O documento discute a história do livro e da impressão, desde as pinturas rupestres até a invenção da imprensa por Gutenberg. Também destaca o poder transformador dos livros de mudar vidas através da leitura.
1. Jornal
O Bandeirante
Ano XIX - no 215 - outubro de 2010
Publicação Mensal da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores - Regional do Estado de São Paulo - SOBRAMES-SP
O livro – sua saga e seu poder
transformador
“Muitos homens iniciaram uma nova era na sua vida a partir da leitura de um livro”.
Henry David Thoreau (1817-1862), escritor, ensaísta, poeta e naturalista norte-americano.
Helio Begliomini
Médico urologista
Presidente da SOBRAMES-SP (2009-2010).
As pinturas rupestres – representa- Em consequência surgiram os termos Gutenberg (1398-1468), que inventou os
ções pictóricas gravadas em abrigos, ca- latinos líber e liber que, em português, tipos móveis reutilizáveis, e imprimindo
vernas e superfícies rochosas –, atestam constituiu-se o vocábulo “livro”. (...) por primeiro a Bíblia em latim.
desde o período Paleolítico Superior Os gregos inventaram o códex ou có- A descoberta da imprensa, apesar da
(40.000 a.C.) a capacidade primitiva de dice, que foi aperfeiçoado pelos roma- resistência inicial, provocou o desapare-
expressão e de comunicação diferencia- nos nos primórdios da Era Cristã. O có- cimento dos copistas; reduziu os custos
da dos seres humanos, apanágio de sua dex era uma maneira de codificar as leis, e popularizou os livros. Ademais, propi-
inteligência. copilando-as em páginas, não mais em ciou o desenvolvimento da técnica tipo-
A linguagem falada é anterior à es- rolo (volumen). Os códices em pergami- gráfica, que procurava conjugar melhor
crita. Esta surgiu em tempos imemoriais nho eram mais fáceis de ser costurados confiabilidade do texto com um maior
na antiguidade – há aproximadamente do que os de papiro, sendo aos poucos número de cópias, e que teve como
4.000 a.C. – para caracterizar grafica- os preferidos. Neles surgiu, embriona- grande protagonista, o italiano, Aldus
mente os sons pronunciados, transmi- riamente, a primeira ideia de livro. A Manutius (1449-1515). (...)
tindo e conservando noções abstratas, compilação e difusão dos preceitos do
peculiares somente ao homo sapiens na cristianismo muito se deveram aos códi- Hoje em dia, a confecção de um li-
escala zoológica. Aliás, a escrita tornou- ces de então. (...) vro em editoras sofistica-se, pois pode
se um divisor de eras, sendo considera- Na Idade Média (476-1453), os mo- envolver vários profissionais que se di-
do como pré-história tudo o que a an- nastérios foram os grandes centros de videm em editores, revisores, gráficos,
tecede. arquivos, conservação e difusão da cul- designers, capistas, departamento de
Nos tempos primevos, a linguagem tura da antiguidade. Em seus interiores, produção, de marketing e de comercia-
escrita foi inicialmente gravada em ta- surgiram os monges copistas, homens lização.
buletas de argila ou de pedra. Poste- extremamente dedicados e paciencio- Entretanto o maior prodígio de um
riormente, foi utilizada a gravação em sos, que trabalhavam diuturnamente, livro não é dado tão somente pela sua
cilindros de papiro – mais facilmente reproduzindo à mão, obras literárias. Os capacidade de materializar ideias e con-
transportados – denominados khartés ou copistas desempenhavam as funções ou- ceitos abstratos, servindo à reflexão;
volumen, para os romanos. Neles, os tex- trora realizadas pelos escribas egípcios e armazenar, conservar e transmitir co-
tos eram escritos em colunas e não no pelos libraii romanos. (...) nhecimentos e informações; facilitar a
sentido do eixo do cilindro, sendo de- Entretanto, a impressão foi o maior educação e a cultura; mas sim, pelo seu
senrolados à medida que se progredia feito alcançado no final da Idade Média. poder de transformar pessoas. (...)
a leitura. O comprimento do volumen Artesanalmente, cada página era grava- O livro não tem apenas uma história
era de 6 a 7 metros e, enrolado, atin- da em blocos de madeira que mergulha- antiquíssima, mas cada exemplar tem
gia 6 centímetros de diâmetro. Quando dos em tinta transferiam para o papel a capacidade de se fazer história nas
um mesmo cilindro de papiro (volumen) seu conteúdo, multiplicando-se em di- histórias de seus leitores. Neles se en-
apresentava mais de uma obra, recebia o versas cópias. contra um poder incomensuravelmente
nome de tomo. Embora a máquina impressora de ti- transformador que merece ser cultuado,
Há registros em papiro do século II pos móveis tenha surgido na China, em preservado, estimulado e difundido. Te-
a.C. O papiro é parte de uma planta que 1405, com Pi Sheng, a revolução tecno- nhamos certeza dessa ação taumatúrgi-
dela é “tirado”, outrora se dizia “livra- lógica e cultural viria no Ocidente, na ca dos livros. A Sobrames – SP sabe disso
do” ou “liberado” (do latim libere, livre). Idade Moderna, em 1455, com Johannes e os reverencia.
2. 2 O BANDEIRANTE - Outubro de 2010
Estamos assistindo estupefatos às propagandas eleito-
EXPEDIENTE
rais, quando palhaços e reis se degladiam com metáforas
Jornal O Bandeirante
ANO XIX - no 215 - Outubro 2010
hilariantes, invertendo seus papéis. Estamos na plateia e a
sensação é de que não rimos, mas alguém ri de nós! Talvez
Publicação mensal da Sociedade Brasileira de Médicos
sejamos os verdadeiros palhaços que assistem obrigato-
Escritores - Regional do Estado de São Paulo SOBRAMES-SP . riamente à propaganda enganosa que nos enfiam goela
Sede: Rua Alves Guimarães, 251 - CEP 05410-000 - Pinheiros
- São Paulo - SP Telefax: (11) 3062-9887 / 3062-3604
abaixo. Candidatos sem qualquer traço cultural que os
Editores: Carlos A. F. Galvão, Roberto A. Aniche. Jornalista afinem a uma tarefa hercúlea de legislar e governar para
Responsável e revisora: Ligia Terezinha Pezzuto (MTb
17.671 - SP). Colaboradores desta edição:Carlos José
220 milhões de habitantes. Governar um povo inculto é
Benatti, Carlos Roberto Ferriani, Helio Begliomini, Hélio muito fácil, enganá-lo, mais fácil ainda. Infelizmente o
José Destro, José Alberto Vieira, José Jucovsky, Josyanne
Rita de Arruda Franco e Márcia Etelli Coelho.Tiragem desta
preço de um voto é diretamente proporcional ao grau
edição: 300 exemplares (papel) e mais de 1.000 exemplares de alfabetização e cultura de cada habitante. Lutemos
PDF enviados por e-mail.
contra esta situação, sejamos, sim, verdadeiros cidadãos
Diretoria - Gestão 2009/2010 - Presidente: Helio
Begliomini. Vice-Presidente: Josyanne Rita de Arruda
brasileiros, estimulando a produção de uma literatura
Franco. Primeiro-Secretário: Ligia Terezinha Pezzuto. nacional clara e honesta.
Segundo-Secretário: Maria do Céu Coutinho Louzã.
Primeiro-Tesoureiro: Marcos Gimenes Salun. Segundo-
Tesoureiro: Roberto Antonio Aniche. Conselho Fiscal
Efetivos: Flerts Nebó, Carlos Augusto Ferreira Galvão, Luiz Carlos Augusto F. Galvão
Jorge Ferreira. Conselho Fiscal Suplentes: Geovah Paulo Roberto Antonio Aniche
da Cruz; Rodolpho Civile; Helmut Adolf Mataré.
Matérias assinadas são de responsabilidade de seus
autores e não representam, necessariamente, a
opinião da Sobrames-SP
Editores de O Bandeirante
Flerts Nebó – novembro a dezembro de 1992
Flerts Nebó e Walter Whitton Harris – 1993-1994
O Malho
Carlos Luiz Campana e Hélio Celso Ferraz Najar – 1995-1996
Flerts Nebó e Walter Whitton Harris – 1996-2000 Desta vez a parte literária foi “encolhida” (digamos assim), mas gostosamente.
Flerts Nebó e Marcos Gimenes Salun – 2001 a abril de 2009 Uma lufada de frescor acariciou nossa Pizza com a eleição de Josyanne como pró-
Helio Begliomini – maio a dezembro de 2009
Roberto A. Aniche e Carlos A. F. Galvão - janeiro 2010 -
xima presidente para o biênio 2011/2012. A noite estava concorridíssima; colegas
que não víamos há vários anos deram o ar da graça. E a literatura apresentada?
Presidentes da Sobrames – SP Pouca, é verdade, mas em padrões que conhecemos e, delícia das delícias, em
1o Flerts Nebó (1988-1990;1990-1992 e out/2005 a dez/2006) textos curtos.
2o Helio Begliomini (1992-1994; 2007-2008 e 2009-2010)
3o Carlos Luiz Campana (1994-1996)
4o Paulo Adolpho Leierer (1996-1998)
5o Walter Whitton Harris (1999-2000)
6o Carlos Augusto Ferreira Galvão (2001-2002)
7o Luiz Giovani (2003-2004)
8o Karin Schmidt Rodrigues Massaro (jan a out de 2005)
Walter Whitton Harris
Cirurgia do Pé e Tornozelo
Ortopedia e Traumatologia Geral
Editores: Carlos A. F. Galvão, Roberto A. Aniche
CRM 18317
Revisão: Ligia Terezinha Pezzuto Av. República do Líbano, 344 Rua Luverci Pereira de Souza, 1797 - Sala 3
Diagramação: Mateus Marins Cardoso 04502-000 - São Paulo - SP Cidade Universitária - Campinas (19) 3579-3833
Impressão e Acabamento: Expressão e Arte Gráfica Tel. 3885 8535 www.veridistec.com.br
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3. SUPLEMENTO LITERÁRIO
O BANDEIRANTE - Outubro de 2010 3
Notícias
Josyanne Rita de Arruda Franco foi eleita por larga margem de votos para a presidência para o Biênio 2011/2012,
encabeçando uma diretoria com conhecidas lideranças que, sem dúvida, irão apoiá-la, conduzindo a gestão de maneira
clara e romântica como suas poesias.
Sucesso para ela! Sucesso para a nossa Sobrames!
Coletânea Sobrames-SP 2010
Em 16 de setembro a querida Sobrames-SP completou 22 anos de profícua existência.
Nessa mesma data houve eleição da diretoria para o biênio 2011-2012. Apenas uma chapa concorreu, liderada pela
sócia Josyanne Rita de Arruda Franco, atual vice-presidente e membro da entidade desde 1991.
Renovando amores
Josyanne Rita de Arruda Franco
Renovo minha vida renovando amores,
jogando lágrimas além do inferno.
Prefiro amar de novo e ainda outra vez,
que me importam ausência e dissabores?
Desprezo a pitoresca farsa do eterno.
Amar é sucumbir ao que arrasta!
É um ver colorido repleto de sonho,
onírico apelo sem dia enfadonho,
sem ter coerência, razão ou motivo
que assim justifique o estado de graça.
Renovo minha vida e meus amores
na lírica voz da intensa poesia,
essa coisa que transforma noite em dia
sem fenômeno da natureza...
Apenas com verso, beleza e orgia!
Orgíaco beijo experimentado
com gosto de selva ou rede de hibiscos,
espessados cílios que alegres faíscam
rajadas de apelos, caverna bem firme,
savanas de pelos no íngreme abismo!
Cereja silvestre pendendo no galho,
vermelho escarlate querendo saliva
espessa, lustrosa e a bruma viscosa
dispersa nos beijos da língua bem rosa,
lambendo as encostas, descendo no vale.
Renovo minha vida colhendo palavras
que ecoem no peito desta madrugada,
quando tudo dorme, quieto e exânime,
sem bocas coradas, sem faces de sangue,
apenas suspiros na longa jornada.
Renovo minha vida (semente atrevida!)
no orvalho da cama que foi partilhada,
com versos que a musa me sopra e inspira,
buscando o acaso como companhia
do sonho que teço nesta madrugada!
4. 4 O BANDEIRANTE - Outubro de 2010
SUPLEMENTO LITERÁRIO
3o xifópago, gêmeo. “Compartilhar silêncios”
Hélio José Destro
O lugar ideal da POESIA. Tem hora que o silêncio fala.
Sempre... Sempre... Sempre. O silêncio também chora.
É ocupar lugares vazios. Sendo silêncio ocupa os vazios.
Num vazio coração. O silêncio é sepulcral.
Num vazio de intensa pressão. Muda pra ser visceral.
Num vazio em tempo de solidão. Parece eterno... Eterníssimo.
O estar fazendo mudanças. Numa fração a mutação.
O estar trazendo novidades. O silêncio fala, murmura e grita.
Colocar o dedo nas feridas. Em cadência, com ritmo.
Trazer à tona as mazelas. Abrindo portas, pedindo passagem.
O poema não é supremo. Mas, abre portas e janelas.
Tendo o poder particular De expulsar medos e segredos.
De amolecer a alma. Simplesmente SER silêncio.
Principalmente e exclusivamente Ele se impõe. Amando.
Entre as mulheres de variadas idades. Traz o prazer de pensar, amar.
Pela sensibilidade, pelo “ser mãe”. Num amor e sensibilidade.
Por saber indicar caminhos. No mundo dos mudos.
Que se rendem na delicadeza. Estar só... Impossível.
De gestos amigos, de flores. O silêncio é um grito agudo.
Assim sobrevive a POESIA. Resolve, dissolve dissabores.
Num mundo de rapidez. Fica pra posteridade.
De descobrir, sorrir e esquecer. Deixará eterna saudade.
Pode até aparecer, ser novidade. O coração não esquece.
O poema sempre foi de ficar. Traz a paz na alma.
Pois lida exclusivamente com sentimentos. E tem DEUS no coração
Estando na realidade. Na vida, no tempo exato.
Fala sutilmente as verdades. Ser e estar é um fato.
Às bocas, faces e ouvidos. Os olhos captam o interior.
Também tem muito de volátil. Mas tem o brilho do ouro.
Enquanto pode estar seguro. Mesmo com lágrimas a deslizar.
Sempre ocupa o lugar principal. Tem o algo a dizer.
Tem algo a fazer. É “ser” e “estar”
Na lida de secar lágrimas ao sol. Tudo porque a vida continua.
5. SUPLEMENTO LITERÁRIO
O BANDEIRANTE - Outubro de 2010 5
Dois amores
Carlos Roberto Ferriani
Escutei, surdo, tua prisão.
No silêncio de tuas palavras
Bola de cristal
não ditas pelas lágrimas aflitas, Infinitude profética
tal como, bem-vinda me agitas.
Feliz tu és, eis que amas.
José Jucovsky
A um, tens teus dois amores.
Ao outro, mesma dúvida de tuas dores
e ficar ao mar, em um,
Submetidos a tecnológicas inovações
é estar ao vão do outro.
Estilos de vidas em décadas sob pressões
Desencontros de tuas duas chamas.
Permitirão expandir amplamente pioneira
A bionanotecnologia pela vez primeira!
Amas a um pelo teu avesso.
Amas ao outro pelo teu começo
Penitente, o amor mente. A fantástica viagem na era da informática
Início, meio e faz que fim. Integra a técnica da engenharia genética
Fato é que enroscas tuas camas. Analogias entre circuitos integrados sensíveis
Entreabrem portas a todos os impossíveis!
Chão de graças que paga a pena.
Pão de acalentos, tanto pleno Com o “Livro da Vida” decodificado
que exorta, bate à tua porta. A “Evolução” torna-se coisa do passado?
Amar morrendo ou nascendo. O projeto genoma na sua genialidade
Tanto faz se aos ventos proclamas. Poderá ser o começo de uma outra humanidade?!
Sede deles, nua, sem repartir. Sem mais mistérios, o DNA vivificador
Por inteira ao chegar, partir, Sopra vigorosos milagres dum futuro sedutor
sem culpa ou hipócrita desculpa.
Na bola de cristal da física quântica e da genética
Dia virá, quem sabe, saudades terás
Flui a pseudo-onipotente infinitude profética!
De teus amores; hoje reclamas!
As visões das nossas próprias existências clonadas
Destino desejado por heranças remodeladas
Compõem novos bailados sob peregrino céu
No vir a ser em fascinantes jornadas ao léu!
Os passos do conhecimento a serem dados
Marcam o século XXI para serem conquistados
Por incansáveis cientistas e inventores visionários
Da longevidade em corpos humanos revolucionários.
6. 6 O BANDEIRANTE - Outubro de 2010
SUPLEMENTO LITERÁRIO
Um convite inesperado
José Alberto Vieira
Foi num dia de trabalho em que eu me encontrava no conforto médico do centro cirúrgico do Hospital
São Camilo, aguardando o início de uma cirurgia quando tive a grata satisfação de encontrar o Helio Be-
gliomini. Ao vê-lo, o primeiro pensamento que me veio à mente foi de perguntar sobre a Sociedade Bra-
sileira de Médicos Escritores – Sobrames. Eu sabia da sua existência, mas até aquele momento a Sobrames
era como uma daquelas sociedades que você sabe que existe, acha interessante, mas sempre “falta tempo”
para ir; é mais uma daquelas coisas que você acha que só vai fazer quando se aposentar. Mas o Helio me
perguntou: Por que você não vai a nossa reunião que ocorrerá nesta próxima quinta-feira? Se ele me fa-
lasse que seria daqui a uns quinze dias ou um mês, talvez, eu esqueceria novamente. Mas aquela pergunta
me soou como um convite que eu não esperava num dia assim tão comum. Pensei. Vou agora ou nunca
mais. Que bom que eu fui. Pois desde aquela quinta-feira, a minha vida ou pelo menos meus pensamentos
nunca mais foram os mesmos.
Ao chegar à Pizzaria Bonde Paulista, na Rua Oscar Freire, senti um clima cheio de significados: Oscar
Freire, Bonde Paulista, Pinheiros, Pizza e Literatura, que coisa mágica, pois me remetia à lembrança de
uma São Paulo glamourosa, requintada, cheia de charme. Para mim havia jeito de festa no ar. Ao adentrar o
salão superior da pizzaria, senti que realmente estava na mais paulista das sociedades: baianos, paraenses,
cariocas, mineiros, interioranos, italianos, portugueses, sim, porque São Paulo é de todos que a adotam.
São Paulo não seria Paulista se fosse somente daqueles que aqui nasceram, São Paulo é a terra de todos.
A Sobrames mudou a minha vida porque tive a oportunidade de conhecer pessoas de um mundo que
eu jamais soubera existir tão próximo de mim. Aquele convite veio num momento muito bom da minha
vida porque eu estava desmotivado em relação à medicina e aos meus ideais. A Sobrames foi a renovação
dos meus votos como médico. As pessoas que compõem a Sobrames, não só os médicos, mas aquelas de
outras profissões, também despertaram em mim o sentimento de nobreza e gratuidade de fazer as coisas
pelo simples prazer de fazer e de compartilhar.
Ao entrar aqui no primeiro dia, conheci a poesia de guardanapo e, mais ainda, tive a alegria de conhe-
cer aquele que escreve tão sabiamente nesse guardanapo. Uma pessoa tão intensa, franca, verdadeira, mas
de uma bondade ímpar até quando xinga. Toca-me profundamente ao ver colegas contando fatos cotidia-
nos em forma de prosa ou poesia. Quem pode ficar indiferente às histórias do bairro do Bexiga, do sapa-
teiro, da dona de casa, do cego, do homem que envelhece e sabe rir de si mesmo, do homem que sai do
palco para a plateia da vida e se compraz em ser um mero espectador? Como ficar indiferente às poesias
que vêm lá de Tupã, para entrar em nossos corações, repletas de emoção e sabedoria? Como não se como-
ver com o nosso poeta surrealista na forma, mas real demais no conteúdo, declamando com a rapidez e a
força de suas emoções? E o nosso poeta orgulhoso de sua baianidade que nos brinda com o sincretismo de
suas palavras? Como não comentar os questionamentos e contestações do nosso poeta que canta o milho,
que enaltece a chuva, que não só faz poesia e prosa, mas também proesia? Como não se sentir por vezes
melancólico e saudosista, lembrando um Rio de Janeiro com sua música e sua gente alegre e simpática de
uma época em que a Bossa era nova e, como diz o nosso poeta, a vida era mais devagar no tempo dos 78
rpm? A quantidade de escritores não para aqui, a nossa sociedade é grande demais no seu conteúdo para
ser sintetizada, leva-se, adoravelmente, muito tempo para se conhecer a grandiosidade daqueles que aqui
escrevem e proclamam suas ideias. A cada reunião, um conto novo, um fato novo. Como esquecer aqueles
que partiram deste mundo, mas que ficam conosco na memória de seus escritos, na lembrança em nossos
corações?
Foi muito bom chegar aqui e entender que a Sobrames era dos médicos escritores, mas não só dos médi-
cos, mas também dos jornalistas, dentistas, advogados, comerciantes, donas de casa e de todos que amam
as letras. Foi bom chegar aqui e ver que a Sobrames não é uma obra acabada e sim uma obra iniciada, por
aqueles que um dia sonharam em congregar, confraternizar a medicina em torno do amor às letras. Aquele
convite naquele dia inesperado de fato mudou a minha vida. Só posso dizer a todos aqui presentes o meu
muito obrigado.
7. SUPLEMENTO LITERÁRIO
O BANDEIRANTE - Outubro de 2010 7
Hospital Cristo Rei – uma história
Carlos José Benatti
Começava o ano de 1970 e meu grande amigo, Dirceu Ramires Ser- Dr. Carlos Augusto Galvão
rano (hoje proprietário do Laboratório Femme), era plantonista no Psiquiatria e Psicoterapia
hospital acima referido, que ficava na zona leste... na Av. Celso Garcia, Rua Maestro Cardim, 517
5.118... e me passou seus plantões... era de quarta-feira, 24 horas...e Paraíso – Tel: 3541-2593
teria que atender partos, emergências ginecológicas e obstétricas e o
pronto-atendimento de ginecologia... As cirurgias eram ajudadas pelo
clínico de plantão do pronto-socorro...Lembro-me que era bem puxa- PUBLICIDADE
do...tipo cinco a seis cesarianas por plantão, dois ou três fórceps e uns 30 TABELA DE PREÇOS 2009
(valor do anúncio por edição)
partos normais...pagavam bem...e era um dinheiro que chegava em boa 1 módulo horizontal R$ 30,00
hora, pois iniciava minha residência de g.o. na Santa Casa de S. Paulo 2 módulos horizontais R$ 60,00
e Dirceu era meu R 2 ...(Dirceu era da primeira turma da Santa Casa e 3 módulos horizontais R$ 90,00
eu, da segunda turma) ...trabalhei até 1985...15 anos!!! Fiz incontáveis 2 módulos verticais R$ 60,00
4 módulos R$ 120,00
atendimentos obstétricos e uma grande clientela da zona leste...(naque- 6 módulos R$ 180,00
la época eu achava que atendia pobres, mas na verdade eles internavam Outros tamanhos sob consulta
pelo INAMPS e nos pagavam os partos...em dinheiro!!... Tipo assim, sobramessaopaulo@gmail.com
200 reais o parto (Reais? Qual a moeda da época?) ....ganhei um bom
dinheiro... Mais tarde, na vida iria atender o pessoal bonitinho, de gra-
REVISÃO
vata, com carteirinha de convênio...aí vim a saber que o que eu atendia
era gente rica e agora estava atendendo pobres...mas foi uma época
boa...nosso diretor era o Dr. Saratani (já falecido, clínico geral e de ci- de textos em geral
rurgia da região da Penha) ...lembro-me do Dr. Morbin, o Edmundo, já
falecido e seu irmão Edison...que tinha grande clientela na zona leste e Ligia Pezzuto
Especialista em Língua Portuguesa
na Rua Pamplona...lembro-me de alguns colegas plantonistas de obste-
trícia, Walter Abud, Stella de Castro, Flavia Porto Alegre, Waldir Pinto (11) 3864-4494 ou 8546-1725
(hoje dono do São Rafael), Julio Barbosa (hoje plantonista do Santa
Catarina) e toda a equipe de anestesia de então. Eu a levei para o Santa ROBERTO CAETANO MIRAGLIA
Catarina quando nomeado chefe da maternidade em sua inauguração ADVOGADO - OAB-SP 51.532
em 23 de novembro de 2010. Tive que montar uma equipe anestésica...
de lá vieram então comigo Salim Abraao, e Rita, e outros que hoje com- ADVOCACIA – ADMINISTRAÇÃO DE BENS
NEGÓCIOS IMOBILIÁRIOS – LOCAÇÃO
põem a equipe obstétrica anestésica do Santa Catarina...No P.S. clínico COMPRA E VENDA DE IMÓVEIS
tínhamos grandes nomes do H.C., como Dr. Protassio (hoje figuraço do ASSESSORIA E CONSULTORIA JURÍDICA
H.C.) ...lembro-me de um jovem que trabalhava no P. S. e me ajudou TELEFONES: (11) 3277-1192 – 3207-9224
numa cesariana que ficou memorável pelo tempo recorde: 13 minutos
pele a pele...não me lembro agora o nome dele mas se tornou um vere-
ador em S. Paulo e tem repetidamente sido reeleito até o presente mo- Terminou de
mento...Tinha eu, na época, tanta clientela que o Dr. Saratani me pediu escrever seu
para montar um consultório fora do hospital, pois eu estava causando
confusão na recepção...então montei um consultório bem em frente ao
livro? Então
hospital, na Celso Garcia e lá fiquei por uns cinco anos...até que um publique!
belo dia recebi um telefonema de uma colega que iria se aposentar e
queria me vender o consultório dela com pacientes, mobiliário, enfim Nesta hora importante, não deixe de
tudo...comprei na ocasião tudo por 15 mil reais (moeda da época?) ...e consultar a RUMO EDITORIAL.
nele trabalhei de 1985 até 2000, quando então o passei para meu filho, Publicações com qualidade impecável,
Fabio... Este ano foi realocado para um grupo de oftalmo...nenhum co- dedicação, cuidado artesanal e preço
justo. Você não tem mais desculpas
lega aguentava mais atravessar a Radial Leste para ganhar uma merreca para deixar seu talento na gaveta.
dos planos de saúde...enfim, doces recordações, de quem vê o futuro
se aproximar perigosamente e o passado de afastar, lamentavelmente! rumoeditorial@uol.com.br
(11) 9182-4815
C’est la vie...
8. 8 O BANDEIRANTE - Outubro de 2010
SUPLEMENTO LITERÁRIO
A última rainha da frança
Márcia Etelli Coelho
Nascida na Áustria como Maria Antônia, uma linda jovem sonhava com o príncipe encantado. Seus
desejos foram parcialmente realizados ao se casar com Luis XVI e se tornar Maria Antonieta, rainha da
França. Um casamento difícil, que a ostentação luxuosa da corte tentou compensar.
Adorada por uns, odiada por outros, todos os anais da História registram seu trágico fim.
Em uma noite de segunda-feira, Maria Antonieta se prepara para os minutos mais impactantes de
sua vida. Seu coração bate mais forte ao ver a multidão eufórica. Nunca pensou que fosse vivenciar um
momento como esse. Seus passos, inicialmente trêmulos, se firmam para a grande distância que necessita
percorrer. Respira fundo, ergue a cabeça... Com a coluna ereta, assume a postura que todos esperam de
uma grande heroína.
Ela transpira, com um misto de calor e emoção. A chuva dá uma trégua, mas todo o seu ser se comove
em total turbilhão. O tempo parece parar por um instante. E uma cena se projeta em sua mente: a menina
simples, de família numerosa e que, ingênua, acreditava que poderia ser feliz para sempre.
Ao perceber que poucos metros a separam do seu final, Maria Antonieta não consegue conter uma
lágrima.
“Para onde vão os sonhos que já foram realizados?”
Ao ultrapassar a linha de chegada da Marquês de Sapucaí, Maria Antonieta continua a cantar o samba-
enredo “João e Marias”, pois falta muito para que sua Escola, Imperatriz Leopoldinense, complete o
desfile.
Mas sua voz se cala ao ouvir o povo da arquibancada gritar:
— É campeã! É campeã! É campeã!
A passista abraça suas companheiras de Ala e retira a desconfortável e pomposa peruca branca. Maria
Antonieta, então, se despede, deixando na Dispersão, uma saudade.
Maria Antonieta agora é simplesmente a Maria, uma bonita carioca de Ramos.
Maria sabe que precisa descansar, pois logo pela manhã precisará retornar ao trabalho. Mas ela não
quer sair daqui. Descalça as sandálias de salto alto que, de tão apertadas, provocaram várias bolhas nos
pés. Mas ela nem liga para a dor. O ritmo contagiante das últimas Escolas de Samba realimenta sua alma
e apenas um pingado com pão e manteiga haveria de cumprir a função de restabelecer suas energias.
Nessa manhã de terça-feira, Maria despe-se do vestido exuberante e o troca por um uniforme de gari.
Olha as arquibancadas totalmente vazias, mas seus ouvidos ainda captam o som das magníficas baterias.
Maria pega a vassoura e começa a varrer o chão. Ainda tem ânimo para sambar, imitando uma porta-
bandeira.
“Quem sabe em algum outro Carnaval...”
A Avenida, porém, é imensa... Há muito por limpar e Maria finalmente se entrega à realidade.
Uma pluma azul cravejada de pedras brilhantes repousa sob a luz do Sol e Maria rapidamente a pega
para guardar de lembrança. Restos de fantasia do desfile da Beija-Flor que, com a fantástica Macapaba,
conquistaria o título do Carnaval 2008.
Maria segue o seu destino com coragem e determinação. Cumpre seu trabalho sem saber que o futuro
lhe reserva uma perda irreparável: a morte de seu filho caçula, atingido por uma bala perdida ao brincar
em frente à sua casa.
Maria quase sucumbirá ao sofrimento atroz, uma provação que nenhuma mãe mereceria passar. Mas,
com espírito de guerreira, ela haverá de seguir em frente. E, no Carnaval seguinte, com certeza, estará
lutando com a sua Imperatriz para “mostrar que faz samba também”. Ela aparecerá com um vestido esvo-
açante verde e branco e sambará, graciosa, representando sua própria gente, na tão empolgante Avenida,
passarela das mais tênues ilusões.