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RODRIGO HISGAIL DE ALMEIDA NOGUEIRA
KIBUTZ YOTVATA:
O papel da pequena comunidade no setor agroindustrial da economia israelense.
Resultado final do Programa de Iniciação Científica – PIBIC/PUC-SP
Prof. Dr. César Roberto Leite da Silva
Orientador
Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária
PUC – São Paulo
Março - 2007
RODRIGO HISGAIL DE ALMEIDA NOGUEIRA
KIBUTZ YOTVATA:
O papel da pequena comunidade no setor agroindustrial da economia israelense.
Iniciação Científica submetida à
apreciação da banca
examinadora do Departamento
de Economia, como exigência
parcial para a obtenção do grau
de iniciando científico em
ciências econômicas, elaborada
sobre a orientação do Professor
César Roberto Leite da Silva.
Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária
PUC – São Paulo
Março - 2007
1) Página de aprovação
Esta iniciação científica foi examinada pelos professores abaixo relacionados e
aprovada com nota final ---,--- (--------------------------------------------------)
Nomes legíveis dos examinadores (orientador e demais membros da banca
________________________________________________________
________________________________________________________
________________________________________________________
2) Autorização para consulta e reserva de direitos autorais
Autorizo a disponibilização desta iniciação científica na Biblioteca da Faculdade de
Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da PUC – São Paulo para consulta
pública e utilização como referência bibliográfica, mas sua reprodução total ou
parcial somente pode ser feita mediante autorização expressa do autor, nos termos da
legislação vigente sobre direitos autorais.
São Paulo, ____ de ____________ de ______ Assinatura: ______________________
AGRADECIMENTOS
Pela incrível experiência quero agradecer...
À minha tia Fani, pensadora que acaba de reflorescer para o bem da humanidade.
À minha mãe, Elinée, y a la nena, Isabella, pelo carinho de todos os dias.
À querida tia Alzira, pela pincelada final.
Ao amigo Kiki Mayer e a sua querida família Rony, Peleg, Sol, Aviv e Sky, que
sabem preparar um delicioso shabat à brasileira com direito a feijoada.
Aos meus avós, Hesel, Minde, Jacy, Agostinho e Betty pelas lições e todo o
conforto que apenas vocês podem me proporcionar. Tio Ezra, de Roma, e tia Helena,
de Tróia.
Ao Prof. César, que me orientou com o seu conhecimento.
Aos meus primos Léo e Anne Joels, pelas tardes e duras traduções.
Aos amigos Ricardo Ergas, Myriam Arinoviche, Naomi Sheizaf, Maximilian
Siegel e Dov Goldman, por toda a ajuda.
Ao amigo economista Gil Kassow, pela sugestão.
Ao PIBIC-CEPE e ao Projeto Yeladim, pelo incentivo.
Ao meu chefe, Valter Wolf, pelas férias que me permitiram finalizar este
conteúdo.
Ao totó.
In memmorian a Mario Haytman, lutador nato que clamava pelo bem-estar do
próximo. Que Deus o tenha.
“Muitos kibutzim estão assistindo a uma crise sócio-econômica.
Alguns iniciaram mudanças em direção à privatização e a diferenciação
de salários entre os seus membros. O estilo de vida que os seus
moradores, os kibutzniks, conhecem por décadas está mudando. Em
alguns kibutzim a crise é séria, porém, em outros, a crise fica por detrás do
crescimento que se inicia” (ASKENAZI, 2004, p. 4).
NOGUEIRA, Rodrigo Hisgail de Almeida. Kibutz Yotvata: O papel da pequena
comunidade no setor agroindustrial da economia israelense. São Paulo - SP,
2007. [Iniciação Científica – Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade
e Atuária – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo].
RESUMO
KIBUTZ YOTVATA conta a história de um movimento de retorno, iniciado em
meados do século XX, em que judeus oriundos de diversas partes do mundo rumam a
Israel para pôr fim às velhas ordens sócio-culturais da época. Além de historiografar
o conceito sobre os kibutzim e discutir as suas implicações na atualidade, evidencia-
se o caso específico da comunidade de Yotvata enfatizando sua principal atividade
econômica, que é a produção de derivados de leite. O objetivo desta pesquisa é
promover o debate a respeito do potencial econômico de pequenas comunidades,
através do dimensionamento dos resultados alcançados pelos kibutzim no que tange a
economia de Israel. O trabalho baseou-se em pesquisas e entrevistas em campo,
análises bibliográficas sobre o assunto, que incluiu visitas e consultas a bibliotecas
em Israel e no Brasil, bem como a utilização de artigos de jornal, revistas e acessos
aos materiais disponíveis na web. KIBUTZ YOTVATA estuda o processo de mudança
ideológica presente nos kibutzim na atualidade, das quais se destaca as formulações
marxianas do processo de mais valia. Contrário a utopia comunal que deu origem à
formação dos kibutzim, verifica-se, nos dias de hoje, um século após o seu
surgimento, um movimento comunitário que presencia um conflito entre o “sujeito
coletivo” e o “sujeito individual”. Mais do que uma simples mudança de
comportamento, tal cenário coloca em xeque a existência de um modelo que têm
contribuído significativamente com a geração de riqueza e renda para a economia do
país. Apesar das dificuldades, KIBUTZ YOTVATA é um exemplo de sucesso de um
arranjo produtivo baseado no estreito espírito de cooperação existente em uma
sociedade. PIBIC-CEPE
Palavras-chave: kibutz, agroindústria, derivados do leite.
SUMÁRIO
Introdução: As rosas do deserto..................................................................................01
1- Kibutz, a ousadia de um movimento.......................................................................05
1.1- Origem e significado................................................................................05
1.2- As primeiras Aliah’s................................................................................06
1.3- O primeiro plano agrícola........................................................................08
1.4- A Guerra da Independência.....................................................................10
1.5- Estrutura regional dos povoados..............................................................12
1.6- A Revolução Industrial............................................................................14
1.7- “O Embate entre o coletivo e o indivíduo no kibutz de hoje”.................15
1.8- Potencial econômico................................................................................17
2- O arrojo econômico em Eretz Israel.......................................................................20
2.1- A demografia em Israel, aspectos geográficos e o clima.........................20
2.2- Cenário econômico e a agricultura de ponta............................................21
2.3- O setor leiteiro: um exemplo em O&M – Organização e Métodos.........26
3- Yotvata....................................................................................................................35
3.1- A contraposição nos novos tempos..........................................................35
3.2- A leiteria e o seu funcionamento.............................................................42
Conclusão....................................................................................................................55
5- Referências Bibliográficas......................................................................................59
1
INTRODUÇÃO – AS ROSAS DO DESERTO
O sol batia a pino. O ônibus carregado trazia turistas irritados e uma meia dúzia
de soldados largados no chão com suas M-16 enroscadas no pescoço. Com a
backpack lotada, o desembarque ocorre após a exaustiva viagem desde o Norte do
país e o viajante finalmente se depara com o forte calor do deserto desconhecido.
Certamente passava dos 40ºC. O corpo molenga que dava sinais de cansaço
começava a se desidratar de forma lenta e gradual. Pedras robustas apontam para o
horizonte distante. A sede era grande, mas enfim era chegado o lugar de destino.
Na encruzilhada, entre aquela cafeteria no meio do nada e a estrada que ligava a
lugar nenhum, uma rápida olhada era suficiente para estranhar aquelas verdes folhas
penduradas nas árvores. Ao cruzar o portão do kibutz, rosas floridas lhe davam as
boas-vindas. E por um segundo: que lugar maluco é esse? Na mente, espaço apenas
para encontrar um beco, ou outra fonte de água qualquer. De longe, ainda, a torneira
mal fechada refletia as gotas que brotavam e caiam em direção à pequena poça que
se formava no chão.
Em meio à hostilidade da natureza, qualquer um que chegasse a Yotvata naquela
tarde era direcionado ao refeitório, onde a jovem senhora aguardava em tom solene
por cada um dos visitantes que aos poucos começavam a se aglomerar. Na mesa
cumprida onde a refeição era apreciada, a salada mista de idiomas dava início ao
flerte dos mais de quarenta vindos de diversos cantos do mundo.
Em direção ao cômodo, o russo visivelmente perturbado fazia gestos de mímica a
fim de fazê-lo compreender. Um cigarro. Tudo bem! Valentin tinha 18 anos, vinha
da Sibéria e assim como muitos outros, aspirava definitivamente um lugar na Terra
de Israel. Único desta região, ele foi o que mais se destacou nas aulas de hebraico
quando então também começou a balbuciar algumas palavras de inglês e arriscar
sílabas no espanhol.
Passado alguns dias, o velho argentino em tom de suspense aprontava o discurso
em meio ao clima de festa. Às principais regras estavam prontas a serem lançadas.
“O refeitório é o centro do terreno. Qualquer sinal de bomba ou tremor corra direto
ao bunker mais próximo. Se por acaso estiver em casa vá para debaixo da mesa.
2
Drogas não são permitidas e podem culminar em expulsão. Para quem precisar,
condoms ficarão à disposição. Três refeições são diariamente servidas. As roupas
devem ser lavadas à lavanderia. Cada um recebe um número. Meias e roupa de
baixo, apenas, devem ser entregues à parte. As aulas de hebraico são diárias, hora de
manhã, hora à tarde. No shabat, dia alegre, cada um pode acompanhar à sua família
adotiva e apreciar o banquete”. Por fim. “O trabalho é uma surpresa. Um dia aqui,
outro dia ali”.
Ao cair de toda noite, antes do jantar, a planilha era pontualmente colocada no
mural de recados, bem ao lado da ilustração em que o sorridente camelo dizia: Adoro
beber água! À coluna com os nomes impressos correspondia outra com a indicação
do posto de trabalho. Caso o felizardo(a) não fosse escalado para trabalhar de
madrugada na cafeteria da estrada, deveria aguardar o outro dia para pagar pelo
aluguel da sua estada. No miznon, como era chamada a cafeteria, além do “choco” e
do milk shake, outros diversos doces, sorvetes e sanduíches podiam ser consumidos
após o chão estar varrido, as verduras cortadas e toda a louça lavada.
Para muitos outros, acordar às cinco horas da manhã era quase uma rotina. Em
meio a bocejos de uma noite de sono interrompida, o motor da perua era ligado
enquanto cada um tomava seu assento. Tudo pronto, ela finalmente partia em direção
às plantações. Após as primeiras horas ainda no sereno da noite, o esforço da colheita
era então descontínuo pelos primeiros raios de luz vindos das montanhas, que
grandiosamente se empunham do outro lado da fronteira. Aos poucos, os vibrantes
raios começavam a ganhar intensidade até que então, o sol, imponente, se armava
para avisar aos outros que se levantassem para dar início às demais atividades. Uma
equipe se organizava para colocar o café, a outra auxiliava na preparação do almoço
e assim sucessivamente. Havia ainda aqueles que ajudavam na manutenção do
jardim, ou na lavanderia, na máquina de lavar pratos, no curral das vacas, na leiteria,
na marcenaria, até que de repente, todos estavam inseridos na harmonia que
compreendia o dia-a-dia daquela comunidade.
O estudo a seguir foi inspirado na experiência vivida no kibutz Yotvata durante o
segundo semestre de 2004.
3
À medida que o espírito sionista ganhava força, o retorno aspirava ao sonho dos
jovens, que chegavam ávidos a participar da construção de uma nova vida em Eretz
Israel.
O kibutz (em hebraico: ‫;קיבוץ‬ plural: kibutzim: ‫)קיבוצים‬ representa um
experimento israelense e parte de um dos maiores movimentos comunitários da
história. O sentido etimológico da palavra kibutz é “grupo”. Sua formação, além de
contribuir para a fundação do Estado de Israel, apresenta fundamental importância,
sobretudo para a economia do país. “Em 2005, 116.000 pessoas residiam nos 266
kibutzim existentes no país” (PAVIN, 2006, p.3).
Considerados anteriormente como comunidades socialistas utópicas, hoje os
kibutzim formam parcerias com empresas capitalistas que surgiram como meio
alternativo para suprir as suas novas necessidades. Ainda que o principal fundamento
e a base para sua existência continuem a ser a parceria existente entre os seus
membros, “o conflito entre os interesses pessoais e os interesses coletivos provoca
hoje um clima de tensão permanente” (ROSENTHAL, 1992, p. 71).
No entanto, políticas de incentivo à formação de kibutzim surgiram como meio
para o desenvolvimento da sociedade, especialmente através da formação de postos
de trabalho pelo país. Acompanhou ao ressurgimento desse interesse uma esperança
de que estas comunidades pudessem contribuir para a hegemonia de uma nação.
O principal objetivo proposto pelos kibutzim é promover a sobrevivência e o
bem-estar dos seus membros estimulando processos locais de desenvolvimento ao
longo do tempo.
A existência de um conglomerado com posse dos próprios meios produtivos
deixa de lado o julgamento político-ideológico e cede espaço para a percepção de um
novo modelo de empreendimento, que similarmente, é um processo para se alcançar
o desenvolvimento humano de uma maneira inclusiva, interligada, igualitária,
prudente e segura.
Neste sentido, o desafio desta pesquisa é avaliar a contribuição dos kibutzim
de Israel como um modelo de sucesso para a economia do país e possibilitar a
indagação sobre novas alternativas que ajudem a promover outras economias
em estágio inicial de desenvolvimento.
4
Para elaboração do trabalho, segue-se à linha teórica do “desempenho econômico
como função dos aspectos institucionais de uma sociedade”. Para ilustrar, faz-se
referência a Yotvata e à agroindústria leiteira na qual se insere. Discute-se a respeito
da interação entre os vários agentes envolvidos no processo e suas transformações.
Da cooperação, peça fundamental para o funcionamento e bem-estar social, o
movimento perde espaço para o surgimento de um crescente espírito egocentrista,
marca decisiva dos novos tempos.
5
CAPÍTULO 1 – KIBUTZ, A OUSADIA DE UM MOVIMENTO
1.1 Origem e significado
Os kibutzim surgiram através da necessidade de ajuda mútua e apresentavam uma
meta econômica e outra ideológica. No início, estas comunidades eram formadas por
grupos de jovens judeus voluntários vindos de toda parte do mundo, os quais viviam
em casas simples, feitas de madeira, sem banheiro ou eletricidade. A larga unidade
de produção coletiva apresentava seus membros como proprietários conjuntos dos
meios de produção, da repartição social e das atividades econômicas. O trabalho na
terra era uma variável importante do sionismo. “Sua componente econômica pregava
o retorno ao cultivo da terra como principal ocupação dos judeus, substituindo assim
as ocupações típicas dos judeus europeus: possuir pensões e lojas de penhora,
praticar ‘comércio pequeno’, etc” (SILVER-BRODY, 1998, p.33-36, apud
WIKIPEDIA, 2006, on line).
“O contraste das perseguições sangrentas frente à descoberta da
democracia política, do socialismo e da igualdade, levaram os jovens
judeus a se apegar aos movimentos que lutavam por estes valores
reprimidos durante muitas gerações vividas sob opressão. Eles lutavam
contra a falta de sentido de suas próprias vidas. Alguns, por exemplo,
negaram sua existência judaica e se converteram em sociais nacionalistas.
Outros, mais identificados com o bolchevismo, transformaram-se em
socialistas democráticos. Aqueles que tinham aspiração de retornar a sua
existência judaica, imbuídos da convicção de que os judeus teriam o
direito de desenvolver sua própria terra, foram os primeiros sionistas e
começaram a retornar à Palestina no princípio do século XX”
(ROSENTHAL, 1992, p. 12).
A posse de bens materiais nunca foi um conceito adotado pela filosofia
kibutziana. Notavelmente correlato ao “Modelo do Ciclo de Vida do Consumo e da
6
Poupança1
”, o dinheiro excedente era direcionado à poupança para garantir
segurança ao futuro da comunidade. A hipótese do Ciclo de Vida foca indivíduos,
que planejam seu comportamento de consumo e poupança no decorrer de longos
períodos com a intenção de alocar seu consumo da melhor maneira possível por toda
a sua vida (Figura nº. 1.1). “Trata-se de uma vivência socialista e puramente coletiva,
cujo sentido é o de compartilhar totalmente todos os bens” (Op. cit., 1992, p. 46).
Figura nº. 1.1
Durante a vida
ativa (WL), o
indivíduo poupa,
construindo ativos.
No final da vida de
trabalho, o indivíduo
passa a viver desses
ativos, despoupando
para os próximos
anos (NL X WL), até
o fim da vida. O
consumo é constante
no nível C durante a
vida. Todos os ativos
foram usados no fim
da vida.
Despoupança
Poupança
TempoNLWL0
C
YL
WRmax
Ativos
Renda, Consumo, Poupanças e Riquezas no Ciclo de Vida
Fonte: Elaboração do autor baseado em DORNBUSCH & FISCHER, 2002, p. 310
Despoupança
Poupança
TempoNLWL0
C
YL
WRmax
Ativos
Despoupança
Poupança
TempoNLWL0
C
YL
WRmax
Ativos
Renda, Consumo, Poupanças e Riquezas no Ciclo de Vida
Fonte: Elaboração do autor baseado em DORNBUSCH & FISCHER, 2002, p. 310
1.2 As primeiras Aliah2
’s
Interessados em desenvolver as comunidades agrícolas e estabelecer vilas como
as que existiam na Europa Oriental, as Moshavot, os primeiros povoados judeus em
Israel surgiram entre os anos de 1882 e 1890, durante a primeira Aliah. Nela, 15.000
famílias oriundas principalmente do sul da Rússia mudaram-se para a Palestina com
a intenção de lá viver. Como as barreiras eram muito grandes, principalmente em
detrimento das autoridades Turcas que habitavam a região e pela falta de
1
A Figura nº. 1 foi desenvolvida por Franco Modigliani, prêmio Nobel de Economia em 1985, em
“The Life Cycle Hypothesis of Saving, the Demand for Wealth and Supply of Capital”, Social
Research, v.33, n. 2, 1966.
2
Termo empregado para expressar o retorno dos judeus à Palestina, atual Estado de Israel.
7
conhecimento técnico, os Moshavot logo entraram em colapso. Neste estágio, judeus
riquíssimos, como Edmond, o Barão de Rothschild, resolveram ir a Israel (ainda
Palestina) com o intuito de fazer consideráveis investimentos nas fazendas, enviando
especialistas para ensinar viticultura, como método de especialização. Em 1898 havia
22 das novas vilas judias no país, a maior parte delas baseada em monocultura, com
plantações de frutas e vegetais. Em 1900, a Jewish Colonization Association (JCA),
fundada em 1891, passou a atuar como financiadora de crédito para as fazendas
comunitárias. Além de tirar o gerenciamento da administração do Barão de
Rothschild, a associação desenvolveu um arranjo de atividades para estabelecer um
treinamento aos trabalhadores dos assentamentos, baseado na colheita de cereais
(Settlement Department of Jewish Agency, 1974, p. 35 e 36).
Durante a segunda Aliah muitos dos novos imigrantes quiseram trabalhar na
Palestina. Primeiramente, conseguiram trabalho em vilas, cujos empregadores eram
quase que exclusivamente árabes, e depois, em 1908, começaram a fundar seus
próprios povoados. Assim, no ano seguinte, um grupo de sete trabalhadores levantou
o primeiro kevuzah - o mesmo que kibutz ou vila coletiva - chamado Deganya. “As
idéias centrais seriam de que o dinheiro não circularia nesta comunidade, a
propriedade privada seria abolida e não se utilizaria o trabalho assalariado”
(ROSENTHAL, 1992, p. 8). Após este, outros também se sucederam, começando por
campos de colheita e gradualmente adicionando novos tipos de agricultura,
plantações de frutas e a criação de animais. Os assentamentos cresceram
vagarosamente, mas apenas firmaram-se em 1918, no final da Primeira Guerra
Mundial, quando contava com 47 vilas judaicas no país, muitas delas financiadas
pela Organização Sionista (Settlement Department of Jewish Agency, 1974, p. 37).
Em 1919, quando se teve inicio a terceira Aliah, as atividades foram realizadas
pelo Departamento de Assentamentos da Organização Sionista e muita atenção foi
dada ao ideário. O ideal do Kevuzah ou Kibutz - o ultimo termo primeiramente usado
em um grande assentamento em En-Harod, fundado em 1921 - foi todo definido,
bem como aspectos práticos sobre o trabalho. Na mesma época, Eliezer Joffe, um
dos fundadores da leiteria Tnuva, sugeriu um novo tipo de assentamento – as vilas
cooperativas com poucos titulares, os moshavim – que foram desenvolvidas por
trabalhadores das proximidades. Enquanto os kibutzim foram gerados como fazendas
8
auxiliares para trabalhadores de origens diferentes, os moshavim foram sucedidos por
assentados independentes. Com a aquisição de áreas adicionais em Haifa e no vale
do Rio Jordão, a rede expandiu-se. Os assentamentos estabelecidos pela Organização
Sionista foram baseados principalmente na fazenda diversificada, incluindo
plantação de frutas, produção nos campos, e gado. Algumas vilas privadas, baseadas
principalmente em frutas cítricas, também progrediram, e moshavim foram fundados,
principalmente por assentados da classe média, que construíram grande parte através
de próprio esforço financeiro, solicitando, portanto menos ajuda do Departamento de
Assentamentos Sionista (Op. cit., 1974, p. 39).
1.3 O primeiro plano agrícola
Como algumas características da unidade coletiva, ou fazenda, ainda não haviam
sido bem definidas, tais como o seu tamanho e a variedade do portfólio agrícola, foi
realizado, em 1929, o comitê Executivo da Organização Sionista. Seu propósito foi
discutir a respeito de índices e critérios mais claros à realidade das fazendas, nas
diferentes partes do país. Foi examinado o tamanho da estrutura necessária para o
sustento das famílias, os equipamentos e fornecimentos necessários por unidade
coletiva, e o melhor tipo de gado para cada região. Em áreas irrigadas, como no vale
do Jordão, ao norte do país, foram concedidas 25 dunams (6,25 acres ou 2,53
hectares) para cada fazenda. Em áreas não irrigadas ou parcialmente irrigadas, como
no vale do Jezreel, ao sul, 140 a 280 dunams (35-70 acres ou 14,18 – 28,35 hectares).
Este foi o primeiro avanço sobre o plano da agricultura baseado nas condições
naturais do país. Como a irrigação era em plano extensivo, foi proposto reduzir as
unidades de fazenda, a fim de criar métodos intensivos para facilitar a máxima
utilização dos recursos naturais da terra e manter o princípio do “trabalho pessoal”,
para que ambos, moshavim e kibutzim aderissem. O sistema também possibilitou que
cada assentamento se tornasse uma unidade autônoma, quase independente dos
fornecimentos externos e capazes, se necessário, de subsistirem isoladamente a um
estado de sitio. A “diversificada fazenda orgânica” tornou-se um tipo prevalecente na
agricultura judaica. A partir de então, kibutzim e moshavim passaram a recrutar
9
novos membros e a criar regulamentos para os assentamentos afiliados a fim de
acabarem com os problemas econômicos até então vivenciados.
Entre o começo dos anos 30 e a Segunda Guerra Mundial (1939), um grande
número de projetos para assentamentos especiais foi realizado. O “Projeto Mil
Famílias” - que no seu termino apresentou somente algumas poucas centenas de
famílias - começou em 1932, principalmente com a presença de jovens alemães
fugitivos do terror nazista e conduziu à busca de diversas vilas em várias partes do
país. O levante árabe de 1936-39 inspirou novos métodos de montar postos de guarda
na madrugada. A Organização Sionista agiu rapidamente na construção dos
assentamentos e decidiu montar pontos fortes em áreas judaicas que não haviam sido
previamente povoadas, a fim de criar um novo mapa da colonização judaica em caso
da divisão territorial ser adotada. Ao todo, 53 novas vilas, a maioria baseada em
fazendas diversificadas, foram levantadas neste período. Apesar das restrições, o
estabelecimento destas novas vilas continuou durante e depois da Segunda Guerra
Mundial, quando muitas vilas foram fundadas (Tabela nº. 1.1). Depois do fim do
holocausto, novo esforço foi feito para estender a área dos assentamentos judaicos,
especialmente ao norte do deserto do Neguev, onde 11 assentamentos foram
levantados em uma única noite. Outros sete foram levantados em 1947, e um duto de
irrigação foi colocado até o centro do país para poder abastecê-los com água.
Tabela nº. 1.1
unidades habitantes unidades habitantes unidades habitantes unidades habitantes
19
19
00 21 4.950 21 4.950
14 32 11.000 3 400 4 180 39 11.580
22 34 11.540 11 1.410 19 1.190 64 14.140
1941 45 63.240 94 24.820 87 23.190 226 111.250
44 44 76.000 99 29.500 111 33.500 254 139.000
1948 15 24.160 99 30.142 159 54.208 273 108.510
onte: Elaboração do autos baseado em dados do Settlement Department of Jewish Agency , 1974, p. 96
19
19
F .
Ano
Moshavot Moshavim Kibutzim Total
Assentamentos agrícolas judaicos e população residente antes do surgimento do Estado de Israel
10
1.4 A Guerra da Independência
Porém, a guerra da Independência de 1948 mostrou a ampla influência exercida
pelos assentamentos para assegurar o controle da região. Praticamente em todas as
áreas em que havia assentamentos judaicos, resistia-se às invasões árabes armadas e
ajudavam a determinar as correntes para a consolidação do Estado judaico. As
condições políticas e econômicas foram completamente transformadas e esta situação
conduziu a uma nova forma de organização aos assentamentos. A severa escassez de
comida nos primeiros anos obrigou a um imediato crescimento na produção das
fazendas. No mesmo período houve muita oferta de emprego aos novos imigrantes,
que careciam de qualquer tipo de vocação. A terra deixou de ser um problema, uma
vez que largas áreas foram desocupadas após o conflito.
Diversos projetos de assentamentos agrícolas foram lançados pelo Departamento
de Assentamentos da Agência Judaica, que era responsável pelo plano, execução e
supervisão do trabalho, tais como planejamento dos prédios, fornecimento de água,
redes de irrigação, provisão de equipamentos, sementes, gado e orientação dos
métodos de trabalho. Desta maneira, as comunidades rurais foram sendo
gradativamente integradas. Fazendeiros veteranos foram enviados para viver nas
vilas como instrutores e, inicialmente, para ajudar os vilarejos a resolverem seus
problemas sociais. No princípio, os assentados foram largamente empregados na
construção de prédios - ou no caso de abandono de vilas árabes -, em reforma de
casas, pavimentação de estradas e infra-estrutura. Após a realização destas atividades
estruturais, os assentados passaram a viver da produção de suas fazendas. Os
agrônomos, engenheiros e arquitetos do Departamento Central e do escritório
regional do Departamento Sionista supervisionavam o trabalho dos homens no
campo e, em conjunto com o Ministério da Agricultura, coordenaram a escolha da
produção e dos métodos de cultivo de acordo com o clima e condições do solo de
cada região, em várias partes do país.
11
Tabela nº. 1.2
Em cada um destes dois períodos -
1948/49 e 1950/51 -, cerca de 100 novos
assentamentos foram fundados em razão do
abandono de vilas árabes nas montanhas de
Jerusalém e da Galiléia e, posteriormente,
do deserto do Neguev. Os assentamentos
das fronteiras só foram estabelecidos para
servirem como postos para as Forças de
Defesa Israelense3
(FDI), criadas neste
período. Entre os anos de 1947 - quando
anunciada a decisão da ONU para a
independência de Israel - e 1972, 465 novas
vilas estabeleceram-se (Tabela nº. 1.2). E ao
seu redor, novas comunidades urbanas
surgiam.
Ano Moshavim Kibutzim Total
1948 5 20 25
1949 60 42 102
1950 114 13 127
1951 24 7 31
1952 12 3 15
1953 36 9 45
1954 8 2 10
1955 12 4 16
1956 12 8 20
1957-60 14 4 18
1961-64 2 4 6
1965-67 2 2 4
1968-72 24 22 46
Total 325 140 465
Fonte: Elaboração do autos baseado em dados do Settlement
Department of Jewish Agency, 1974, p. 97.
Assentamentos agrícolas judaicos
fundados após o surgimento do Estado de
Israel
Um aspecto especial deste período foi o aumento da popularidade do moshav,
que antes da independência não superava o número de kibutzim. Das novas vilas
fundadas a partir do final de 1972, 325 eram moshavim e somente 140 eram kibutzim.
A principal razão para a mudança foi o contexto étnico e social dos novos imigrantes.
Antes de 1948, os imigrantes de origem européia pretendiam se tornar fazendeiros.
Os recém-chegados, por outro lado - mais da metade vindos da Ásia e da África -,
eram colocados no país sem qualquer tipo de conhecimento prático ou preparação
ideológica. No filme “Um Herói de Nosso Tempo” (Va, Vis et Deviens, 2006), por
exemplo, o diretor Radu Nihaileanu bem ilustrou como ocorreu o processo de
3
“As Forças de Defesa de Israel (Tzavá Haganá le Israel), foram formadas durante a Independência.
No período entre 1948 e 1949, quando Israel enfrentou os exércitos dos países árabes que não
aceitavam o estabelecimento do Estado Judeu, as antigas facções armadas dos sionistas foram
reunidas e aparelhadas com armas e munição (...) As FDI situam-se hoje entre as mais bem reputadas
forças de combate do mundo, tendo tido que defender Israel em cinco grandes conflitos desde a sua
criação” (WIKIPÉDIA, 2007, on line).
12
migração dos judeus vindos da Etiópia4
. Estes imigrantes, fugindo da ideologia
característica aos kibutzim, dificilmente se adequariam a esta estrutura preferindo o
emprego nos moshavim, que apresentam tipo de vida mais similar às existentes das
vilas de onde vieram.
1.5 Estrutura regional dos povoados
Até 1953, a maioria das novas vilas era baseada na fazenda diversificada, que
basicamente desenvolvia produtos frescos, especialmente leite, ovos, vegetais e
frutas. A partir deste ano, modificações substanciais foram introduzidas em algumas
das recentes regiões assentadas. Nas montanhas e no Neguev - cujas condições
climáticas e naturais do deserto nunca foram favoráveis -, a tecnologia de produção
tinha aumentado. A melhoria da mecanização rural deu início à grande
especialização e o modelo de fazenda diversificada foi gradualmente abandonado ou
modificado. Fazendas especializadas foram construídas de acordo com as condições
domésticas e específicas de cada lugar, bem como da demanda de mercado
internacional por produtos típicos, como a tâmara. Assim, cada região passou a ser
responsável por um determinado ramo da agricultura, bem como para produção
industrial destinada à exportação ou à substituição de importação.
Ao invés de cada vila permanecer fechada, com economia e unidade social
independentes, elas foram integradas em uma eficiente estrutura regional. Um
modelo deste tipo foi inicialmente adotado nos povoados do Neguev, fundado entre
1951 e 1952, os quais foram agrupados ao redor de um centro rural e comercial. O
modelo é baseado em planos econômicos, que compreendem todos os povoados
agrícolas e urbanos de uma mesma região. Neste aspecto, é preciso enfatizar a
importância operacional e econômica desta estrutura regional, que consiste em uma
diferença particular desses tipos de povoados. O fato da proximidade da fábrica com
a fonte de matéria-prima resulta em um maior valor agregado ao produto que, em
4
Além das dificuldades e todos os preconceitos recebidos, os judeus etíopes representavam as
camadas mais baixas da sociedade. Em 2005, após a aprovação de diversas leis de incentivo, esta fase
de ostentações foi superada e levou a inserção deste grupo à sociedade.
13
contrapartida, colabora com um maior desenvolvimento da região. As vilas ou
povoados eram assim colocadas em grupos de quatro ou cinco em volta de um centro
rural, que providenciava as facilidades necessárias, enquanto uma comunidade da
cidade servia toda a região. Somente facilidades cotidianas, tais como berçário, mini-
mercado, posto de saúde, sinagoga, refeitório e lavanderia situavam-se dentro das
próprias vilas. Outros serviços, como escolas, centro esportivo e anfiteatro ficavam
localizados no centro rural, enquanto outras especificidades como hospitais e
shopping centers, eram localizadas na cidade da região (Figura nº. 1.2). Assim, o
abastecimento para as grandes comunidades fez com que os serviços ficassem mais
baratos, acessíveis e eficientes. Já, as indústrias, principalmente como as de
processamento de plantas e vegetais, eram situadas nas cidades, onde recebiam as
matérias-primas. Assim, entre outras conseqüências, tais políticas econômicas de
cunho regional, baseada em aspectos étnicos e culturais de um povo judeu vindo de
várias partes do mundo, proporcionavam atividades para os desempregados e
prevenia o empobrecimento ou abandono destas áreas rurais do país.
Figura nº. 1.2
Estrutura econômica regional dos povoados do Negev à partir da década de 50.
Fonte: Elaboração do autor, baseado em imagens do Eye on Israel, 2006, on line.
Kibutzim/ povoados
Centro regional e comercial
Cidade regional
Estrutura econômica regional dos povoados do Negev à partir da década de 50.
Fonte: Elaboração do autor, baseado em imagens do Eye on Israel, 2006, on line.
Kibutzim/ povoados
Centro regional e comercial
Cidade regional
14
A estrutura regional também facilitou a grande integração entre assentados de
diferentes partes do mundo que, pelas várias origens, encontravam, anteriormente,
dificuldade para viver nas proximidades. Ainda que cada vila fosse formada por um
grupo étnico particular, todos usufruíam das mesmas facilidades providas pelo centro
rural, onde a integração acontecia entre os moradores das diferentes vilas. Assim, o
processo gradual de integração iniciou a cooperação regional entre os diversos
kibutzim, que começavam a estabelecer joint ventures (empreendimentos
conjuntos/parcerias) entre si. Um típico exemplo é o de um concilio regional entre os
kibutzim do Neguev que, juntos, integram alguns empreendimentos, tais como
fábricas de refrigeração, de algodão e de embalagens de papelão, um abatedouro de
aves, além de serviços como anfiteatro, ginásio de esportes, escola, lavanderia,
dentre outros.
1.6 A Revolução Industrial
A partir de 1966, a contribuição econômica que os assentamentos trouxeram para
os planos originais do país passou a fazer parte dos planos de desenvolvimento
nacional elaborados pelas autoridades. A Agência Judaica e os Ministérios da
Construção, Trabalho e da Agricultura montaram um centro de estudos rural e
urbano para investigar os problemas envolvendo a criação de novos métodos e
modificações para os modelos de assentamentos. Como resultado inicial foi realizada
a complementação do Condutor Territorial de água construído quase há 20 anos, que
passou a conduzir água do Kineret, ao Norte, para o Neguev, ao Sul.
Antes do estabelecimento do Estado de Israel, os kibutzim já haviam dado início
à ramificação da produção, migrando parte de seu capital para a indústria nascente. O
Kibutz Degania, por exemplo, ajustou sua produção para fabricação de ferramentas
de corte do diamante, faturando milhões de dólares ao ano. O kibutz Hatzerim e o
Daan, seu concorrente, têm uma fábrica para produzir equipamentos para irrigação
através de uma técnica de gotejamento desenvolvida pelos engenheiros das próprias
comunidades. O empreendimento de Hatzerim, chamado Netafim, é uma corporação
15
multinacional que fatura acima de US$300 milhões ao ano. Maagan Michael, outro
kibutz, desenvolveu uma fábrica de plásticos e equipamentos médicos. As empresas
de Maagan Michael ganham mais de US$100 milhões ao ano (WIKIPEDIA, 2006,
on line).
Uma grande onda de industrialização marcou os anos 1960. Hoje, depois de mais
de 40 anos, apenas 15% dos membros dos kibutzim praticam atividades ligadas à
agricultura. A industrialização dos kibutzim surgiu tanto num momento em que os
trabalhos agrícolas já não eram bastante para absorver todos os membros do kibutz,
como quando do início de pressões de demanda por parte do Estado de Israel.
Durante os anos 50 e 60, em razão dos altos déficits comerciais, o país aguardava
uma oportunidade para reverter a sua balança comercial. Aos kibutzim foi atribuída a
responsabilidade de produzir.
1.7 “O embate entre o coletivo e o indivíduo no kibutz de hoje5
”
Uma nova concepção começou a ter expressão logo depois da “Guerra dos Seis
Dias”, em 1967, e da “Guerra de Yom Kypur”, em 1973. Após a perda de mais de
2.300 soldados, o rápido processo de viver “o hoje” tornou-se cada vez mais
predominante também nos movimentos kibutzianos e a idéia de “kibutz” foi-se
desintegrando. “A juventude não encontrava a menor motivação para continuar este
caminho e o que eles procuraram desde então fui a sua individualidade”
(ROSENTHAL, 1992, p. 83).
O emprego sazonal sempre foi um ponto de controvérsia no movimento
kibutziano. Durante o tempo da colheita, quando era necessário muito esforço braçal,
os kibutzim não empregavam “não-membros” ou “não-moradores” para auxílio
destas atividades. Hoje, somente 38% dos empregados do kibutz são membros da
comunidade (WIKIPEDIA, 2006, on line). Nos anos 70, os kibutzim passaram a
empregar palestinos. Atualmente, tailandeses, filipinos e chineses correspondem pela
grande contingência de mão-de-obra barata presente nos assentamentos. “Por todo o
5
Título usado na tese de mestrado em Serviço Social por ROSENTHAL, Ruth Ellen.
16
país, mais de 26 mil tailandeses estão trabalhando na agricultura, um elemento que se
tornou vital para a economia do país” (HEBRAICA, 2007, p. 41).
Segundo moradores, severas transformações podem ser vistas na unidade coletiva
e da sentença que deu origem ao ideário da coletividade kibutziana, “a cada um de
acordo com sua habilidade, a cada um de acordo com sua necessidade”, parece ter
cedido espaço “a cada um de acordo com suas preferências, a cada um de acordo
com suas pretensões”. “O ‘kibutz-lugar6
’ está se tornando, hoje em dia, cada vez
mais predominante. A identificação com ‘kibutz-caminho7
’ está se distanciando cada
vez mais dos seus membros (...) de forma que indivíduo e coletivo procuram uma
forma ponderada de sobrepujar tais contradições.” (ROSENTHAL, 1992, p. 70, 88).
As primeiras mudanças foram notadas quando da cobrança por utilidades
domésticas. Quando a eletricidade era gratuita, os membros não mostravam interesse
em conservá-la, a ponto de deixarem suas máquinas de ar-condicionado funcionando
ininterruptamente, mesmo quando ausentes da residência. Em 1980, os kibutzim
começaram a cobrar pelo uso da energia, fazendo com que cada membro tivesse
realmente uma arrecadação pessoal para pagar suas contas. O refeitório também foi
um dos primeiros a ter seu serviço alterado. Quando o alimento era gratuito e três
refeições eram feitas diariamente, os membros não tinham a percepção do enorme
desperdiço produzido. Hoje em dia 75% dos kibutzim cobram do membro o preço da
alimentação feita em seus refeitórios, da mesma forma que ocorre em um restaurante
do tipo self-service. As atividades do grupo são muito menos eficientes do que no
passado, e talvez, o exemplo mais claro de como os kibutzim abandonaram o
princípio da igualdade é a execução de salários diferenciados. Assim, um gerente de
fábrica receberia hoje um salário real muito maior do que um trabalhador do “chão
de fábrica” ou do trabalhador agrícola. Desde os anos 1970, o prestígio dos kibutzim
foi sendo ignorado pelos israelenses e a imagem de pioneiros ou auto-suficientes
passou a dar espaço ao ideal do consumidor independente. Assim, o kibutz apresenta,
atualmente, alterações em sua estrutura original de modo a colocar em xeque seu
escopo de ação no atual cenário globalizado.
6
Expressão usada pela autora para designar as necessidades individuais acima das necessidades
coletivas.
7
Expressão usada pela autora para mostrar que o interesse do coletivo sobrepõe-se às necessidades
individuais.
17
Segundo o economista Mário Haytman, um dos primeiros moradores do kibutz
Yotvata, as principais dificuldades do modelo econômico encontrado nestes tipos de
comunidades surgiram através das diferentes perspectivas adotadas pelas gerações
que se sucederam à formação dos kibutzim.
“O problema mais grave que enfrentamos refere-se às segundas e
terceiras gerações. Isso é um problema grande porque em nenhuma
sociedade ou lugar do mundo, 100% dos filhos fazem o que os pais
querem. Por outro lado, existem no momento entre 25% e 30% dos filhos
que voltam a querer viver como nós. Não é muito para a comunidade, mas
é muito, proporcionalmente, se comparado ao que acontece no resto do
mundo. Se você considerar as sociedades do mundo verá que não há 30%
dos filhos que vivam com os pais e que tenham os mesmos objetivos ou
as mesmas metas econômicas”.
1.8 Potencial econômico
Figura nº. 1.3
Participação dos kibutzim no PEA e no PIB de Israel em 2004
Fonte: Elaboração do autor baseado em dados de KIA, 2006, on line e CBS, 2006, on line
N = 56,5 bilhões de dólares
10%
90%
kibutzim Outros
N = 3.751 milhões de trabalhadores
1%
99%
Participação dos kibutzim no PEA e no PIB de Israel em 2004
Fonte: Elaboração do autor baseado em dados de KIA, 2006, on line e CBS, 2006, on line
N = 56,5 bilhões de dólares
10%
90%
kibutzim Outros
N = 3.751 milhões de trabalhadores
1%
99%
1%
99%
Com a cooperação, subsídios gerados e a regulamentação estatal dos diversos
setores da economia, estas comunidades agro-industriais autogeridas - que
correspondem a apenas 1% dos mais de 3,7 milhões de trabalhadores que compõem a
População Economicamente Ativa (PEA) de Israel - são capazes de movimentar mais
de 10% de toda a atividade comercial do país, além de 7,2% do total das exportações,
18
5,2% dos investimentos e 9,2% do emprego industrial (Figura nº. 1.3). Ao contrário
do que pressupunha a economia clássica, os kibutzim pouco falharam em seus
empreendimentos, de maneira que continuam fazendo investimentos agressivos nas
novas empresas criadas. Hoje, a maioria dos kibutzim já está no ponto break-even
(lucro) econômico.
As indústrias do kibutz produzem artigos de metal, eletro-eletrônicos, plástico e
borracha, alimentos processados, materiais óticos e vidro, têxtil e couro, artigos de
medicina e produtos químicos, materiais de escritório, materiais para construção,
brinquedos, jóias, instrumentos musicais, além dos alimentos. Em 2004, suas vendas
totalizaram US$4,44 bilhões, incluindo US$1,33 bilhão do valor das exportações
(Tabela nº. 1.3). As principais filiais da indústria do kibutz são as de plástico e de
borracha (38% de todas as vendas), seguida por alimento (18% de vendas totais) e do
metal (14% de vendas totais). As indústrias do kibutz exportaram 45% de sua
produção, comparado a uma média nacional de aproximadamente 38% das vendas.
Os principais exportadores são as indústrias de plásticos e borracha, e alimento, que
correspondem juntos a 51.5% da exportação nacional (Op. cit., 2006, on line).
As indústrias dos kibutzim mantêm altos níveis de investimentos, que são
estimados em US$187 milhões. Este capital foi investido na construção de novas
empresas, renovação e modernização das fábricas existentes e na garantia da elevada
qualidade empregada.
Tabela nº. 1.3
Setor
Total de vedas
(milhões US$)
Exportações
(milhões US$)
Investimentos
(milhões US$)
Número de
trabalhadores
Número de
fábricas
lástico e Borracha 1.376 558 83 9.763 79
limento 657 221 28 3.339 36
etais e Maquinaria 511 184 22 5.112 61
apel e Papelão 221 32 7 1.412 20
letro-eletrônico 188 82 5 1.880 28
extil e Couro 223 104 20 1.578 23
ateriais de construção 188 27 9 1.212 15
édico e Químico 115 48 7 1.052 17
tico e Vidro 76 45 2 784 9
óveis e madeira 45 1 2 666 14
nagem e Arte 31 27 1 334 13
erviços Industriais 31 2 1 461 18
otal de Indústrias 3.662 1.331 187 27.593 333
mpresas na região 779 4.919
Total de todas as empresas 4.441 1.331 187 32.512 333
Fonte: Elaboração do autor baseado em dados do Kibbutz Industries Association (KIA), on line
Estatísticas das Indústrias dos Kibutzim de acordo com o setor (2004)
P
A
M
P
E
T
M
M
Ó
M
Jardi
S
T
E
19
No passado, a típica empresa kibutziana era de posse total do kibutz ou da
parceria entre diversos kibutzim. Recentemente, o elevado investimento para
expansão e modernização, junto com o crescente custo empregado na área de
marketing, forçou as indústrias do kibutz a considerarem novas joint ventures. Mas
agora, ao invés destas parcerias estratégicas serem entre os próprios kibutzim, elas
são realizadas com investidores e sócios nacionais e estrangeiros. Graças ao seu
elevado grau de inovação, as indústrias dos kibutzim também passaram a investir
grandes somas em pesquisa e desenvolvimento. Desta maneira, muitos projetos
receberam a colaboração de Institutos Científicos israelenses e o apoio do Ministério
da Indústria. Assim, “o sonho dos kibutzim empregados à criação de um Israel
‘socializante’ perderam o significado. Eles ficam cada vez mais parecidos com
empresas comuns” (CARLOS, 2005, p. A13).
20
CAPÍTULO 2 – O ARROJO ECONÔMICO EM ERETZ ISRAEL
2.1 A demografia em Israel, aspectos geográficos e o clima
Figura 2.1
Israel está localizado no Oriente
Médio e faz fronteira com os Estados do
Líbano e da Síria, ao Norte; Jordânia, ao
Leste; Mar Vermelho, ao Sul, e Egito e
Mar Mediterrâneo, a Oeste. Está situado
no ponto de encontro de três continentes:
Europa, Ásia e África (Figura 2.1).
Fonte: Wikipedia
Posição Geográfica de Israel
Fonte: Wikipedia
Posição Geográfica de Israel
Fonte: Wikipedia
Posição Geográfica de Israel
O país ocupa uma área de 20.700 km² e pode ser comparado, em área (km²), com
o estado de Sergipe no Brasil. “Embora pequeno em tamanho, Israel apresenta a
variedade topográfica de um continente (IMFA, 2000, on line). Seu formato
meridional fornece desde montanhas cobertas de florestas e verdes vales férteis até
desertos montanhosos, sem falar no Mar Morto, o ponto mais baixo da Terra.
Aproximadamente metade da área do país é semi-árida.
As condições climáticas regionais são bastante variadas: na planície costeira, o
verão é quente e úmido e o inverno, ameno e chuvoso. Nas regiões montanhosas, o
verão é seco, sendo o inverno moderadamente frio, com chuvas e às vezes com um
pouco de neve. No vale do Rio Jordão, o verão é quente e seco e o inverno é
agradável. Finalmente no Sul, nas regiões semi-áridas, o dia é muito quente e a noite
bastante fria.
De acordo com o censo de 2005, o país contava com uma população de
aproximadamente sete milhões de habitantes, dos quais 76% eram judeus, 16,3%
muçulmanos, 2,1% cristãos e 1,6% drusos. Os 3,9% restantes não foram
classificados por religião (WIKIPÉDIA, 2007, on line).
Hebraico e Árabe correspondem aos idiomas oficiais do país, enquanto Russo,
Inglês, Espanhol, Francês, Yiddish e Romeno são vastamente usados pelos
21
estrangeiros que vivem na região. Um índice de educação aponta que 4,6 % da
população acima de 15 anos eram analfabetas neste período.
Jerusalém é a capital e o núcleo espiritual do país, enquanto Tel Aviv é o centro
da vida industrial, comercial, financeira e cultural. Haifa é o importante ponto
setentrional e Beer Sheva é o maior pólo urbano localizado ao Sul.
2.2 Cenário econômico e a agricultura de ponta
Devido à política do setor público, que não privatiza setores monopolizados,
como eletricidade, transporte, portos, telégrafos, água e combustíveis, Israel é
enquadrado na 50ª colocação, junto ao México e à França, segundo o índice
elaborado pelo Instituto Cato8
(AURORA, 2004, p. 11). Costumeiramente conhecido
pelo envolvimento em muitos dos conflitos bélicos existentes no Oriente Médio, este
jovem Estado, com apenas 59 anos de existência, atualmente apresenta cenário
econômico instável, cuja estagnação aparece presente em boa parte de seus
mercados. desenvolvimento
Segundo os informes do PNUD9
, Israel é o país do Ocidente que apresenta o
maior índice de mão-de-obra desperdiçada. Nesta região, onde muitos adultos
escolhem não sair de casa para trabalhar, 10,7% do total de desocupados vivem
apoiados nos subsídios gerados pelo Estado. Ainda assim, o país é classificado na 23ª
colocação segundo o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH10
). O relatório de
2003 do National Insurance Institute11
(Instituto de Segurança Social), agência do
governo a cargo da segurança nacional, mostra que a pobreza é o novo inimigo de
8
Segundo o lema “liberdade individual, limitação governamental, mercados livre e paz”, o Instituto
Cato (http://www.cato.org/), sediado nos Estados Unidos, é um organismo privado que se dedica à
pratica da investigação de temas econômicos e sociais em 123 paises. O índice compõe 38 variáveis
que qualificam cada país segundo temas como estrutura legal, relações, direito de privacidade,
comércio internacional e dimensão do governo.
9
PNUD (Programas das Nações Unidas para o Desenvolvimento) é uma rede mundial de ampliação
de práticas que promove incentivos econômicos para os países onde atua.
10
O IDH parte do pressuposto de que para aferir o avanço de uma população não se deve considerar
apenas a dimensão econômica, mas também outras características sociais, culturais e políticas que
influenciam a qualidade da vida humana. Além de computar o PIB per capita, o IDH também
considera dois outros componentes: longevidade e educação. (UNDP, 2006, on line).
11
Home page: http://www.gov.il/FirstGov/TopNavEng/Engoffices/EngAuthorities/Engbtl/
22
Israel. Segundo o relatório, ainda que com renda per capita anual superior a US$
17.000, mais de 22% da população israelense está abaixo da linha da pobreza (Figura
nº. 2.2). Trata-se de 1,43 milhões de pessoas “pobres12
” de uma total de 7 milhões de
habitantes, dentre os quais 680.000 são crianças. A maioria deste contingente
(48,4%) é formada pela comunidade árabe presente na Cisjordânia e na faixa de
Gaza, que além de uma média de quatro filhos por família, também não permite com
que a mulher saia para trabalhar, a fim de ajudar no orçamento familiar. O restante é
composto por famílias ultra-ortodoxas (27,6%) e imigrantes (17,7%). Jerusalém é a
cidade com maior percentual de pobres (33,2%), seguida por Beer Sheva (21,8%),
Ashdod (17,7%), Haifa (17,5%), Natania (17,3%) e Hólon (15,4%). O relatório
também afirma que o aumento da pobreza é resultado da política de corte das ajudas
de custo e subsídios oferecidos à população carente (Op. cit., 2004, p. 13).
Entretanto, há quem diga que os elevados gastos militares são os principais culpados
por esta situação. “Nos anos 50 e 60, Israel foi um dos países mais igualitários entre
os ocidentais. Tornou-se um dos mais injustos a partir dos anos 80, quando os gastos
militares já representavam 32% do orçamento israelense” (CARLOS, 2005, p. A13).
Figura nº. 2.2
39,3%
33,3%
22,8%
4,6%
Desempregados
1 chefe de família
Idosos
2 chefes de família
Distribuição de pobres por tipo de família
Fonte: Elaboração do autor baseado em AURORA, 2003, p. 13
N = 1,43 milhões de pessoas
39,3%
33,3%
22,8%
4,6%
Desempregados
1 chefe de família
Idosos
2 chefes de família
Distribuição de pobres por tipo de família
Fonte: Elaboração do autor baseado em AURORA, 2003, p. 13
N = 1,43 milhões de pessoas
12
Em 2003, se entendia por “pobre” qualquer lar que tivesse renda inferior a: 1 pessoa (1.736 shékels
ou US$387); 2 pessoas (2.777 shékels ou US$620); 3 pessoas (3.680 shékels ou US$821); 4 pessoas
(4.443 shékels ou US$991); 5 pessoas (5.207 shékels ou US$1.162); e 6 pessoas (5.901 shékels ou
US$1.317). Muitos trabalhadores não recebem o salário mínimo de 3.335 shékels ou US$744, em
razão do temor de ficar sem trabalho.
23
Quanto aos índices financeiros, Israel aparece na 15ª posição entre os países do
globo que apresentam a maior taxa de juros nominal. No terceiro trimestre de 2006, a
rentabilidade dos títulos do seu Tesouro apontava em 5,4%, pouco abaixo do juro
médio de 6,85% registrado pelos países em desenvolvimento, no mesmo período
(BALBI, 2006, p. B5 apud KHAIR, 2006, p.4). Com a inflação projetada pelo Índice
de Preços ao Consumidor13
(IPC) para 2,7%, Israel passou a assumir a 10ª posição
dentre os países com a taxa de juros real mais elevada do mundo (FOLHA DE SÃO
PAULO, 2006, p. B3), que aponta uma previsão de 2,7% para 2006 (Quadro nº. 2.1).
Quadro nº. 2.1
Evolução dos indicadores financeiros em Israel nos últimos 15 anos
Fonte: Elaboração do autor baseado em informações do Central Bureau of Statistics (CBS), 2006, on line
-5,0%
0,0%
5,0%
10,0%
15,0%
20,0%
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006
(e)
Taxa de juros nominal Índice de preços ao consumidor Taxa de juros real
2,7%
5,4%
Evolução dos indicadores financeiros em Israel nos últimos 15 anos
Fonte: Elaboração do autor baseado em informações do Central Bureau of Statistics (CBS), 2006, on line
-5,0%
0,0%
5,0%
10,0%
15,0%
20,0%
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006
(e)
Taxa de juros nominal Índice de preços ao consumidor Taxa de juros real
2,7%
5,4%
Assim, esses números mostram que o Banco Central continua com uma política
de baixo interesse para estimular o crescimento, se comparado aos índices
apresentados no início da década anterior. “Quando a taxa de juros dos títulos
públicos é superior ao rendimento esperado dos ativos de capital, os detentores de
recursos monetários optam pela compra de títulos – e não realizam investimentos”
(CARVALHO et al., 2000, p. 168). Desta maneira, as oportunidades em
investimentos produtivos diminuem e intimidam a aquisição de novos ativos
13
“O Índice de Preços ao Consumidor (IPC) mede o custo da compra de uma cesta básica de bens e
serviços que representa as compras dos consumidores urbanos. Ocasionalmente a cesta de bens é
modificada para permanecer representativa aos padrões reais de consumo”. (DORNBUSCH &
FICHER, 2002, p. 49).
24
produtivos. “Uma máquina somente é adquirida quando o seu rendimento esperado é
superior à taxa de juros, de tal forma que a liquidez relativa seja compensada pela
sua eficiência marginal do capital14
” (Op. cit., 2000, p. 169).
Ainda assim, há quem diga que uma política monetária expansionista produziria
efeitos desprezíveis sobre a renda. Este modelo ficou conhecido como pessimismo
das elasticidades e caracteriza a situação descrita pela Síntese Neoclássica como
armadilha da liquidez, na qual todo o aumento da oferta de moeda é transformado
em “fundos especulativos” ao invés de “fundos produtivos”. “Sob esta condição,
somente uma política fiscal expansionista pode afetar consideravelmente a renda”
(Op. cit., 2000, p. 193). De acordo com um estudo publicado pelo Ministério das
Finanças, em Israel, a redução de impostos favoreceu principalmente os setores mais
ricos. A contribuição dos setores que apresentam receita mais elevada,
correspondentes aos 10% mais altos, sobre o total de impostos, reduziu de 73%, em
2003, para 70%, em 2004. Embora com uma política fiscal expansionista, o salário
médio dos 10% mais ricos é 40 vezes superior ao salário médio dos 10% mais pobres
(AURORA, 2005, p. 12).
O setor agrícola em Israel caracteriza-se por um sistema de produção intensivo,
que se utiliza de políticas específicas e da alta tecnologia empregada. O
desenvolvimento do sistema de irrigação baseados em gotejamento de água
propiciou, entre outros, a exportação do know-how e foi uma das principais
ferramentas utilizadas para superar os problemas de escassez da água. Em termos
gerais, o dinamismo do setor agrícola deve-se à estreita cooperação entre cientistas,
assessores, produtores e agricultores que, juntos, têm articulado o estímulo ao avanço
tecnológico nesta esfera. Como resultado, isto gerou uma agricultura moderna em um
país cuja metade do seu território é definida pela geografia desértica. Além da sua
importância como a maior fornecedora de alimentos para o mercado local, seus
produtos típicos também respondem pelo abastecimento do mercado internacional.
Em 2004, a agricultura israelense foi responsável por 1,4% dos US$ 117,5 bi
correspondentes ao PIB do país. Neste período, aproximadamente 70.000 pessoas
com renda média de US$ 2.100 ao mês estavam diretamente empregadas na
14
Este termo foi usado por Keynes no seu livro A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda para
designar a taxa de rendimentos esperado de um ativo de capital.
25
agricultura respondendo por 2,5% do total da força de trabalho (DRORI & BRAWN,
2005, p. 6).
Kibutzim e moshavim contabilizam hoje 83% da produção agrícola do país. O
restante é atribuído às vilas árabes distribuídas pelas áreas rurais, que se concentram
principalmente na produção de cabras e ovelhas, além de vegetais, colheita de grãos
e oliva (HOJMAN & MALUL, 2005, p. 12).
26
2.3 O setor leiteiro: um exemplo em O&M - Organização e Métodos
Figura nº. 2.3
Principais fábricas e fazendas de leite em Israel
Fonte: HOJMAN & MALUL, 2004, on line
Fábricas
Fazendas
Principais fábricas e fazendas de leite em Israel
Fonte: HOJMAN & MALUL, 2004, on line
Fábricas
Fazendas
A indústria de leite - um dos
mais controlados e regulamentados
mercados da economia israelense –
fornece, aproximadamente, para
toda a demanda doméstica por
produtos lácteos de vaca, ovelha e
cabra. Israel é um dos mercados que
mais consomem produtos à base de
leite no mundo. Mais de 1.500 tipos
de queijos, iogurtes, sobremesas e
bebidas lácteas são encontrados nas
prateleiras dos supermercados do
país tornando possível a expansão
do setor. “O paladar do israelense,
que se habituou a consumir produtos
lácteos pelo menos duas vezes ao
dia impulsionou, em 2004, a
indústria leiteira a registrar US$ 407
milhões em lucro de uma receita
anual de US$ 1,7 bilhão” (ZILCER,
2005, p. 9). O processamento do
leite é feito nas fazendas –
moshavim e kibutzim - localizadas
nas montanhas, vales e desertos do
país, cujo clima é caracterizado por
um longo e quente verão (Figura nº.
2.3).
27
A indústria de leite em Israel teve início em 1927, quando uma cooperativa
chamada “Tnuva” surgiu com o propósito de lidar com a produção leiteira (Op. cit.,
2005, p.8). Hoje, a Tnuva, maior leiteria de Israel, processa mais de 70 milhões de
litros de leite por mês e concentra quase 75% do mercado. As marcas Tara e Strauss-
Yotvata, por sua vez, coletam e processam, respectivamente, 120 milhões e 115
milhões de litros de leite por ano e concentram 11% e 10% do mercado. Os 5%
restantes do mercado correspondem a outras pequenas leiterias que produzem juntas
mais de 40 milhões de litros de leite por ano (Figura nº. 2.4).
Figura nº. 2.4
Distribuição do mercado entre as leiterias de Israel em 2004
Fonte: Elaboração do autor baseado em ZILCER, 2005, p. 8
N = 1,14 bilhões de litros de leite
processados
74%
11%
6%
4%
1%
4%
Tnuva
Tara
Strauss
Yotvata
Gad
Outras
Distribuição do mercado entre as leiterias de Israel em 2004
Fonte: Elaboração do autor baseado em ZILCER, 2005, p. 8
N = 1,14 bilhões de litros de leite
processados
74%
11%
6%
4%
1%
4%
74%
11%
6%
4%
1%
4%
Tnuva
Tara
Strauss
Yotvata
Gad
Outras
O setor de leite em Israel se configura no chamado mercado oligopolista. O
oligopólio se apresenta como uma estrutura de mercado na qual apenas algumas
empresas competem entre si, obstruindo ou dificultando a entrada de novas
empresas.
28
“As economias de escala podem tornar não lucrativo o fato de que
mais do que algumas poucas empresas coexistam no mercado; as patentes
ou o acesso à tecnologia poderão servir para excluir potenciais
concorrentes; a necessidade de despender dinheiro para poder tornar uma
marca conhecida e obter reputação no mercado poderá obstruir a entrada
por parte de novas empresas; e as empresas já atuantes poderão tomar
medidas estratégicas para desestimular a entrada de novas concorrentes”
(PINDYCK & RUBINFELD, 1994, p. 560).
Nesta composição, a mercadoria comercializada pode ou não ser diferenciada15
, e
o poder de monopólio16
e a lucratividade das indústrias oligopolistas dependerão da
forma com que elas interagem entre si. Os preços e a produção de equilíbrio de uma
empresa oligopolista, todavia, serão elaborados com base no comportamento
estratégico das suas concorrentes que, ao mesmo tempo, terão as suas decisões
tomadas dependendo das decisões da própria empresa. Este conceito foi explicado
claramente pela primeira vez em 1951, pelo matemático John Nash e ficou conhecido
como Equilíbrio de Nash17
.
O conluio ou cartel18
é ilegal nos mercados israelenses19
. Mesmo assim, para que
haja a condução a lucros maiores, as empresas podem cooperar entre si através de um
entendimento implícito, por meio do qual todas concordem em manter os seus preços
elevados. Entretanto, se uma empresa adotar uma política de preço menor que a dos
seus concorrentes isto pode gerar medidas retaliatórias e batalhas de preços e o
15
A diferenciação de produtos pressupõe que “cada empresa vende uma marca ou versão de um
produto que difere em termos de qualidade, aparência ou reputação, e cada empresa é a única
produtora de sua própria marca” (PINDYCK & RUBINFELD, 1994, p. 551). No mercado de leite, em
Israel, os consumidores vêem a marca de cada empresa como algo diferente. A diferença está
praticamente no aroma, na consistência e na reputação da empresa. Consequentemente, embora um
consumidor prefira uma marca à outra, não pagará um valor muito maior caso esta decida elevar
demasiadamente o seu preço.
16
O monopólio é um mercado no qual existe apenas um vendedor, porém, muitos compradores. A
curva de demanda deste mercado tende à infinita inelasticidade, pois relaciona o preço recebido pelo
monopolista com a quantidade a ser vendida por ele. Assim, o monopolista é o mercado, tendo
completo controle sobre a quantidade de produto que será colocada à venda. “É por este motivo que as
leis antitrustes proíbem as empresas de monopolizar a maioria dos mercados” (Op. cit, 1994, p 423).
17
No Equilíbrio de Nash “ada empresa está fazendo o melhor que pode em função daquilo que estão
fazendo as suas concorrentes”. Este importante conceito, que foi ilustrado pelo diretor Ron Howard no
filme A Beautiful Mind (Uma Mente Brilhante, 2001), é um dos principais temas estudados na
disciplina de Teoria dos Jogos, que difunde a sua aplicação para uma ampla variedade de problemas
estratégicos.
18
“Em um cartel os produtores explicitamente concordam em cooperar, por meio de um acordo que
determina preços e níveis de produção” (Op. cit, 1994, p. 593).
19
Ver Israel Antitrust Authority. Disponível em <http://www.antitrust.gov.il/Antitrust/en-US>.
29
conluio implícito torna-se demasiadamente frágil. Assim, “as empresas oligopolistas
quase sempre apresentam uma forte tendência de manter a estabilidade,
particularmente no que tange aos preços” (Op. cit., 1994, p. 585). É por este motivo
que a rigidez de preços se tornou uma característica do setor de leite em Israel. Aqui,
o mecanismo das forças de mercado é totalmente diferente do que poderia ocorrer no
lessaiss faire, no qual uma grande oferta poderia conduzir a uma redução nos preços
ou, ao contrário, uma forte demanda pudesse pressionar a sua elevação. “No setor
leiteiro de Israel, os preços são artificialmente estabelecidos pelo governo e não pelo
mercado” (MELLUL, 1994, on line). Desta maneira, todo produto deve obter a
aprovação governamental de preços para que possa ser lançado. “A empresa é livre
para vender por menos, mas não pode vender por mais” (Op. cit., 1994, on line).
O país conta com organizações, como a Israel Dairy Board (IDB), que foi
juntamente formada e gerenciada por representantes das fazendas leiteiras – como
kibutzim e moshavim -, das leiterias e do governo de Israel para administrar a
produção no setor. A IDB trata de gerar e organizar a sinergia entre as entidades
ativas neste mercado a fim de orientar a busca pelo melhor negócio, programar
políticas governamentais, gerar estratégias de produção, elaborar campanhas de
marketing, programas de reciclagem, além de promover o consumo de leite e
derivados para a expansão do mercado nacional. Outras ações, também realizadas,
dizem respeito ao desenvolvimento da cooperação internacional a fim de encorajar
relações comerciais entre fazendas leiteiras e indústrias do setor, em Israel e no
exterior (TAMIR, 2005, p. 7). Assim, a participação da IDB é fortemente assimilada
na mediação e regulamentação do mercado. Nesta estrutura, a IDB desenvolve
manuais sobre alimentação animal, acasalamento, produção de leite, treinamento,
programas para processamento dos derivados do leite, fornecimento de material
genético, entre outros.
Aliada à IDB, a Israel Cattle Breeders Association (ICBA) é a representante de
todas as fazendas de gado leiteiro em Israel. Durante os últimos 80 anos, a
organização tem oferecido assistência às necessidades dos seus membros e às
indústrias satélites conectadas à indústria. A principal atividade da ICBA diz respeito
ao gerenciamento do “Quadro Nacional do Rebanho”. Trata-se de um sistema de
30
informações que recebe, processa e monitora informações enviadas diretamente
pelos fazendeiros, laboratórios de saúde e companhias de inseminação, a fim de
garantir o controle da qualidade do leite e outros serviços nacionais de extensão.
Israel possui aproximadamente 110.000 vacas em ordenha, 90% das quais registradas
no Livro de Rebanho Israelense (EZRA, 2005, p. 24 e 25). Com isso, o país
proporciona aos seus produtores informações multidisciplinares para o
gerenciamento das decisões. A vaca israelense possui a mais alta produção média de
leite e sólidos do mundo. Em 2004, kibutzim e moshavim apresentaram uma
produção média de leite de 11.058 kg/vaca/ano e 10.008 kg/vaca/ano e uma
produção média de proteína e gordura de 740,4 kg/vaca/ano e 662,5 kg/vaca/ano,
respectivamente (HOJMAN & MALUL, 2005, p. 12).
Em um setor no qual empresários, produtores e o Estado atuam em parceria, de
maneira sincronizada e organizada, os subsídios e o protecionismo passam a ser
condições fundamentais para o seu desenvolvimento. Métodos eficientes e interesses
comunitários gerais proporcionam, assim, com que a toda a cadeia seja capaz de
desenvolver uma forma de arranjo produtivo economicamente eficiente.
Segundo o professor Douglass North20
:
“Para que o processo social impessoal de coordenação econômica
que costumamos chamar de mercado possa gerar o desenvolvimento e
eficiência econômica é necessária à presença de um conjunto especial de
instituições jurídicas, políticas e econômicas, as quais, (...) aliadas à
tecnologia empregada, afetam os custos de transação e transformação
(produção)” (NORTH, 1994, p. 05 e 13).
Apesar do alto custo gerado com o frete e das limitações ocasionadas pela
sensibilidade natural do produto, a intensa competição e a saturação do mercado
israelense têm, por outro lado, encorajado os grandes produtores a iniciar programas
de exportação para além das suas fronteiras. “Atualmente, produtos a base de leite
20
Douglass C. North dedicou sua vida pesquisando a respeito de instituições sociais e prosperidade.
Do original intitulado Transaction Costs, Institutions, and Economic Performance, publicado no
volume 30 da série Occasional Papers, editada pelo International Center of Economic Growth
(ICEG), em 1992, foi contemplado em 1993 com o Prêmio Nobel em Economia.
31
são exportados para os Estados Unidos, especialmente para o consumo kosher21
”
(ZILCER, 2005, p. 8). Entretanto, nos mercados vizinhos, formados basicamente por
países árabes, o potencial de consumo passa a ser reduzido em razão dos baixos
salários. Já no mercado europeu, que além dos fortes incentivos fiscais, também
apresenta restrições comerciais à entrada de produtos estrangeiros, a exportação
termina sendo objeto de retaliação.
A produção de leite em Israel é projetada sob um sistema de cotas, as quais o
volume anual é dividido em cotas mensais (Tabela nº. 2.1). A regulamentação das
cotas fornecidas por kibutzim e moshavim é baseada no mínimo fornecimento de
leite necessário à subsistência que, em números, representa 2,3 milhões de litros de
leite/ano e 300 mil litros de leite/ano, respectivamente, em 2004.
Tabela nº. 2.1
Jan 8,56% 8,56%
Fev 8,06% 16,62%
Mar 9,28% 25,90%
Abr 9,08% 34,98%
Mai 9,29% 44,27%
Jun 8,47% 52,74%
Jul 8,32% 61,06%
Ago 7,62% 68,68%
Set 7,19% 75,87%
Out 7,69% 83,56%
Nov 7,84% 91,40%
Dez 8,60% 100,00%
Fonte: Elaboração do autor baseado em dados da Leiteria Yotvata
Quota acumulada em 2004
Mês Estação Cota Acumulado
Primavera
Verão
Outono
Inverno
A regulamentação fiscal é bem alta por parte do Estado que, além de não permitir
a entrada de qualquer mercadoria à base de leite vinda do mercado internacional não
concede acordos de preço entre as concorrentes. O governo também não permite a
comercialização das cotas entre povoados distintos, como no caso de kibutzim e
moshavim, em que o primeiro sempre estaria apto a comprar a cota do segundo,
muito mais frágil financeiramente. A comercialização das cotas é geralmente feita de
21
Conceito usado dentro da comunidade judaica mundial como uma "garantia da qualidade de
alimentos supervisionados por um rabino ou rabinato”.
32
forma integral. Quando um kibutz percebe, por exemplo, a sua incapacidade em
continuar administrando o seu rebanho, torna-se apto a vender as suas cotas. A
reforma ambiental feita pelo Ministério do Meio-Ambiente, por exemplo, obrigou as
fazendas a adotar uma nova rede de tratamento de esgoto contra a ação nociva aos
lençóis freáticos. Com isso, a lei forçou o “afunilamento” dos produtores, que
passam agora a juntar os seus rebanhos em razão dos expressivos investimentos a
serem realizados. Mesmo com a concessão de 40% de financiamento por parte do
próprio Ministério, o resultado desta política apresentou um considerável decréscimo
no número de fazendas produtoras de leite ao longo dos últimos anos (Quadro nº.
2.2).
Quadro nº. 2.2
Número de fazendas fornecedoras de leite e cota média anual por fazenda
Númerodefazendas
Cotamédiaanualporfazenda
Número de fazendas Cota Média por fazenda (mil litros)
Fonte: Elaboração do autor baseado em informações do IDB, 2005, p. 12
1445
1407
1321
1250
1178
1133
1083
778 799
863
960
993 1015
1059
0
O “preço base” do leite pago ao produtor reflete uma quantidade mínima de
sólidos (proteína e gordura) existentes na matéria-prima e é originado a partir de um
acordo entre governo, produtores e indústrias de leite. Sua formação resume o custo
médio de produção, mais um retorno acordado para o trabalho dos produtores e do
200
400
800
1000
1200
1400
1600
1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004
0
200
400
600
800
1000
1200
600
Número de fazendas fornecedoras de leite e cota média anual por fazenda
Númerodefazendas
Cotamédiaanualporfazenda
Número de fazendas Cota Média por fazenda (mil litros)
Fonte: Elaboração do autor baseado em informações do IDB, 2005, p. 12
1445
1407
1321
1250
1178
1133
1083
778 799
863
960
993 1015
1059
0
400
800
1000
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1400
1600
1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004
0
200
400
600
800
1000
1200
600
200
33
capital investido. (Tabela nº. 2.2). O custo médio de produção é estabelecido através
de uma pesquisa realizada a cada dois anos pelo país, que analisa e elabora
detalhadamente os custos e o preço pago às fazendas produtoras de leite.
Tabela nº. 2.2
Custos (2000) US$/litro % do total
Ração 0,186 50,8%
Mão-de-obra 0,086 23,6%
Manutenção 0,022 5,9%
Outros custos 0,058 15,9%
Custos de capital 0,037 10,2%
Rendas oriundas da venda de bezerros -0,027 -7,4%
Outras rendas -0,014 -3,8%
Preço do leite no portão da fazenda 0,349 95,4%
Entrega e impostos cobrados pela IDB 0,017 4,6%
Preço do leite no portão da fábrica 0,366 100,0%
Fonte: ICBA, 2006, on line
Composição do preço do leite em Israel em 2000
A qualidade do leite é um assunto para ampla oportunidade de negócio, pois
levam em consideração as propriedades dos principais componentes do leite, tais
como a composição química, teste de sabor, a possível presença de substancias
estranhas, ação de microorganismos patogênicos, condições sanitárias no lugar de
sua produção, tratamento higiênico e processo entre produção e consumo.
O princípio fundamental do pagamento por qualidade é de que o melhor leite
deve ter um preço maior do que o leite de menor qualidade. Esta diferença deve ser
considerada como um prêmio dado ao leite de alta qualidade ou como uma dedução
do preço do leite de baixa qualidade. Contudo, esta separação acontece por duas
razões: pagar aos produtores uma soma justa para o leite que eles fornecem e para
dar-lhes orientação sobre o tipo de leite considerado desejável. Assim, além do bom
leite apresentar preço mais elevado e mais baixo custo do que o leite de pior
qualidade, ainda influencia os métodos e tendências de produção, estimula seu
aperfeiçoamento, sua manutenção, higiene e composição de qualidade.
Desta maneira, o pagamento por qualidade tem ambos os efeitos, econômicos e
psicológicos. Ele deve refletir o valor de mercado do leite ou dos produtos derivados
de diferente qualidade, bem como influenciar o produtor para adaptar os métodos
para o tipo e padrão higiênico que lhe dará o melhor rendimento na rede. Contudo,
34
existe um limite para a quantidade extra que deve ser pago ao leite de alta qualidade
ao de média qualidade que pode, por exemplo, ser determinado pela abundância de
fornecimento ou o estado da economia do mercado. Trata-se, no entanto, de um de
círculo vicioso. Se não existe demanda de mercado para o leite de alta qualidade, este
não será produzido e então não haverá possibilidade de aumentar a qualidade do leite
produzido visto a geração de custos mais elevados. O aspecto psicológico do
pagamento por qualidade consiste na mais proveitosa linha de trabalho que o
produtor de Israel vem seguindo e que não reflete na rentabilidade. Por exemplo, o
fato de que o pagamento tenha sido fixado de acordo com a gordura contida na
matéria-prima pode causar a iniciativa para o aumento na proporção de gordura no
leite produzido, ainda que no cálculo final seja demonstrado que o pagamento
adicional tenha sido insuficiente para, no mínimo, cobrir os custos de produção
investidos para aumentar a quantidade de gordura no leite.
Incentivos financeiros também são auferidos para encorajar os produtores de leite
a aumentar sua produção mensal. A fim de regularizar o fornecimento do leite à
indústria durante o ano, principalmente nos meses de verão, quando há aumento da
demanda e escassez da produção, as fábricas geram empréstimos aos produtores para
tentar evitar o alto custo para estocá-lo na forma pulverizada e, assim, encarecer a
produção. “O excesso do leite produzido no inverno é convertido em leite-em-pó e
manteiga. Em 2004, 7.300 toneladas de leite-em-pó foram produzidas em Israel”
(ZILCER, 2005, p. 8). Com isso surge um novo problema que diz respeito à
importação de leite-em-pó do mercado internacional, onde o custo do mesmo insumo
é encontrado a preços muito mais atraentes. Na Nova Zelândia, por exemplo, o
governo oferece subsídios que garantem metade do preço da matéria-prima se
comparada àquela encontrada em Israel. Como resultado, uma medida que ameaça
tanto a redução da cota para o produtor, como também a diminuição do preço pago
pelo fornecimento do leite.
35
CAPÍTULO 3 – YOTVATA
3.1 A contraposição nos novos tempos
Em dezembro de 1957, os habitantes do Nahal, Ein Radian, mudaram seu nome
para o então Kibutz Yotvata. O nome Yotvata (em português: Jotbatá) é encontrado
na Bíblia, em Deuteronômio, capítulo 10, versículo 7º, como sendo o nome de um
caminho por onde passava um córrego de águas, usada pelas crianças de Israel na
travessia entre o Egito e a terra de Canaã. Seus fundadores se assentaram, em 1957, e
receberam a responsabilidade e o desafio de levantar um estabelecimento agrícola no
coração do deserto, 42 km ao Norte da cidade de Eilat, ao sul de Israel (YOTVATA,
2004, on line).
O maior de todos os kibutzim do Aravá22
, Yotvata possui a maior comunidade da
região. A população flutuante é de aproximadamente 500 pessoas, sendo que 265 são
membros da sociedade e, na sua maioria, chefes de família. Por ser o maior,
concentra muitos serviços que são compartilhados com as outras comunidades
regionais, tais como escola e posto-médico. Serviços como refeitório, lavanderia,
piscina e diversas outras atividades também são oferecidos para seus membros, que
se dividem na realização das tarefas, Entre elas, destacam-se, a marcenaria,
agricultura, jardinagem, cozinha, além da pecuária leiteira e da própria fábrica de
laticínios (Figura nº. 3.1).
Diferente de muitos outros kibutzim, que hoje em dia enfrentam diversas
mudanças ideológicas, Yotvata, após cinqüenta anos de vida, ainda não sentiu a
necessidade de se desfazer da estrutura que o originou. Uma das grandes razões para
esta estabilidade é a sua participação no oligopólio setorial de leite, que lhe garante
autonomia econômica no país. Entretanto, é indubitável o fato desta eficiência
empresarial dentro de Yotvata ser a pré-condição básica para eficácia social e
existência da sua comunidade.
22
Faixa desértica que se estende por toda a fronteira entre Israel e Jordânia.
36
Figura nº. 3.1
Área escolar
Área residencial
refeitório
administração
posto
médico
cafeteria e
restaurante
Fábrica de
embalagens
Cultivo de manga, tâmara e demais hortifrutigranjeiros
Jordânia
fronteira
Sede regional
Em razão da sua localização, no extremo sul do país, o kibutz Yotvata enfrenta
problemas bem diferentes dos que ocorrem nas outras comunidades.
Atualmente, o kibutz busca novas fontes de trabalho que geram ocupação para
seus membros e incentivam o desenvolvimento de novas atividades. Com isso, seu
objetivo é possibilitar maior autonomia frente à leiteria, que hoje contribui com
Rodovia do Arava
Eilat
Tel Aviv
ginásio de
esportes
portaria
campo de
futebol
estábulo
das vacas
ordenhadeiras
depósito
da ração
ferraria
leiteria
oficinas
refrigerador
mini-mercado
lavanderia
Vista aérea do Kibutz Yotvata em 2005
Fonte: Elaboração do autor, baseado em imagens de Chalav Acher (Outro Leite), 2005, capa.
Área escolar
Área residencial
refeitório
administração
posto
médico
cafeteria e
restaurante
Fábrica de
embalagens
Cultivo de manga, tâmara e demais hortifrutigranjeiros
Jordânia
fronteira
Sede regional
Rodovia do Arava
Eilat
Tel Aviv
ginásio de
esportes
portaria
campo de
futebol
estábulo
das vacas
ordenhadeiras
depósito
da ração
ferraria
leiteria
oficinas
refrigerador
mini-mercado
lavanderia
Vista aérea do Kibutz Yotvata em 2005
Fonte: Elaboração do autor, baseado em imagens de Chalav Acher (Outro Leite), 2005, capa.
37
aproximadamente 75% da receita da comunidade. A idéia é fazer com que os 250-
300 milhões de shékels23
(US$ 56-67 milhões) providos pela fábrica representem não
mais do que 50% da receita total do kibutz, ou seja, tentar aumentar em
aproximadamente 25% os índices atuais da receita gerada pelas outras atividades.
Através do envolvimento em novos mercados, o kibutz deveria encontrar meios de
gerar 250 milhões de shékels (US$ 56 milhões) adicionais, para não ficar à mercê de
eventuais ameaças ou crises no setor, que podem reverter em complicações à leiteria.
Não se trata apenas de trazer novos meios de produção. A dificuldade está em
encontrar atividades de maior valor agregado que acondicionem margens de lucro
superiores as de 20% oferecidas atualmente pela leiteria. Algumas idéias já existem e
são constantemente discutidas na Assembléia Geral do kibutz, onde cada membro é
livre para debater o seu próprio ponto de vista. Uma delas é a criação de uma
transportadora de bebidas que substitua as empresas que atualmente transportam os
produtos da leiteria aos principais centros comerciais do país. Para isso, porém, ao
menos uma dezena de membros deveria estar disposta a guiar a frota de caminhões24
.
Mas, em razão da falta de interesse por este tipo de trabalho a idéia acaba sendo
abandonada e a oportunidade desaparece. O empecilho encontrado pela comunidade
para dar início a novos estudos de viabilidade econômica e financeira está na falta de
iniciativa e visão de negócios dos dirigentes. Além do risco de fracasso inerente a
qualquer novo negócio, a existência de uma comunidade para ser defendida, criada e
alimentada fez com que as decisões passassem a ficar cada vez mais complexas. Em
contrapartida, de tanto buscar e querer estar seguros de seu êxito, a comunidade se
arrisca a ficar cada vez mais vulnerável às crises e ameaças existentes. Para o Sr.
Haytman, a atual transição ideológica pela qual passa a comunidade, baseada na
exploração do homem pelo homem, é a principal responsável pela estagnação
econômica existente.
23
Moeda corrente de Israel. Símbolo: ₪. Em 2005, US$ 1 : ₪ 4,4820 (CBS, 2006, on line)
24
Neste ponto vale lembrar que, em Israel, diferente do Brasil, poucos são os casos em que os
caminhoneiros têm mais do que 50 anos. Aos 55 anos, os caminhoneiros se aposentam, e por lei, eles
são proibidos de dirigir.
38
“Seria uma maneira de oferecer aos membros uma forma de vida boa
e decente. Antigamente, havia ao menos seis ou sete membros que a todo
tempo trabalhavam nos caminhões. Hoje em dia não há mais. Se disser a
um jovem que será preciso viajar, ele simplesmente não aceita porque às
16h quer estar com os seus filhos. Trata-se de uma mudança ideológica.
Há dez anos, em Yotvata, se dissesse que na leiteria haveria obreiros
assalariados, diriam que está louco. Naquele período não havia obreiros
assalariados. Hoje em dia, trabalham 60 membros e mais ou menos 70
assalariados. Isso é uma mudança de ideologia. O kibutz, hoje em dia, fala
em duas vozes. Por um lado fala-se em fraternidade, de economia
solidária. Por outro, exploramos pessoas. O que simplesmente estamos
fazendo é tapando-nos a vista e falando sem perceber o que temos à nossa
frente. Paga-se aos assalariados e tudo fica resolvido. Passa-se a viver
como um capitalista, ou de qualquer outra forma, que não aquela que
havíamos escolhido (HAYTMAN, 2004)”.
A principal categoria do sistema marxiano, a mais-valia, oferece a chave para se
compreender toda a produção capitalista. Marx analisou com rigor histórico o
processo que deu origem a este modo de produção e buscou as premissas que
desvendavam o segredo da sua acumulação. Para ele, a assim chamada acumulação
primitiva é, principalmente, a dissociação entre produtor e seus meios de produção.
Para Marx, o único valor que realmente se cria no processo de produção é o valor
acrescentado pela nova quantidade de trabalho. Este valor se divide em trabalho
necessário, que reproduz o valor do trabalho, e em mais-trabalho, que excede o
trabalho necessário e cria a mais-valia. Na análise marxiana, o segredo do excedente
capitalista se esconde na jornada de trabalho: despojados dos meios de produção, o
trabalhador assalariado é obrigado a trabalhar mais do que o tempo necessário para
produzir seu sustento. Para viver, precisa entregar uma parte de seu tempo de vida ao
capital. Só assim o capital pode valorizar-se, criar mais-valia. O que, do ponto de
vista do capital, é mais-valia, do ponto de vista do trabalhador é mais-trabalho, que
supera a necessidade de manter sua vida. Assim, há dois métodos fundamentais para
aumentar o mais-trabalho. O primeiro chamado de mais-trabalho absoluto é o
prolongamento da duração do processo laboral, ou jornada de trabalho. O outro
chamado de mais-trabalho relativo – sendo fixa a duração da jornada – é o aumento
da produtividade, ou a intensificação do rendimento do trabalho, por meio do
desenvolvimento tecnológico. Para o autor, os desdobramentos na grande indústria
em relação à agricultura atuam na direção de revolucionar as relações de produção do
39
campo e patrocinar a mudança do camponês pelas relações de trabalho baseadas na
mão-de-obra assalariada. As necessidades de mudança social e as antíteses do campo
são, assim, igualadas às da cidade. No lugar da produção rotineira surge a aplicação
consciente da ciência e da tecnologia. A mais-valia cria, ao mesmo tempo, as
condições objetivas de uma síntese nova, mais desenvolvida, da união entre
agricultura (meio rural) e grande indústria (meio urbano). É um processo rico em
contradições. E junto com o progresso vem a anarquia da produção colocando para o
homem novos contra-sensos a serem superados. (MARX25
, 1985, seções III e IV).
O kibutz mudou muito desde a época em que cada “membro” levantava cedo para
ir trabalhar e se dirigia ao local para o qual havia sido escalado. Naquela época, em
que o kibutz precisava de sua força, cada membro tinha que cumprir com a tarefa
estabelecida. O trabalho era uma meta por si só. Não importava o tipo de atividade
realizada, mas apenas que esta gerasse ganhos para possibilitar maior satisfação às
suas vidas. Hoje em dia, os membros querem decidir onde e com que trabalhar. O
trabalho tornou-se uma ferramenta, com a qual é determinado o nível de vida sócio-
econômico. Alguns deles, nem mesmo se esforçam em suas tarefas, ignoram a
importância de sua atividade e acomodam-se no trabalho dos demais. Compreensível
ou não, é incontestável o fato de que as relações humanas mudaram com o tempo.
“Na era do hipercapitalismo, as pessoas não apenas têm a impressão
de que as possibilidades de encontrar a satisfação na vida são infinitas,
como também são encorajadas a ser uma espécie de inventoras de si
mesmas (...) nessa sociedade altamente individualizada, que prioriza as
liberdades individuais sobre as causas de um grupo, o indivíduo enfrenta
um ansioso e provocante dilema: ‘Quem eu sou para mim mesmo? ’”
(SALECL, 2005, p. 11).
Outro problema observado refere-se à geração mais idosa que, ao sair da sua vida
economicamente ativa, não recebe novas tarefas para desenvolver. À medida que esta
geração não tem trabalho, aumentam os gastos com saúde e manutenção. Além dos
problemas naturais da velhice, os idosos passam a se sentir mal por não encontrar o
25
Traduzido MARX, Karl. Das Kapital – Kritik der politischen Okonomie. Ester Band. In: Karl Marx
– Friederich Engels Werke (MEW). Band. 23. Dietz Verlag, Berlim, 1977. De acordo com a 4.ª edição
revisada e editada por Friederich Engels. Hamburgo, 1890.
40
que fazer. Assim, faz-se necessário ao movimento kibutziano encontrar e construir
uma maneira de suprir as necessidades das pessoas que querem trabalhar e interagir.
Averiguam-se, ainda, problemas de cunho social que embora aparentemente
menos importantes, não deixam de ser menos evidentes. A cobiça de alguns
membros que não ocupam posições de destaque é um destes casos. A leiteria, por
exemplo, que eventualmente oferece benefícios-extras aos seus trabalhadores - como
viagens de férias, a fim de comemorar os bons resultados alcançados – gerou
conturbações dentro da comunidade. Alguns acreditavam que o melhor a fazer era
partilhar o prêmio entre todos da comunidade, ao invés de garantir benefícios para os
membros que trabalham na leiteria. Todavia, como a leiteria se converteu numa
empresa capitalista, nada se pôde fazer para influenciar nestas decisões. A distinção
salarial por critérios de responsabilidade é outro objeto de discórdia que vem sendo
abafada pela maioria, que vota pelos métodos originais do “coletivismo”,
permanentemente mantidos.
Contudo, ao tratar a questão do ponto de vista econômico, nota-se que os riscos
podem ser ainda maiores. Assim, uma crise no setor de lácteos, por exemplo, poderia
aniquilar com a existência do espírito comunitário. A dependência econômica
apoiada na leiteria traz um risco permanente para a vida do kibutz. Além do mercado
alimentício ser pouco rentável, não atinge os percentuais de ganhos dos mais altos,
quando comparado a setores da tecnologia da informação (TI) ou de eletro-
eletrônicos. O ramo também é totalmente dependente da matéria-prima fresca. Ainda
que com a existência do leite-em-pó, que poderia substituir esta necessidade, a
produção do chamado “leite puro para consumo” deve ser obrigatoriamente feito
com o leite fresco tirado da vaca. Este fato faz com que o mercado fique ainda mais
vulnerável às crises no setor. Assim, uma infecção de febre aftosa sobre o rebanho -
como as ocorridas em muitos países da América do Sul, dentre eles Brasil, Uruguai,
Paraguai, Peru, Chile, Venezuela e Equador - obrigaria o sacrifício de todo o gado e
consequentemente, a falência da fábrica de leite. Se, por outro lado, houvesse outro
centro de produção, esta crise, na pior das hipóteses, poderia ser equilibrada pelos
adventos deste outro centro produtivo e a comunidade não permaneceria à mercê da
leiteria. Seria menos danoso. Entretanto, havendo apenas um centro produtivo que
41
gera 75% de receita do kibutz, como existe hoje, o risco de desestruturação torna-se
realmente grande.
Estrategicamente, a união da leiteria de Yotvata com a empresa Strauss, em 1998,
não deixou de apresentar seus perigos à comunidade, já que esta nova empresa
passou a contabilizar 51% dos ativos da leiteria, na posição de sócia majoritária. A
decisão da Strauss em ter-se tornado uma companhia de capital aberto permanece à
deriva de qualquer ação especulativa, fazendo com que suas negociações afetem nas
atividades da leiteria. No momento da união, muitos membros não aceitaram a
relação de trabalho que passaria a prevalecer na leiteria e apenas alguns poucos
permaneceram nesta atividade. Com isso, gerou-se oportunidade para a entrada da
mão-de-obra assalariada de fora do kibutz às atividades da leiteria. Como
conseqüência houve a migração dos salários, que seriam destinados à repartição da
comunidade, para a mão dos assalariados.
Figura nº. 3.2
Densidade populacional do Estado de Israel em 2005
Fonte: CENTRAL BUREAU OF STATISTICS, 2006, on line
Densidade populacional do Estado de Israel em 2005
Fonte: CENTRAL BUREAU OF STATISTICS, 2006, on line
Densidade populacional do Estado de Israel em 2005
Fonte: CENTRAL BUREAU OF STATISTICS, 2006, on line
Também já não há argumentos
econômicos ou financeiros que defendam
a permanência física da leiteria no extremo
sul do país, senão o de uma planta
industrial já montada e a pouca mão-de-
obra especializada que existe. Atualmente,
a leiteria está localizada no próprio kibutz
Yotvata, longe dos principais centros de
distribuição, tais como Tel Aviv, Haifa e
Beer Sheva, concentrados na porção norte
do país (Figura nº. 3.2). O alto custo com
transporte, associado à crescente mão-de-
obra trazida de fora, poderia servir de
argumento para a Strauss decidir
transportar a fábrica para outra localidade
ocasionando, assim, novas dificuldades
para a comunidade do kibutz.
42
Porém, o maior perigo ao qual Yotvata está sujeito é o de que os membros não
queiram seguir compartilhando os ideais. Se isto ocorrer, todas as necessidades
primárias e os benefícios comuns, tais quais educação, saúde, refeitório, lavanderia,
sistemas de saneamento e eletricidade, cederiam espaço a uma nova dinâmica de vida,
diferente daquela que o originou.
3.2 A leiteria e o seu funcionamento.
A leiteria de Yotvata foi fundada em 1962 com o objetivo de processar o leite do
próprio rebanho às necessidades de Eilat, a cidade mais próxima da região. A sua
criação colocou por terra errôneas teorias de que naquele lugar, no meio do deserto,
os rebanhos de leite não seriam praticáveis. Assim, tanto a sua idealização, como o
funcionamento do seu projeto tornaram-se realidade. Acreditou-se, desde o início,
que mesmo com o árduo calor e a água salina do deserto seria possível cultivar
produtos para a alimentação do gado e estabelecer um rebanho capacitado.
Nos anos seguintes, a leiteria passou a produzir entre 500-800 mil litros de leite
por ano e a linha de produção foi limitada ao leite, aos iogurtes e aos cremes de leite.
A fábrica foi inteiramente colocada em funcionamento por quatro membros, dando-
lhe, então, uma atmosfera familiar. A partir de 1979, a leiteria de Yotvata expandiu
seu mercado para o norte, na cidade de Beer Sheva, e hoje seus produtos são
encontrados por todo o país. A variedade dos produtos cresceu com a inclusão do seu
famoso leite achocolatado, o choco Yotvata, bem como dos danones, iogurtes com
frutas, pudins, flans, além dos queijos brancos.
A mudança administrativa ocorrida, após a fusão com a Strauss, permitiu com
que a leiteria desse um grande salto qualitativo no ano 2000. Além da instalação de
novos recursos da tecnologia da informação e comunicação (TIC), que garantiu o
aumento de 20% nos ativos da empresa, a marca ganhou reconhecimento nacional
que, senão maior, passou a ser ao menos igual ao da própria Strauss, ou até mesmo
da sua sócia, a multinacional Danone. A leiteria, deste modo, se tornou referência em
consumo de leite em todo o país. O efeito da mudança refletiu também sobre a linha
de produtos, que a partir de então foi dividida. As linhas de iogurtes, flans e danones
43
passariam a ser integralmente produzidas pela Strauss, e a linha de bebidas lácteas
ficaria sob responsabilidade de Yotvata.
Quanto ao processamento do leite, o de Yotvata é considerado o mais avançado
quando comparado a outras empresas do setor, tanto em Israel, como no ranking
internacional. Além de vida útil bem acima da normal, seus produtos apresentam
todas as conformidades solicitadas pelos padrões internacionais, tais quais adequados
controles de frescor e qualidade, de acordo com os padrões ISO 9002 e ISO 14001.
No início de 2002, foi decidido pela então leiteria Strauss-Yotvata o
desenvolvimento de produtos que também atendessem às necessidades dos
religiosos, os produtos kosher. Ainda que com alto potencial para demanda, o
público religioso não podia ser atendido. Por esta razão foi adquirida uma nova
planta industrial, chamada Aviv, que com a aprovação do rabinato passou a produzir
para este novo nicho. Atualmente, a leiteria Aviv produz uma variedade de 12
produtos.
Como estratégia para maximizar os lucros, a leiteria incrementa o volume das
suas vendas e tenta gerar e agregar maior valor aos seus produtos. Segundo Dubby
Goldman, diretor de produção da fábrica, “o grande enigma da leiteria de Yotvata é
de como manter suas altas taxas de crescimento, conforme vinha praticado entre os
anos de 1998 e 2004, quando obteve 110% de crescimento”. Atualmente, seu
faturamento é da ordem de 300 milhões de shékels (US$ 67 milhões). A fábrica
conta com 120 funcionários, dos quais aproximadamente 50% são assalariados e não
residentes do kibutz. Anualmente são recebidos 40 milhões de litros de leite como
matéria-prima e produzidos 60 milhões de litros em bebidas a base de leite para
consumo. A distribuição de lucro da leiteria é dividida entre Yotvata e sua sócia
majoritária, a companhia Strauss, de maneira que uma parte é direcionada à re-
capitalização, ou investimentos em ativos, enquanto a outra é destinada à receita do
kibutz e, posteriormente, dividida entre os seus membros.
Toda a regulamentação e transparência entre os agentes do processo de produção
são vitais para o funcionamento e credibilidade do setor. O incentivo fiscal gerado a
produtores e fabricantes e o próprio relacionamento entre ambos são as peças
fundamentais para o progresso do sistema.
44
Em Yotvata, o processo de compra, produção e distribuição dos produtos lácteos
atravessam diversas fases da cadeia produtiva, como segue: alimentação e vacinação
dos rebanhos, sistema de ordenha, transporte e fornecimento do leite para a leiteria,
controle de qualidade, recepção do leite, tratamento, preparação dos produtos,
empacotamento da produção e distribuição dos produtos finais para os principais
centros de distribuição.
Hoje, o rebanho do kibutz Yotvata é considerado grande para os padrões
israelenses. Conta com 590 vacas em ordenha da raça holando-israelense, que é uma
variação da holando-americana, porém adaptada para o clima desértico. Em 2003, a
equipe de trabalhadores recebeu o prestigioso prêmio "Kaplan", em razão dos
eficientes métodos de trabalho utilizados, bem como pela qualidade da ração dada às
vacas, que leva em conta as difíceis condições climáticas do Arava.
Metade do orçamento destinado ao rebanho das vacas é gasto em alimentação.
Por isso, a maneira como a ração é administrada reflete diretamente à qualidade, bem
como os percentuais de gordura e proteína do leite produzido. A receita do rebanho é
oriunda da venda do leite à leiteria, da venda dos bezerros - que não são
domesticados - e das vacas velhas vendida ao abate. A dieta alimentar do rebanho é
elaborada pelo Sr. Zeev, membro do kibutz e um dos mais respeitados agrônomos de
Israel. Seu objetivo é a maximizar a produção do leite com a realização do menor
investimento necessário (Figura nº. 3.3). “A regra de que o lucro é maximizado
quando a receita marginal for igual ao custo marginal é válida para todas as
empresas, sejam competitivas ou não” (PINDYCK & RUBINFELD, 1994, p. 320).
Figura nº. 3.3
Uma empresa escolhe o nível
de produção q*, de tal forma que
o lucro, correspondente à
diferença AB entre a receita R e
o custo C, é maximizado. Neste
nível de produção, a receita
marginal (isto é, a inclinação da
curva da receita) é igual ao custo
marginal (isto é, a inclinação da
curva de custo) (Op. cit., 1994,
p. 321).
Nível de Produção
(unidades por período)
Custo,Receita,Lucros
($porperíodo)
q*q0
L (q)
R (q)
C (q)
A
B
•
•
Maximização de lucros a curto prazo
Fonte: Elaboração do autor baseado em PINDYCK & RUBINFELD, 1994, p. 321
Nível de Produção
(unidades por período)
Custo,Receita,Lucros
($porperíodo)
q*q0
L (q)
R (q)
C (q)
A
B
•
•
Maximização de lucros a curto prazo
Fonte: Elaboração do autor baseado em PINDYCK & RUBINFELD, 1994, p. 321
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  • 1. RODRIGO HISGAIL DE ALMEIDA NOGUEIRA KIBUTZ YOTVATA: O papel da pequena comunidade no setor agroindustrial da economia israelense. Resultado final do Programa de Iniciação Científica – PIBIC/PUC-SP Prof. Dr. César Roberto Leite da Silva Orientador Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária PUC – São Paulo Março - 2007
  • 2. RODRIGO HISGAIL DE ALMEIDA NOGUEIRA KIBUTZ YOTVATA: O papel da pequena comunidade no setor agroindustrial da economia israelense. Iniciação Científica submetida à apreciação da banca examinadora do Departamento de Economia, como exigência parcial para a obtenção do grau de iniciando científico em ciências econômicas, elaborada sobre a orientação do Professor César Roberto Leite da Silva. Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária PUC – São Paulo Março - 2007
  • 3. 1) Página de aprovação Esta iniciação científica foi examinada pelos professores abaixo relacionados e aprovada com nota final ---,--- (--------------------------------------------------) Nomes legíveis dos examinadores (orientador e demais membros da banca ________________________________________________________ ________________________________________________________ ________________________________________________________ 2) Autorização para consulta e reserva de direitos autorais Autorizo a disponibilização desta iniciação científica na Biblioteca da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da PUC – São Paulo para consulta pública e utilização como referência bibliográfica, mas sua reprodução total ou parcial somente pode ser feita mediante autorização expressa do autor, nos termos da legislação vigente sobre direitos autorais. São Paulo, ____ de ____________ de ______ Assinatura: ______________________
  • 4. AGRADECIMENTOS Pela incrível experiência quero agradecer... À minha tia Fani, pensadora que acaba de reflorescer para o bem da humanidade. À minha mãe, Elinée, y a la nena, Isabella, pelo carinho de todos os dias. À querida tia Alzira, pela pincelada final. Ao amigo Kiki Mayer e a sua querida família Rony, Peleg, Sol, Aviv e Sky, que sabem preparar um delicioso shabat à brasileira com direito a feijoada. Aos meus avós, Hesel, Minde, Jacy, Agostinho e Betty pelas lições e todo o conforto que apenas vocês podem me proporcionar. Tio Ezra, de Roma, e tia Helena, de Tróia. Ao Prof. César, que me orientou com o seu conhecimento. Aos meus primos Léo e Anne Joels, pelas tardes e duras traduções. Aos amigos Ricardo Ergas, Myriam Arinoviche, Naomi Sheizaf, Maximilian Siegel e Dov Goldman, por toda a ajuda. Ao amigo economista Gil Kassow, pela sugestão. Ao PIBIC-CEPE e ao Projeto Yeladim, pelo incentivo. Ao meu chefe, Valter Wolf, pelas férias que me permitiram finalizar este conteúdo. Ao totó. In memmorian a Mario Haytman, lutador nato que clamava pelo bem-estar do próximo. Que Deus o tenha.
  • 5. “Muitos kibutzim estão assistindo a uma crise sócio-econômica. Alguns iniciaram mudanças em direção à privatização e a diferenciação de salários entre os seus membros. O estilo de vida que os seus moradores, os kibutzniks, conhecem por décadas está mudando. Em alguns kibutzim a crise é séria, porém, em outros, a crise fica por detrás do crescimento que se inicia” (ASKENAZI, 2004, p. 4).
  • 6. NOGUEIRA, Rodrigo Hisgail de Almeida. Kibutz Yotvata: O papel da pequena comunidade no setor agroindustrial da economia israelense. São Paulo - SP, 2007. [Iniciação Científica – Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo]. RESUMO KIBUTZ YOTVATA conta a história de um movimento de retorno, iniciado em meados do século XX, em que judeus oriundos de diversas partes do mundo rumam a Israel para pôr fim às velhas ordens sócio-culturais da época. Além de historiografar o conceito sobre os kibutzim e discutir as suas implicações na atualidade, evidencia- se o caso específico da comunidade de Yotvata enfatizando sua principal atividade econômica, que é a produção de derivados de leite. O objetivo desta pesquisa é promover o debate a respeito do potencial econômico de pequenas comunidades, através do dimensionamento dos resultados alcançados pelos kibutzim no que tange a economia de Israel. O trabalho baseou-se em pesquisas e entrevistas em campo, análises bibliográficas sobre o assunto, que incluiu visitas e consultas a bibliotecas em Israel e no Brasil, bem como a utilização de artigos de jornal, revistas e acessos aos materiais disponíveis na web. KIBUTZ YOTVATA estuda o processo de mudança ideológica presente nos kibutzim na atualidade, das quais se destaca as formulações marxianas do processo de mais valia. Contrário a utopia comunal que deu origem à formação dos kibutzim, verifica-se, nos dias de hoje, um século após o seu surgimento, um movimento comunitário que presencia um conflito entre o “sujeito coletivo” e o “sujeito individual”. Mais do que uma simples mudança de comportamento, tal cenário coloca em xeque a existência de um modelo que têm contribuído significativamente com a geração de riqueza e renda para a economia do país. Apesar das dificuldades, KIBUTZ YOTVATA é um exemplo de sucesso de um arranjo produtivo baseado no estreito espírito de cooperação existente em uma sociedade. PIBIC-CEPE Palavras-chave: kibutz, agroindústria, derivados do leite.
  • 7. SUMÁRIO Introdução: As rosas do deserto..................................................................................01 1- Kibutz, a ousadia de um movimento.......................................................................05 1.1- Origem e significado................................................................................05 1.2- As primeiras Aliah’s................................................................................06 1.3- O primeiro plano agrícola........................................................................08 1.4- A Guerra da Independência.....................................................................10 1.5- Estrutura regional dos povoados..............................................................12 1.6- A Revolução Industrial............................................................................14 1.7- “O Embate entre o coletivo e o indivíduo no kibutz de hoje”.................15 1.8- Potencial econômico................................................................................17 2- O arrojo econômico em Eretz Israel.......................................................................20 2.1- A demografia em Israel, aspectos geográficos e o clima.........................20 2.2- Cenário econômico e a agricultura de ponta............................................21 2.3- O setor leiteiro: um exemplo em O&M – Organização e Métodos.........26 3- Yotvata....................................................................................................................35 3.1- A contraposição nos novos tempos..........................................................35 3.2- A leiteria e o seu funcionamento.............................................................42 Conclusão....................................................................................................................55 5- Referências Bibliográficas......................................................................................59
  • 8. 1 INTRODUÇÃO – AS ROSAS DO DESERTO O sol batia a pino. O ônibus carregado trazia turistas irritados e uma meia dúzia de soldados largados no chão com suas M-16 enroscadas no pescoço. Com a backpack lotada, o desembarque ocorre após a exaustiva viagem desde o Norte do país e o viajante finalmente se depara com o forte calor do deserto desconhecido. Certamente passava dos 40ºC. O corpo molenga que dava sinais de cansaço começava a se desidratar de forma lenta e gradual. Pedras robustas apontam para o horizonte distante. A sede era grande, mas enfim era chegado o lugar de destino. Na encruzilhada, entre aquela cafeteria no meio do nada e a estrada que ligava a lugar nenhum, uma rápida olhada era suficiente para estranhar aquelas verdes folhas penduradas nas árvores. Ao cruzar o portão do kibutz, rosas floridas lhe davam as boas-vindas. E por um segundo: que lugar maluco é esse? Na mente, espaço apenas para encontrar um beco, ou outra fonte de água qualquer. De longe, ainda, a torneira mal fechada refletia as gotas que brotavam e caiam em direção à pequena poça que se formava no chão. Em meio à hostilidade da natureza, qualquer um que chegasse a Yotvata naquela tarde era direcionado ao refeitório, onde a jovem senhora aguardava em tom solene por cada um dos visitantes que aos poucos começavam a se aglomerar. Na mesa cumprida onde a refeição era apreciada, a salada mista de idiomas dava início ao flerte dos mais de quarenta vindos de diversos cantos do mundo. Em direção ao cômodo, o russo visivelmente perturbado fazia gestos de mímica a fim de fazê-lo compreender. Um cigarro. Tudo bem! Valentin tinha 18 anos, vinha da Sibéria e assim como muitos outros, aspirava definitivamente um lugar na Terra de Israel. Único desta região, ele foi o que mais se destacou nas aulas de hebraico quando então também começou a balbuciar algumas palavras de inglês e arriscar sílabas no espanhol. Passado alguns dias, o velho argentino em tom de suspense aprontava o discurso em meio ao clima de festa. Às principais regras estavam prontas a serem lançadas. “O refeitório é o centro do terreno. Qualquer sinal de bomba ou tremor corra direto ao bunker mais próximo. Se por acaso estiver em casa vá para debaixo da mesa.
  • 9. 2 Drogas não são permitidas e podem culminar em expulsão. Para quem precisar, condoms ficarão à disposição. Três refeições são diariamente servidas. As roupas devem ser lavadas à lavanderia. Cada um recebe um número. Meias e roupa de baixo, apenas, devem ser entregues à parte. As aulas de hebraico são diárias, hora de manhã, hora à tarde. No shabat, dia alegre, cada um pode acompanhar à sua família adotiva e apreciar o banquete”. Por fim. “O trabalho é uma surpresa. Um dia aqui, outro dia ali”. Ao cair de toda noite, antes do jantar, a planilha era pontualmente colocada no mural de recados, bem ao lado da ilustração em que o sorridente camelo dizia: Adoro beber água! À coluna com os nomes impressos correspondia outra com a indicação do posto de trabalho. Caso o felizardo(a) não fosse escalado para trabalhar de madrugada na cafeteria da estrada, deveria aguardar o outro dia para pagar pelo aluguel da sua estada. No miznon, como era chamada a cafeteria, além do “choco” e do milk shake, outros diversos doces, sorvetes e sanduíches podiam ser consumidos após o chão estar varrido, as verduras cortadas e toda a louça lavada. Para muitos outros, acordar às cinco horas da manhã era quase uma rotina. Em meio a bocejos de uma noite de sono interrompida, o motor da perua era ligado enquanto cada um tomava seu assento. Tudo pronto, ela finalmente partia em direção às plantações. Após as primeiras horas ainda no sereno da noite, o esforço da colheita era então descontínuo pelos primeiros raios de luz vindos das montanhas, que grandiosamente se empunham do outro lado da fronteira. Aos poucos, os vibrantes raios começavam a ganhar intensidade até que então, o sol, imponente, se armava para avisar aos outros que se levantassem para dar início às demais atividades. Uma equipe se organizava para colocar o café, a outra auxiliava na preparação do almoço e assim sucessivamente. Havia ainda aqueles que ajudavam na manutenção do jardim, ou na lavanderia, na máquina de lavar pratos, no curral das vacas, na leiteria, na marcenaria, até que de repente, todos estavam inseridos na harmonia que compreendia o dia-a-dia daquela comunidade. O estudo a seguir foi inspirado na experiência vivida no kibutz Yotvata durante o segundo semestre de 2004.
  • 10. 3 À medida que o espírito sionista ganhava força, o retorno aspirava ao sonho dos jovens, que chegavam ávidos a participar da construção de uma nova vida em Eretz Israel. O kibutz (em hebraico: ‫;קיבוץ‬ plural: kibutzim: ‫)קיבוצים‬ representa um experimento israelense e parte de um dos maiores movimentos comunitários da história. O sentido etimológico da palavra kibutz é “grupo”. Sua formação, além de contribuir para a fundação do Estado de Israel, apresenta fundamental importância, sobretudo para a economia do país. “Em 2005, 116.000 pessoas residiam nos 266 kibutzim existentes no país” (PAVIN, 2006, p.3). Considerados anteriormente como comunidades socialistas utópicas, hoje os kibutzim formam parcerias com empresas capitalistas que surgiram como meio alternativo para suprir as suas novas necessidades. Ainda que o principal fundamento e a base para sua existência continuem a ser a parceria existente entre os seus membros, “o conflito entre os interesses pessoais e os interesses coletivos provoca hoje um clima de tensão permanente” (ROSENTHAL, 1992, p. 71). No entanto, políticas de incentivo à formação de kibutzim surgiram como meio para o desenvolvimento da sociedade, especialmente através da formação de postos de trabalho pelo país. Acompanhou ao ressurgimento desse interesse uma esperança de que estas comunidades pudessem contribuir para a hegemonia de uma nação. O principal objetivo proposto pelos kibutzim é promover a sobrevivência e o bem-estar dos seus membros estimulando processos locais de desenvolvimento ao longo do tempo. A existência de um conglomerado com posse dos próprios meios produtivos deixa de lado o julgamento político-ideológico e cede espaço para a percepção de um novo modelo de empreendimento, que similarmente, é um processo para se alcançar o desenvolvimento humano de uma maneira inclusiva, interligada, igualitária, prudente e segura. Neste sentido, o desafio desta pesquisa é avaliar a contribuição dos kibutzim de Israel como um modelo de sucesso para a economia do país e possibilitar a indagação sobre novas alternativas que ajudem a promover outras economias em estágio inicial de desenvolvimento.
  • 11. 4 Para elaboração do trabalho, segue-se à linha teórica do “desempenho econômico como função dos aspectos institucionais de uma sociedade”. Para ilustrar, faz-se referência a Yotvata e à agroindústria leiteira na qual se insere. Discute-se a respeito da interação entre os vários agentes envolvidos no processo e suas transformações. Da cooperação, peça fundamental para o funcionamento e bem-estar social, o movimento perde espaço para o surgimento de um crescente espírito egocentrista, marca decisiva dos novos tempos.
  • 12. 5 CAPÍTULO 1 – KIBUTZ, A OUSADIA DE UM MOVIMENTO 1.1 Origem e significado Os kibutzim surgiram através da necessidade de ajuda mútua e apresentavam uma meta econômica e outra ideológica. No início, estas comunidades eram formadas por grupos de jovens judeus voluntários vindos de toda parte do mundo, os quais viviam em casas simples, feitas de madeira, sem banheiro ou eletricidade. A larga unidade de produção coletiva apresentava seus membros como proprietários conjuntos dos meios de produção, da repartição social e das atividades econômicas. O trabalho na terra era uma variável importante do sionismo. “Sua componente econômica pregava o retorno ao cultivo da terra como principal ocupação dos judeus, substituindo assim as ocupações típicas dos judeus europeus: possuir pensões e lojas de penhora, praticar ‘comércio pequeno’, etc” (SILVER-BRODY, 1998, p.33-36, apud WIKIPEDIA, 2006, on line). “O contraste das perseguições sangrentas frente à descoberta da democracia política, do socialismo e da igualdade, levaram os jovens judeus a se apegar aos movimentos que lutavam por estes valores reprimidos durante muitas gerações vividas sob opressão. Eles lutavam contra a falta de sentido de suas próprias vidas. Alguns, por exemplo, negaram sua existência judaica e se converteram em sociais nacionalistas. Outros, mais identificados com o bolchevismo, transformaram-se em socialistas democráticos. Aqueles que tinham aspiração de retornar a sua existência judaica, imbuídos da convicção de que os judeus teriam o direito de desenvolver sua própria terra, foram os primeiros sionistas e começaram a retornar à Palestina no princípio do século XX” (ROSENTHAL, 1992, p. 12). A posse de bens materiais nunca foi um conceito adotado pela filosofia kibutziana. Notavelmente correlato ao “Modelo do Ciclo de Vida do Consumo e da
  • 13. 6 Poupança1 ”, o dinheiro excedente era direcionado à poupança para garantir segurança ao futuro da comunidade. A hipótese do Ciclo de Vida foca indivíduos, que planejam seu comportamento de consumo e poupança no decorrer de longos períodos com a intenção de alocar seu consumo da melhor maneira possível por toda a sua vida (Figura nº. 1.1). “Trata-se de uma vivência socialista e puramente coletiva, cujo sentido é o de compartilhar totalmente todos os bens” (Op. cit., 1992, p. 46). Figura nº. 1.1 Durante a vida ativa (WL), o indivíduo poupa, construindo ativos. No final da vida de trabalho, o indivíduo passa a viver desses ativos, despoupando para os próximos anos (NL X WL), até o fim da vida. O consumo é constante no nível C durante a vida. Todos os ativos foram usados no fim da vida. Despoupança Poupança TempoNLWL0 C YL WRmax Ativos Renda, Consumo, Poupanças e Riquezas no Ciclo de Vida Fonte: Elaboração do autor baseado em DORNBUSCH & FISCHER, 2002, p. 310 Despoupança Poupança TempoNLWL0 C YL WRmax Ativos Despoupança Poupança TempoNLWL0 C YL WRmax Ativos Renda, Consumo, Poupanças e Riquezas no Ciclo de Vida Fonte: Elaboração do autor baseado em DORNBUSCH & FISCHER, 2002, p. 310 1.2 As primeiras Aliah2 ’s Interessados em desenvolver as comunidades agrícolas e estabelecer vilas como as que existiam na Europa Oriental, as Moshavot, os primeiros povoados judeus em Israel surgiram entre os anos de 1882 e 1890, durante a primeira Aliah. Nela, 15.000 famílias oriundas principalmente do sul da Rússia mudaram-se para a Palestina com a intenção de lá viver. Como as barreiras eram muito grandes, principalmente em detrimento das autoridades Turcas que habitavam a região e pela falta de 1 A Figura nº. 1 foi desenvolvida por Franco Modigliani, prêmio Nobel de Economia em 1985, em “The Life Cycle Hypothesis of Saving, the Demand for Wealth and Supply of Capital”, Social Research, v.33, n. 2, 1966. 2 Termo empregado para expressar o retorno dos judeus à Palestina, atual Estado de Israel.
  • 14. 7 conhecimento técnico, os Moshavot logo entraram em colapso. Neste estágio, judeus riquíssimos, como Edmond, o Barão de Rothschild, resolveram ir a Israel (ainda Palestina) com o intuito de fazer consideráveis investimentos nas fazendas, enviando especialistas para ensinar viticultura, como método de especialização. Em 1898 havia 22 das novas vilas judias no país, a maior parte delas baseada em monocultura, com plantações de frutas e vegetais. Em 1900, a Jewish Colonization Association (JCA), fundada em 1891, passou a atuar como financiadora de crédito para as fazendas comunitárias. Além de tirar o gerenciamento da administração do Barão de Rothschild, a associação desenvolveu um arranjo de atividades para estabelecer um treinamento aos trabalhadores dos assentamentos, baseado na colheita de cereais (Settlement Department of Jewish Agency, 1974, p. 35 e 36). Durante a segunda Aliah muitos dos novos imigrantes quiseram trabalhar na Palestina. Primeiramente, conseguiram trabalho em vilas, cujos empregadores eram quase que exclusivamente árabes, e depois, em 1908, começaram a fundar seus próprios povoados. Assim, no ano seguinte, um grupo de sete trabalhadores levantou o primeiro kevuzah - o mesmo que kibutz ou vila coletiva - chamado Deganya. “As idéias centrais seriam de que o dinheiro não circularia nesta comunidade, a propriedade privada seria abolida e não se utilizaria o trabalho assalariado” (ROSENTHAL, 1992, p. 8). Após este, outros também se sucederam, começando por campos de colheita e gradualmente adicionando novos tipos de agricultura, plantações de frutas e a criação de animais. Os assentamentos cresceram vagarosamente, mas apenas firmaram-se em 1918, no final da Primeira Guerra Mundial, quando contava com 47 vilas judaicas no país, muitas delas financiadas pela Organização Sionista (Settlement Department of Jewish Agency, 1974, p. 37). Em 1919, quando se teve inicio a terceira Aliah, as atividades foram realizadas pelo Departamento de Assentamentos da Organização Sionista e muita atenção foi dada ao ideário. O ideal do Kevuzah ou Kibutz - o ultimo termo primeiramente usado em um grande assentamento em En-Harod, fundado em 1921 - foi todo definido, bem como aspectos práticos sobre o trabalho. Na mesma época, Eliezer Joffe, um dos fundadores da leiteria Tnuva, sugeriu um novo tipo de assentamento – as vilas cooperativas com poucos titulares, os moshavim – que foram desenvolvidas por trabalhadores das proximidades. Enquanto os kibutzim foram gerados como fazendas
  • 15. 8 auxiliares para trabalhadores de origens diferentes, os moshavim foram sucedidos por assentados independentes. Com a aquisição de áreas adicionais em Haifa e no vale do Rio Jordão, a rede expandiu-se. Os assentamentos estabelecidos pela Organização Sionista foram baseados principalmente na fazenda diversificada, incluindo plantação de frutas, produção nos campos, e gado. Algumas vilas privadas, baseadas principalmente em frutas cítricas, também progrediram, e moshavim foram fundados, principalmente por assentados da classe média, que construíram grande parte através de próprio esforço financeiro, solicitando, portanto menos ajuda do Departamento de Assentamentos Sionista (Op. cit., 1974, p. 39). 1.3 O primeiro plano agrícola Como algumas características da unidade coletiva, ou fazenda, ainda não haviam sido bem definidas, tais como o seu tamanho e a variedade do portfólio agrícola, foi realizado, em 1929, o comitê Executivo da Organização Sionista. Seu propósito foi discutir a respeito de índices e critérios mais claros à realidade das fazendas, nas diferentes partes do país. Foi examinado o tamanho da estrutura necessária para o sustento das famílias, os equipamentos e fornecimentos necessários por unidade coletiva, e o melhor tipo de gado para cada região. Em áreas irrigadas, como no vale do Jordão, ao norte do país, foram concedidas 25 dunams (6,25 acres ou 2,53 hectares) para cada fazenda. Em áreas não irrigadas ou parcialmente irrigadas, como no vale do Jezreel, ao sul, 140 a 280 dunams (35-70 acres ou 14,18 – 28,35 hectares). Este foi o primeiro avanço sobre o plano da agricultura baseado nas condições naturais do país. Como a irrigação era em plano extensivo, foi proposto reduzir as unidades de fazenda, a fim de criar métodos intensivos para facilitar a máxima utilização dos recursos naturais da terra e manter o princípio do “trabalho pessoal”, para que ambos, moshavim e kibutzim aderissem. O sistema também possibilitou que cada assentamento se tornasse uma unidade autônoma, quase independente dos fornecimentos externos e capazes, se necessário, de subsistirem isoladamente a um estado de sitio. A “diversificada fazenda orgânica” tornou-se um tipo prevalecente na agricultura judaica. A partir de então, kibutzim e moshavim passaram a recrutar
  • 16. 9 novos membros e a criar regulamentos para os assentamentos afiliados a fim de acabarem com os problemas econômicos até então vivenciados. Entre o começo dos anos 30 e a Segunda Guerra Mundial (1939), um grande número de projetos para assentamentos especiais foi realizado. O “Projeto Mil Famílias” - que no seu termino apresentou somente algumas poucas centenas de famílias - começou em 1932, principalmente com a presença de jovens alemães fugitivos do terror nazista e conduziu à busca de diversas vilas em várias partes do país. O levante árabe de 1936-39 inspirou novos métodos de montar postos de guarda na madrugada. A Organização Sionista agiu rapidamente na construção dos assentamentos e decidiu montar pontos fortes em áreas judaicas que não haviam sido previamente povoadas, a fim de criar um novo mapa da colonização judaica em caso da divisão territorial ser adotada. Ao todo, 53 novas vilas, a maioria baseada em fazendas diversificadas, foram levantadas neste período. Apesar das restrições, o estabelecimento destas novas vilas continuou durante e depois da Segunda Guerra Mundial, quando muitas vilas foram fundadas (Tabela nº. 1.1). Depois do fim do holocausto, novo esforço foi feito para estender a área dos assentamentos judaicos, especialmente ao norte do deserto do Neguev, onde 11 assentamentos foram levantados em uma única noite. Outros sete foram levantados em 1947, e um duto de irrigação foi colocado até o centro do país para poder abastecê-los com água. Tabela nº. 1.1 unidades habitantes unidades habitantes unidades habitantes unidades habitantes 19 19 00 21 4.950 21 4.950 14 32 11.000 3 400 4 180 39 11.580 22 34 11.540 11 1.410 19 1.190 64 14.140 1941 45 63.240 94 24.820 87 23.190 226 111.250 44 44 76.000 99 29.500 111 33.500 254 139.000 1948 15 24.160 99 30.142 159 54.208 273 108.510 onte: Elaboração do autos baseado em dados do Settlement Department of Jewish Agency , 1974, p. 96 19 19 F . Ano Moshavot Moshavim Kibutzim Total Assentamentos agrícolas judaicos e população residente antes do surgimento do Estado de Israel
  • 17. 10 1.4 A Guerra da Independência Porém, a guerra da Independência de 1948 mostrou a ampla influência exercida pelos assentamentos para assegurar o controle da região. Praticamente em todas as áreas em que havia assentamentos judaicos, resistia-se às invasões árabes armadas e ajudavam a determinar as correntes para a consolidação do Estado judaico. As condições políticas e econômicas foram completamente transformadas e esta situação conduziu a uma nova forma de organização aos assentamentos. A severa escassez de comida nos primeiros anos obrigou a um imediato crescimento na produção das fazendas. No mesmo período houve muita oferta de emprego aos novos imigrantes, que careciam de qualquer tipo de vocação. A terra deixou de ser um problema, uma vez que largas áreas foram desocupadas após o conflito. Diversos projetos de assentamentos agrícolas foram lançados pelo Departamento de Assentamentos da Agência Judaica, que era responsável pelo plano, execução e supervisão do trabalho, tais como planejamento dos prédios, fornecimento de água, redes de irrigação, provisão de equipamentos, sementes, gado e orientação dos métodos de trabalho. Desta maneira, as comunidades rurais foram sendo gradativamente integradas. Fazendeiros veteranos foram enviados para viver nas vilas como instrutores e, inicialmente, para ajudar os vilarejos a resolverem seus problemas sociais. No princípio, os assentados foram largamente empregados na construção de prédios - ou no caso de abandono de vilas árabes -, em reforma de casas, pavimentação de estradas e infra-estrutura. Após a realização destas atividades estruturais, os assentados passaram a viver da produção de suas fazendas. Os agrônomos, engenheiros e arquitetos do Departamento Central e do escritório regional do Departamento Sionista supervisionavam o trabalho dos homens no campo e, em conjunto com o Ministério da Agricultura, coordenaram a escolha da produção e dos métodos de cultivo de acordo com o clima e condições do solo de cada região, em várias partes do país.
  • 18. 11 Tabela nº. 1.2 Em cada um destes dois períodos - 1948/49 e 1950/51 -, cerca de 100 novos assentamentos foram fundados em razão do abandono de vilas árabes nas montanhas de Jerusalém e da Galiléia e, posteriormente, do deserto do Neguev. Os assentamentos das fronteiras só foram estabelecidos para servirem como postos para as Forças de Defesa Israelense3 (FDI), criadas neste período. Entre os anos de 1947 - quando anunciada a decisão da ONU para a independência de Israel - e 1972, 465 novas vilas estabeleceram-se (Tabela nº. 1.2). E ao seu redor, novas comunidades urbanas surgiam. Ano Moshavim Kibutzim Total 1948 5 20 25 1949 60 42 102 1950 114 13 127 1951 24 7 31 1952 12 3 15 1953 36 9 45 1954 8 2 10 1955 12 4 16 1956 12 8 20 1957-60 14 4 18 1961-64 2 4 6 1965-67 2 2 4 1968-72 24 22 46 Total 325 140 465 Fonte: Elaboração do autos baseado em dados do Settlement Department of Jewish Agency, 1974, p. 97. Assentamentos agrícolas judaicos fundados após o surgimento do Estado de Israel Um aspecto especial deste período foi o aumento da popularidade do moshav, que antes da independência não superava o número de kibutzim. Das novas vilas fundadas a partir do final de 1972, 325 eram moshavim e somente 140 eram kibutzim. A principal razão para a mudança foi o contexto étnico e social dos novos imigrantes. Antes de 1948, os imigrantes de origem européia pretendiam se tornar fazendeiros. Os recém-chegados, por outro lado - mais da metade vindos da Ásia e da África -, eram colocados no país sem qualquer tipo de conhecimento prático ou preparação ideológica. No filme “Um Herói de Nosso Tempo” (Va, Vis et Deviens, 2006), por exemplo, o diretor Radu Nihaileanu bem ilustrou como ocorreu o processo de 3 “As Forças de Defesa de Israel (Tzavá Haganá le Israel), foram formadas durante a Independência. No período entre 1948 e 1949, quando Israel enfrentou os exércitos dos países árabes que não aceitavam o estabelecimento do Estado Judeu, as antigas facções armadas dos sionistas foram reunidas e aparelhadas com armas e munição (...) As FDI situam-se hoje entre as mais bem reputadas forças de combate do mundo, tendo tido que defender Israel em cinco grandes conflitos desde a sua criação” (WIKIPÉDIA, 2007, on line).
  • 19. 12 migração dos judeus vindos da Etiópia4 . Estes imigrantes, fugindo da ideologia característica aos kibutzim, dificilmente se adequariam a esta estrutura preferindo o emprego nos moshavim, que apresentam tipo de vida mais similar às existentes das vilas de onde vieram. 1.5 Estrutura regional dos povoados Até 1953, a maioria das novas vilas era baseada na fazenda diversificada, que basicamente desenvolvia produtos frescos, especialmente leite, ovos, vegetais e frutas. A partir deste ano, modificações substanciais foram introduzidas em algumas das recentes regiões assentadas. Nas montanhas e no Neguev - cujas condições climáticas e naturais do deserto nunca foram favoráveis -, a tecnologia de produção tinha aumentado. A melhoria da mecanização rural deu início à grande especialização e o modelo de fazenda diversificada foi gradualmente abandonado ou modificado. Fazendas especializadas foram construídas de acordo com as condições domésticas e específicas de cada lugar, bem como da demanda de mercado internacional por produtos típicos, como a tâmara. Assim, cada região passou a ser responsável por um determinado ramo da agricultura, bem como para produção industrial destinada à exportação ou à substituição de importação. Ao invés de cada vila permanecer fechada, com economia e unidade social independentes, elas foram integradas em uma eficiente estrutura regional. Um modelo deste tipo foi inicialmente adotado nos povoados do Neguev, fundado entre 1951 e 1952, os quais foram agrupados ao redor de um centro rural e comercial. O modelo é baseado em planos econômicos, que compreendem todos os povoados agrícolas e urbanos de uma mesma região. Neste aspecto, é preciso enfatizar a importância operacional e econômica desta estrutura regional, que consiste em uma diferença particular desses tipos de povoados. O fato da proximidade da fábrica com a fonte de matéria-prima resulta em um maior valor agregado ao produto que, em 4 Além das dificuldades e todos os preconceitos recebidos, os judeus etíopes representavam as camadas mais baixas da sociedade. Em 2005, após a aprovação de diversas leis de incentivo, esta fase de ostentações foi superada e levou a inserção deste grupo à sociedade.
  • 20. 13 contrapartida, colabora com um maior desenvolvimento da região. As vilas ou povoados eram assim colocadas em grupos de quatro ou cinco em volta de um centro rural, que providenciava as facilidades necessárias, enquanto uma comunidade da cidade servia toda a região. Somente facilidades cotidianas, tais como berçário, mini- mercado, posto de saúde, sinagoga, refeitório e lavanderia situavam-se dentro das próprias vilas. Outros serviços, como escolas, centro esportivo e anfiteatro ficavam localizados no centro rural, enquanto outras especificidades como hospitais e shopping centers, eram localizadas na cidade da região (Figura nº. 1.2). Assim, o abastecimento para as grandes comunidades fez com que os serviços ficassem mais baratos, acessíveis e eficientes. Já, as indústrias, principalmente como as de processamento de plantas e vegetais, eram situadas nas cidades, onde recebiam as matérias-primas. Assim, entre outras conseqüências, tais políticas econômicas de cunho regional, baseada em aspectos étnicos e culturais de um povo judeu vindo de várias partes do mundo, proporcionavam atividades para os desempregados e prevenia o empobrecimento ou abandono destas áreas rurais do país. Figura nº. 1.2 Estrutura econômica regional dos povoados do Negev à partir da década de 50. Fonte: Elaboração do autor, baseado em imagens do Eye on Israel, 2006, on line. Kibutzim/ povoados Centro regional e comercial Cidade regional Estrutura econômica regional dos povoados do Negev à partir da década de 50. Fonte: Elaboração do autor, baseado em imagens do Eye on Israel, 2006, on line. Kibutzim/ povoados Centro regional e comercial Cidade regional
  • 21. 14 A estrutura regional também facilitou a grande integração entre assentados de diferentes partes do mundo que, pelas várias origens, encontravam, anteriormente, dificuldade para viver nas proximidades. Ainda que cada vila fosse formada por um grupo étnico particular, todos usufruíam das mesmas facilidades providas pelo centro rural, onde a integração acontecia entre os moradores das diferentes vilas. Assim, o processo gradual de integração iniciou a cooperação regional entre os diversos kibutzim, que começavam a estabelecer joint ventures (empreendimentos conjuntos/parcerias) entre si. Um típico exemplo é o de um concilio regional entre os kibutzim do Neguev que, juntos, integram alguns empreendimentos, tais como fábricas de refrigeração, de algodão e de embalagens de papelão, um abatedouro de aves, além de serviços como anfiteatro, ginásio de esportes, escola, lavanderia, dentre outros. 1.6 A Revolução Industrial A partir de 1966, a contribuição econômica que os assentamentos trouxeram para os planos originais do país passou a fazer parte dos planos de desenvolvimento nacional elaborados pelas autoridades. A Agência Judaica e os Ministérios da Construção, Trabalho e da Agricultura montaram um centro de estudos rural e urbano para investigar os problemas envolvendo a criação de novos métodos e modificações para os modelos de assentamentos. Como resultado inicial foi realizada a complementação do Condutor Territorial de água construído quase há 20 anos, que passou a conduzir água do Kineret, ao Norte, para o Neguev, ao Sul. Antes do estabelecimento do Estado de Israel, os kibutzim já haviam dado início à ramificação da produção, migrando parte de seu capital para a indústria nascente. O Kibutz Degania, por exemplo, ajustou sua produção para fabricação de ferramentas de corte do diamante, faturando milhões de dólares ao ano. O kibutz Hatzerim e o Daan, seu concorrente, têm uma fábrica para produzir equipamentos para irrigação através de uma técnica de gotejamento desenvolvida pelos engenheiros das próprias comunidades. O empreendimento de Hatzerim, chamado Netafim, é uma corporação
  • 22. 15 multinacional que fatura acima de US$300 milhões ao ano. Maagan Michael, outro kibutz, desenvolveu uma fábrica de plásticos e equipamentos médicos. As empresas de Maagan Michael ganham mais de US$100 milhões ao ano (WIKIPEDIA, 2006, on line). Uma grande onda de industrialização marcou os anos 1960. Hoje, depois de mais de 40 anos, apenas 15% dos membros dos kibutzim praticam atividades ligadas à agricultura. A industrialização dos kibutzim surgiu tanto num momento em que os trabalhos agrícolas já não eram bastante para absorver todos os membros do kibutz, como quando do início de pressões de demanda por parte do Estado de Israel. Durante os anos 50 e 60, em razão dos altos déficits comerciais, o país aguardava uma oportunidade para reverter a sua balança comercial. Aos kibutzim foi atribuída a responsabilidade de produzir. 1.7 “O embate entre o coletivo e o indivíduo no kibutz de hoje5 ” Uma nova concepção começou a ter expressão logo depois da “Guerra dos Seis Dias”, em 1967, e da “Guerra de Yom Kypur”, em 1973. Após a perda de mais de 2.300 soldados, o rápido processo de viver “o hoje” tornou-se cada vez mais predominante também nos movimentos kibutzianos e a idéia de “kibutz” foi-se desintegrando. “A juventude não encontrava a menor motivação para continuar este caminho e o que eles procuraram desde então fui a sua individualidade” (ROSENTHAL, 1992, p. 83). O emprego sazonal sempre foi um ponto de controvérsia no movimento kibutziano. Durante o tempo da colheita, quando era necessário muito esforço braçal, os kibutzim não empregavam “não-membros” ou “não-moradores” para auxílio destas atividades. Hoje, somente 38% dos empregados do kibutz são membros da comunidade (WIKIPEDIA, 2006, on line). Nos anos 70, os kibutzim passaram a empregar palestinos. Atualmente, tailandeses, filipinos e chineses correspondem pela grande contingência de mão-de-obra barata presente nos assentamentos. “Por todo o 5 Título usado na tese de mestrado em Serviço Social por ROSENTHAL, Ruth Ellen.
  • 23. 16 país, mais de 26 mil tailandeses estão trabalhando na agricultura, um elemento que se tornou vital para a economia do país” (HEBRAICA, 2007, p. 41). Segundo moradores, severas transformações podem ser vistas na unidade coletiva e da sentença que deu origem ao ideário da coletividade kibutziana, “a cada um de acordo com sua habilidade, a cada um de acordo com sua necessidade”, parece ter cedido espaço “a cada um de acordo com suas preferências, a cada um de acordo com suas pretensões”. “O ‘kibutz-lugar6 ’ está se tornando, hoje em dia, cada vez mais predominante. A identificação com ‘kibutz-caminho7 ’ está se distanciando cada vez mais dos seus membros (...) de forma que indivíduo e coletivo procuram uma forma ponderada de sobrepujar tais contradições.” (ROSENTHAL, 1992, p. 70, 88). As primeiras mudanças foram notadas quando da cobrança por utilidades domésticas. Quando a eletricidade era gratuita, os membros não mostravam interesse em conservá-la, a ponto de deixarem suas máquinas de ar-condicionado funcionando ininterruptamente, mesmo quando ausentes da residência. Em 1980, os kibutzim começaram a cobrar pelo uso da energia, fazendo com que cada membro tivesse realmente uma arrecadação pessoal para pagar suas contas. O refeitório também foi um dos primeiros a ter seu serviço alterado. Quando o alimento era gratuito e três refeições eram feitas diariamente, os membros não tinham a percepção do enorme desperdiço produzido. Hoje em dia 75% dos kibutzim cobram do membro o preço da alimentação feita em seus refeitórios, da mesma forma que ocorre em um restaurante do tipo self-service. As atividades do grupo são muito menos eficientes do que no passado, e talvez, o exemplo mais claro de como os kibutzim abandonaram o princípio da igualdade é a execução de salários diferenciados. Assim, um gerente de fábrica receberia hoje um salário real muito maior do que um trabalhador do “chão de fábrica” ou do trabalhador agrícola. Desde os anos 1970, o prestígio dos kibutzim foi sendo ignorado pelos israelenses e a imagem de pioneiros ou auto-suficientes passou a dar espaço ao ideal do consumidor independente. Assim, o kibutz apresenta, atualmente, alterações em sua estrutura original de modo a colocar em xeque seu escopo de ação no atual cenário globalizado. 6 Expressão usada pela autora para designar as necessidades individuais acima das necessidades coletivas. 7 Expressão usada pela autora para mostrar que o interesse do coletivo sobrepõe-se às necessidades individuais.
  • 24. 17 Segundo o economista Mário Haytman, um dos primeiros moradores do kibutz Yotvata, as principais dificuldades do modelo econômico encontrado nestes tipos de comunidades surgiram através das diferentes perspectivas adotadas pelas gerações que se sucederam à formação dos kibutzim. “O problema mais grave que enfrentamos refere-se às segundas e terceiras gerações. Isso é um problema grande porque em nenhuma sociedade ou lugar do mundo, 100% dos filhos fazem o que os pais querem. Por outro lado, existem no momento entre 25% e 30% dos filhos que voltam a querer viver como nós. Não é muito para a comunidade, mas é muito, proporcionalmente, se comparado ao que acontece no resto do mundo. Se você considerar as sociedades do mundo verá que não há 30% dos filhos que vivam com os pais e que tenham os mesmos objetivos ou as mesmas metas econômicas”. 1.8 Potencial econômico Figura nº. 1.3 Participação dos kibutzim no PEA e no PIB de Israel em 2004 Fonte: Elaboração do autor baseado em dados de KIA, 2006, on line e CBS, 2006, on line N = 56,5 bilhões de dólares 10% 90% kibutzim Outros N = 3.751 milhões de trabalhadores 1% 99% Participação dos kibutzim no PEA e no PIB de Israel em 2004 Fonte: Elaboração do autor baseado em dados de KIA, 2006, on line e CBS, 2006, on line N = 56,5 bilhões de dólares 10% 90% kibutzim Outros N = 3.751 milhões de trabalhadores 1% 99% 1% 99% Com a cooperação, subsídios gerados e a regulamentação estatal dos diversos setores da economia, estas comunidades agro-industriais autogeridas - que correspondem a apenas 1% dos mais de 3,7 milhões de trabalhadores que compõem a População Economicamente Ativa (PEA) de Israel - são capazes de movimentar mais de 10% de toda a atividade comercial do país, além de 7,2% do total das exportações,
  • 25. 18 5,2% dos investimentos e 9,2% do emprego industrial (Figura nº. 1.3). Ao contrário do que pressupunha a economia clássica, os kibutzim pouco falharam em seus empreendimentos, de maneira que continuam fazendo investimentos agressivos nas novas empresas criadas. Hoje, a maioria dos kibutzim já está no ponto break-even (lucro) econômico. As indústrias do kibutz produzem artigos de metal, eletro-eletrônicos, plástico e borracha, alimentos processados, materiais óticos e vidro, têxtil e couro, artigos de medicina e produtos químicos, materiais de escritório, materiais para construção, brinquedos, jóias, instrumentos musicais, além dos alimentos. Em 2004, suas vendas totalizaram US$4,44 bilhões, incluindo US$1,33 bilhão do valor das exportações (Tabela nº. 1.3). As principais filiais da indústria do kibutz são as de plástico e de borracha (38% de todas as vendas), seguida por alimento (18% de vendas totais) e do metal (14% de vendas totais). As indústrias do kibutz exportaram 45% de sua produção, comparado a uma média nacional de aproximadamente 38% das vendas. Os principais exportadores são as indústrias de plásticos e borracha, e alimento, que correspondem juntos a 51.5% da exportação nacional (Op. cit., 2006, on line). As indústrias dos kibutzim mantêm altos níveis de investimentos, que são estimados em US$187 milhões. Este capital foi investido na construção de novas empresas, renovação e modernização das fábricas existentes e na garantia da elevada qualidade empregada. Tabela nº. 1.3 Setor Total de vedas (milhões US$) Exportações (milhões US$) Investimentos (milhões US$) Número de trabalhadores Número de fábricas lástico e Borracha 1.376 558 83 9.763 79 limento 657 221 28 3.339 36 etais e Maquinaria 511 184 22 5.112 61 apel e Papelão 221 32 7 1.412 20 letro-eletrônico 188 82 5 1.880 28 extil e Couro 223 104 20 1.578 23 ateriais de construção 188 27 9 1.212 15 édico e Químico 115 48 7 1.052 17 tico e Vidro 76 45 2 784 9 óveis e madeira 45 1 2 666 14 nagem e Arte 31 27 1 334 13 erviços Industriais 31 2 1 461 18 otal de Indústrias 3.662 1.331 187 27.593 333 mpresas na região 779 4.919 Total de todas as empresas 4.441 1.331 187 32.512 333 Fonte: Elaboração do autor baseado em dados do Kibbutz Industries Association (KIA), on line Estatísticas das Indústrias dos Kibutzim de acordo com o setor (2004) P A M P E T M M Ó M Jardi S T E
  • 26. 19 No passado, a típica empresa kibutziana era de posse total do kibutz ou da parceria entre diversos kibutzim. Recentemente, o elevado investimento para expansão e modernização, junto com o crescente custo empregado na área de marketing, forçou as indústrias do kibutz a considerarem novas joint ventures. Mas agora, ao invés destas parcerias estratégicas serem entre os próprios kibutzim, elas são realizadas com investidores e sócios nacionais e estrangeiros. Graças ao seu elevado grau de inovação, as indústrias dos kibutzim também passaram a investir grandes somas em pesquisa e desenvolvimento. Desta maneira, muitos projetos receberam a colaboração de Institutos Científicos israelenses e o apoio do Ministério da Indústria. Assim, “o sonho dos kibutzim empregados à criação de um Israel ‘socializante’ perderam o significado. Eles ficam cada vez mais parecidos com empresas comuns” (CARLOS, 2005, p. A13).
  • 27. 20 CAPÍTULO 2 – O ARROJO ECONÔMICO EM ERETZ ISRAEL 2.1 A demografia em Israel, aspectos geográficos e o clima Figura 2.1 Israel está localizado no Oriente Médio e faz fronteira com os Estados do Líbano e da Síria, ao Norte; Jordânia, ao Leste; Mar Vermelho, ao Sul, e Egito e Mar Mediterrâneo, a Oeste. Está situado no ponto de encontro de três continentes: Europa, Ásia e África (Figura 2.1). Fonte: Wikipedia Posição Geográfica de Israel Fonte: Wikipedia Posição Geográfica de Israel Fonte: Wikipedia Posição Geográfica de Israel O país ocupa uma área de 20.700 km² e pode ser comparado, em área (km²), com o estado de Sergipe no Brasil. “Embora pequeno em tamanho, Israel apresenta a variedade topográfica de um continente (IMFA, 2000, on line). Seu formato meridional fornece desde montanhas cobertas de florestas e verdes vales férteis até desertos montanhosos, sem falar no Mar Morto, o ponto mais baixo da Terra. Aproximadamente metade da área do país é semi-árida. As condições climáticas regionais são bastante variadas: na planície costeira, o verão é quente e úmido e o inverno, ameno e chuvoso. Nas regiões montanhosas, o verão é seco, sendo o inverno moderadamente frio, com chuvas e às vezes com um pouco de neve. No vale do Rio Jordão, o verão é quente e seco e o inverno é agradável. Finalmente no Sul, nas regiões semi-áridas, o dia é muito quente e a noite bastante fria. De acordo com o censo de 2005, o país contava com uma população de aproximadamente sete milhões de habitantes, dos quais 76% eram judeus, 16,3% muçulmanos, 2,1% cristãos e 1,6% drusos. Os 3,9% restantes não foram classificados por religião (WIKIPÉDIA, 2007, on line). Hebraico e Árabe correspondem aos idiomas oficiais do país, enquanto Russo, Inglês, Espanhol, Francês, Yiddish e Romeno são vastamente usados pelos
  • 28. 21 estrangeiros que vivem na região. Um índice de educação aponta que 4,6 % da população acima de 15 anos eram analfabetas neste período. Jerusalém é a capital e o núcleo espiritual do país, enquanto Tel Aviv é o centro da vida industrial, comercial, financeira e cultural. Haifa é o importante ponto setentrional e Beer Sheva é o maior pólo urbano localizado ao Sul. 2.2 Cenário econômico e a agricultura de ponta Devido à política do setor público, que não privatiza setores monopolizados, como eletricidade, transporte, portos, telégrafos, água e combustíveis, Israel é enquadrado na 50ª colocação, junto ao México e à França, segundo o índice elaborado pelo Instituto Cato8 (AURORA, 2004, p. 11). Costumeiramente conhecido pelo envolvimento em muitos dos conflitos bélicos existentes no Oriente Médio, este jovem Estado, com apenas 59 anos de existência, atualmente apresenta cenário econômico instável, cuja estagnação aparece presente em boa parte de seus mercados. desenvolvimento Segundo os informes do PNUD9 , Israel é o país do Ocidente que apresenta o maior índice de mão-de-obra desperdiçada. Nesta região, onde muitos adultos escolhem não sair de casa para trabalhar, 10,7% do total de desocupados vivem apoiados nos subsídios gerados pelo Estado. Ainda assim, o país é classificado na 23ª colocação segundo o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH10 ). O relatório de 2003 do National Insurance Institute11 (Instituto de Segurança Social), agência do governo a cargo da segurança nacional, mostra que a pobreza é o novo inimigo de 8 Segundo o lema “liberdade individual, limitação governamental, mercados livre e paz”, o Instituto Cato (http://www.cato.org/), sediado nos Estados Unidos, é um organismo privado que se dedica à pratica da investigação de temas econômicos e sociais em 123 paises. O índice compõe 38 variáveis que qualificam cada país segundo temas como estrutura legal, relações, direito de privacidade, comércio internacional e dimensão do governo. 9 PNUD (Programas das Nações Unidas para o Desenvolvimento) é uma rede mundial de ampliação de práticas que promove incentivos econômicos para os países onde atua. 10 O IDH parte do pressuposto de que para aferir o avanço de uma população não se deve considerar apenas a dimensão econômica, mas também outras características sociais, culturais e políticas que influenciam a qualidade da vida humana. Além de computar o PIB per capita, o IDH também considera dois outros componentes: longevidade e educação. (UNDP, 2006, on line). 11 Home page: http://www.gov.il/FirstGov/TopNavEng/Engoffices/EngAuthorities/Engbtl/
  • 29. 22 Israel. Segundo o relatório, ainda que com renda per capita anual superior a US$ 17.000, mais de 22% da população israelense está abaixo da linha da pobreza (Figura nº. 2.2). Trata-se de 1,43 milhões de pessoas “pobres12 ” de uma total de 7 milhões de habitantes, dentre os quais 680.000 são crianças. A maioria deste contingente (48,4%) é formada pela comunidade árabe presente na Cisjordânia e na faixa de Gaza, que além de uma média de quatro filhos por família, também não permite com que a mulher saia para trabalhar, a fim de ajudar no orçamento familiar. O restante é composto por famílias ultra-ortodoxas (27,6%) e imigrantes (17,7%). Jerusalém é a cidade com maior percentual de pobres (33,2%), seguida por Beer Sheva (21,8%), Ashdod (17,7%), Haifa (17,5%), Natania (17,3%) e Hólon (15,4%). O relatório também afirma que o aumento da pobreza é resultado da política de corte das ajudas de custo e subsídios oferecidos à população carente (Op. cit., 2004, p. 13). Entretanto, há quem diga que os elevados gastos militares são os principais culpados por esta situação. “Nos anos 50 e 60, Israel foi um dos países mais igualitários entre os ocidentais. Tornou-se um dos mais injustos a partir dos anos 80, quando os gastos militares já representavam 32% do orçamento israelense” (CARLOS, 2005, p. A13). Figura nº. 2.2 39,3% 33,3% 22,8% 4,6% Desempregados 1 chefe de família Idosos 2 chefes de família Distribuição de pobres por tipo de família Fonte: Elaboração do autor baseado em AURORA, 2003, p. 13 N = 1,43 milhões de pessoas 39,3% 33,3% 22,8% 4,6% Desempregados 1 chefe de família Idosos 2 chefes de família Distribuição de pobres por tipo de família Fonte: Elaboração do autor baseado em AURORA, 2003, p. 13 N = 1,43 milhões de pessoas 12 Em 2003, se entendia por “pobre” qualquer lar que tivesse renda inferior a: 1 pessoa (1.736 shékels ou US$387); 2 pessoas (2.777 shékels ou US$620); 3 pessoas (3.680 shékels ou US$821); 4 pessoas (4.443 shékels ou US$991); 5 pessoas (5.207 shékels ou US$1.162); e 6 pessoas (5.901 shékels ou US$1.317). Muitos trabalhadores não recebem o salário mínimo de 3.335 shékels ou US$744, em razão do temor de ficar sem trabalho.
  • 30. 23 Quanto aos índices financeiros, Israel aparece na 15ª posição entre os países do globo que apresentam a maior taxa de juros nominal. No terceiro trimestre de 2006, a rentabilidade dos títulos do seu Tesouro apontava em 5,4%, pouco abaixo do juro médio de 6,85% registrado pelos países em desenvolvimento, no mesmo período (BALBI, 2006, p. B5 apud KHAIR, 2006, p.4). Com a inflação projetada pelo Índice de Preços ao Consumidor13 (IPC) para 2,7%, Israel passou a assumir a 10ª posição dentre os países com a taxa de juros real mais elevada do mundo (FOLHA DE SÃO PAULO, 2006, p. B3), que aponta uma previsão de 2,7% para 2006 (Quadro nº. 2.1). Quadro nº. 2.1 Evolução dos indicadores financeiros em Israel nos últimos 15 anos Fonte: Elaboração do autor baseado em informações do Central Bureau of Statistics (CBS), 2006, on line -5,0% 0,0% 5,0% 10,0% 15,0% 20,0% 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 (e) Taxa de juros nominal Índice de preços ao consumidor Taxa de juros real 2,7% 5,4% Evolução dos indicadores financeiros em Israel nos últimos 15 anos Fonte: Elaboração do autor baseado em informações do Central Bureau of Statistics (CBS), 2006, on line -5,0% 0,0% 5,0% 10,0% 15,0% 20,0% 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 (e) Taxa de juros nominal Índice de preços ao consumidor Taxa de juros real 2,7% 5,4% Assim, esses números mostram que o Banco Central continua com uma política de baixo interesse para estimular o crescimento, se comparado aos índices apresentados no início da década anterior. “Quando a taxa de juros dos títulos públicos é superior ao rendimento esperado dos ativos de capital, os detentores de recursos monetários optam pela compra de títulos – e não realizam investimentos” (CARVALHO et al., 2000, p. 168). Desta maneira, as oportunidades em investimentos produtivos diminuem e intimidam a aquisição de novos ativos 13 “O Índice de Preços ao Consumidor (IPC) mede o custo da compra de uma cesta básica de bens e serviços que representa as compras dos consumidores urbanos. Ocasionalmente a cesta de bens é modificada para permanecer representativa aos padrões reais de consumo”. (DORNBUSCH & FICHER, 2002, p. 49).
  • 31. 24 produtivos. “Uma máquina somente é adquirida quando o seu rendimento esperado é superior à taxa de juros, de tal forma que a liquidez relativa seja compensada pela sua eficiência marginal do capital14 ” (Op. cit., 2000, p. 169). Ainda assim, há quem diga que uma política monetária expansionista produziria efeitos desprezíveis sobre a renda. Este modelo ficou conhecido como pessimismo das elasticidades e caracteriza a situação descrita pela Síntese Neoclássica como armadilha da liquidez, na qual todo o aumento da oferta de moeda é transformado em “fundos especulativos” ao invés de “fundos produtivos”. “Sob esta condição, somente uma política fiscal expansionista pode afetar consideravelmente a renda” (Op. cit., 2000, p. 193). De acordo com um estudo publicado pelo Ministério das Finanças, em Israel, a redução de impostos favoreceu principalmente os setores mais ricos. A contribuição dos setores que apresentam receita mais elevada, correspondentes aos 10% mais altos, sobre o total de impostos, reduziu de 73%, em 2003, para 70%, em 2004. Embora com uma política fiscal expansionista, o salário médio dos 10% mais ricos é 40 vezes superior ao salário médio dos 10% mais pobres (AURORA, 2005, p. 12). O setor agrícola em Israel caracteriza-se por um sistema de produção intensivo, que se utiliza de políticas específicas e da alta tecnologia empregada. O desenvolvimento do sistema de irrigação baseados em gotejamento de água propiciou, entre outros, a exportação do know-how e foi uma das principais ferramentas utilizadas para superar os problemas de escassez da água. Em termos gerais, o dinamismo do setor agrícola deve-se à estreita cooperação entre cientistas, assessores, produtores e agricultores que, juntos, têm articulado o estímulo ao avanço tecnológico nesta esfera. Como resultado, isto gerou uma agricultura moderna em um país cuja metade do seu território é definida pela geografia desértica. Além da sua importância como a maior fornecedora de alimentos para o mercado local, seus produtos típicos também respondem pelo abastecimento do mercado internacional. Em 2004, a agricultura israelense foi responsável por 1,4% dos US$ 117,5 bi correspondentes ao PIB do país. Neste período, aproximadamente 70.000 pessoas com renda média de US$ 2.100 ao mês estavam diretamente empregadas na 14 Este termo foi usado por Keynes no seu livro A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda para designar a taxa de rendimentos esperado de um ativo de capital.
  • 32. 25 agricultura respondendo por 2,5% do total da força de trabalho (DRORI & BRAWN, 2005, p. 6). Kibutzim e moshavim contabilizam hoje 83% da produção agrícola do país. O restante é atribuído às vilas árabes distribuídas pelas áreas rurais, que se concentram principalmente na produção de cabras e ovelhas, além de vegetais, colheita de grãos e oliva (HOJMAN & MALUL, 2005, p. 12).
  • 33. 26 2.3 O setor leiteiro: um exemplo em O&M - Organização e Métodos Figura nº. 2.3 Principais fábricas e fazendas de leite em Israel Fonte: HOJMAN & MALUL, 2004, on line Fábricas Fazendas Principais fábricas e fazendas de leite em Israel Fonte: HOJMAN & MALUL, 2004, on line Fábricas Fazendas A indústria de leite - um dos mais controlados e regulamentados mercados da economia israelense – fornece, aproximadamente, para toda a demanda doméstica por produtos lácteos de vaca, ovelha e cabra. Israel é um dos mercados que mais consomem produtos à base de leite no mundo. Mais de 1.500 tipos de queijos, iogurtes, sobremesas e bebidas lácteas são encontrados nas prateleiras dos supermercados do país tornando possível a expansão do setor. “O paladar do israelense, que se habituou a consumir produtos lácteos pelo menos duas vezes ao dia impulsionou, em 2004, a indústria leiteira a registrar US$ 407 milhões em lucro de uma receita anual de US$ 1,7 bilhão” (ZILCER, 2005, p. 9). O processamento do leite é feito nas fazendas – moshavim e kibutzim - localizadas nas montanhas, vales e desertos do país, cujo clima é caracterizado por um longo e quente verão (Figura nº. 2.3).
  • 34. 27 A indústria de leite em Israel teve início em 1927, quando uma cooperativa chamada “Tnuva” surgiu com o propósito de lidar com a produção leiteira (Op. cit., 2005, p.8). Hoje, a Tnuva, maior leiteria de Israel, processa mais de 70 milhões de litros de leite por mês e concentra quase 75% do mercado. As marcas Tara e Strauss- Yotvata, por sua vez, coletam e processam, respectivamente, 120 milhões e 115 milhões de litros de leite por ano e concentram 11% e 10% do mercado. Os 5% restantes do mercado correspondem a outras pequenas leiterias que produzem juntas mais de 40 milhões de litros de leite por ano (Figura nº. 2.4). Figura nº. 2.4 Distribuição do mercado entre as leiterias de Israel em 2004 Fonte: Elaboração do autor baseado em ZILCER, 2005, p. 8 N = 1,14 bilhões de litros de leite processados 74% 11% 6% 4% 1% 4% Tnuva Tara Strauss Yotvata Gad Outras Distribuição do mercado entre as leiterias de Israel em 2004 Fonte: Elaboração do autor baseado em ZILCER, 2005, p. 8 N = 1,14 bilhões de litros de leite processados 74% 11% 6% 4% 1% 4% 74% 11% 6% 4% 1% 4% Tnuva Tara Strauss Yotvata Gad Outras O setor de leite em Israel se configura no chamado mercado oligopolista. O oligopólio se apresenta como uma estrutura de mercado na qual apenas algumas empresas competem entre si, obstruindo ou dificultando a entrada de novas empresas.
  • 35. 28 “As economias de escala podem tornar não lucrativo o fato de que mais do que algumas poucas empresas coexistam no mercado; as patentes ou o acesso à tecnologia poderão servir para excluir potenciais concorrentes; a necessidade de despender dinheiro para poder tornar uma marca conhecida e obter reputação no mercado poderá obstruir a entrada por parte de novas empresas; e as empresas já atuantes poderão tomar medidas estratégicas para desestimular a entrada de novas concorrentes” (PINDYCK & RUBINFELD, 1994, p. 560). Nesta composição, a mercadoria comercializada pode ou não ser diferenciada15 , e o poder de monopólio16 e a lucratividade das indústrias oligopolistas dependerão da forma com que elas interagem entre si. Os preços e a produção de equilíbrio de uma empresa oligopolista, todavia, serão elaborados com base no comportamento estratégico das suas concorrentes que, ao mesmo tempo, terão as suas decisões tomadas dependendo das decisões da própria empresa. Este conceito foi explicado claramente pela primeira vez em 1951, pelo matemático John Nash e ficou conhecido como Equilíbrio de Nash17 . O conluio ou cartel18 é ilegal nos mercados israelenses19 . Mesmo assim, para que haja a condução a lucros maiores, as empresas podem cooperar entre si através de um entendimento implícito, por meio do qual todas concordem em manter os seus preços elevados. Entretanto, se uma empresa adotar uma política de preço menor que a dos seus concorrentes isto pode gerar medidas retaliatórias e batalhas de preços e o 15 A diferenciação de produtos pressupõe que “cada empresa vende uma marca ou versão de um produto que difere em termos de qualidade, aparência ou reputação, e cada empresa é a única produtora de sua própria marca” (PINDYCK & RUBINFELD, 1994, p. 551). No mercado de leite, em Israel, os consumidores vêem a marca de cada empresa como algo diferente. A diferença está praticamente no aroma, na consistência e na reputação da empresa. Consequentemente, embora um consumidor prefira uma marca à outra, não pagará um valor muito maior caso esta decida elevar demasiadamente o seu preço. 16 O monopólio é um mercado no qual existe apenas um vendedor, porém, muitos compradores. A curva de demanda deste mercado tende à infinita inelasticidade, pois relaciona o preço recebido pelo monopolista com a quantidade a ser vendida por ele. Assim, o monopolista é o mercado, tendo completo controle sobre a quantidade de produto que será colocada à venda. “É por este motivo que as leis antitrustes proíbem as empresas de monopolizar a maioria dos mercados” (Op. cit, 1994, p 423). 17 No Equilíbrio de Nash “ada empresa está fazendo o melhor que pode em função daquilo que estão fazendo as suas concorrentes”. Este importante conceito, que foi ilustrado pelo diretor Ron Howard no filme A Beautiful Mind (Uma Mente Brilhante, 2001), é um dos principais temas estudados na disciplina de Teoria dos Jogos, que difunde a sua aplicação para uma ampla variedade de problemas estratégicos. 18 “Em um cartel os produtores explicitamente concordam em cooperar, por meio de um acordo que determina preços e níveis de produção” (Op. cit, 1994, p. 593). 19 Ver Israel Antitrust Authority. Disponível em <http://www.antitrust.gov.il/Antitrust/en-US>.
  • 36. 29 conluio implícito torna-se demasiadamente frágil. Assim, “as empresas oligopolistas quase sempre apresentam uma forte tendência de manter a estabilidade, particularmente no que tange aos preços” (Op. cit., 1994, p. 585). É por este motivo que a rigidez de preços se tornou uma característica do setor de leite em Israel. Aqui, o mecanismo das forças de mercado é totalmente diferente do que poderia ocorrer no lessaiss faire, no qual uma grande oferta poderia conduzir a uma redução nos preços ou, ao contrário, uma forte demanda pudesse pressionar a sua elevação. “No setor leiteiro de Israel, os preços são artificialmente estabelecidos pelo governo e não pelo mercado” (MELLUL, 1994, on line). Desta maneira, todo produto deve obter a aprovação governamental de preços para que possa ser lançado. “A empresa é livre para vender por menos, mas não pode vender por mais” (Op. cit., 1994, on line). O país conta com organizações, como a Israel Dairy Board (IDB), que foi juntamente formada e gerenciada por representantes das fazendas leiteiras – como kibutzim e moshavim -, das leiterias e do governo de Israel para administrar a produção no setor. A IDB trata de gerar e organizar a sinergia entre as entidades ativas neste mercado a fim de orientar a busca pelo melhor negócio, programar políticas governamentais, gerar estratégias de produção, elaborar campanhas de marketing, programas de reciclagem, além de promover o consumo de leite e derivados para a expansão do mercado nacional. Outras ações, também realizadas, dizem respeito ao desenvolvimento da cooperação internacional a fim de encorajar relações comerciais entre fazendas leiteiras e indústrias do setor, em Israel e no exterior (TAMIR, 2005, p. 7). Assim, a participação da IDB é fortemente assimilada na mediação e regulamentação do mercado. Nesta estrutura, a IDB desenvolve manuais sobre alimentação animal, acasalamento, produção de leite, treinamento, programas para processamento dos derivados do leite, fornecimento de material genético, entre outros. Aliada à IDB, a Israel Cattle Breeders Association (ICBA) é a representante de todas as fazendas de gado leiteiro em Israel. Durante os últimos 80 anos, a organização tem oferecido assistência às necessidades dos seus membros e às indústrias satélites conectadas à indústria. A principal atividade da ICBA diz respeito ao gerenciamento do “Quadro Nacional do Rebanho”. Trata-se de um sistema de
  • 37. 30 informações que recebe, processa e monitora informações enviadas diretamente pelos fazendeiros, laboratórios de saúde e companhias de inseminação, a fim de garantir o controle da qualidade do leite e outros serviços nacionais de extensão. Israel possui aproximadamente 110.000 vacas em ordenha, 90% das quais registradas no Livro de Rebanho Israelense (EZRA, 2005, p. 24 e 25). Com isso, o país proporciona aos seus produtores informações multidisciplinares para o gerenciamento das decisões. A vaca israelense possui a mais alta produção média de leite e sólidos do mundo. Em 2004, kibutzim e moshavim apresentaram uma produção média de leite de 11.058 kg/vaca/ano e 10.008 kg/vaca/ano e uma produção média de proteína e gordura de 740,4 kg/vaca/ano e 662,5 kg/vaca/ano, respectivamente (HOJMAN & MALUL, 2005, p. 12). Em um setor no qual empresários, produtores e o Estado atuam em parceria, de maneira sincronizada e organizada, os subsídios e o protecionismo passam a ser condições fundamentais para o seu desenvolvimento. Métodos eficientes e interesses comunitários gerais proporcionam, assim, com que a toda a cadeia seja capaz de desenvolver uma forma de arranjo produtivo economicamente eficiente. Segundo o professor Douglass North20 : “Para que o processo social impessoal de coordenação econômica que costumamos chamar de mercado possa gerar o desenvolvimento e eficiência econômica é necessária à presença de um conjunto especial de instituições jurídicas, políticas e econômicas, as quais, (...) aliadas à tecnologia empregada, afetam os custos de transação e transformação (produção)” (NORTH, 1994, p. 05 e 13). Apesar do alto custo gerado com o frete e das limitações ocasionadas pela sensibilidade natural do produto, a intensa competição e a saturação do mercado israelense têm, por outro lado, encorajado os grandes produtores a iniciar programas de exportação para além das suas fronteiras. “Atualmente, produtos a base de leite 20 Douglass C. North dedicou sua vida pesquisando a respeito de instituições sociais e prosperidade. Do original intitulado Transaction Costs, Institutions, and Economic Performance, publicado no volume 30 da série Occasional Papers, editada pelo International Center of Economic Growth (ICEG), em 1992, foi contemplado em 1993 com o Prêmio Nobel em Economia.
  • 38. 31 são exportados para os Estados Unidos, especialmente para o consumo kosher21 ” (ZILCER, 2005, p. 8). Entretanto, nos mercados vizinhos, formados basicamente por países árabes, o potencial de consumo passa a ser reduzido em razão dos baixos salários. Já no mercado europeu, que além dos fortes incentivos fiscais, também apresenta restrições comerciais à entrada de produtos estrangeiros, a exportação termina sendo objeto de retaliação. A produção de leite em Israel é projetada sob um sistema de cotas, as quais o volume anual é dividido em cotas mensais (Tabela nº. 2.1). A regulamentação das cotas fornecidas por kibutzim e moshavim é baseada no mínimo fornecimento de leite necessário à subsistência que, em números, representa 2,3 milhões de litros de leite/ano e 300 mil litros de leite/ano, respectivamente, em 2004. Tabela nº. 2.1 Jan 8,56% 8,56% Fev 8,06% 16,62% Mar 9,28% 25,90% Abr 9,08% 34,98% Mai 9,29% 44,27% Jun 8,47% 52,74% Jul 8,32% 61,06% Ago 7,62% 68,68% Set 7,19% 75,87% Out 7,69% 83,56% Nov 7,84% 91,40% Dez 8,60% 100,00% Fonte: Elaboração do autor baseado em dados da Leiteria Yotvata Quota acumulada em 2004 Mês Estação Cota Acumulado Primavera Verão Outono Inverno A regulamentação fiscal é bem alta por parte do Estado que, além de não permitir a entrada de qualquer mercadoria à base de leite vinda do mercado internacional não concede acordos de preço entre as concorrentes. O governo também não permite a comercialização das cotas entre povoados distintos, como no caso de kibutzim e moshavim, em que o primeiro sempre estaria apto a comprar a cota do segundo, muito mais frágil financeiramente. A comercialização das cotas é geralmente feita de 21 Conceito usado dentro da comunidade judaica mundial como uma "garantia da qualidade de alimentos supervisionados por um rabino ou rabinato”.
  • 39. 32 forma integral. Quando um kibutz percebe, por exemplo, a sua incapacidade em continuar administrando o seu rebanho, torna-se apto a vender as suas cotas. A reforma ambiental feita pelo Ministério do Meio-Ambiente, por exemplo, obrigou as fazendas a adotar uma nova rede de tratamento de esgoto contra a ação nociva aos lençóis freáticos. Com isso, a lei forçou o “afunilamento” dos produtores, que passam agora a juntar os seus rebanhos em razão dos expressivos investimentos a serem realizados. Mesmo com a concessão de 40% de financiamento por parte do próprio Ministério, o resultado desta política apresentou um considerável decréscimo no número de fazendas produtoras de leite ao longo dos últimos anos (Quadro nº. 2.2). Quadro nº. 2.2 Número de fazendas fornecedoras de leite e cota média anual por fazenda Númerodefazendas Cotamédiaanualporfazenda Número de fazendas Cota Média por fazenda (mil litros) Fonte: Elaboração do autor baseado em informações do IDB, 2005, p. 12 1445 1407 1321 1250 1178 1133 1083 778 799 863 960 993 1015 1059 0 O “preço base” do leite pago ao produtor reflete uma quantidade mínima de sólidos (proteína e gordura) existentes na matéria-prima e é originado a partir de um acordo entre governo, produtores e indústrias de leite. Sua formação resume o custo médio de produção, mais um retorno acordado para o trabalho dos produtores e do 200 400 800 1000 1200 1400 1600 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 0 200 400 600 800 1000 1200 600 Número de fazendas fornecedoras de leite e cota média anual por fazenda Númerodefazendas Cotamédiaanualporfazenda Número de fazendas Cota Média por fazenda (mil litros) Fonte: Elaboração do autor baseado em informações do IDB, 2005, p. 12 1445 1407 1321 1250 1178 1133 1083 778 799 863 960 993 1015 1059 0 400 800 1000 1200 1400 1600 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 0 200 400 600 800 1000 1200 600 200
  • 40. 33 capital investido. (Tabela nº. 2.2). O custo médio de produção é estabelecido através de uma pesquisa realizada a cada dois anos pelo país, que analisa e elabora detalhadamente os custos e o preço pago às fazendas produtoras de leite. Tabela nº. 2.2 Custos (2000) US$/litro % do total Ração 0,186 50,8% Mão-de-obra 0,086 23,6% Manutenção 0,022 5,9% Outros custos 0,058 15,9% Custos de capital 0,037 10,2% Rendas oriundas da venda de bezerros -0,027 -7,4% Outras rendas -0,014 -3,8% Preço do leite no portão da fazenda 0,349 95,4% Entrega e impostos cobrados pela IDB 0,017 4,6% Preço do leite no portão da fábrica 0,366 100,0% Fonte: ICBA, 2006, on line Composição do preço do leite em Israel em 2000 A qualidade do leite é um assunto para ampla oportunidade de negócio, pois levam em consideração as propriedades dos principais componentes do leite, tais como a composição química, teste de sabor, a possível presença de substancias estranhas, ação de microorganismos patogênicos, condições sanitárias no lugar de sua produção, tratamento higiênico e processo entre produção e consumo. O princípio fundamental do pagamento por qualidade é de que o melhor leite deve ter um preço maior do que o leite de menor qualidade. Esta diferença deve ser considerada como um prêmio dado ao leite de alta qualidade ou como uma dedução do preço do leite de baixa qualidade. Contudo, esta separação acontece por duas razões: pagar aos produtores uma soma justa para o leite que eles fornecem e para dar-lhes orientação sobre o tipo de leite considerado desejável. Assim, além do bom leite apresentar preço mais elevado e mais baixo custo do que o leite de pior qualidade, ainda influencia os métodos e tendências de produção, estimula seu aperfeiçoamento, sua manutenção, higiene e composição de qualidade. Desta maneira, o pagamento por qualidade tem ambos os efeitos, econômicos e psicológicos. Ele deve refletir o valor de mercado do leite ou dos produtos derivados de diferente qualidade, bem como influenciar o produtor para adaptar os métodos para o tipo e padrão higiênico que lhe dará o melhor rendimento na rede. Contudo,
  • 41. 34 existe um limite para a quantidade extra que deve ser pago ao leite de alta qualidade ao de média qualidade que pode, por exemplo, ser determinado pela abundância de fornecimento ou o estado da economia do mercado. Trata-se, no entanto, de um de círculo vicioso. Se não existe demanda de mercado para o leite de alta qualidade, este não será produzido e então não haverá possibilidade de aumentar a qualidade do leite produzido visto a geração de custos mais elevados. O aspecto psicológico do pagamento por qualidade consiste na mais proveitosa linha de trabalho que o produtor de Israel vem seguindo e que não reflete na rentabilidade. Por exemplo, o fato de que o pagamento tenha sido fixado de acordo com a gordura contida na matéria-prima pode causar a iniciativa para o aumento na proporção de gordura no leite produzido, ainda que no cálculo final seja demonstrado que o pagamento adicional tenha sido insuficiente para, no mínimo, cobrir os custos de produção investidos para aumentar a quantidade de gordura no leite. Incentivos financeiros também são auferidos para encorajar os produtores de leite a aumentar sua produção mensal. A fim de regularizar o fornecimento do leite à indústria durante o ano, principalmente nos meses de verão, quando há aumento da demanda e escassez da produção, as fábricas geram empréstimos aos produtores para tentar evitar o alto custo para estocá-lo na forma pulverizada e, assim, encarecer a produção. “O excesso do leite produzido no inverno é convertido em leite-em-pó e manteiga. Em 2004, 7.300 toneladas de leite-em-pó foram produzidas em Israel” (ZILCER, 2005, p. 8). Com isso surge um novo problema que diz respeito à importação de leite-em-pó do mercado internacional, onde o custo do mesmo insumo é encontrado a preços muito mais atraentes. Na Nova Zelândia, por exemplo, o governo oferece subsídios que garantem metade do preço da matéria-prima se comparada àquela encontrada em Israel. Como resultado, uma medida que ameaça tanto a redução da cota para o produtor, como também a diminuição do preço pago pelo fornecimento do leite.
  • 42. 35 CAPÍTULO 3 – YOTVATA 3.1 A contraposição nos novos tempos Em dezembro de 1957, os habitantes do Nahal, Ein Radian, mudaram seu nome para o então Kibutz Yotvata. O nome Yotvata (em português: Jotbatá) é encontrado na Bíblia, em Deuteronômio, capítulo 10, versículo 7º, como sendo o nome de um caminho por onde passava um córrego de águas, usada pelas crianças de Israel na travessia entre o Egito e a terra de Canaã. Seus fundadores se assentaram, em 1957, e receberam a responsabilidade e o desafio de levantar um estabelecimento agrícola no coração do deserto, 42 km ao Norte da cidade de Eilat, ao sul de Israel (YOTVATA, 2004, on line). O maior de todos os kibutzim do Aravá22 , Yotvata possui a maior comunidade da região. A população flutuante é de aproximadamente 500 pessoas, sendo que 265 são membros da sociedade e, na sua maioria, chefes de família. Por ser o maior, concentra muitos serviços que são compartilhados com as outras comunidades regionais, tais como escola e posto-médico. Serviços como refeitório, lavanderia, piscina e diversas outras atividades também são oferecidos para seus membros, que se dividem na realização das tarefas, Entre elas, destacam-se, a marcenaria, agricultura, jardinagem, cozinha, além da pecuária leiteira e da própria fábrica de laticínios (Figura nº. 3.1). Diferente de muitos outros kibutzim, que hoje em dia enfrentam diversas mudanças ideológicas, Yotvata, após cinqüenta anos de vida, ainda não sentiu a necessidade de se desfazer da estrutura que o originou. Uma das grandes razões para esta estabilidade é a sua participação no oligopólio setorial de leite, que lhe garante autonomia econômica no país. Entretanto, é indubitável o fato desta eficiência empresarial dentro de Yotvata ser a pré-condição básica para eficácia social e existência da sua comunidade. 22 Faixa desértica que se estende por toda a fronteira entre Israel e Jordânia.
  • 43. 36 Figura nº. 3.1 Área escolar Área residencial refeitório administração posto médico cafeteria e restaurante Fábrica de embalagens Cultivo de manga, tâmara e demais hortifrutigranjeiros Jordânia fronteira Sede regional Em razão da sua localização, no extremo sul do país, o kibutz Yotvata enfrenta problemas bem diferentes dos que ocorrem nas outras comunidades. Atualmente, o kibutz busca novas fontes de trabalho que geram ocupação para seus membros e incentivam o desenvolvimento de novas atividades. Com isso, seu objetivo é possibilitar maior autonomia frente à leiteria, que hoje contribui com Rodovia do Arava Eilat Tel Aviv ginásio de esportes portaria campo de futebol estábulo das vacas ordenhadeiras depósito da ração ferraria leiteria oficinas refrigerador mini-mercado lavanderia Vista aérea do Kibutz Yotvata em 2005 Fonte: Elaboração do autor, baseado em imagens de Chalav Acher (Outro Leite), 2005, capa. Área escolar Área residencial refeitório administração posto médico cafeteria e restaurante Fábrica de embalagens Cultivo de manga, tâmara e demais hortifrutigranjeiros Jordânia fronteira Sede regional Rodovia do Arava Eilat Tel Aviv ginásio de esportes portaria campo de futebol estábulo das vacas ordenhadeiras depósito da ração ferraria leiteria oficinas refrigerador mini-mercado lavanderia Vista aérea do Kibutz Yotvata em 2005 Fonte: Elaboração do autor, baseado em imagens de Chalav Acher (Outro Leite), 2005, capa.
  • 44. 37 aproximadamente 75% da receita da comunidade. A idéia é fazer com que os 250- 300 milhões de shékels23 (US$ 56-67 milhões) providos pela fábrica representem não mais do que 50% da receita total do kibutz, ou seja, tentar aumentar em aproximadamente 25% os índices atuais da receita gerada pelas outras atividades. Através do envolvimento em novos mercados, o kibutz deveria encontrar meios de gerar 250 milhões de shékels (US$ 56 milhões) adicionais, para não ficar à mercê de eventuais ameaças ou crises no setor, que podem reverter em complicações à leiteria. Não se trata apenas de trazer novos meios de produção. A dificuldade está em encontrar atividades de maior valor agregado que acondicionem margens de lucro superiores as de 20% oferecidas atualmente pela leiteria. Algumas idéias já existem e são constantemente discutidas na Assembléia Geral do kibutz, onde cada membro é livre para debater o seu próprio ponto de vista. Uma delas é a criação de uma transportadora de bebidas que substitua as empresas que atualmente transportam os produtos da leiteria aos principais centros comerciais do país. Para isso, porém, ao menos uma dezena de membros deveria estar disposta a guiar a frota de caminhões24 . Mas, em razão da falta de interesse por este tipo de trabalho a idéia acaba sendo abandonada e a oportunidade desaparece. O empecilho encontrado pela comunidade para dar início a novos estudos de viabilidade econômica e financeira está na falta de iniciativa e visão de negócios dos dirigentes. Além do risco de fracasso inerente a qualquer novo negócio, a existência de uma comunidade para ser defendida, criada e alimentada fez com que as decisões passassem a ficar cada vez mais complexas. Em contrapartida, de tanto buscar e querer estar seguros de seu êxito, a comunidade se arrisca a ficar cada vez mais vulnerável às crises e ameaças existentes. Para o Sr. Haytman, a atual transição ideológica pela qual passa a comunidade, baseada na exploração do homem pelo homem, é a principal responsável pela estagnação econômica existente. 23 Moeda corrente de Israel. Símbolo: ₪. Em 2005, US$ 1 : ₪ 4,4820 (CBS, 2006, on line) 24 Neste ponto vale lembrar que, em Israel, diferente do Brasil, poucos são os casos em que os caminhoneiros têm mais do que 50 anos. Aos 55 anos, os caminhoneiros se aposentam, e por lei, eles são proibidos de dirigir.
  • 45. 38 “Seria uma maneira de oferecer aos membros uma forma de vida boa e decente. Antigamente, havia ao menos seis ou sete membros que a todo tempo trabalhavam nos caminhões. Hoje em dia não há mais. Se disser a um jovem que será preciso viajar, ele simplesmente não aceita porque às 16h quer estar com os seus filhos. Trata-se de uma mudança ideológica. Há dez anos, em Yotvata, se dissesse que na leiteria haveria obreiros assalariados, diriam que está louco. Naquele período não havia obreiros assalariados. Hoje em dia, trabalham 60 membros e mais ou menos 70 assalariados. Isso é uma mudança de ideologia. O kibutz, hoje em dia, fala em duas vozes. Por um lado fala-se em fraternidade, de economia solidária. Por outro, exploramos pessoas. O que simplesmente estamos fazendo é tapando-nos a vista e falando sem perceber o que temos à nossa frente. Paga-se aos assalariados e tudo fica resolvido. Passa-se a viver como um capitalista, ou de qualquer outra forma, que não aquela que havíamos escolhido (HAYTMAN, 2004)”. A principal categoria do sistema marxiano, a mais-valia, oferece a chave para se compreender toda a produção capitalista. Marx analisou com rigor histórico o processo que deu origem a este modo de produção e buscou as premissas que desvendavam o segredo da sua acumulação. Para ele, a assim chamada acumulação primitiva é, principalmente, a dissociação entre produtor e seus meios de produção. Para Marx, o único valor que realmente se cria no processo de produção é o valor acrescentado pela nova quantidade de trabalho. Este valor se divide em trabalho necessário, que reproduz o valor do trabalho, e em mais-trabalho, que excede o trabalho necessário e cria a mais-valia. Na análise marxiana, o segredo do excedente capitalista se esconde na jornada de trabalho: despojados dos meios de produção, o trabalhador assalariado é obrigado a trabalhar mais do que o tempo necessário para produzir seu sustento. Para viver, precisa entregar uma parte de seu tempo de vida ao capital. Só assim o capital pode valorizar-se, criar mais-valia. O que, do ponto de vista do capital, é mais-valia, do ponto de vista do trabalhador é mais-trabalho, que supera a necessidade de manter sua vida. Assim, há dois métodos fundamentais para aumentar o mais-trabalho. O primeiro chamado de mais-trabalho absoluto é o prolongamento da duração do processo laboral, ou jornada de trabalho. O outro chamado de mais-trabalho relativo – sendo fixa a duração da jornada – é o aumento da produtividade, ou a intensificação do rendimento do trabalho, por meio do desenvolvimento tecnológico. Para o autor, os desdobramentos na grande indústria em relação à agricultura atuam na direção de revolucionar as relações de produção do
  • 46. 39 campo e patrocinar a mudança do camponês pelas relações de trabalho baseadas na mão-de-obra assalariada. As necessidades de mudança social e as antíteses do campo são, assim, igualadas às da cidade. No lugar da produção rotineira surge a aplicação consciente da ciência e da tecnologia. A mais-valia cria, ao mesmo tempo, as condições objetivas de uma síntese nova, mais desenvolvida, da união entre agricultura (meio rural) e grande indústria (meio urbano). É um processo rico em contradições. E junto com o progresso vem a anarquia da produção colocando para o homem novos contra-sensos a serem superados. (MARX25 , 1985, seções III e IV). O kibutz mudou muito desde a época em que cada “membro” levantava cedo para ir trabalhar e se dirigia ao local para o qual havia sido escalado. Naquela época, em que o kibutz precisava de sua força, cada membro tinha que cumprir com a tarefa estabelecida. O trabalho era uma meta por si só. Não importava o tipo de atividade realizada, mas apenas que esta gerasse ganhos para possibilitar maior satisfação às suas vidas. Hoje em dia, os membros querem decidir onde e com que trabalhar. O trabalho tornou-se uma ferramenta, com a qual é determinado o nível de vida sócio- econômico. Alguns deles, nem mesmo se esforçam em suas tarefas, ignoram a importância de sua atividade e acomodam-se no trabalho dos demais. Compreensível ou não, é incontestável o fato de que as relações humanas mudaram com o tempo. “Na era do hipercapitalismo, as pessoas não apenas têm a impressão de que as possibilidades de encontrar a satisfação na vida são infinitas, como também são encorajadas a ser uma espécie de inventoras de si mesmas (...) nessa sociedade altamente individualizada, que prioriza as liberdades individuais sobre as causas de um grupo, o indivíduo enfrenta um ansioso e provocante dilema: ‘Quem eu sou para mim mesmo? ’” (SALECL, 2005, p. 11). Outro problema observado refere-se à geração mais idosa que, ao sair da sua vida economicamente ativa, não recebe novas tarefas para desenvolver. À medida que esta geração não tem trabalho, aumentam os gastos com saúde e manutenção. Além dos problemas naturais da velhice, os idosos passam a se sentir mal por não encontrar o 25 Traduzido MARX, Karl. Das Kapital – Kritik der politischen Okonomie. Ester Band. In: Karl Marx – Friederich Engels Werke (MEW). Band. 23. Dietz Verlag, Berlim, 1977. De acordo com a 4.ª edição revisada e editada por Friederich Engels. Hamburgo, 1890.
  • 47. 40 que fazer. Assim, faz-se necessário ao movimento kibutziano encontrar e construir uma maneira de suprir as necessidades das pessoas que querem trabalhar e interagir. Averiguam-se, ainda, problemas de cunho social que embora aparentemente menos importantes, não deixam de ser menos evidentes. A cobiça de alguns membros que não ocupam posições de destaque é um destes casos. A leiteria, por exemplo, que eventualmente oferece benefícios-extras aos seus trabalhadores - como viagens de férias, a fim de comemorar os bons resultados alcançados – gerou conturbações dentro da comunidade. Alguns acreditavam que o melhor a fazer era partilhar o prêmio entre todos da comunidade, ao invés de garantir benefícios para os membros que trabalham na leiteria. Todavia, como a leiteria se converteu numa empresa capitalista, nada se pôde fazer para influenciar nestas decisões. A distinção salarial por critérios de responsabilidade é outro objeto de discórdia que vem sendo abafada pela maioria, que vota pelos métodos originais do “coletivismo”, permanentemente mantidos. Contudo, ao tratar a questão do ponto de vista econômico, nota-se que os riscos podem ser ainda maiores. Assim, uma crise no setor de lácteos, por exemplo, poderia aniquilar com a existência do espírito comunitário. A dependência econômica apoiada na leiteria traz um risco permanente para a vida do kibutz. Além do mercado alimentício ser pouco rentável, não atinge os percentuais de ganhos dos mais altos, quando comparado a setores da tecnologia da informação (TI) ou de eletro- eletrônicos. O ramo também é totalmente dependente da matéria-prima fresca. Ainda que com a existência do leite-em-pó, que poderia substituir esta necessidade, a produção do chamado “leite puro para consumo” deve ser obrigatoriamente feito com o leite fresco tirado da vaca. Este fato faz com que o mercado fique ainda mais vulnerável às crises no setor. Assim, uma infecção de febre aftosa sobre o rebanho - como as ocorridas em muitos países da América do Sul, dentre eles Brasil, Uruguai, Paraguai, Peru, Chile, Venezuela e Equador - obrigaria o sacrifício de todo o gado e consequentemente, a falência da fábrica de leite. Se, por outro lado, houvesse outro centro de produção, esta crise, na pior das hipóteses, poderia ser equilibrada pelos adventos deste outro centro produtivo e a comunidade não permaneceria à mercê da leiteria. Seria menos danoso. Entretanto, havendo apenas um centro produtivo que
  • 48. 41 gera 75% de receita do kibutz, como existe hoje, o risco de desestruturação torna-se realmente grande. Estrategicamente, a união da leiteria de Yotvata com a empresa Strauss, em 1998, não deixou de apresentar seus perigos à comunidade, já que esta nova empresa passou a contabilizar 51% dos ativos da leiteria, na posição de sócia majoritária. A decisão da Strauss em ter-se tornado uma companhia de capital aberto permanece à deriva de qualquer ação especulativa, fazendo com que suas negociações afetem nas atividades da leiteria. No momento da união, muitos membros não aceitaram a relação de trabalho que passaria a prevalecer na leiteria e apenas alguns poucos permaneceram nesta atividade. Com isso, gerou-se oportunidade para a entrada da mão-de-obra assalariada de fora do kibutz às atividades da leiteria. Como conseqüência houve a migração dos salários, que seriam destinados à repartição da comunidade, para a mão dos assalariados. Figura nº. 3.2 Densidade populacional do Estado de Israel em 2005 Fonte: CENTRAL BUREAU OF STATISTICS, 2006, on line Densidade populacional do Estado de Israel em 2005 Fonte: CENTRAL BUREAU OF STATISTICS, 2006, on line Densidade populacional do Estado de Israel em 2005 Fonte: CENTRAL BUREAU OF STATISTICS, 2006, on line Também já não há argumentos econômicos ou financeiros que defendam a permanência física da leiteria no extremo sul do país, senão o de uma planta industrial já montada e a pouca mão-de- obra especializada que existe. Atualmente, a leiteria está localizada no próprio kibutz Yotvata, longe dos principais centros de distribuição, tais como Tel Aviv, Haifa e Beer Sheva, concentrados na porção norte do país (Figura nº. 3.2). O alto custo com transporte, associado à crescente mão-de- obra trazida de fora, poderia servir de argumento para a Strauss decidir transportar a fábrica para outra localidade ocasionando, assim, novas dificuldades para a comunidade do kibutz.
  • 49. 42 Porém, o maior perigo ao qual Yotvata está sujeito é o de que os membros não queiram seguir compartilhando os ideais. Se isto ocorrer, todas as necessidades primárias e os benefícios comuns, tais quais educação, saúde, refeitório, lavanderia, sistemas de saneamento e eletricidade, cederiam espaço a uma nova dinâmica de vida, diferente daquela que o originou. 3.2 A leiteria e o seu funcionamento. A leiteria de Yotvata foi fundada em 1962 com o objetivo de processar o leite do próprio rebanho às necessidades de Eilat, a cidade mais próxima da região. A sua criação colocou por terra errôneas teorias de que naquele lugar, no meio do deserto, os rebanhos de leite não seriam praticáveis. Assim, tanto a sua idealização, como o funcionamento do seu projeto tornaram-se realidade. Acreditou-se, desde o início, que mesmo com o árduo calor e a água salina do deserto seria possível cultivar produtos para a alimentação do gado e estabelecer um rebanho capacitado. Nos anos seguintes, a leiteria passou a produzir entre 500-800 mil litros de leite por ano e a linha de produção foi limitada ao leite, aos iogurtes e aos cremes de leite. A fábrica foi inteiramente colocada em funcionamento por quatro membros, dando- lhe, então, uma atmosfera familiar. A partir de 1979, a leiteria de Yotvata expandiu seu mercado para o norte, na cidade de Beer Sheva, e hoje seus produtos são encontrados por todo o país. A variedade dos produtos cresceu com a inclusão do seu famoso leite achocolatado, o choco Yotvata, bem como dos danones, iogurtes com frutas, pudins, flans, além dos queijos brancos. A mudança administrativa ocorrida, após a fusão com a Strauss, permitiu com que a leiteria desse um grande salto qualitativo no ano 2000. Além da instalação de novos recursos da tecnologia da informação e comunicação (TIC), que garantiu o aumento de 20% nos ativos da empresa, a marca ganhou reconhecimento nacional que, senão maior, passou a ser ao menos igual ao da própria Strauss, ou até mesmo da sua sócia, a multinacional Danone. A leiteria, deste modo, se tornou referência em consumo de leite em todo o país. O efeito da mudança refletiu também sobre a linha de produtos, que a partir de então foi dividida. As linhas de iogurtes, flans e danones
  • 50. 43 passariam a ser integralmente produzidas pela Strauss, e a linha de bebidas lácteas ficaria sob responsabilidade de Yotvata. Quanto ao processamento do leite, o de Yotvata é considerado o mais avançado quando comparado a outras empresas do setor, tanto em Israel, como no ranking internacional. Além de vida útil bem acima da normal, seus produtos apresentam todas as conformidades solicitadas pelos padrões internacionais, tais quais adequados controles de frescor e qualidade, de acordo com os padrões ISO 9002 e ISO 14001. No início de 2002, foi decidido pela então leiteria Strauss-Yotvata o desenvolvimento de produtos que também atendessem às necessidades dos religiosos, os produtos kosher. Ainda que com alto potencial para demanda, o público religioso não podia ser atendido. Por esta razão foi adquirida uma nova planta industrial, chamada Aviv, que com a aprovação do rabinato passou a produzir para este novo nicho. Atualmente, a leiteria Aviv produz uma variedade de 12 produtos. Como estratégia para maximizar os lucros, a leiteria incrementa o volume das suas vendas e tenta gerar e agregar maior valor aos seus produtos. Segundo Dubby Goldman, diretor de produção da fábrica, “o grande enigma da leiteria de Yotvata é de como manter suas altas taxas de crescimento, conforme vinha praticado entre os anos de 1998 e 2004, quando obteve 110% de crescimento”. Atualmente, seu faturamento é da ordem de 300 milhões de shékels (US$ 67 milhões). A fábrica conta com 120 funcionários, dos quais aproximadamente 50% são assalariados e não residentes do kibutz. Anualmente são recebidos 40 milhões de litros de leite como matéria-prima e produzidos 60 milhões de litros em bebidas a base de leite para consumo. A distribuição de lucro da leiteria é dividida entre Yotvata e sua sócia majoritária, a companhia Strauss, de maneira que uma parte é direcionada à re- capitalização, ou investimentos em ativos, enquanto a outra é destinada à receita do kibutz e, posteriormente, dividida entre os seus membros. Toda a regulamentação e transparência entre os agentes do processo de produção são vitais para o funcionamento e credibilidade do setor. O incentivo fiscal gerado a produtores e fabricantes e o próprio relacionamento entre ambos são as peças fundamentais para o progresso do sistema.
  • 51. 44 Em Yotvata, o processo de compra, produção e distribuição dos produtos lácteos atravessam diversas fases da cadeia produtiva, como segue: alimentação e vacinação dos rebanhos, sistema de ordenha, transporte e fornecimento do leite para a leiteria, controle de qualidade, recepção do leite, tratamento, preparação dos produtos, empacotamento da produção e distribuição dos produtos finais para os principais centros de distribuição. Hoje, o rebanho do kibutz Yotvata é considerado grande para os padrões israelenses. Conta com 590 vacas em ordenha da raça holando-israelense, que é uma variação da holando-americana, porém adaptada para o clima desértico. Em 2003, a equipe de trabalhadores recebeu o prestigioso prêmio "Kaplan", em razão dos eficientes métodos de trabalho utilizados, bem como pela qualidade da ração dada às vacas, que leva em conta as difíceis condições climáticas do Arava. Metade do orçamento destinado ao rebanho das vacas é gasto em alimentação. Por isso, a maneira como a ração é administrada reflete diretamente à qualidade, bem como os percentuais de gordura e proteína do leite produzido. A receita do rebanho é oriunda da venda do leite à leiteria, da venda dos bezerros - que não são domesticados - e das vacas velhas vendida ao abate. A dieta alimentar do rebanho é elaborada pelo Sr. Zeev, membro do kibutz e um dos mais respeitados agrônomos de Israel. Seu objetivo é a maximizar a produção do leite com a realização do menor investimento necessário (Figura nº. 3.3). “A regra de que o lucro é maximizado quando a receita marginal for igual ao custo marginal é válida para todas as empresas, sejam competitivas ou não” (PINDYCK & RUBINFELD, 1994, p. 320). Figura nº. 3.3 Uma empresa escolhe o nível de produção q*, de tal forma que o lucro, correspondente à diferença AB entre a receita R e o custo C, é maximizado. Neste nível de produção, a receita marginal (isto é, a inclinação da curva da receita) é igual ao custo marginal (isto é, a inclinação da curva de custo) (Op. cit., 1994, p. 321). Nível de Produção (unidades por período) Custo,Receita,Lucros ($porperíodo) q*q0 L (q) R (q) C (q) A B • • Maximização de lucros a curto prazo Fonte: Elaboração do autor baseado em PINDYCK & RUBINFELD, 1994, p. 321 Nível de Produção (unidades por período) Custo,Receita,Lucros ($porperíodo) q*q0 L (q) R (q) C (q) A B • • Maximização de lucros a curto prazo Fonte: Elaboração do autor baseado em PINDYCK & RUBINFELD, 1994, p. 321