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Grafite: Expressões da cidade

Grafite. Intervenção da arte urbana que já faz parte dos corriqueiros cenários cotidianos.
Grafite, segundo os dicionários, usado para fazer lápis. Traz consigo a designação do
traço, do esboço e, por último, dos retratos. Ela denuncia, participa, faz vibrar em cores
reais e imaginárias as paisagens que integram os contextos da vida urbana de um local.
Esta manifestação, essencialmente expressa por quem enxerga também com o olhar da
arte visual, os artistas de rua, que, exercendo seus talentos de forma independente
interagem e despertam as reflexões dos transeuntes e os convidam para debates
anônimos na tentativa que cabe a toda forma de arte: a de provocar idéias, percepções e
traduzi-las em mudanças de pensamento e atitudes. Podem, sim, ser considerados
moradores atentos e tocados pela arte que se mostra nos panoramas espalhados por toda
cidade, tão sensíveis a ponto de transformá-la em retratos.
As mensagens são convites a momentos de abandono dos papéis sociais intocáveis e
indiscutíveis, aos comportamentos estigmatizados e engessantes, na tentativa de tocá-los
ou às vezes até feri-los para que se ampliem para novas compreensões, diálogos.
Sem fugas, cheios de auto-retratos e espelhos que refletem os cotidianos com toda sua
diversidade, estes pintores de rua são capazes de apreender em paredes e muros muito
da identidade dos nossos espaços sócio-culturais e das características marcantes dos
cenários urbanos da qual somos responsáveis.
É na rua e, propositalmente, nas vias que dão acesso ao passante ou próximo às placas
de sinalização e de condução que as mensagens se organizam. Ali, também buscam suas
formas de representação, imprimindo os auto-retratos que voltam os olhos da cidade
para si mesma.
Ao denunciar seus preconceitos e rótulos, mas, simultaneamente privilegiando os
atributos da arte local, tais como os seus regionalismos e a linguagem ou até mesmo
seus neologismos, o grafite reúne e reconstrói aspectos da identidade cultural que os
espaços, em especial, as cidades afloram e fazem imergir. De maneira simbólica e
representativa, os pintores de rua manifestam unidades e conceitos de nossas próprias
linguagens sociais e antropológicas sejam elas múltiplas ou atemporais.
Podemos enxergar nas representações pictórias, aparentemente ingênuas, as caricaturas
dos nossos próprios comportamentos sociais e estereótipos mais marcantes onde o
discurso, a excentricidade das cores e das letras de formas sinuosas são apenas algumas
das peças que compõe a linguagem dos artistas de rua. Comumente vindos dos bairros
suburbanos da cidade, “os pintores-opinião” através da arte pintada nos muros
demonstram a busca por participação social, sendo a integração à sociedade vinda
através dos dizeres e modos de falar das periferias fixadas atentamente, formando os
“murais urbanos”, com suas diversas formas de expressão, suas músicas, letras, falácias,
protestos e opiniões.
Por conta deste estreitamento é que a arte-Grafite como intervenção urbana é capaz de
integrar diferentes contextos e formas de convivência entre diferentes indivíduos.
Ao interferir, ampliar e explorar questões que envolvem diretamente a noção psico-
social dos espaços urbanos em toda sua “multi-realidade” é que ele expõe desta forma,
todo o caráter essencialmente comunicativo e simbólico dos espaços urbanos.

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