na aprendizagem,isto é, de que, para viver, os indivíduos precisam aprender, afirmo, conseqüentemente, minha crença na educação. Além disso, acredito, conforme expus anteriormente, que as aprendizagens decorrem da existência, diante das novidades, de mecanismos insuficientes de adaptação, isto é, os indivíduos são imperfeitos, inacabados. Portanto,sãoseresdetranscendência(SÉRGIO,1994), no sentido de serem capazes de superar os estados atuais de adaptação para fazer frente aos desafios do novo. Capazes, mas não, necessariamente, bem-sucedidos, para isto, dependentes de possibilidades adequadas a cada situação, quer seja no que se refere à espécie, quer seja naquilo que diz respeito à vida de cada indivíduo. Somos os seres humanos, a versão humanizada da espécie homo, aqueles que são mortais, humildes, realizadores dos desígnios da natureza, os que podem ser piedosos e bondosos. Nascemos, portanto, para aprender. Trata-se de uma necessidade básica para uma espécie como a nossa. Por mais radical que pareça tal afirmação, a questão é que temos que aprender a viver, considerando que os mecanismos colocados, pela natureza, à nossa disposição, são insuficientes, isto é, não há, como nos outros animais, instrumentos prontos que, diante de certos sinais, em contextos naturais específicos, são automaticamente disparados. De tal maneira que, assim como as mutações se revelam para a espécie diante das pressões
  • 2. 132 • Rev. bras. Educ. Fís. Esp., São Paulo, v.20, p.131-33, set. 2006. Suplemento n.5. XI Congresso Ciências do Desporto e Educação Física dos países de língua portuguesa ambientais,asestruturascognitivassemobilizamquandoconstatam asimperfeiçõesdenossoconhecimento.Damesmaformacomoas mutações, incontáveis, arquivadas em nossa intimidade genética, revelam-se, se corresponderem às pressões ambientais, também o arquivo de possibilidades cognitivas responde às pressões externas, se corresponderem a tais pressões. Entre a espécie e o indivíduo, umadiferençaenorme:nosegundo,faltandoumpossívelcognitivo, osmaispróximosdonecessáriomobilizam-separa,talvez,construir umnovoconhecimento.Oprazoparaqueissoocorraéinfinitamente mais curto que as respostas genéticas. Quando digo estruturas cognitivas não me refiro exclusivamente a pensamentos, mas a todo e qualquer conhecimentoquemobilizamosparadarcontadeumproblema, quer sejam recursos motores, morais, intelectuais, e assim por diante.Seiqueosautores,demaneirageral,referem-seàcognição como uma ação intelectual, o que inclui mesmo os dicionários da língua portuguesa. Porém, o que dizer de uma criança pouco mais que recém-nascida? Embora desprovida da linguagem, do controle da vontade e de outras ferramentas indispensáveis ao pensamento, ainda assim dá conta de uma infinidade de problemas. E o que dizer dos outros animais? Mesmo agindo instintivamente, têm sua maneira de proceder às adaptações necessárias.Todososseresvivos,portanto,sãodotadosdealgum tipo de aparelho cognitivo. Notemque,nestatrama,nãoestoucolocandoaaprendizagem como um artifício cultural apenas, uma invenção dos homens em um determinado momento histórico, para dar conta de solucionarproblemasquesurgiramemalgumperíododahistória. Dadas as características dos indivíduos da espécie humana, aprender está na raiz mesmo da sobrevivência, de modo que se torna possível dizer que nascemos para aprender, e isso nunca esteve ao alcance de nossas decisões. Se estamos vivos é porque aprendemos. Portanto, é o mesmo que dizer que aprender é aprender a viver. Ao fim e ao cabo, essa seria a base primordial de todos os esforços de aprendizagem. Claro que a trama que desenvolvi remete para uma determinada linha teórica, a qual, porsuavez,negaosfundamentosdeoutraslinhas,especialmente a que define aprendizagem como uma impossibilidade, porquanto todos nasceríamos programados geneticamente para resolver as questões de adaptação. Não digam, por gentileza, que afirmei que a aprendizagem não é uma construção cultural humana, porque não é isso que afirmei no parágrafo anterior. Eu disse que, antes mesmo das construções culturais que definem o conjunto educacional que leva às aprendizagens, existe um dado de raiz, uma falta primordial que precisa ser preenchida, pois somos seres inacabados, imperfeitos, sendo que as respostas aos problemas que o mundo nos coloca não nascem conosco. De qualquer maneira, a natureza não foi tão cruel assim, pois dotou-nos de mecanismos capazes de proceder às aprendizagens. Não nascemos sabendo as coisas, mas nascemos sabendo aprender as coisas, o que já é bastante. Definido, da forma como o fiz aqui, aprender, que vem do latim, equerdizerprender,agarrar, tomar,éaaçãoquepossibilita ao indivíduo tomar para si o que lhe falta. E o que lhe falta? Aquilo que a vida não lhe deu antes do nascimento. A cada instante, algo que ele não tem surgirá na sua frente. Ele tem fome de saber, fome de ter, fome sim, porque nunca teve aquilo que precisa, e que surge à sua percepção como novidade. As instâncias de aprendizagem são muitas, algumas mais específicas, outras nem tanto. Em diversas delas, nem sabemos que aprendemos. Quando crianças, e quanto mais novas, sequer está ao nosso alcance saber que aprendemos. A escola, supõe- se, é a instituição que educa, especializada no ato de ensinar, a mais preparada de todas as instituições para oferecer aos indivíduos aquilo que mais lhes falta para dar conta da própria vida. Enquanto que uma situação cotidiana, como abrir uma garrafa, destrancar uma porta ou repudiar um gosto amargo sãoaprendizagenspontuais,localizadas,absolutamentelimitadas, a escola oferece o conhecimento em pacotes compactados, anos e anos, séculos e séculos de conhecimentos populares, religiosos ecientíficosemfórmulaspoderosas.Quantohádeconhecimento por trás de uma suposição científica de física, química ou psicologia? Se fôssemos desconstruí-las, quantos séculos de civilização não se descortinariam? É para a escola que vamos quando os conhecimentos adquiridos nas brincadeiras infantis, na família, ou com os amigos, é insuficiente para as demandas da vida. E aí, nos bancos escolares, tudo muda, fica estranho, poisédifícilreconhecer, nasfórmulasmatemáticas, nossascasas, nossas ruas, florestas, relações entre pessoas e coisas. O sucesso ou fracasso dessa tentativa educacional de ensinar grandes pacotes de conhecimento dependerá da eficácia da pedagogia. Embora o tema seja instigante e o assunto longo, não é o caso agora de se estender demais, dadas as limitações do texto. O fato é que ensinar e aprender, isto é, educar, é um caso sério; na sociedade humana, um caso seriíssimo. Quando um professor de português começa uma aula para seus alunos, mais que português, ele está ensinando a viver, mesmo que ele não saiba disso. Supõe-se que quemaprendebemportuguês,numpaíscomooBrasil,poderáviver melhor, isto é, poderá resolver melhor os problemas que terá pela frente.Eissodefatoocorre,poisamaioriadaspessoasquepassaram bempelaescola,queaprenderamadequadamentealínguaportuguesa, costumam sair-se melhor que aqueles que não tiveram a mesma oportunidade. O professor de português ensina a viver, oferecendo como instrumento para tanto o domínio da língua. Assim como o professor de matemática, que também ensina o mesmo, colocando à disposição dos alunos um precioso instrumento de vida que é o domíniodasoperaçõesmatemáticas.Comunicar-semelhoroupensar melhor enriquece o arcabouço de recursos de adaptação. Portanto, educar não é uma invenção do espírito humano apenas; mais que isso,éumanecessidadebásica,paramim,amaisbásicadetodas.No caso dos humanos, nem à comida se chega sem educação. Nem à comida, nem ao poder, nem à cooperação, nem à emancipação, e assim por diante. Estou me atrevendo a dizer que todos os nossos
  • 3. Rev. bras. Educ. Fís. Esp., São Paulo, v.20, p.131-33, set. 2006. Suplemento n.5. • 133 XI Congresso Ciências do Desporto e Educação Física dos países de língua portuguesa recursos são instrumentos para viver e que, para viver, temos que aprender. Portanto, educação não é só meio, mas também fim. O capítulo da Educação Física é um caso à parte. Embora nem osprofissionaisligadosaela,demodogeral,estejamsuficientemente esclarecidos a respeito, nem a sociedade o saiba, em tese, possui imensaimportâncianocapítulodaeducaçãohumana.Antesdetudo, somos corpo, por isso, somos. Ser, no mundo em que vivemos, exige encarnação, exige corpo (FREIRE, 1991). Essa condição é indispensável para que a vida se manifeste. Ser corpo não apenas é umarealidade,maséoqueconduzàidéiaderealidade.Nãoobstante, séculos de civilização confirmam a idéia de que é para um outro mundo que temos que nos preparar, e não para viver neste em que estamos. A negação do corpo é um fato, e não se trata apenas de crendices, tabus, preconceitos, coisa de gente atrasada e ignorante. Também entre os intelectuais, entre os cientistas, entre a gente dita mais culta, a aspiração é libertar-se das amarras do corpo, das agruras materiais (NOVAES, 2003). Talvez seja esperança dos que assim pensam, ser o espírito destituído de dor. Quem pensa assim,noentanto,mantém-sedesatentoàsagrurasdaalma. Julgo quesejaocontrário:adoradvém,especialmente,denegar aquilo que somos, isto é, corpo, não importa a existência ou não de outras dimensões, de outras possibilidades. O que veio antes ou o que virá depois não está em questão neste momento, mas sim a experiência que temos agora, neste tempo de vida. É um fato: nunca aprendemos a viver aquilo que somos, isto é, nunca aprendemos a viver corporalmente, a viver aceitando aquilo que somos. A educação não se dirigiu a isso. Se, como afirmei linhas atrás, para viver temos que aprender a viver, negar a condição básica é comprometer, talvez, todas as demais aprendizagens. É indispensável, portanto, educar-se para tanto, isto é, educar-se para viver plenamente aquilo que somos, uma realidade encarnada, um corpo que vive. Me perdoem a pressa (a frase é de Paulinho da Viola), mas meu tempo terminou. Sou disciplinado e me pediram que não ultrapassasse as quatro páginas. Ficam aí minhas sugestões. A Educação Física é uma pedagogia, uma disciplina pedagógica que educa corporalmente as pessoas, que ensina a ser corpo, para mim, a educação primordial (FREIRE, 2006). À parte o respeito que precisamos ter pelas demais ciências, pelo tanto que nos servem, à parte minhas declarações de confiança no progresso de uma Ciência da Motricidade Humana, quem sabe, nossa fonte mais pródiga, a Educação Física é uma pedagogia e, portanto, tem sua ciência própria, qual seja a própria pedagogia. Paulo FREIRE (2004) não acreditava que a pedagogia fosse uma ciência, mas eu acredito que sim. Não há o que não possa ser investigado, quanto mais o fenômeno de educar, porquanto é dele que participamos quando queremos nos sair bem na experiência de viver. Referências FREIRE, J.B. De corpo e alma: o discurso da motricidade. São Paulo: Summus, 1991. ______. Uma pedagogia lúdica. In: ARANTES, V.A. (Org.). Humor e alegria na educação. São Paulo: Summus, 2006. FREIRE, P. Pedagogia da tolerância. São Paulo: Unesp, 2004. MONOD, J. O acaso e a necessidade. Petrópolis: Vozes, 1971 NOVAES, A. (Org.). O homem-máquina: a ciência manipula o corpo. São Paulo: Companhia das Letras, 2003 PIAGET, J. Comportamento motriz da evolução. Porto: Rés, 1977. SÉRGIO, M. Para uma epistemologia da motricidade humana. 2. ed. Lisboa: Compendium, 1994. MesaRedonda EpistemologiadaEducaçãoFísica/CiênciasdoEsporte