SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 23
Baixar para ler offline
Joao Pacheco de Oliveira Filho




                                                                                                    "0 Nosso Governo"
                       Dados de      Calatoga~iio   n8   PubllcB~jQ   (CIP) lntarnaclonsl           Os Ticuna e   0   Regime Tutelar
                                    (C~mara   Brasll.r," do Llvro, SP, ernUJ




                    052n      Oli~~i~;S~~l:~~e;~~~ ~a~~e~~c~:; C 0         regime tutelar!
                              Joao Pacheco de Oliveira Flthp. -- Sao Paulo; Marco
                              Zero; [Brasilia, DF) : MCT/CNPq. 1988.

                                   Bibliografia.
                                   ISBN 85-279-0080-1




                                                                               CDD-9S0.)
                    88-212)                                                      -980.5

                                       Indices para callilogo slslemtihco.
                              l.   Indices: Brasil: AciD protecioniata do Estade 980.5
                              2.   tndios ; Brasil: PoLitico governamental 980.5
                              3.   tndios : Brasil; Tutela governament.l 980.5
                              4.   Tucunas : Indios: tl:tirica do Sui 980.3




      Editores: Maria Jose Silveira, Felipe Jose Lindoso, Marcio Souza
             Revisor responsaveL: Adalberto de Oliveira Couto


  Capa de Jorge CassoL com desenho de Pedro lnacio Pinheiro, NgematUcu,
 Capitao-GeraL dos Ticuna. Mostra 0 demonio Ucae sendo vencido por Yoi ao
   atacar 0 Lugar de reclusao de uma mOfa nova, na casa de Ngutapa. A cena
remonta aos tempo dos Maguta, onde todos os homens eram imortais, e ocorre
   no territorio sagrado do Ewaie, nas cabeceiras do 19arapi Sao Jeronimo.


                 Copyright by © J030 Pacheco de Oliveira F2
Direitos para publica~ao adquiridos pela Editora Marco Zero, R. Inacio Pereira                             Editora Marco Zero
    da Rocha, 273, CEP. 05432, Sao Paulo, SP, Telefone: (Oil) 815-0093.                                    em co-edi~io com 0
                                                                                             MCT·CNPq    Conselho Naclonal de Desenvolvimento
                                     ISBN 85-279-0080-7                                                 Cientffico e Tecnol6gico




2
Sumario




                                                                              Apresenta~ao      9


                                                                              Capitulo 1: Os Obstaculos ao Estudo do Contato
                                                                                  Introdm;;ao 24
                                                                                  A naturalizacao da sociedade 26
                                                                                  A soluCao dualista 29
                                                                                  o esquema das tres realidades culturais 32
                                                                                  Algumas contribuicOes para a analise do contato 36
                                                                                  Urn novo enquadrainento do social 37
                                                                                  Algumas teorias sobre 0 contato interetnico 43
                                                                                     a) a nocao de "situacao colonial" 43
                                                                                     b) a teoria da friccao interetnica 44
                                                                                     c) a m>cao de "encapsuIamento" e seus desdobramentos 49
                                                                                  Para uma analise de situacao 54

                                                                              Capitulo 2: A Situa~ao de Seringal
                                                                                  Introducao 60
    o Autor                                                                       Hist6rico politico-administrativo e apropriacao fundiaria 62
                                                                                  Os antigos patroes 70
    Joao Pacheco de Oliveira Filho e antrop6logo, Professor Adjunto de            A especificidade da empresa seringalista na regiao 77
Etnologia d.o Programa de, Pos-Graduacao em Antropologia Social do                A situacao historica de seringal 83
Museu NaclOnai (UFRJ). E autor de vanos artigos sobre etnohistoria e              Duas agencias de contato 86
poli~ica .indigenist~. Organizou a coletanea Sociedad~s Indigenas e
Indzgenzsmo, pubhcada pela Marco Zero em 1987. E presidente do                Capitulo 3: Elementos de Organiza~ao Social
Maguta: Centro de Documentaf;oo e Pesquisa do Alto SolimOes, entidade             Introducao: 0 mito de origem do povo Maguta 88
que reline indios e pesquisadores em atividades de preservacao da cultura e       Mito e historia 105
dos direitos indigenas atuais.                                                    Lendo, no mito, a organizacao social 107
                                                                                  Distribuicao espacial das naf;oes 112

4                                                                                                                                                5
A importfulcia das na,oes 116                             Capitulo 9: 0 Regime Tutelar
    Os paptis de comando 118                                      Introdu~ao 236
    A destrui~l1o das malocas 122                                 A domina~o colonial em estruturas acefalas 237
    o tuxawa 125                                                  Breve hist6rico dos capitiies de Umariacu 239
    o poder do seringalista 130                                   A 16gica de sucessao ao cargo de capitiio 249
                                                                  o controle e a coopera~o cotidiana dos indios na reserva 256
Capitulo 4: 0 Reencantamento do Cotidiano
    Introducl1o 137                                           Capitulo 10: A Dimensao Oculta da Tutela
    Os crimes basicos 141                                         Introducao: os limites do dualismo 263
    As puniCOes coletivas 144                                     A pluralidade de referenciais 265
    o exfiio de Yoi 145                                           o "nosso govemo" (toru aegacu ) 267
    A deteriora~o dos costumes 150                                o lado <:>culto da tutela 274
  . As visOes de Ngorane 153                                      Yoi eo "nosso govemo" 276
    Quempode mostrar a salvacao? 154                              o desencantamento do mundo e a retomada da queda 279
Capitulo 5: A Forma~ao do Campo Indigenista                   Bibliografia
    Introducl1o 161                                               1. Sobre os Ticuna e 0 Alto Solimoes 281
    Os conflitos cqm regionais 165                                2. Documentos consultados·295
    o florescimentodo PIT 167                                     3. Fontes estatisticas 298
    A politica de recuoS e compromissos 171                       4. Diciomirios 299
    o encadeamento 16gico das acOes 172                           5. Outros textos mencionados 299
                                                                  6. Referencias te6ricas 302
Capitulo 6: A Representa~ao Sobre Manuelao
    A epopeia do indigenismo 176                              Rela~ao   de Quadros Constantes no Trabalho 314
    o tradicional eo novo 180
    Manueliio eo "govemo dos indios" 183                      Rela~ao   de Mapas Constantes no Trabalho 314
    A mensagem dos imortais 188
    A consciencia hist6rica 191
                                                              Rela~ao   de Graficos Constantes no Trabalho 315
Capitulo 7: Os Componentes Basicos do Campo
    Introducao 193
    A" reserva de Umariacu 195
    Os grupos vicinais em Umariacu 197
    A natureza dos grupos vicinais 204
    o papel de capitiio 208
Capitulo 8: 0        Exercicio da Tutela: Parametros e
               Compulsoes
    Introducao 214
    o contexto regional do SPI 215
    As linhas de atuacao dos encarregados 218
    o paradoxa ideol6gico da tutela 222
    Os referenciais da Administracao (doutrinas, imagens e
    praticas) 225
    Criterios de eficacia para atuacao dos encarregados 229
    o tutor e 0 patriio 234
6                                                                                                                                7
Capitulo 1:                                                interpreta~Oes, pelas quais teorias cientificas e tradi~oes culturais

        Os Obstaculos ao Estudo do Contato                                     pretendiam dar conta dos fenomenos ai incluidos. "a espfrito I}lo e de
                                                                               maneira alguma jovem quando se apresenta a cultura cientffica. E de fato
                                                                               muito velho, pois tern a idade de seus preconceitos. Ter accsso a ciencia e
                                                                               rem~ar espiritualmente, aceitar uma mutaeao brusca que deve contradizer
                                                                               urn lla5sado" (Bachelard, 1970:13-22).
                                                                                   E preciso evitar tratar as ideias e os conceitos cientificos do passado
                                                                               unicamente como fatos de uma sequencia de "descobertas" que conduzem
                                                                               necessariamente na dir~lo de urn conhecimento sempre mais perfeito e
                                                                               atual - como 0 faz, por exemplo, uma hist6ria da ciencia de inspir~lo
                                                                               positivista, habitualmente instaIada nos manuais da disciplina. Jamais 0
                                                                               analista conseguira romper com isso se continuar a enquadrar tais ideias e
                                                                               conceitos sob 0 prisma de "erros" ou de "aproxima~oes inexatas". De fato
                                                                               baseiam-se (tal como qualquer outra teoria, as atuais inclusive) em urn
                                                                               sistema integrado de conceitos, que permite refletir sobre certos aspectos
                                                                               da realidade, ao p~o de dificultar a apreenslo de oulros.
                                                                                   Vma viagem as tradi~oes do passado sUpOe a paciencia de ver como 0
                                                                               avan~o do conhecimento exige 0 ct>tabelecimento (e a posterior superacao)
      AS dados etnognificos sUpOem igualmente uma outra viagem sobre a         de certas suposi~Oes basicas. As formula~oes inovadoras nao surgem
 qual mais raramente se fala: como foi constituido 0 olhar do pesquisador?     diretamente da extra~ao, poda ou do enxerto de conceitos em urn complexo
 Quais as teorias e conceitos que 0 levaram a selecionar certos fatos como     16gico e te6rico diverso daqueles em que eles se encontram, mas sUpOe
 relevantes, fazendo silencio sobre outros? Quais os pressupostos              uma "catarse intelectual e afetiva" em que obstaculos presentes (imagens,
 implicitos nas explica~oes que pretende fornecer? Aceitar falar sobre uma     evidencias e pressupostos) slo devidamente explicitados e criticados.
 tal viagem significa posicionar-se claramente quanto aos conceitos e              A presente tentativa de estudar os fenomenos do contato enquadra-se
 teorias existentes, explicitando e fundamentando 0 esquema de analise         perfeitamente na dire~ao apontada por tais cogita~oes. Antes de apresentar
 utilizado, comparando-o com outras altemativas existentes e justificando      os principios que iraQ orientar esta pesquisa, cabe procurar apontar, ainda
as razoes de sua escol,ha. Vma curta recomenda~o de Bachelard destaea a        que de forma esquematica, alguns dos principais obstaculos existentes na
 necessidade disto: "E preciso formar a razAo da mesma maneira que e           tradi~lo antropologica ao estudo do contato interetnico. Dessa forma
preciso formar a experiencia" (1968:147).                                      escolhi penetrar na tematica do contato nao pelo lado da atualidade ou da
     Tal exercicio parece mais arriscado e fecundo quando se inicia sem urna   proximidade, selecionando estudos mms recentes ou bcneficiando linhas de
tomada de posi~oo a priori, ou sem a pretensl10 de inventariar teorias no      pesquisa desenvolvidas na propria etnologia brasileira, mas sim pela busca
intuito de reaflrmar a corr~o dos pr6prios conceitos. A busca mo e enlao       dos principais obstaculos presentes em textos e autores considerados
de uma resposta, muito menos de uma paIavra-chave, mas de apreender a          c1assicos da tradicao antropologica.
racionalidade de construcao de algumas tentativas de resposta e como at se         Os autores evolucionistas e funcionalistas, ao definirem 0 marco da
cristaIizam certas resisrencias ao progresso posterior da pesquisa.            disciplina, inauguram e prescrevem uma forma propria de olhar e pensar
     As teorias frequentemente partilham de certos pressupostos, remetem a     sobre as sociedadeshumanas. Os conceitos elaborados por eles e seus
pontos nodais que nlo se esgotam na men~loa urn autor especifico. Tais       discipulos imediatos decorrem dessa pcrce~ao elemcntar, raramente sendo
elementos se constituem em suportes basicos de evidencias, garantia do         explicitados os seus pressupostos. as obstaculos ao estudo do contato
avan~o do conhecimento. Cristalizam-se concomitantemente como urn              derivam de percep~oes desse tipo, localizadas na base dos principais
novelo de resistencias as novas formas de elabora~lo conceitual,              quadros te6ricos de referencia existentes na antropologia, de onde precisam
transformando-se no que a filosofia da ciencia francesa chamou de              ser desentranhadas e submetidas a uma postura critica.
"obstaculo epistemol6gico" (Bachelard, 1970: 13-22).
     Em suas reflexoes sobre 0 processo de constitui~lo do espirito
cientifico, Gaston Bachelard mostra que 0 ponto de partida para pensar
sobre uma nova area de conhecimento nlo e fazer tabula rasa dos saberes
anteriores, mas justamente fazer passar por um crivo critico tais
24                                                                                                                                                     25
Apoiando-se na considera~oo de urn conjunto de textos e autores 5 e         entrava a discussao te6rica sobre as fronteiras etnicas de cada sistema
possivel apreender a existencia na tradi~~o antropol6gica de alguns             (Barth, 1969:04), paralisando tambem a investiga~~o das interconexoes
obstaculos basicos, situados em diferentes niveis de generalidade; ao           que cada cultura mantem com as culturas circunvizinhas.
estudo do contato interetnico.                                                      A segunda propriedade diz respeito a modalidade de abstra~ que sera
                                                                                praticada na analise social. 0 estudo de uma pessoa ou institui~ao coletiva
                                                                                requer nao a totalidade de tra~os ou padroes ali presentes, mas sim
A naturalizQ(;iio da sociedade                                                  distinguir aspectos que nao ~o exclusivamente de tal ou tal individuo,
                                                                                mas que se repetem em tOOos os integrantes de urn mesmo genero. A
                                                                                recorrencia de alguns desses elementos permitinl ao analista classificar
    Tylor utiliza as ciencias biol6gicas como urn paradigma para 0              esses trac;os ou padroes em tipicos ou contingentes, os primeiros passando
conhecimento dos fenomenos da cultura, propondo como tarefa basica do           a ser organizados em termos de estruturas e submetidos a uma analise
antrop6logo proceder a uma compara~o sistematica entre tais fenomenos,          cientifica, enquanto os segundos soo vistos como a dimens~o empirica,
distinguindo-os uns dos outros e agrupando-os em classes, generos e             singular e inexplicavel de qualquer ser ou aconteeimento.
espeeies.                                                                           Uma terceira propriedade reporta-se as condi~oes que propiciam a
    Trata-se de acompanhar 0 paradigma que concebe 0 conhecimento               abstra~ao. A defini~ao cientifica de uma entidade social deve ser feita
como urn ato prim'ordialmente classificat6rio. onde urn elemento da             eXclusivamente em fun~ao das caracteristicas morfol6gicas ou funcionais
natureza (planta, animal, ra~as humanas) deve ser inserido em uma classe,       que essa apresenta, enquadrando toda tentativa de, contextualizac;ao como
que 0 agrupa junto com outros elementos, e que se contrapoe a outras            uma marcha inutil no sentido de'r'eforc;ar as singularidades de cadafato.
classes consideradas distintas. A pr6pria n~~o de tribo - indicando uma         Nao importa muito saber se as culturas est1io ou nlio concretamente em
subdivi~o (desaparecida) de sociedades do passado mas encontrada tambem         estado de relativo isolamento, e preciso compreender que as regras de
contemporaneamente em povos mais atrasados e sociedades n~o-ocidentais          constru~ao analitica tornam efetivamente impossivel pensar 0
- e compatibilizada com esse esquema de perce~ao e entendimento6•               relacionamento entre culturas como umfato teOrico.
    Em decorrencia desse paradigma e que foram constituidas as unidades             Essas propriedades atribuidas as unidades da analise social se
basicas da analise antropol6gica. com 0 conjunto de pressupostos ai             cristalizam e operam na pnitica cotidiana do antrop6logo atraves de urn
implicitos. Conhecer uma sociedade significa proceder a urn ato de              conjunto de metaforas que contem fortes valora~oes. Uma das imagens
enquadramento daquele exemplar empirico em urn tipo 16gico delineado            preferidas por antrop6logos funcionalistas e estruturalistas para explicar 0
pelo investigador. A partir disso 0 caminho do conhecimento do social           foco central de seu trabalho e afirmar que se ocupam de urn' estudo
aponta necessariamente para a constru~ao de tipologias, dir~ao tao              "intemo" de uma sociedade, contrastando essa enfase com outros autores
criticada por alguns antrop6logos atuais (Leach. 1961; Schneider, 1966.         que se fixariam mais nos aspectos "externos" (como, por exemplo, as
etc.)                                                                           rela~oes de domina~ao/subordina~~oa outras sociedades ou os processos de
    A primeira propriedade - a descontinuidade - resulta de uma analogia,       ajustamento daquela sociedade ao meio ambiente em que se situa).
estabelecida com fmalidades hetiristicas, entre as sociedades humanas de            Considerando a hist6ria das ciencias fisicas, Bachelard ja havia
urn lado e as espeeies na~urais de outro. Cada sociedade diverge de outra tal   mostrado como a "paixao pela interioridade" se constituia em uma das
como cada espeeie se diferencia da outra, isto e, por representarem "pontos     formas privilegiadas pelas quais as fantasias (elaboradas com base no
de parada na escala da evolu~oo" (Gusdorf. 1974). Urn critico atual dessa       senso comurn) penetravam no discurso cientifico, aprisionando-o e
tradi~ indica que 0 habito de estudar as culturas como entidades discretas      obstaculizando sua racionalidade 7. Varias imagens podem ser utilizadas
                                                                                dentro dessa linha, como 0 par interno/externo, a classifica~ao de
                                                                                observa~oes como "interiores"!'exteriores", "intrinsecas" ou "extrinsecas"
5 (Redfield, 1941 e 1966; Malinowski, 1938 e 1949· Herskovits 1941·
Linton, 1940; Monica Wilson, 1936, 1938, 1945; Evan;-Prilchard &.' Fortes:      etc. E importante notar que em todos esses casos 0 uso de uma imagem -
1940; F?rtes, 1938; Radcli~fe-Bro~n, 1955; Schapera, 1938 e 1955; Mair,         em aparencia sO descritiva - ja traz consigo conota~oes que justificam e
1938; Richards, 1938; Redfield, Linton &. Herskovits, 1936; Siegel et alii,     valorizam deuma forma diferencial tal ou tal tipo de pesquisa, exercendo
1954; D?hrenwend &. Smith, 1962; Wagley &. Galvio, 1961; Galvio, 1955 e
1978; Ribeiro, 1970; Narroll, 1964).
6 Por exemplo, 0 Grand Dictionnaire Unillersel dw XIX·"'· Siecle menciona .ao
lado de outr.. raizes e significados, a acep~io de triho como "divisio de ~ma
fam~a de a~n1ais ou plantas" (t. 17, 2° suplemento, p'g. 484). Neste quadro a
                                                                                :"0   ~ilO do i~leril?r ~,u,m dos pr?cessos fundamentai~ d~ pensam~nto
                                                                                m~onsclenle  que e mals dlficil de exorClZar. A nosso ver, a mlenonza~ao e do
n~ao de tn~ pas~a a fa.zer parte de ~m conjunto 16gico - lipos, classes,        relDO dos sonh,os (.,.), contadores de hist6rias, crian~as e alquimistas vao ao
ordens, famili.., tnhos, generos e especles - onde figura como urn quinto       centro das COisas; tomam posse das coisas, creem nas luzes da intui~ao que
patamar clusificlit6rio.                                                        nos instala no cora~ao do real..." (Bachelard, 1970: 101-2).
26                                                                                                                                                          27
portanto uma clara normatividade em relayno a forma de conduzir uma             A solW;tio dualista
investigayno de Campo ou de como ler e avaliar seus resultados.
    PressuposiyOes que possuem uma funyoo ideol6gica similar podem ser
encontradas em outras imagens. Por meio de urn conjunto de imagens                  Equase wna constante que as ob~ayoes ~ue preCed~m uma d~riyao
contrastantes, 0 antrop6logo funcionalista e estruturalista freqiientemente     ou analise de uma situayao de contato mteretnlco caractenzem 0 fenomeno.
desqualifica qualquer 6tica de apreensOO de fen6menos sociais que escape a      como muito complexo. Enfrentar essa dificuldade remete sempre 0
sua pr6pria ortodoxia. Constitui uma rotina a disposiyno de temas e             estudioso a tentar adequar tal fato ao seu modelo analiti~o, reduzin~o.e
capitulos nas monografias tradicionais, sendo de praxe distinguir uma           decompondo essa complexidade excessiva em u~ldades S?CI~IS
parte puramente "empirica" - onde sao fomecidas informayOes sobre a             convencionais. Duas altemativas se apresentam para ISSO, a pnmeIra
hist6ria do grupo estudado, suas relayOes com outros grupos ou com 0            apelando para uma concepyao evolucionista da hi~t6ria, a ~e~unda
meio ambiente, algumas vezes abrangendo taml>em dados demogrMicos e             procedendo a uma decomposiyno do fen6rneno com fmalidade heuriStIcas.
estatisticos - da parte propriamente "te6rica" - onde e apresentada a               Quando a concepyao do contato com urn fenomen? comp6sito e
organizayao social, os rituais e a cosmologia. Em textos com intenyoes          dirigida por uma perspectiva evolucionista sur~e habItualmente urn'
analiticas encontra-se tambern usualmente uma oposiyao entre as                 dualismo que caracteriza grande parte ~as peSqUlSas sobrecon~to. As
considerayOes de ordem estrutural, que sao ordenadas e que possuem um           sociedades que estao concretamente em mterayao (europeus e~ afncanos,
valor explicativo, e as de ordem hist6rica, onde os acontecimentos sao          brancos e indios) nao sao vistas meramente como contemporaneas, mas
fatos singulares, nao passiveis de uma explicayao cientifica, figurando no      sao dispostas pelo analista ao tonga de uma escala evol~tiva, onde estao
relato somente na medida em que interferem no funcionamento das                 representados os diferentes graus de progresso da humamdade. Em funyao
estruturas.                                                                     dessa ope~oo te6rica que atribui graus distintos de progresso a ca~ uma
    Apoiando-se nessas imagens e em suas conotayOes, se desenvolve uma          das sociedades em interayno, a cultura do contato passa a ser descn.ta em
desvaloriza~iio teorica do estudo do contato interetnico, que passa enta~ a
                                                                                termos de contraste entre instituiyOes e costumes mais "modemos" (IStO e,
ser justificado por fatores de ordem pragmatica. Partindo do pressuposto de     que derivam da sociedade mais avany.ada) e i~sti.tuiyoes e costumes
que sua razao de ser e servir a utilidades praticas, as investigayOes sobre 0   "tradicionais" (isto e, que derivam das SOCledadeS tnbais). .         .
contato freqiientemente se autolimitam, buscando urn conhecimento                    A descriyao do fenomeno do contato passa. a se~ felta ~r ":lelO do
utiliwio que Bachelard ja havia apontado como urn dos principais                legado que 0 evolucionismo deixou para a soclologla funclOnah~~, ou
obstaculos ao conhecimento cientifico (Bachelard, 1970:66). Muitos              seja, urn conjunto de variaveis pelas quais, esta conduz ~ a~ahse e
trabalhos que incidem sobre 0 contato interetnico incorporam claramente         estabelece as tipologias dos sistemas sociais. E ? caso de .VarIaV~IS como
tais preconceitos, conscientemente reduzindo-se a condiyao de meros             homogeneidade x heterogeneidade, indiferencla~ao. x dlfere~cla.yaO de
fomecedores de dados empiricos nao organizados ou de textos cuja linha de       funyOes, ausencia x presenya de instituiyoes especlahzadas, atnbUl~ao de
ordenayao basica e avaliar Uustificando ou criticando) uma determinada          status por prescriyao x atribuiyoo de status por escolha, co~tato drreto e
politica de colonizayao. 8                                                      cotidiano entre todos os membros da comuilidade x'compartlmentalyoo da
                                                                                vida social, rela~Oes pessoais x impessoalidade d(~.s relacionmt,lentos,
                                                                                importAncia dos vinculos de sangue e pare.ntesco x. e~f~ nos v~nculos
                                                                                economicos form as extensas de falJlihas x famlhas atomlzadas,
                                                                                predominandia do sagrado x seculariza~no progressiva da vi~ ~.ial etc.
                                                                                Urn exemplo concreto da utilizayao de algumas dessas vanavelS para
                                                                                analise do contato e da mudanya social aparece na classica monografia de
                                                                                Redfield (1941) sobre os Maya da peninsula do Yucatan.
                                                                                     Os conceitos que resultam desse tipo de analise sublinham fortemente
                                                                                os aspectos culturais definindo cada sociedade como urn conglomerado de
8 A oposi~iio entre essa fun~iio (que Malinowski ja classi~icava coJ!lo
"practical anthropology") e a realiza~ao .de uma "vcrdadelTa pesq~l~a           trayos de cultura e 0 'processo de mudan~ como a transmissOO e acei~oo
antropol6gica" aparece, de forma bastante dueta. por exemplo, no prefaclO       de padrlks isolados. Conceitos como os de acultura~ao (H~rskQvlts,
que,~' Fortes e E.E. Evans-Pritchard (940) redigem ao _class~,co. fl:fri,~an   Linton e outros) e de assimilayao (Znaniecki, R. Park e D. Pierson) se
Poll/lcal Systems, observando que por suas preocupa~ocs teoTlcas            e
"academicas" os autores que contribuem para 0 livro cingem sua aten~ao ao       constituem em instrumentos basicos de reflexao, instituindo como via
funcionamento dos sistemas politicos nativos. deixando de lado C? fato da        privilegiada de abordagem aquelas sociedades a tematica te6~ca da mudan~
presen~a   colonial, mais significativa para trabalhos e pesqulsas ,com
finalidades "administrativas".                                                   cultural. Os elementos da cultura dos grupos em IDtera~ao sno
28                                                                                                                                                     29
dicotomizados e rapidamente absorvidos a oposi~llo de tradicional x                tradicionais devido a circunstancias especificas, para os te6ricos dessa
modemo.                                                                            perspectiva a mudanf;a cultural possui urna diref;iio gerai e unica.A
     Alguns autores importantes procuram destacar que M uma d~ao                   coexistencia e 0 relacionamento entre grupos e culturas e visto
dupla no feoomeno das trocas culturais, sendo incorreto do ponto de vista          virtualmente como uma anomalia que tende a ser superada a tonga prazo,
cientifico pretender estabelecer previamente 0 sentido que tomam os                impondo-se os fatores modemizantes e operando-se a dissemina(ao das
processos de transferencia e emprestimo cultural. Assim, a aculturaliao foi        caracteristicas da sociedade industrial ocidental por todas as partes do
definida como estudo dos fenomenos que resultam quando grupos de                  ·mundo.
individuos, dotados de culturas diferentes, entram em contato diretoe                   Em urn estudo sobre muitos aspectos exemplar, Wachtel observa que
permanente, dai decorrendo uma mudan~a nos padrres culturais desses                os estudos de acultura(ao padecem de urn "pecado original": focalizando
grupos (Redfield, Linton & Herskovits, 1936:149).                                  sociedades que disprem de forlia essencialmente desigual, 0 termo de
     A esfera cientifica da investiga(llo seria, portanto, focalizar as trocas    acultura~ se baseia em uma "hipoteca hist6rica de supremacia" e am~a
culturais resultantes do contato entre dois povos, sem restringir 0 estudo         trazer consigo a velha marca do eurocentrismo (1971:25). Isso favorece a
do processo de aculturaliao a apenas urn dos lados e sem estabelecer               que a descrif;iio do contato siga uma historiografia exclusivamente
inferencias sobre 0 sentido geral da mudan~a. Varias pesquisas realizadas          ociden/ai, sem incorporar a visiio dos indios (1971:22). Outros problemas
no Brasil sob a 6tica da acultura~o abordam nao somente as modificaliOes           te6ricos igualmente serios tambem ocorrem. Para escapar a fragmentalillo
sofridas pelas culturas indigenas em contato com 0 branco, mas tambem              das culturas (procedida pelo difusionismo), os autores vinculados a analise
as aquisi~res tecno16gicas, de costumes ou de crenlias, que a populaliao           de aculturalil10 chamam a atenliao para as fases (graus, etapas) da
regional realizou de elementos da cultura indigena. Assim e que urn                aculturalil10 ou para 0 resultado final do processo (sincretismo,
chissico estudo de Eduardo Galvao (Santos e Visagens, 1955) mostra                 assimilalil1o, rejeilil1o). Assim, conclui este autor, tal abordagem"
justamente a aculturaliao sofrida pelo caboclo amazonico em contato com            inviabiliza a analise do proprio contato em sua singularidade e unidade. E
as culturas indigenas. Abordando 0 caso dos Tenetehara, grupo indigena             indaga: "(... ) 0 que vern a ser do proprio processo? Onde ficam as
que esUl em contato com 0 branco por mais de tres 8&:ulos, Wagley e                cscolhas, os conflitos, as crialiQeS?" (Wachtel, 1971:26).
Galvao observam que a lenta absor~ de padraes indigenas pelos regionais                 Os autores que se serviram dessa perspectiva para estudar os grupos
foi conduzindo a uma condiliao de saturaliao, quando se esgotou a sua              indfgenas brasileiros sempre esbarraram em dificuldades para definir os
"capacidade de assimilaliao" dos tra(os culturais indigenas (Galvao, [1953]       llmites da condiliao de indio. A preocupaliao dominante era mostrar a
 1978:128).                                                                        progressiva descaracterizaliao cultural daquelas sociedadese a absor~o de
     Quando aplicada a uma situa~o colonial, a n<~llo de trocas culturais,           rcnlias e costumes procedentes do branco (vide Schaden, 1969). 0
com as aquisiliQeS e empreslimos sendo vistos como fatos bilaterais, pode            squema te6rico utilizado fez com que alguns descrevessem 0 processo de
ocultar 0 fenomeno da dominaf;iio, pulverizando-o em cadeias de                    mudanlia cultural como inexonivel, prevendo como bern pr6xima a
transmissao que operam nos dois sentidos9. Dessa forma os estudos de                 ompleta assimilaliao de urn grupo etnico pelo contexto e pela cultura
aculturaliao tiveram uma aplicaf;iio ideol6gica bem clara, com 0 seU modo             gional. "0 processo de transforma(ao dos Tenetehara em caboclos estani
de abordagem diluindo a quesLao de quem era 0 grupo beneficiario de urna             m vias de se completar no espalio de uma gera~ao ou pouco mais"
troca cultural. Omitiam tambem a capacidade diferencial de cada grupo para          Wagley & Galvllo, 1961:185). Mirmalires mais nuanliadas podem ser
definir as suas pr6prias necessidades elechar as barreiras Ii importa(;iio de        ncontradas no mesmo texto (vide pag. 30 e principalmente Galvoo pag.
costumes, simbolos e tecnologias. Deixavam ainda de estabelecer escalas             12), que coerentemente resulta de urn programa de estudos de aculturalioo
de importancia para essas trocas, tendo em vista as conseqiiencias que             dirigido por Ralph Linton. 10
 teriam sobre a organizaliao social e a cultura do povo receptor.
     A medida que os autores chegam a ultrapassar as minuciosas amilises
concretas, a aparente neutralidade da postura cientifica submerge, vindo     a     lOA discussio sobre assimila~io acaba retomando sobre suas "conclusoes
                                                                                  anteriores, reformulando as previsOes apresentadas na monoBrafia: "Somente
 tona urn instrumental te6rico e generalizaliQes marcadamente unilaterais e           eXJ;>Criencia que adquirimos no Servi~o de Prote~io aos Indios, onde nos
arbitrarias. Por mais que especificidades locais prevale(am por periodos           amiliarizamos com uma variedade de situa~oes de contato e assimila~io de
                                                                                  llropos indigenas, nos permitiu uma perspectiva mais correta. ~ bern possivel
 limitados ou surjam combinalires singulares entre fatores modernos e             que 08 Tenetehara em certo ponto de sua transi~io tomem por outra
                                                                                    Itemativa que a de aderir a cultura cabocla ..... (Galvio, 1978:131). Cabe
                                                                                  observar porem que a pressuposi~io de assimila~o, implicita nas analises de
9Uma tentativa de refletir sOOre tais fenBmenos aparece em Redfield, Linton &     a IIltura~io. sofre uma critica fundamentada exclusivamente no primado da
Herskovits, 1936,. por meio da variavel .descritiv.a suj~i~io x do!!:,inancia;    I r4/ica e em experiencias extra-academicas, disso resultando a ascensio da
porcm em exposI~oes de metodo postenores (vide Siegel et aln, 1954;               n yio de integra~io ao plano central das invelliga~oes, subsistindo no
Dohrcnwend & Smith, 1962) essa e abandonada.                                        ntanto todo 0 quadro Teferencial.
30                                                                                                                                                          31
1

     A penta (tida como irreversivel) de tra~os culturais pr6prios pode levar       vida tribal. Essa estratcgia de pesquisa, preocupada em promover uma
 urn grupo indigena a condi~ao de "indio-generico", onde as peculiaridades          recons~ hist6rica        do processo de m~ foi decididarnente recusada
de sua cultura ja desaparec~ram no processo de integra~ao, mas subsiste             por Malinowski, que a considera propria de uma "antropologia de
 urn sentimento de ser diferente, decorrente tanto da persistencia do               antiquanos" (1938: xxx-xxxii). Para ele a tarefa que cabe ao estudioso e,
 preconceito dos brancoscontra os indios, mesti~os ou os seus                       ao inverso, investigar "0 que ainda sobrevive do antigo passado tradicional
.remanescentes, quanto de a altemativa de incorporacao a sociedade nacional         de uma tribo africana (...) pois apenas 0 que sobrevive e relevante para 0
 s6 ser possivel em seus estratos inferiores. Essas as razoes pelas quais 0         contato nos dias presentes, e ainda capaz de desenvolvimento ou
 processo de assimila~ao nao se completaria, ainda que fosse muito alto 0           resistencia" (1938: xviii).
 grau de integra~ao do indio na sociedade nacional e que a acultura~o 0                  Ao construir a sua teoria, Malinowski marca suas discordancias em
 privasse inteiramente de seu quadro referencial trndicional (Ribeiro, 1957 e       face <las anaIises culturalistas do contato, distaneiando-se inclusive da linha
1970).                                                                              de estudos de acultura~ao (ainda que esses nao sejarn mencionados
     Em urn texto de carater critico, Da Matta volta-se contra essa                 diretamente). A sua critica se dirige 80S trabalhos de Monica Hunter (1936
"antrop%gia de integra~iio, onde 0 lado do indio deixava sempre de ser .            e 1938), onde as instituiyoes se apresentam como urna "mistura de
considerado e 0 ponto de partida era sistematicarnente evolucionista"               elementos parcialmente fundidos" (Hunter, 1938: lQ).:que 56 poderiam ser
 (1979:25). Enquanto tal postura consideraria a sociedade brasileira                adequadamente estudados quando decompostos em 'c'omplexos culturais
 (sobretudo em sua estrutura economica) como fator absolutamente                    distintos e homogeneos, ou seja, remetidos as "culturas-genitoras"
 determinante da situa~ao, os indios seriam vistos· em uma perspectiva              ("parent cultures"). Malinowski argumenta que a mudaoya cultural e a
 paternalista como "objetos frageis e vulneraveis, prontos a desaparecer"           rorma~o de novas realidades cufturais 0110 podem ser tratadas como 0
 (1979:26). Limitando a aten~ao a focalizar 0 grupo tribal e suas rea~oes,          produto mecanico de uma mistura, de uma justaposiyao de elementos
 ignorando-se as suas potencialidades, suas elabora~oes e sua capacidade de         parcialmente fundidos (1938: xxi). Trata-se de "novas realidades culturais
 interferir e reinterpretar uma situa~ao de contato, tal tipo de antropologia       de uma Africa ocidentallzada, que rem de ser estudadas por si mesmas"
 se enclausura em urn rigido esquema analitico. Apesar das diferen~as               (l938:xxiv), focalizando 0 modo como elas funcionarn em seu novo
 te6ricas, as suas conclusoes convergem na mesma dire~ao das criticas de            meio, atravcs de mecanismos proprios, "sob pressOes e incentivos
 Wachtel as teorias da acultura~ao.                                                  ngendrados dentro de suas novas instituiyOes" (1938:xix).
                                                                                         Mas como realizar isso apoiando-se no metodo funcionalista?
                                                                                    Malinowski discorda de Fortes e Schapera, que tentam evitar 0 dualismo
o esquema das tres realidades culturais                                               bordando 0 contato como urn fenomeno integrado, que configura a
                                                                                      xisrencia de uma cultura propria A seu ver, tal metodo se presta somente
                                                                                    para 0 estudo de urna cultura que tenha atingido urn estado de re/aJivo
    Vma outra forma de enfrentar a complexidade do contato interetnico e             qui/ibrio, suposi~o que nao e satisfeita pela cultura do contato. AJX?Ilta a
caracteriza-Io como urn fenomeno composto, que deve ser abordado de                 nocessidade de novas metodos e principios de pesquisa que permitam fazer
modo analitico-redutivo, focalizando as unidades menores que 0                      progredir esse novo ramo da disciplina, "a antropologia do nativo em
constituem. Vma tentativa nessa dir~ao foi realizada por Malinowski                 mudan~" (1938:xii).
(1938 e 1949) e deve ser considerada nao s6 pela posi~ao do autor na                     Para Malinowski isso nao significa abandonar 0 funcionalisrno, mas
disciplina c pela postura programatica que assumiu, mas ainda por seu                  mplexifica-Io, tratando nao com duas culturas geradoras, nern com uma
carater sintomatico, explicitando pressuposi~oes, seguidas por muitos                 ultura tinica (0 que ele considera ser uma postura reducionista), mas com
autores posteriores, em constru~oes conceituais algumas vezes dirigidas             urn esquema de tres fases onde aparecem a cultura "antiga da Africa, a
manifestamcntc contra Malinowski.                                                    mportada da Europa e a Nova Cultura Comp6sita" (1938:viii). Ele afmna
    Solidamentc ancorado no relativismo cultural e em uma sociologia                 nfaticamente que "De fato, em cada situayao de contato cultural nos
funcionalista, avesso a analises teleol6gicas na linha do evolucionismo,            l mos nao uma, nem mesmo duas, mas tres fases culturais coexistentes"
Malinowski procura refletir teoricamente sobre 0 contato, dissociando para          (l938:xv). Na conduyao dessa analise, cada fase apresenta problemas
efeitos de investiga~ao as diferentes ordens de racionalidade ai existentes e       diversos e deve ser estudada por metodos diferentes, sendo necessario
representadas pelas culturas que estilo em urn processo concreto de                 distingui-Ias e focaliza-Ias separadamente, posteriormente relacionando-as
intera~ao. ContrapOe-se decididamente a formula~oes como a de Audrey                umas com as outras (1938:xvi).
Richards (1938), que fala de urn "ponto zero de mudan~ social", uma                     A intenylio de Malinowski nlio era de elaborar conceitos gerais e
situa~ao anterior a chegada dos europeus e suposta como de equilibrio na            dcmasiado abstratos, mas sim que permitissem descer ao plano da
32                                                                                                                                                              33
operacionalizayao da pesquisa. Nesse sentido ele procura definir                   A construyao teorica de Malinowski deixa explicito 0 artificialismo
cuidadosamente essas fases, de urn lade distinguindo entre as formas           que car~teriza algu~as p~postas (e nao apenas a sua ou as de outros que
tradicionais, que persistern (e sao apreendidas no trabalho de campo), e as    o segUlssem, mas mclusive <Ie outros que 0 criticam e dele afirmam
reconslrUyOCs do passado tribal; de outro lade distingue igualmente entre      divergir) de como estudar 0 contato. Retomando as considerayoes
os costumes e instituiyocs pr6prias aos europeus na metr6pole e aqueles        anteriores sobre os obstaculos cristalizados em tome (e em defesa) de urn
que sao efetivamente atualizados na vida da colonia. Quanto a cultura do       determinado ponto de vista ou pressuposto te6rico, e necessario frisar que
contato, ele explicita que por isso entende 0 fenomeno de uma mudanya          as reflexoes e busca de soluyoes partem de urn modelo naturalizado das
autonoma e resultante da reayao(acarretando pelo menos urn                     soci~dades, que so permite pensa-Ias como organismos integrados e
desajustamento temporario) entre as duas Outras culturas.                      relauvamente harmonicos, cuja analise exige sempre uma abstrayao do
    Propoe a conslrUyao de uma Carta ou Tabela onde as Tres Realidades          ontexto e uma enfase especial nos aspectos anatomicos e fisiologicos. 0
Culturais fossem Jepresentadas por colunas diversas, a cada esfera da            tudo do contato nilo e essa "terra de ninguem da antropologia" (no dizer
cultura equivalendo uma linha com os contetidos que assume em cacta uma        de Malinowski) por acaso ou omissao de autores anteriores, mas sim
dessas fases. 0 esquema toma simples evidenciar 0 que Malinowski julga         porque os fundamentos sobre os quais estava assentada a construr;ao do
ser a base da mudanya cultural - que as pressoes e adaptayoes se exercem       modelo cient(fico de sociedade retiravam justamente da cogitar;iio do
primordialmente para responder a determinada$necessidades, as quais eram       pesquisador osfatos do contato, sobrevivendo apenas como constatar;oes
anteriormente satisfeitas por instituiyoes hom610gas, Le., situadas na         cmp{ricas sem maior relew'incia teorica. E por isso que as justificativas
mesma esfera de cultura, Assim a explicayao da substituiyao, modificayao       upresentadas por varios autores para a considerayao do contato estilo
ou fusao de instituiyoes passa necessariamerite pela busca do que ele          freqiientemente marcadas por razoes utilitarias, de ordem pratica ou ainda
chamou de Fator da Medida Comum ("Common Measure Factor") e pela               humanitarias.
descoberta de homologias entre instituiyoes e esferas das culturas em              l!ma aborda~em teorica ao contato, como quer Malinowski, precisa
contato.                                                                       fabncar, por melO de expedientes indiretos, urn objeto te6rico compOsito,
    Procurando agora avaliar essa teoria cabe inicialmente indicar 0 quanto    que retina e aglutine as caracteristicas de diferentes unidades sociais. A
essas formulayoes dependem de sua teoria geral sobre a sociedade como urn      " omplexidade" que 0 analista enxerga no contato - e que de modo algum
conjunto de instituiyoes que cumprem funyoes sociais satisfazendo a            dccorre do proprio fenomeno e sim do modele de sociedade utilizado para
                                                                               lntcrpr~ta-Io - deve ser entilo reduzida aos fatos "simples", isto e,
determinadas necessidades, estando tais insliluiyoes inter-relacionadas em
urn lodo coerente e relativamente equilibrado (vide Malinowski, 1975)11.       passivels de serem analisados segundo 0 modele de unidade social adotado.
A sua teoria da mudanya se apoia justamente em uma visao (nao                  lese modo para poder analisar tal fenomeno 0 investigador precisa
durkheimiana) do social e do conceito de funyao, ambas nao partilhadas         r' orrer a ideia de sobreposiyilo de tres sociedades - a colonizadora a
por outros antropOlogos ingleses (Radcliffe-Brown, Fortes, Schapera,            'olonizada e a cultura do contato.                                      '
Evans-Pritchard).                                                                  A t~nta~va de inovayao te6rica termina em urn impasse, pois se as
    Silo as decorrencias disso - como a teoria das necessidades e a peculiar   Iluas pnmerras correspondem a construyoes convencionais em tome da
compartimentayao das esferas da cultura - que propiciam a Malinowski a          . ncepyao ja criticada de sociedade, a terceira, mantendo 0 mesmo modelo
base para 0 entendimento dos processos efetivos de mudanya social,              lnalitico, pretende dar conta e abranger aspectos que sao justamente
sempre segundo linhas homologas de transmissao e influencia. A eficacia           purgados por tal visao (a hist6ria, a adaptayao ao meio ambiente, a
dessa forma de iilterpretayao da mudanya exige, portanto, que 0 contato        qu stilo das fronteiras do sistema social). A terceira sociedade parece ser
seja visto nilo como urn fato coerente e integra<lo (como pretendiam outros    portanto uma tentativa nominalista de ocupar com uma categoriafrouxa,
funcionalistas), mas sim como urn fenomeno em si contraditorio e                lUI: niio satisfaz aos requisitos teoricos de uma sociedade e de uma cultura.
heterogeneo, uma vez que composto por diferentes conjuntos de                  r) spar;o exterior a um quadro teorico de referencia. camuj1ando assim a
instituiyoes que, embora apresentem coerencia interna em cada cultura,           rise de um modelo,
conflitam uns com os outros'. Dai a sua proposta de enfocar 0 contato
atraves de uma "tabela de tres entradas", 0 que virtualmente significa
proceder a uma analise reducionista do fenomeno.


       que t rana a 0PlD180 d e a I guns b'6 gra f os e h " '
I l O con "                " "-              1            lStonadores da
antropologia, que consideram os seus estudos sobre mudan~a cultural como
uma parte isolada e menor de sua obra.
34                                                                                                                                                        35
Algumas contribui~oes para a analise do contato                                     lmo de grande valia, buscando apreender em separado a distinta dinamica
                                                                                   I aLua~lio da administra~o local e das missoes (1938:63-72)15
                                                                                        lnversamente a Schapera, Fortes aponta os condicionantes de diversas
       As fonnul~oes de Malinowski foram aqui destacadas por se tratar de         il dens que limitam a lil>erdade de escolha dos ocupantes de tais cargos,
. uma tentativa ambiciosa e radical de contornar a.crise de urn modelo de             nstatando que em geral sao papeis e caracteres sociais estereotipados,
   construy!<> de sociedades com a elaboray!<> de urn novo quadro conceitual,     t Into do ponto de vista do nativo quanto dos 6rgoos coloniais (1938:90).
   especffico para 0 estudo do contato. Existem outras formula~oes, no                 ~ r~ando a importancia de dispor de boas descri~oes etnograficas das
   entanto, que possuem urn carater mais setorizado e ptocuram enfrentar           I~ ncias de contato, Fortes observa que isso e tao relevante quanto estudar
   algumas dificuldades particulares. Ainda que seus autores n:io cheguem a            ultura tribal (1938:91).
   recusar inteiramente 0 modelo naturalizado de sociedade, suas reflexoes              Mas a constata~lio da existencia de heterogeneidade nao diz respeito
   ajudaram bastante a operacionalizar a pesquisa sobre 0 contato interetnico,       lmente aos brancos, estendendo-se igualmente aos nativos. A absor~o
,. contribuindo com criticas fecundas e retifica~oes importantes quanto ao        Jl 1 s nativos de costumes e cren~as europtias nlio e de modo algum
   esquema tradicional de aruilise.                 .                             lit l~ erne em uma tribo, variando de acordo com posi~oes de parentesco,
       Alguns autores indicaram 0 perigo de que as descri~oes do impacto das        om papeis rituais ou religiosos, com fun~oes economicas etc. Schapera
   institui~oes europeias sobre as culturas africanas vi~m a sec conduzidas        Ih rva que sob fortes influencias externas, a escala de varia~oo existente
   por meio de conceitos genericos, como 0 de moderniza~oo, secuIariza~o,           111 ada cultura pode admitir distAncia entre padroes contrastantes muito
   institui~oes colorriais, heran~a euro~ia etc. Apesar de suas limi~oes          111 Ilores do que em rela~o a outras cuIturas, ou da mesma em urn outro
   te6ricas e da sua conten~ao politica 2 Malinowski e 0 primeiro autor a         III lmento do tempo (1938:28).
   s~blinhar fortemente a assimetria existente no processo de mudan~a                    am refletir sobre esse processo de aproxima~oo entre 0 universo <10
   social. 13 E, ao falar sobre ltcnicas de investiga~lio do contato, reitera a     1l1onlzador e do colonizado na figura de alguns individuos nativos,
   importfulcia da pesquisa de campo para conseguir apreender junto ao grupo        II ~iram posterionnente diferentes conceitos, como os de "middleman",
   tribal a significa~ao e as repercussoes do contato, pois "... e 0 nativo       "III iator", "broker" e "patron" (Bailey, 1960 e 1969; Friedrich, 1968;
  quem e primariamente afetado pela mudan~a cultural, quem ainda                  I' II • 1971; Atwood, 1974). Uteis para descrever a fun~o de media~o
  pennanece como protagonista do drama" (1938:x)            .                       III estruturas politicas e economicas assimetricas, tais papeis vern em
       A transmissao de elementos da cultura ealtamente seletiva, a a~ de             r 1associados a uma teoria onde a mudan~ cultural possa ser explicada
  alguns sendO imposta, a de outros sendo facultativa, a deterceiros podendo      I I scolhas, calculos e interesses de atores individuais somente (vide
  mesmo estar desautorizada. Malinowski ja observara a profunda difei'en~           r I as a Bailey fonnuladas mais adiante, oeste capitulo).
  entre as institui~oes ditas europeias segundo estivessem essas na
  metr6pole ou em territ6rio colonial. A necessidade de captar conteudos
  concretamente atualizados pelas institui~oes coloniais nas situa~oes de         11m novo enquadramento do social
  contato efortemente sublinhada tambtm por Schapera;14
       Para evitar que a etnografia do contato sublinhe exclusivamente os
  fatores individuais e particulariiantes da rela~ branco x nativo, a n~oo                   lnquanto continuam a admitir como fundamento urn modelo
  de agencia de contato, particularmente desenvolvida por Fortes, revela-se       II tlurulizado de sociedade, as tentativas de elabora~ao conceitual sobre 0
                                                                                    lIul LO interetnico ficam necessariamente limitadas a exercicios de
                                                                                   I ( bramento l6gico ou a meras refonnula~oes setoriais ou operacionais.
                                                                                    I/tr nle urna ruptura teorica mais profunda. redefinindo a natureza das
12" , na minha opmlao 0 sistema colonial ingles nio tern rival em .ua             Ufldades sociais. pode perrnitir que 0 estudo do contato deixe de ser urn
capacldade de ~prender com ,. experiencia. sua adaptabilidade e tolerincia, e
sobretudo seu mteresse genumo no bem-estar dos nalivos" (1949:161).                IIntinente iso/ado na pesquisa antropologica. para 0 qual sao delineados
                               ~
13"Quan d 0 0 tema pnnclpa I ., 0 aspecto d' - '
                        ' ,                  Inamlco d 0 Impacto das dUal
                                                           '                            II       itos e metodos singulares nao aplic8veis a outros dominios da
cultu~as, ~ inleiramente inapropriado esquecer ~ue as influencias euro~ias
consllluem em lodo 0 lugar a for~a principal. Elas sao os falores
determinanles no que conceme a iniciativa e ao planejamento" (I9g8: xiv),
14"A ideia nativa de Crislianismo nao vern realmenle da Biblia ou do credo                   pr~rio
                                                                                                Malinowski, em trabalho posterior, tenlou definir melhor essa
oficial da igreja. Vern .obretudo do missionario que prega para ele e que          II       Agencias de conlato sao corpas organizados de seres humanos
                                                                                             :
~rabalha em .ua irea. Ele (0 nalivo) julga a vida de urn cristio pelas            " , Ihando para uma finalidade definida. manipulando urn aparato
ImpressOes que forma sobre as condulas e atitudes do missionario..... (1938:       I'I priado de cultura malerial e .ujeitos a uma carta de leis, regras e
33-4).                                                                            I" n Ipios" (1945:65).
36                                                                                                                                                         37
disciplina e relativamente imune aos avan~os e discussoe~:e6ricas ai
   existentes.                                                                            A visl10 de Gluckman se distancia muito das outras formula~oes
       Se tais ~fi~uldades embargam fortemente 0 estudo doc()ntato, por                    L nles, pois ele nll<> ve 0 contato como urn fator desintegrador, sempre
   outro lado IOsUtuem esse como urn fenomeno cntico, exercendo uma                  IInfr ntado com a existencia plena e separada das culturas componentes.
   fun~o de ponta na renova~l1o dos fundamentos te6ricos da disciplina. Para      I r clc 0 contato interetnico e urn fator organizador basico para a
   que a pesquisa sobre esse fenomeno possa se desenvolver e dar contadas                  1 ncia de determinadas comunidades, urn elemento ordenador
   realidades observadas, e imprescindivel constituir algumas altemativas            Illilponente da organiza~l1o social. Assim, rejeita firmemente 0 esquema
   conc~tas de investiga~l1o. Por surgirem como modalidades de condu~ da           II Ir realidades culturais desenvolvido por Malinowski (1968:9-10 e 51- .
   pesqu~sa - e. n~o .como uma. reflexl10 cntica sobre alguns pressupostos
                                                                                        I  I 63:217-227), afirmando ao contrano que 0 ponto de partida de sua
                                                                                  1111 Ii' e "a existencia de uma unica comunidade Africana-Branca em
   ce~~.s da dlsclphna - a novldade e 0 caniter radical dessa ruptura foram
   mmlmlzados por seus contemporaneos e tenderam a ficar ocultados por .          I,,(uland" (Gluckman, 1968:10).
   quase duas decadas, sendo redescobertos pelos manifestos processualistas               A fiO:l1o de comunidade com que trabalha Gluckman nl10 supOe limites
   da antropologia politica da decada de 60.                                           III lais bern delimitados, nem unidades em termos de c6digo de
                                                                                    II Ilta~l1o cultural, mas somente que sejam partilhados determinados
       A meu ver essa ruptura ocorre em alguns trabalhos de Max Gluckman
   que, e~bora datados da decada de 40 (1939 e 1947), tomam-se mais               JlIIlI s de inte~o no comportamento cotidiano dos individuos uns Para
                                                                                     Ilit        outros. 1                                                         ..
   Con~ecl<;k>S por publica~Oes posteriores (respectivamente. 1958 e 1968 para
   o pnmerro, 1%3 para 0 segundo). Nesses textos a suposi~ao central do                   I In sua argumenta~l1o Gluckman incorpora algumas reflexoes de
   modele naturalizado de sociedade - a descontinuidade entre as unidades         I CHI S coerentes com sua pr6pria perspectiva. Assim, para eSludar 0
   sociais -:- e urn. d~ ~us mais importantes corohirios - a identifica~l1o          1I1llil 0 antrop6logo precisaria trabalhar mais com as comunidades do
  automatlca do IOdlVlduo com os valores sociais - silo questionados na              I 'om os costumes, sua unidade de observ~ deve ser "uma unidadede
   condu~ll<> da pesquisa em Zululand e encaminhadas solu~Oes altemativas.            II nll<> de costume - uma aldeia, cidade, acampamenlo, economico e na
  Ret~mar essas el~bora~oes.pode significar uma contribui~l1o importante
                                                                                                 ial" (Fortes, 1938:62).
  aos Impasses te6ncos de hOJe, quando 0 pesquisador se defronta com uma                 N sa 6tica os agentes de contato nl10 podem ser descurados ou tratados
                                                                                     CH I ) fatores externos a vida tribal, mas sim abordados como "parte
  sit~l1o c.oncreta de contato interetnico e se da conta da inadequacl10 das
  teonas eXlStentes.                                                    .    .      III r ote da comunidade" (idem). E Gluckman encampa ainda como
                                                                                         I lite uti! para 0 processo de pesquisa a recomen~l1o de Schapera de
      o ponto de partida parece haver sido a constata~ll<> elementar, feita por    III •• missioOlirio, administrador, comerciante e recrutador de
  Gluckman (1968:1-28), de que as unidades bcisicasdeanalise nao podem
                                                                                  II h Ilhadores devem ser vistos como fatores na vida tribal da mesma forma
  ser pensadas como en~i~ades f~h~das ou homogeneas. 0 simples
  acompanhamento das atlvldades dimas de urn informante e urn evento               III I) hefe ou 0 xaml1" (1938:27)17
  ritual (como a inaug~l1o de uma ponte) envolve 0 pesquisador em uma                           essas coloca~Oes de Gluckman que fundamentam a constitui~l1o de
                                                                                  1111 vi lio processualista em antropologia, estando na origem de vanas
  complexa rede de intera~Oes sociais, cuja explicacao requer a referencia as
  rela~Oes interetnicas e a pessoas e institui~Oes cujos interesses e valores        I ulln ens novas (como a analise de drama, elaborada por Turner, 1957 e
  sllo ~terminados ~e ~ora <J:l comunidade local (0 aparato da administracll<>     Ie JleI 1972); ou a analise situacional, es~ada pelo pr6prio Gluckman
  colomal, a a~ll<> ml~lonaria, as empresas ecooomicas e as determina~Oes         ( 1 ) e desenvolvida por Van Velsen, 1964; ou ainda 0 estudo em termos
  do mercado mternaclOnal). Rotular de "extralocais" tais feoomenos - como         I •• lffipO poli~co" proposto por Swartz, Turner e Tuden (1966) e por
  se tornou de habito na antropologia, ate mesmo quando se lhes atribuia                   rll, (1968). E importante, porem, distinguir a visl10 de Gluckman de
  grande .peso explicativo (Adams, 1970) - corresponderia a impor a uma              II d sdobramentos e reapropria~Oes por autores posteriores, sem
  nova vlsllo da analise social uma classifica~o coerente com uma visllo
. tradicional, coisa que Gluckman nl10 faz. Se os aconteeimentos e atores         I" u          Z ulus e Europeus possam cooperar em uma celebra~io na ponle
  sociais presentes em uma comunidade nl10 constituem urn universo au'to-         til       tilque eles fonnam juntos uma comunidade com modos especificos de
                                                                                    "1111111. urn face ao oUlro" (Gluckman, 1968:9). Em urn texto poslerior ele
  explicavel, se as significa~s ali geradas necessariamente extravasam 0               1'1 I I. rn:lh~r a sua con~ep.~i,o de comuni~ade como "urn amplo campo de
  nivellocal e requerem 0 apelo a outros agentes e costumes, nlio M sentido       III III pendencla no qual IndlVlduos dos dolS grupos de cores lem nonnas
  algum em chamar tais fatos - cruciais - de "extralocais" como se                 '"otllz.adas de comportamento uns com os outros" (1963:214).
  configurassem apenas uma linha subsidiaria e comple~entar de                        f 1' I mizando com Malinowski, em defesa I FOrles e Schapera e
                                                                                    III "' nhando paralelamenle sua pr6pria vislo de que 0          fundamenlal seria
  entendimento.                                                                       11111     • padrOes de inlera~io e. nio a cultura do contato, Gluckman chega a
                                                                                   III      (nnula~io - de senlido didalico, mas sem adequado aprimoramenlo
                                                                                  I I I - de que se trala de "urna sociedade unica composla de grupol
                                                                                    Illlllllirnenle helerogeneos" (1968:51).
38
                                                                                                                                                                  39
pretender encontrar nele uma falta, urn n1o enunciado, que sO viria a fazer       mplares em historia e cujo conhecimento muito poderia auxiliar           0
 sentido na voz de seus interpretadores.                                          Illf p610go.
     Uma leitura atenta de seus textos permitiria afrrmar que a n~1o de                A ideia de campo surge nesse contexto, quando Gluckman indica 0
 "campo social" ai esti clararnente delineada, inclusive com uma historia e      11 j rente papel que a seu ver a historia teria nas ciencias exatas e nas
 urn significado bern diversos daqueles que assumiram hoje em dia. Ao            II 'iplinas hurnanfsticas. Nas primeiras, a hist6ria se limitaria adescri~1o
 criticar os paradoxos culturalistas de falar de uma Africa modema, onde         III condi~oes do experimento, isto e, do seu "set-up" (1968:209),
 entr~am as cidades europeizadas e as minas Rand no interior, oposta a              IIquanto na antropologia 0 pr6prio objeto'da investiga~1o seria hist6rico,
 !Jma Africa tradicional, onde viveriam astribos de acordo com suas               Hna vez que focalizado em certo periodo de tempo, no correr de uma
 tradi~s, Gluckman deixa explicito que considera que ambas fazem parte           I Ilquisa. 20
 de "urn tinico campo social" (1963:215 e 216), de urn mesmo "campo de                   A seguir Gluckman mostra a utilidade do conhecimento hist6rico, de
 interdependencias" (214). Mais adiante indica que brancos e negros na area       v 'I. que os objetQs da sociologia s1o historicos e os processos at
 estudada fazem parte de urn "tinico organismo social" (pags. 215 e 216),           II' ntrados dificilmente se Iimitam asitua~1o presente do campo. Pondera
 que 0 administrador e 0 chefe tribal encontram-se em urn campo tinico           1111 0 conhecimento de processos ocorridos no passado ampliam 0 alcance
 (223), que ambos compaem "urn tinico organismo politico" (215). Ap6s a          11 110ssas generaIiza~oes comparativas (1963:212) eafirma que n1o M
apresenta~1o e critica da tabela de tres entradas de Malinowski, ele retoma     11 I cn~a essencial entre processos de mudan~a hoje e os ocorridos no
as referencias a ideia de campo, observando que as rela~6es dos grupos           111I sado, desde que sobre esses existam dados suficientes (1963:211). N1o
 sociais e indivfduos entre si seriam muito melhor tratadas se fossem            II IV ria sentido algum portanto em supor que uma tal conce~1o de campo
abordadas n1o como eventos a serem localizados em diferentes colunas (e         I v sse uma conex1o teorica ou ~pistemologica com a sua utiliza~1o,
assim distanciados), mas sim atraves do "conceito de campo social" (232),        II       adamente anti-historica, na psicologia.
que os reuniria e permitiria captar suas interconexoes. Note-se que a                   A retomada do conceito de campo por autores posteriores ja ocorre no .
men~1o ao conceito de campo social e feita explicitamente no texto, onde          III rior de uma discuss1o teorica, a sua utilidade sendo de permitir
alias aparecem 14 referencias diretas a campo, isoladamente ou                        Ilrcizar os pressupostos estruturalistas de uma analise politica. Como
acompanhado de outro fator (respectivamente as pags. 210 e 217; 232;              1 flnir os Iimites para uma analise? As respostas usuais ate ent1o
223 e 233; 215,216 e 232; 214; 215 e 216; 215; e 232).                              pontavam para criterios espaciais (relativo isolamento), sociais (0 recorte
     Acompanhar 0 surgimento do conceito de campo nos trabalhos .de               I urn grupo) ou estruturais (a existencia de uma estrutura ideal de
Gluckman permite compreender uma aparente contradi~1o que existiria                 Ilyoes, em situa~1o de equiHbrio).
entre a conceitua~1o de campo em psicologia (Lewin, 1952) e a sua                      A ideia de campo ajuda a de-substancializar a analise social, libertando-
aplica~1o na antropologia social. Assim Swartz, Turner e Tuden                       nelusive das imagens e metiforas que inconscientemente impunham e
caracterizam a sua unidade de analise como urn "continuum espa~o­                       ralizavam a normatividade derivada daqueles pressupostos. 0 campo
temporal" (1966:8) e chamam de diacronico 0 seu metodo de analise. Mas           I a a ser descrito como "composto de atores diretamente envolvidos nos
observam 0 paradoxa de estarem invertendo a heran~a lewiniana, que               pH essos estudados" (Swartz, 1968:6), entendendo-se com isso que os
estritamente mais se aproximaria da proposta de analise sincronica               II rticipantes trazem consigo para esse processo "valores, sentidos,
defendida por Radcliffe-Brown. 18                                                      ursos e relacionamentos" (idem:8). A sua extensao social e territorial, e
     A contradi~o pode ser entendida quando se percebe que n1o houve                  l1reas de conduta que envolve mudam a medida que atores adicionais
influencia alThuma da psicologia no surgimento da nO(:1o de campo em               otram nos processos, ou que os antigos participantes se retiram,
antropologia . A elabora~lo do conceito ocorre em uma discussiio com a                 rretando novos tipos de atividade em sua'intera~lo ou abandonando os
historia e no texto citado Gluckman niio se refere a qualquer autor ou           v Ihos tipos" (Swartz, 1968:6).
teoria da psicologia, embora enumere varlas pesquisas que considera                     As suposi~oes sobre a integra~1o necessaria e homogenea das partes, 0
                                                                                   II liter de sistema e a sua condi~o de equilibrio sao abandonadas como urn
                                                                                 11111110 de partida desnecessario, uma vez que n1o apresentam validade
IS"Propriamente falando n6s nio estariamos estudando urn 'campo' (na
interpreta~io de Lewin).   porque a teoria de campo de Lewin trata somente da
situa~io conlemporanea     como causadora da conduta" (Swartz, Turner e Tuden,
1966:31).                   .
                                                                                    U"N6s observamos que os individuos e seus bens materiais, seus
19 Em alguns trabalhos de Turner, analisando • atualiza~io dos simbolos              rupamentos e relacionamentos lersistem atraves das mudan~as.· ~ 0 estudo
rituais na pratica social, surge a ideia de campo de poder e campo simb61ico-    ,I .uas interdependencias que       0 nosso campo. Para analisa-las devemos
ritual. No entanto trata-se de texto muito posterior a formula~io de Gluckman      'Iud'-las por urn periodo de tempo, e a analise da mudan~a entio envolve
e com inten~oes bastante diferentes das do metodo diacronico exposto por            tudo hist6rico dentro de urn periodo abrangido pelo problema:' (1966:209-
Swartz, Turner e Tuden, 1966.                                                     10).                                                            ..
40                                                                                                                                                          41
universal. Assim afirrnam Swartz, Turner & Tuden (1966:30): "0 que n6s         I ltimos fatores - vistos como nao sistematizaveis e passfveis apenas de
chamamos de campo polftico nlIo e necessariamente urn sistema fechado,            lusfazer a interesses pragmaticos - e os fenomenos de ordem estrutural -
mas urn continuo espa~o-temporal com algumas caracteristicas                      " S vistos como os unicos passiveis de uma explora~o propriamente
sistematicas. As partes de uma tal unidade, em condi~oes especificadas,        It' rica.
podem exibir varios graus e tipos de interdependencia, tanto
institueionalizada quanto contingente. Sob condi~oes diferentes, contudo,
as mesmas partes podem operar como se estivessem 'fora do bolo',                    l umas teorias sobre 0 contato interitnico
independentemente de outras partes do continuum". .                      .
    Se a unidade de analise nlIo tern limites genericamente definidos, a
questao de como circunscrever 0 campo de investiga~lIo passa a primeiro               ssa nova fonna de recorte do social, se inviabiliza uma conce}J:ao
plano e se torna dependente da preocupa~o te6rica que dirige a pesquisa. .     II ILuralizada de sociedade e dessa forma remove os obstaculos ja
Swartz e bern explfcito sobre isso, nos dois momentos em que define             IlIlCriorrnente apontados, nao significa a cria~ de imediato de conceitos e
campo sublinhando que a sel~lio de participantes af envolvidos deriva dos      I )rias interpretativas. Em fun~ao disso procurei a seguir focalizar
"processos estudados" (1968:6 e 8).                                             II umas das principais tentativas de reflexao te6rica sobre 0 contato
    Em outro texto, Gluckman & Devons (1964) chegaram a indicar                 IlL'rc1nico, destacando alguns conceitos e esquemas analiticos que avalio
alguns criterios para a delimita~ao de u~ c~mpo de invest.ig~~ao,              I umo mais interessantes para considera~ao e analise. Ap6s 0 que,
mostrando que 0 tra~ado das interdependenclas tern como lImite a               I IS ando-me na analise critica d~stes autores e em uma releitura bern
manuten~o de urn alto grau de consistencia 16gica e de relev1lncia em face
                                                                               p lI'ticular de Gluckman, e com 0 apoio de outros autores, 'proc?r~ expor e
do objeto te6rico da pesquisa. Uma pequena densidade no relacionamento          II, Lificar a minha propria visao sobre 0 estudo do contato mteretmco.,
existente entre pessoas e eventos~ co~. a necessidade crescent~ .de
considera~ao de atos frouxamente relaclOnados com a problematIca
                                                                                     a) a llO900 de "situLlftio colonial"
estudada, indicariam a oportunidade dese estabelecer limites mais estreitos
para 0 campo.                                                                       A no~ao de "situa~ao colonial", elaborada por Georges Balandier,
    De qualquer modo e importante entender que a conce}J:ao de campo e
                                                                               lin 'ura superar de urn lado "a busca do emologicamente 'p~ro, ,~om fatos
antes metodol6gica e instrumental do que de. uma constru~ao 16gico-            IlIllI.crados, miraculosamente preservados em urn estado ongmal ,de outro
abstrata e te6rica~l. Isso deve ficar claro para eVltar que a nOao de campo       'apar ao empirismo e ao pragmatismo de uma antropologia pratica
se transforrne em uma POao milagrosa, que resolveria tOOos os problemas       (n llandier, 1951, 1971:35). Critica as pesquisas antropol6gicas por
e poderia ser aplicada a todos os dominios da antropologia sem maiores         1 'lIlizarem as mudan~as sociais apenas atraves de processos vistos sempre
cuidados. Ha uma tendencia em muitos textos da ultima decada a                    paradamente uns dos outros (como a entrada da economia monetaria, ou
privilegiar a ideia de campo como se fosse urn simples sucedfmco para a        II 'n ina moderno, ou a acao missionana), ao inves de perceber que eles
antiga conceitua~o de sociedade. Esse risco e ainda mais grave quando se       "tl)nsLituem urn todo" e enquanto uma conjuntura particular "imp6e uma
leva em conta que nas pr6prias antologias da antropologia polftica                rta orientacao aos agentes e processos de transforrnacao" (Balandier,
(Swartz, Turner & Tuden, 1966 e Swartz, 1968), se manifesta uma clara
dominancia de uma sociologia e uma ciencia polftica funcionalista,
                                                                               1>71/3).                                                          .
                                                                                     Ao tentar delinear a especificidade de seu enfoque, dOiS pontos
ancorada em conceitos de Parsons, de Easton e de Lasswell, onde muitas
                                                                                 clhr saem: primeiro, uma decidida tomada de partido pela totalidade (pag.
vezes a palavra campo parece ser comutavel com sistema.                    .    I , ntendida como uma categoria analitica central e vanas vezes repetida
                      e
    De qualquer modo primordial ter em mente que ao passar a defimr 0          1111 orrer do texto (1971:3,4, 10 e 35); segundo, uma recomendacao de
objeto de investiga~aocomo urn campo, a antropologia parece haver dado         1111 os estudos de mudan~ social sejam sempre realizados "em situa~ao"
urn passo primordial no sentido de superar urn antigo modelo de perce~ao         1971:8,23/4,36). Apesar de referir-se por vanas vezes a Gluckman e as
e afastar-se da n~ao de esp&;ie como urn paradigma para a constru~ao do          illS analises de situacao (1971:23 e 35/6), a ace}J:ao que Balandier da ao
social. A elabora~ao te6rica nao mais imp6e a abstra~ao de cogita~oes de       II I III0 parece afastar-se bastante daquela da antropologia inglesa, o~il~do
natureza hist6rica ou procedentes do pr6prio meio ambiente, nem mais             litre uma ideia de contextualizacao ou de urn pano de fundo hlst6nco
pretende manter uma diviSllo rigida e uma hierarquiz~ao entre esses dois         p . 23) e, de outro lado, como uma noc~o capaz de as~egurar a
                                                                                ilL 'gracao entre diferentes pontos de VIsta, desenvolvldo~ por
2l"A conceitualiza~lio aqui avan~ada nio e uma teoria, mas .somente uma        hi l riadores, soci610gos, psic610gos e antrop6logos (pag. 23/4). E essa
maneira de chamar aten~lio para problemas e fatol que podenam de outro
modo ser omitidos." (Swartz, 1968:7/8).                                        IllOma a posiCao que predomina, Balandier (1971:36) explicitando que as
42                                                                                                                                                       43
origens dessa abordagem - um "estudo concreto e completo" (1971:27)-                     II Ita de enfases, nao de exclusividade, em vacios momentos essas
r~montariam a n<~ao de "fenomeno social total" formulada por M. Mauss.              1111'      Ocs se associando e sobrepondo.
E nesse espirito que ele conduz a sua critica a Malinowski, apontando                    () prlmeiro momento eo da elabor~ao,do conceito, correspondendo a
principalmente as limitacoes decorrentes de sua conce~o de institui~ao             I 10 programaticos (vide "Estudo de Areas de Fric~ao Interetnica",
como resposta a necessidades, bern como refutando a cren~a de que 0                I'Ill to de pesquisa publicado em 1962), polemicos ("Acultura~ao e
contato e a mudan~ cultural oeorreriam entre institui~oes hom610gas.               I,. ~ () Interetnica", publicado em 1963) e que resultam de uma prlmeira
    Em uma avalia~ao global parece-me que a n~o de situa~o colonial                I utlliva de aplica~ao pratica dessas ideias ("0 Indio e 0 Mundo dos
em pouco poderia ajudar a viabilizar as pesquisas atuais sobre contato             III III s", 1964). Vma referencia oosica e 0 texto ja citado de Balandier e a
interetnico. A conce~ao da situa~ao colonial como urn todo complexo                II I II 'ao de situa~ao colonial, da qual Cardoso de Oliveira destaca a
(pag. 3 e 10) nao se operacionaliza de nenhum modo e a pr6pria defini~ao           I'll I upacao com a totalidade, 0 que implicaria em considerar que 0
apresentada revela-se como muito generica ("... a domina~ao imposta por              II II lit lnteretnico se da entre "grupos relacionados entre si em termos de
uma minoria estrangeira, 'racialmente' e culturalmente diferenciada, em            1IIIIIICI110 e submissao" (1964:21). 0 contato entre grupos tribais e
nome de uma superioridade racial (ou etnica) e cultural afrrmada de modo                 III mos da sociedade brasileira, quando caracterizado por seus aspectos
dogmatico sobre uma maioria aut6ctone materialmente inferiorizada" (pag.             111111 'Iltivos e conflituosos, diz 0 autor, assumiria uma propo~ao total,
34-5). Vma tal enumera~ao de caracteristicas economicas, politicas e               II Illd a envolver toda a conduta tribal e nao-tribal (1962:128). A
ideo16gicas nao consegue dar solidez it no~ao ou concretizar melhor 0              II I II ' 0 da situa~ao de fric~ao interetnica e de uma " ... situa~ao de
encaminhamento da analise.                                                           I III 10 entre duas popula~oes 'dialeticamente unificadas' atraves de
                                                                                   II I          diametralmente opostos, ronda que interdependentes" (1962:127-
     b) a teoria da fricr;iio   interetnica                                         I
                                                                                            AI ntar para 0 proeesso de metaforiza~ao - nao apenas implicito na
    Das pesquisas sobre contato realizadas no Brasil no final da decada de         Ilhl II 1.1I~nO, mas constitutivo do pr6prio ato criador23 - poderia ajudar a
50 e no correr da decada de 60 resultou a elabor~ao de urn metodo de                     , I r 0 posicionamento do autor diante de outras linhas e vertentes
abordagem as sociedades indigenas freqiientemente denominado de teoria da                    I ". A pr6pria escolha do termo fric~ao ja indicaria a preocupa~ao do
fric~ao interetnica (vide Cardoso d~ Oliveira, 1962, 1963, 1964, 1966,               111111 In salientar como componentes estruturais do contato 0 conflito e a
1967, 1971, 1972, 1972b; posteriormente, 1975, 1980 e 1983). Em urn                I I fill: 0 continuada. Ao banir de seu discurso imagens como a de
outro texto (Oliveira Filho, 1985) pr()curei apontar as conexoes que essa            I' II nissao", "ado~ao", "assimila~ao" ou "incorpora~o", Cardoso de
teoria mantem com outros enfoques sobre 0' contato igualmente praticados               Iv          chama a aten~ao nao para os aspectos culturais, mas para as
no Brasil, indicando paralelamente os seus desdobramentos na pesquisa                   III      . sociais que sao ai constituidas. Trata-se de modificar 0 foeo da
antropo16gica, servindo por mais de duas decactas como 0 referencial basico         ,         I aCao, afastando-se de uma diretiva em termos de "mudan~a" ou de
para as investiga9<ks sobre contato realizadas no pais. Aqui, no 'entanto,              1I/11ll cultural" (expressao preferida por alguns autores ingleses,
me concentrarei primordialmente em pensar as suas formula~oes mais                   III 11 un nte M. Fortes, L. Mair e Audrey Richards).
gerais, mostrando suas vincula~oes com diferentes tradi~oes te6ricas e,                    N        sentido a n~ao de fric~ao interetnica tern a mcsma diretiva
posteriormente, discutindo sua aplicabilidade ao objeto de investig~no                      I que as formula~t'les posteriores de Barth (1969: 11-15), cumprindo a
selecionado.                                                                       '11I u de deslocar a enfase dos grupos etnicos enquanto "unidades
    Para considerar uma teoria cuja elabora~ao se estende por urn periodo                ., "torus de cultura" ("culture-bearing units") para a sua existencia e
longo de tempo, a primeira necessidade, acredito, e de realizar uma data~o           I          ,ocial como "tipos organizacionais" ("organizational types"). Tal
que permita captar os seus desdobramentos no tempo, com redefini~oes e                III III dade de perspectivas explica, inclusive, por que em reelabora~oes
elabora~oes, isto e, como uma trajet6ria em certa medida autoeonduzida.                I III )t s (1971, 1975, 1983) Cardoso de Oliveira faz men~ao e utiliza

Assim, anotei a existencia de tres momentos basicos, que eu caracterizaria               II IIluJacOes desse autor.
como a apresenta~o e defini~o da n~ao, enquadramento socio16gico e
problematica da identidade etnica22. Obviamente caberia a ressalva de que

                                                                                            II   I mbrar algumas consideracrOcs de Derrida: "As nocroes abstratas
22Em funcriio do interesse J?l:culiar desta parte do trabalho (focalizar algumas        111111rn aempre uma figura sensivel ( ... ) 0 sentido primitivo, a figura
teorias sobre contato mteretnico). concentrei minhas observacroes                    ,   II I, lempre sensivel e material ( ... ) nio 6 exatamente uma metafora. ~
primordialmente nas duas primeiras fases. mais adiante referindo-me a certas        IlII     I Ie de figura transparente, equivalente a urn sentido proprio. que se
contribuicrOes e desdobramento desta terceira fase (a qual se enquadra no          " II I II III I em uma metafora quando 0 discurso filos6fico a coloca em
estudo geral de identidades sociais).                                                h,"1  0" (Derrida. 1971:2-3).
44                                                                                                                                                              45
Ao sugerir uma intera~o continuada entre duas sociedades, a o~o de            I ,taqu~ e dado aoO;ao de "potencial de integra~o" [1967] (1972:87-9),
fric~ao fecha 0 caminho a imagens e conceitos que tendem a descrever 0             III dcslgna 0 grau de dependencia que urn grupo tern de recursos
contato como algo acidental e instantiineo, possuindo urn "carater                  olllrola~os por.outro, 0 que indicaria a sua capacidade de integralrllo no
disruptivo" e conduzindo a urn estado de anomia ou mesmo de                              t rna mteretnlco.
desorganiza~ao social. Ate mesmo por suas associa~oes inconscientes,                      A procurar esmiulrar analiticamente as relalrCies entre grupos
portanto, a teoria da fricr;iio interetnica niio pressupunha a condir;ao de         IIv)lvldos em urn sistema interetnico, 0 autor aponta uma
indio como passageira, levando os pesquisadores a nao projetar nos fatos         I 1111 spondencia 16gica entre tais fenomenos e as classes sociais dentro da
observados ideias quanta a "extin~o" (brusca) ou ao "desaparecimento"                II -dade brasileira [1967] (1972:87), afIrmando que a friclrao interetnica
(gradual) desses povos.                                                                I        "equivalente 16gico (mas oao ontol6gico) do que os soci610gos
    Cabe observar que os conceitos ai utilizados possuem urn campo de            I h IIllum de 'luta de classes' ".

aplica~ao bastante extenso. Os grupos sociais que estao envolvidos na                                                    a
                                                                                          Mas considerando a enfase dada inte~ no texto citado, 0 usa dado
situa~ao de fric~ao interetnica sao caracterizados da forma mais ampla                  110 no de classe parece diferir muito dos esquemas marxistas
possivel, ora como "grupos tribais" (1962:128, 129), "sociedades tribais"        "1"0 irnando-se mais de uma sociologia do conflito industrial, onde ~
(1962:128, 129) ou mesmo "sociedades" (1962:129; 1964:30), ora de                   hlllill entre~. classes CO?~Uz a urn aprimoramento do sistema (no
modo ainda menos carregado de pressuposi~oes, como ao falar, por seis                 I 10 tecnologlco e de pohttcas de bem-estar social- vide Dahrendorf
vezes, em "popula~oes" (1962:127, 128 e 129). Tambem a tarefa de                  IIJ I) , ou ainda da concePrllo vigente na economia politica classica, ond~
precisar 0 conteudo das relalroes entre esses grupos fica a cargo da pesquisa      I         s ~ grupos co~ funlroes ecooomicas diferenciadas e especializadas.
empirica: " ... a sociedade tribal mantem com a sociedade envolvente                      A dlscussao sobre mtegralrao val ter como conseqilencia a retomada de
(nacional ou colonial) rela~oes de oposicao, hist6rica e estruturalmente              11 11 ma, dualistas, par~lhados pelos ~studiosos da aculturalrao e pela
demonstraveis" (1963; 1964:30 e 1965;79).                                          III 101 gla da modermzalra02 . ASSlm, ao tecer comentarios sobre

    Em urn segundo momento, Cardoso de Oliveira (1965 e                           I I r I no e assimilacao (esta marcada como fato que s6 tenderia a ocorrer
principalmente 1967, no artigo intitulado "Problemas e hip6teses                     111I ndividuos de terceira geralrllo, com indios urbanizados ou ainda
relativos afri~o interetnica") procura dermir suas id6ias de urn modo que                 1 ~() ), Cardoso de Oliveira observa que ..... 0 destino das sociedade's
considera majs preciso, atraves da utiliza~ao de alguns conceitos                I III IIUS, enquanto sociedades, e0 da sua descaracte~ao progressiva, na
sociol6gicos. 0 que foi antes denominado de friclrao interetnica agora e        I I tllll em que vao sendo integradas         as     economias regionais" [1962]
caracterizado como urn sistema interetnico, composto por dois                   II IJ I : 129). No mesmo texto, indica que as pesquisas devem se orientar
subsistemas, o tribal e 0 nacional, em oposilrlio e contradilrlio urn com 0     I 1110 pllra urn estudo de situar;iio quanto para urn estudo de processo, por
outro. A escolha desses cpnceitos parece proceder de uma sociologia da          I I          J1lcndendo ..... a elucidalrllo dos mecanismos que norteiam a
moderniza~ao - e mencionado Gino Germani, 1962 - cujo esquema                   II I 10 da ordem tribal a ordem nacional, em que se transfiguram ou
te6rico tern uma divida clara com as elabora~oes funcionalistas de Talcou       , III I lJl a se transfigurar as populalrCies aborigenes" [1962] (1972:127).
Parsons.                                                                                 I I l~d~, ao enquadrar sociologicamente a nO;llo de fric~ao interetnica,
    Surgem, em conseqiiencia, alguns elementos de rigidez em sua analise,          I        ph Ita que O' seu foco de investigalrllo e 0 P!QCesso de "integr~ao do
que anteriormente nllo se colocavam de forma manifesta. A imagem de             111111 110 sociedade nacional" [1967] (1972:89)25. E ao tentar associar a
fric~o tern, sem duvida, 0 poder de afastar uma visao negativa do conflito,       II I I, pcctiva sociol6gica com um dualismo sOcio-cultural, acaba como
como algo necessariamente disruptivo e disfuncional. Passa a sugerir, no
entanto, a ideia de urn desajuste temporario, urn conflito que pudesse vir a
ser superado e corrigido, admitindo uma concePrao de sistema onde a                  I III (jYlrO conjunto de textos (Cardoso de Oliveira, 1960 e 1966) e
                                                                                III I II' mente            daqueles aqui abordados, 0 autor mantem' urn conSlante
existencia de entidades diferenciadas ou mesmo contradit6rias viesse a          II I.. II om os esquemas dualistas.
concorrer para a sobrevivencia e 0 dinamismo (atraves de uma                         I I       r lS,istr8:r que um~ tal pre~upa~io te6rica contrasta fortemente com a
transform~ gradual) do sistema.                                                        1111    Ild~ge~lsta. as~uml~~ pelo auto~, que em urn artigo inlitulado "Utopia
    o conceito Msico passa a ser 0 de "integra~o social", que designa "0          I
                                                                                     1".11t a mdlgemsta cnlIcava 0 anlIgo SPI por sua docilidade ideol6gica
                                                                                         Ill. IIllio! do Estado brasileiro: ..... a pergunta para onde m!4davam nunca
processo responsavel pela constituilrlio desse sistema interetnico". Os             I I II' d uma constata~io te6rica de que viriam, no fim de contas a custa de
elementos integrantes desse sistema sao aqui descritos nao mais como                  I I II • le~nol6gica e medico-sanitaria eficaz, a alcan~ar os ~neficios da
                                                                                 I II '         . Nl~tO es~ava imp'H~ito que elas viriam, mais cedo ou mais tarde, a
grupos, mas sim como "mecanismos de integra~o social", sendo possivel                   IH IIlrorar a na~ao b~asilelra, desde que se pennitisse a realiza~io nonnal
distinguir tres "niveis de operalrao do sistema" (0 economico, 0 social e 0     I           II rocesso evolulIvo. Mas nunC8 ocorreu 80S indigenistas brasileiros
politico) onde tais mecanismos podem ser apreendidos em funcionamento.            I         I" Ilca dessa politica levava em seu bojo a supressio quase que total da
                                                                                 111 .. ,1 I IlIllna~iio dessas sociedades" [19611 (1972:62).

46                                                                                                                                                               47
Jpo   o nosso governo - cap 01
Jpo   o nosso governo - cap 01
Jpo   o nosso governo - cap 01
Jpo   o nosso governo - cap 01
Jpo   o nosso governo - cap 01
Jpo   o nosso governo - cap 01
Jpo   o nosso governo - cap 01

Mais conteúdo relacionado

Último

ANTIGUIDADE CLÁSSICA - Grécia e Roma Antiga
ANTIGUIDADE CLÁSSICA - Grécia e Roma AntigaANTIGUIDADE CLÁSSICA - Grécia e Roma Antiga
ANTIGUIDADE CLÁSSICA - Grécia e Roma AntigaJúlio Sandes
 
A horta do Senhor Lobo que protege a sua horta.
A horta do Senhor Lobo que protege a sua horta.A horta do Senhor Lobo que protege a sua horta.
A horta do Senhor Lobo que protege a sua horta.silves15
 
Slides 1 - O gênero textual entrevista.pptx
Slides 1 - O gênero textual entrevista.pptxSlides 1 - O gênero textual entrevista.pptx
Slides 1 - O gênero textual entrevista.pptxSilvana Silva
 
Simulado 1 Etapa - 2024 Proximo Passo.pdf
Simulado 1 Etapa - 2024 Proximo Passo.pdfSimulado 1 Etapa - 2024 Proximo Passo.pdf
Simulado 1 Etapa - 2024 Proximo Passo.pdfEditoraEnovus
 
Habilidades Motoras Básicas e Específicas
Habilidades Motoras Básicas e EspecíficasHabilidades Motoras Básicas e Específicas
Habilidades Motoras Básicas e EspecíficasCassio Meira Jr.
 
Governo Provisório Era Vargas 1930-1934 Brasil
Governo Provisório Era Vargas 1930-1934 BrasilGoverno Provisório Era Vargas 1930-1934 Brasil
Governo Provisório Era Vargas 1930-1934 Brasillucasp132400
 
Recurso Casa das Ciências: Sistemas de Partículas
Recurso Casa das Ciências: Sistemas de PartículasRecurso Casa das Ciências: Sistemas de Partículas
Recurso Casa das Ciências: Sistemas de PartículasCasa Ciências
 
Cultura e Literatura indígenas: uma análise do poema “O silêncio”, de Kent Ne...
Cultura e Literatura indígenas: uma análise do poema “O silêncio”, de Kent Ne...Cultura e Literatura indígenas: uma análise do poema “O silêncio”, de Kent Ne...
Cultura e Literatura indígenas: uma análise do poema “O silêncio”, de Kent Ne...ArianeLima50
 
Apresentação | Eleições Europeias 2024-2029
Apresentação | Eleições Europeias 2024-2029Apresentação | Eleições Europeias 2024-2029
Apresentação | Eleições Europeias 2024-2029Centro Jacques Delors
 
GÊNERO TEXTUAL - TIRINHAS - Charges - Cartum
GÊNERO TEXTUAL - TIRINHAS - Charges - CartumGÊNERO TEXTUAL - TIRINHAS - Charges - Cartum
GÊNERO TEXTUAL - TIRINHAS - Charges - CartumAugusto Costa
 
ALMANANHE DE BRINCADEIRAS - 500 atividades escolares
ALMANANHE DE BRINCADEIRAS - 500 atividades escolaresALMANANHE DE BRINCADEIRAS - 500 atividades escolares
ALMANANHE DE BRINCADEIRAS - 500 atividades escolaresLilianPiola
 
ATIVIDADE AVALIATIVA VOZES VERBAIS 7º ano.pptx
ATIVIDADE AVALIATIVA VOZES VERBAIS 7º ano.pptxATIVIDADE AVALIATIVA VOZES VERBAIS 7º ano.pptx
ATIVIDADE AVALIATIVA VOZES VERBAIS 7º ano.pptxOsnilReis1
 
Slides Lição 03, Central Gospel, O Arrebatamento, 1Tr24.pptx
Slides Lição 03, Central Gospel, O Arrebatamento, 1Tr24.pptxSlides Lição 03, Central Gospel, O Arrebatamento, 1Tr24.pptx
Slides Lição 03, Central Gospel, O Arrebatamento, 1Tr24.pptxLuizHenriquedeAlmeid6
 
Cenários de Aprendizagem - Estratégia para implementação de práticas pedagógicas
Cenários de Aprendizagem - Estratégia para implementação de práticas pedagógicasCenários de Aprendizagem - Estratégia para implementação de práticas pedagógicas
Cenários de Aprendizagem - Estratégia para implementação de práticas pedagógicasRosalina Simão Nunes
 
Programa de Intervenção com Habilidades Motoras
Programa de Intervenção com Habilidades MotorasPrograma de Intervenção com Habilidades Motoras
Programa de Intervenção com Habilidades MotorasCassio Meira Jr.
 
William J. Bennett - O livro das virtudes para Crianças.pdf
William J. Bennett - O livro das virtudes para Crianças.pdfWilliam J. Bennett - O livro das virtudes para Crianças.pdf
William J. Bennett - O livro das virtudes para Crianças.pdfAdrianaCunha84
 

Último (20)

ANTIGUIDADE CLÁSSICA - Grécia e Roma Antiga
ANTIGUIDADE CLÁSSICA - Grécia e Roma AntigaANTIGUIDADE CLÁSSICA - Grécia e Roma Antiga
ANTIGUIDADE CLÁSSICA - Grécia e Roma Antiga
 
CINEMATICA DE LOS MATERIALES Y PARTICULA
CINEMATICA DE LOS MATERIALES Y PARTICULACINEMATICA DE LOS MATERIALES Y PARTICULA
CINEMATICA DE LOS MATERIALES Y PARTICULA
 
A horta do Senhor Lobo que protege a sua horta.
A horta do Senhor Lobo que protege a sua horta.A horta do Senhor Lobo que protege a sua horta.
A horta do Senhor Lobo que protege a sua horta.
 
Slides 1 - O gênero textual entrevista.pptx
Slides 1 - O gênero textual entrevista.pptxSlides 1 - O gênero textual entrevista.pptx
Slides 1 - O gênero textual entrevista.pptx
 
Simulado 1 Etapa - 2024 Proximo Passo.pdf
Simulado 1 Etapa - 2024 Proximo Passo.pdfSimulado 1 Etapa - 2024 Proximo Passo.pdf
Simulado 1 Etapa - 2024 Proximo Passo.pdf
 
Habilidades Motoras Básicas e Específicas
Habilidades Motoras Básicas e EspecíficasHabilidades Motoras Básicas e Específicas
Habilidades Motoras Básicas e Específicas
 
Governo Provisório Era Vargas 1930-1934 Brasil
Governo Provisório Era Vargas 1930-1934 BrasilGoverno Provisório Era Vargas 1930-1934 Brasil
Governo Provisório Era Vargas 1930-1934 Brasil
 
Recurso Casa das Ciências: Sistemas de Partículas
Recurso Casa das Ciências: Sistemas de PartículasRecurso Casa das Ciências: Sistemas de Partículas
Recurso Casa das Ciências: Sistemas de Partículas
 
Em tempo de Quaresma .
Em tempo de Quaresma                            .Em tempo de Quaresma                            .
Em tempo de Quaresma .
 
Orientação Técnico-Pedagógica EMBcae Nº 001, de 16 de abril de 2024
Orientação Técnico-Pedagógica EMBcae Nº 001, de 16 de abril de 2024Orientação Técnico-Pedagógica EMBcae Nº 001, de 16 de abril de 2024
Orientação Técnico-Pedagógica EMBcae Nº 001, de 16 de abril de 2024
 
Cultura e Literatura indígenas: uma análise do poema “O silêncio”, de Kent Ne...
Cultura e Literatura indígenas: uma análise do poema “O silêncio”, de Kent Ne...Cultura e Literatura indígenas: uma análise do poema “O silêncio”, de Kent Ne...
Cultura e Literatura indígenas: uma análise do poema “O silêncio”, de Kent Ne...
 
Apresentação | Eleições Europeias 2024-2029
Apresentação | Eleições Europeias 2024-2029Apresentação | Eleições Europeias 2024-2029
Apresentação | Eleições Europeias 2024-2029
 
GÊNERO TEXTUAL - TIRINHAS - Charges - Cartum
GÊNERO TEXTUAL - TIRINHAS - Charges - CartumGÊNERO TEXTUAL - TIRINHAS - Charges - Cartum
GÊNERO TEXTUAL - TIRINHAS - Charges - Cartum
 
ALMANANHE DE BRINCADEIRAS - 500 atividades escolares
ALMANANHE DE BRINCADEIRAS - 500 atividades escolaresALMANANHE DE BRINCADEIRAS - 500 atividades escolares
ALMANANHE DE BRINCADEIRAS - 500 atividades escolares
 
ATIVIDADE AVALIATIVA VOZES VERBAIS 7º ano.pptx
ATIVIDADE AVALIATIVA VOZES VERBAIS 7º ano.pptxATIVIDADE AVALIATIVA VOZES VERBAIS 7º ano.pptx
ATIVIDADE AVALIATIVA VOZES VERBAIS 7º ano.pptx
 
Slides Lição 03, Central Gospel, O Arrebatamento, 1Tr24.pptx
Slides Lição 03, Central Gospel, O Arrebatamento, 1Tr24.pptxSlides Lição 03, Central Gospel, O Arrebatamento, 1Tr24.pptx
Slides Lição 03, Central Gospel, O Arrebatamento, 1Tr24.pptx
 
Bullying, sai pra lá
Bullying,  sai pra láBullying,  sai pra lá
Bullying, sai pra lá
 
Cenários de Aprendizagem - Estratégia para implementação de práticas pedagógicas
Cenários de Aprendizagem - Estratégia para implementação de práticas pedagógicasCenários de Aprendizagem - Estratégia para implementação de práticas pedagógicas
Cenários de Aprendizagem - Estratégia para implementação de práticas pedagógicas
 
Programa de Intervenção com Habilidades Motoras
Programa de Intervenção com Habilidades MotorasPrograma de Intervenção com Habilidades Motoras
Programa de Intervenção com Habilidades Motoras
 
William J. Bennett - O livro das virtudes para Crianças.pdf
William J. Bennett - O livro das virtudes para Crianças.pdfWilliam J. Bennett - O livro das virtudes para Crianças.pdf
William J. Bennett - O livro das virtudes para Crianças.pdf
 

Destaque

Product Design Trends in 2024 | Teenage Engineerings
Product Design Trends in 2024 | Teenage EngineeringsProduct Design Trends in 2024 | Teenage Engineerings
Product Design Trends in 2024 | Teenage EngineeringsPixeldarts
 
How Race, Age and Gender Shape Attitudes Towards Mental Health
How Race, Age and Gender Shape Attitudes Towards Mental HealthHow Race, Age and Gender Shape Attitudes Towards Mental Health
How Race, Age and Gender Shape Attitudes Towards Mental HealthThinkNow
 
AI Trends in Creative Operations 2024 by Artwork Flow.pdf
AI Trends in Creative Operations 2024 by Artwork Flow.pdfAI Trends in Creative Operations 2024 by Artwork Flow.pdf
AI Trends in Creative Operations 2024 by Artwork Flow.pdfmarketingartwork
 
PEPSICO Presentation to CAGNY Conference Feb 2024
PEPSICO Presentation to CAGNY Conference Feb 2024PEPSICO Presentation to CAGNY Conference Feb 2024
PEPSICO Presentation to CAGNY Conference Feb 2024Neil Kimberley
 
Content Methodology: A Best Practices Report (Webinar)
Content Methodology: A Best Practices Report (Webinar)Content Methodology: A Best Practices Report (Webinar)
Content Methodology: A Best Practices Report (Webinar)contently
 
How to Prepare For a Successful Job Search for 2024
How to Prepare For a Successful Job Search for 2024How to Prepare For a Successful Job Search for 2024
How to Prepare For a Successful Job Search for 2024Albert Qian
 
Social Media Marketing Trends 2024 // The Global Indie Insights
Social Media Marketing Trends 2024 // The Global Indie InsightsSocial Media Marketing Trends 2024 // The Global Indie Insights
Social Media Marketing Trends 2024 // The Global Indie InsightsKurio // The Social Media Age(ncy)
 
Trends In Paid Search: Navigating The Digital Landscape In 2024
Trends In Paid Search: Navigating The Digital Landscape In 2024Trends In Paid Search: Navigating The Digital Landscape In 2024
Trends In Paid Search: Navigating The Digital Landscape In 2024Search Engine Journal
 
5 Public speaking tips from TED - Visualized summary
5 Public speaking tips from TED - Visualized summary5 Public speaking tips from TED - Visualized summary
5 Public speaking tips from TED - Visualized summarySpeakerHub
 
ChatGPT and the Future of Work - Clark Boyd
ChatGPT and the Future of Work - Clark Boyd ChatGPT and the Future of Work - Clark Boyd
ChatGPT and the Future of Work - Clark Boyd Clark Boyd
 
Getting into the tech field. what next
Getting into the tech field. what next Getting into the tech field. what next
Getting into the tech field. what next Tessa Mero
 
Google's Just Not That Into You: Understanding Core Updates & Search Intent
Google's Just Not That Into You: Understanding Core Updates & Search IntentGoogle's Just Not That Into You: Understanding Core Updates & Search Intent
Google's Just Not That Into You: Understanding Core Updates & Search IntentLily Ray
 
Time Management & Productivity - Best Practices
Time Management & Productivity -  Best PracticesTime Management & Productivity -  Best Practices
Time Management & Productivity - Best PracticesVit Horky
 
The six step guide to practical project management
The six step guide to practical project managementThe six step guide to practical project management
The six step guide to practical project managementMindGenius
 
Beginners Guide to TikTok for Search - Rachel Pearson - We are Tilt __ Bright...
Beginners Guide to TikTok for Search - Rachel Pearson - We are Tilt __ Bright...Beginners Guide to TikTok for Search - Rachel Pearson - We are Tilt __ Bright...
Beginners Guide to TikTok for Search - Rachel Pearson - We are Tilt __ Bright...RachelPearson36
 
Unlocking the Power of ChatGPT and AI in Testing - A Real-World Look, present...
Unlocking the Power of ChatGPT and AI in Testing - A Real-World Look, present...Unlocking the Power of ChatGPT and AI in Testing - A Real-World Look, present...
Unlocking the Power of ChatGPT and AI in Testing - A Real-World Look, present...Applitools
 
12 Ways to Increase Your Influence at Work
12 Ways to Increase Your Influence at Work12 Ways to Increase Your Influence at Work
12 Ways to Increase Your Influence at WorkGetSmarter
 

Destaque (20)

Product Design Trends in 2024 | Teenage Engineerings
Product Design Trends in 2024 | Teenage EngineeringsProduct Design Trends in 2024 | Teenage Engineerings
Product Design Trends in 2024 | Teenage Engineerings
 
How Race, Age and Gender Shape Attitudes Towards Mental Health
How Race, Age and Gender Shape Attitudes Towards Mental HealthHow Race, Age and Gender Shape Attitudes Towards Mental Health
How Race, Age and Gender Shape Attitudes Towards Mental Health
 
AI Trends in Creative Operations 2024 by Artwork Flow.pdf
AI Trends in Creative Operations 2024 by Artwork Flow.pdfAI Trends in Creative Operations 2024 by Artwork Flow.pdf
AI Trends in Creative Operations 2024 by Artwork Flow.pdf
 
Skeleton Culture Code
Skeleton Culture CodeSkeleton Culture Code
Skeleton Culture Code
 
PEPSICO Presentation to CAGNY Conference Feb 2024
PEPSICO Presentation to CAGNY Conference Feb 2024PEPSICO Presentation to CAGNY Conference Feb 2024
PEPSICO Presentation to CAGNY Conference Feb 2024
 
Content Methodology: A Best Practices Report (Webinar)
Content Methodology: A Best Practices Report (Webinar)Content Methodology: A Best Practices Report (Webinar)
Content Methodology: A Best Practices Report (Webinar)
 
How to Prepare For a Successful Job Search for 2024
How to Prepare For a Successful Job Search for 2024How to Prepare For a Successful Job Search for 2024
How to Prepare For a Successful Job Search for 2024
 
Social Media Marketing Trends 2024 // The Global Indie Insights
Social Media Marketing Trends 2024 // The Global Indie InsightsSocial Media Marketing Trends 2024 // The Global Indie Insights
Social Media Marketing Trends 2024 // The Global Indie Insights
 
Trends In Paid Search: Navigating The Digital Landscape In 2024
Trends In Paid Search: Navigating The Digital Landscape In 2024Trends In Paid Search: Navigating The Digital Landscape In 2024
Trends In Paid Search: Navigating The Digital Landscape In 2024
 
5 Public speaking tips from TED - Visualized summary
5 Public speaking tips from TED - Visualized summary5 Public speaking tips from TED - Visualized summary
5 Public speaking tips from TED - Visualized summary
 
ChatGPT and the Future of Work - Clark Boyd
ChatGPT and the Future of Work - Clark Boyd ChatGPT and the Future of Work - Clark Boyd
ChatGPT and the Future of Work - Clark Boyd
 
Getting into the tech field. what next
Getting into the tech field. what next Getting into the tech field. what next
Getting into the tech field. what next
 
Google's Just Not That Into You: Understanding Core Updates & Search Intent
Google's Just Not That Into You: Understanding Core Updates & Search IntentGoogle's Just Not That Into You: Understanding Core Updates & Search Intent
Google's Just Not That Into You: Understanding Core Updates & Search Intent
 
How to have difficult conversations
How to have difficult conversations How to have difficult conversations
How to have difficult conversations
 
Introduction to Data Science
Introduction to Data ScienceIntroduction to Data Science
Introduction to Data Science
 
Time Management & Productivity - Best Practices
Time Management & Productivity -  Best PracticesTime Management & Productivity -  Best Practices
Time Management & Productivity - Best Practices
 
The six step guide to practical project management
The six step guide to practical project managementThe six step guide to practical project management
The six step guide to practical project management
 
Beginners Guide to TikTok for Search - Rachel Pearson - We are Tilt __ Bright...
Beginners Guide to TikTok for Search - Rachel Pearson - We are Tilt __ Bright...Beginners Guide to TikTok for Search - Rachel Pearson - We are Tilt __ Bright...
Beginners Guide to TikTok for Search - Rachel Pearson - We are Tilt __ Bright...
 
Unlocking the Power of ChatGPT and AI in Testing - A Real-World Look, present...
Unlocking the Power of ChatGPT and AI in Testing - A Real-World Look, present...Unlocking the Power of ChatGPT and AI in Testing - A Real-World Look, present...
Unlocking the Power of ChatGPT and AI in Testing - A Real-World Look, present...
 
12 Ways to Increase Your Influence at Work
12 Ways to Increase Your Influence at Work12 Ways to Increase Your Influence at Work
12 Ways to Increase Your Influence at Work
 

Jpo o nosso governo - cap 01

  • 1.
  • 2. Joao Pacheco de Oliveira Filho "0 Nosso Governo" Dados de Calatoga~iio n8 PubllcB~jQ (CIP) lntarnaclonsl Os Ticuna e 0 Regime Tutelar (C~mara Brasll.r," do Llvro, SP, ernUJ 052n Oli~~i~;S~~l:~~e;~~~ ~a~~e~~c~:; C 0 regime tutelar! Joao Pacheco de Oliveira Flthp. -- Sao Paulo; Marco Zero; [Brasilia, DF) : MCT/CNPq. 1988. Bibliografia. ISBN 85-279-0080-1 CDD-9S0.) 88-212) -980.5 Indices para callilogo slslemtihco. l. Indices: Brasil: AciD protecioniata do Estade 980.5 2. tndios ; Brasil: PoLitico governamental 980.5 3. tndios : Brasil; Tutela governament.l 980.5 4. Tucunas : Indios: tl:tirica do Sui 980.3 Editores: Maria Jose Silveira, Felipe Jose Lindoso, Marcio Souza Revisor responsaveL: Adalberto de Oliveira Couto Capa de Jorge CassoL com desenho de Pedro lnacio Pinheiro, NgematUcu, Capitao-GeraL dos Ticuna. Mostra 0 demonio Ucae sendo vencido por Yoi ao atacar 0 Lugar de reclusao de uma mOfa nova, na casa de Ngutapa. A cena remonta aos tempo dos Maguta, onde todos os homens eram imortais, e ocorre no territorio sagrado do Ewaie, nas cabeceiras do 19arapi Sao Jeronimo. Copyright by © J030 Pacheco de Oliveira F2 Direitos para publica~ao adquiridos pela Editora Marco Zero, R. Inacio Pereira Editora Marco Zero da Rocha, 273, CEP. 05432, Sao Paulo, SP, Telefone: (Oil) 815-0093. em co-edi~io com 0 MCT·CNPq Conselho Naclonal de Desenvolvimento ISBN 85-279-0080-7 Cientffico e Tecnol6gico 2
  • 3. Sumario Apresenta~ao 9 Capitulo 1: Os Obstaculos ao Estudo do Contato Introdm;;ao 24 A naturalizacao da sociedade 26 A soluCao dualista 29 o esquema das tres realidades culturais 32 Algumas contribuicOes para a analise do contato 36 Urn novo enquadrainento do social 37 Algumas teorias sobre 0 contato interetnico 43 a) a nocao de "situacao colonial" 43 b) a teoria da friccao interetnica 44 c) a m>cao de "encapsuIamento" e seus desdobramentos 49 Para uma analise de situacao 54 Capitulo 2: A Situa~ao de Seringal Introducao 60 o Autor Hist6rico politico-administrativo e apropriacao fundiaria 62 Os antigos patroes 70 Joao Pacheco de Oliveira Filho e antrop6logo, Professor Adjunto de A especificidade da empresa seringalista na regiao 77 Etnologia d.o Programa de, Pos-Graduacao em Antropologia Social do A situacao historica de seringal 83 Museu NaclOnai (UFRJ). E autor de vanos artigos sobre etnohistoria e Duas agencias de contato 86 poli~ica .indigenist~. Organizou a coletanea Sociedad~s Indigenas e Indzgenzsmo, pubhcada pela Marco Zero em 1987. E presidente do Capitulo 3: Elementos de Organiza~ao Social Maguta: Centro de Documentaf;oo e Pesquisa do Alto SolimOes, entidade Introducao: 0 mito de origem do povo Maguta 88 que reline indios e pesquisadores em atividades de preservacao da cultura e Mito e historia 105 dos direitos indigenas atuais. Lendo, no mito, a organizacao social 107 Distribuicao espacial das naf;oes 112 4 5
  • 4. A importfulcia das na,oes 116 Capitulo 9: 0 Regime Tutelar Os paptis de comando 118 Introdu~ao 236 A destrui~l1o das malocas 122 A domina~o colonial em estruturas acefalas 237 o tuxawa 125 Breve hist6rico dos capitiies de Umariacu 239 o poder do seringalista 130 A 16gica de sucessao ao cargo de capitiio 249 o controle e a coopera~o cotidiana dos indios na reserva 256 Capitulo 4: 0 Reencantamento do Cotidiano Introducl1o 137 Capitulo 10: A Dimensao Oculta da Tutela Os crimes basicos 141 Introducao: os limites do dualismo 263 As puniCOes coletivas 144 A pluralidade de referenciais 265 o exfiio de Yoi 145 o "nosso govemo" (toru aegacu ) 267 A deteriora~o dos costumes 150 o lado <:>culto da tutela 274 . As visOes de Ngorane 153 Yoi eo "nosso govemo" 276 Quempode mostrar a salvacao? 154 o desencantamento do mundo e a retomada da queda 279 Capitulo 5: A Forma~ao do Campo Indigenista Bibliografia Introducl1o 161 1. Sobre os Ticuna e 0 Alto Solimoes 281 Os conflitos cqm regionais 165 2. Documentos consultados·295 o florescimentodo PIT 167 3. Fontes estatisticas 298 A politica de recuoS e compromissos 171 4. Diciomirios 299 o encadeamento 16gico das acOes 172 5. Outros textos mencionados 299 6. Referencias te6ricas 302 Capitulo 6: A Representa~ao Sobre Manuelao A epopeia do indigenismo 176 Rela~ao de Quadros Constantes no Trabalho 314 o tradicional eo novo 180 Manueliio eo "govemo dos indios" 183 Rela~ao de Mapas Constantes no Trabalho 314 A mensagem dos imortais 188 A consciencia hist6rica 191 Rela~ao de Graficos Constantes no Trabalho 315 Capitulo 7: Os Componentes Basicos do Campo Introducao 193 A" reserva de Umariacu 195 Os grupos vicinais em Umariacu 197 A natureza dos grupos vicinais 204 o papel de capitiio 208 Capitulo 8: 0 Exercicio da Tutela: Parametros e Compulsoes Introducao 214 o contexto regional do SPI 215 As linhas de atuacao dos encarregados 218 o paradoxa ideol6gico da tutela 222 Os referenciais da Administracao (doutrinas, imagens e praticas) 225 Criterios de eficacia para atuacao dos encarregados 229 o tutor e 0 patriio 234 6 7
  • 5. Capitulo 1: interpreta~Oes, pelas quais teorias cientificas e tradi~oes culturais Os Obstaculos ao Estudo do Contato pretendiam dar conta dos fenomenos ai incluidos. "a espfrito I}lo e de maneira alguma jovem quando se apresenta a cultura cientffica. E de fato muito velho, pois tern a idade de seus preconceitos. Ter accsso a ciencia e rem~ar espiritualmente, aceitar uma mutaeao brusca que deve contradizer urn lla5sado" (Bachelard, 1970:13-22). E preciso evitar tratar as ideias e os conceitos cientificos do passado unicamente como fatos de uma sequencia de "descobertas" que conduzem necessariamente na dir~lo de urn conhecimento sempre mais perfeito e atual - como 0 faz, por exemplo, uma hist6ria da ciencia de inspir~lo positivista, habitualmente instaIada nos manuais da disciplina. Jamais 0 analista conseguira romper com isso se continuar a enquadrar tais ideias e conceitos sob 0 prisma de "erros" ou de "aproxima~oes inexatas". De fato baseiam-se (tal como qualquer outra teoria, as atuais inclusive) em urn sistema integrado de conceitos, que permite refletir sobre certos aspectos da realidade, ao p~o de dificultar a apreenslo de oulros. Vma viagem as tradi~oes do passado sUpOe a paciencia de ver como 0 avan~o do conhecimento exige 0 ct>tabelecimento (e a posterior superacao) AS dados etnognificos sUpOem igualmente uma outra viagem sobre a de certas suposi~Oes basicas. As formula~oes inovadoras nao surgem qual mais raramente se fala: como foi constituido 0 olhar do pesquisador? diretamente da extra~ao, poda ou do enxerto de conceitos em urn complexo Quais as teorias e conceitos que 0 levaram a selecionar certos fatos como 16gico e te6rico diverso daqueles em que eles se encontram, mas sUpOe relevantes, fazendo silencio sobre outros? Quais os pressupostos uma "catarse intelectual e afetiva" em que obstaculos presentes (imagens, implicitos nas explica~oes que pretende fornecer? Aceitar falar sobre uma evidencias e pressupostos) slo devidamente explicitados e criticados. tal viagem significa posicionar-se claramente quanto aos conceitos e A presente tentativa de estudar os fenomenos do contato enquadra-se teorias existentes, explicitando e fundamentando 0 esquema de analise perfeitamente na dire~ao apontada por tais cogita~oes. Antes de apresentar utilizado, comparando-o com outras altemativas existentes e justificando os principios que iraQ orientar esta pesquisa, cabe procurar apontar, ainda as razoes de sua escol,ha. Vma curta recomenda~o de Bachelard destaea a que de forma esquematica, alguns dos principais obstaculos existentes na necessidade disto: "E preciso formar a razAo da mesma maneira que e tradi~lo antropologica ao estudo do contato interetnico. Dessa forma preciso formar a experiencia" (1968:147). escolhi penetrar na tematica do contato nao pelo lado da atualidade ou da Tal exercicio parece mais arriscado e fecundo quando se inicia sem urna proximidade, selecionando estudos mms recentes ou bcneficiando linhas de tomada de posi~oo a priori, ou sem a pretensl10 de inventariar teorias no pesquisa desenvolvidas na propria etnologia brasileira, mas sim pela busca intuito de reaflrmar a corr~o dos pr6prios conceitos. A busca mo e enlao dos principais obstaculos presentes em textos e autores considerados de uma resposta, muito menos de uma paIavra-chave, mas de apreender a c1assicos da tradicao antropologica. racionalidade de construcao de algumas tentativas de resposta e como at se Os autores evolucionistas e funcionalistas, ao definirem 0 marco da cristaIizam certas resisrencias ao progresso posterior da pesquisa. disciplina, inauguram e prescrevem uma forma propria de olhar e pensar As teorias frequentemente partilham de certos pressupostos, remetem a sobre as sociedadeshumanas. Os conceitos elaborados por eles e seus pontos nodais que nlo se esgotam na men~loa urn autor especifico. Tais discipulos imediatos decorrem dessa pcrce~ao elemcntar, raramente sendo elementos se constituem em suportes basicos de evidencias, garantia do explicitados os seus pressupostos. as obstaculos ao estudo do contato avan~o do conhecimento. Cristalizam-se concomitantemente como urn derivam de percep~oes desse tipo, localizadas na base dos principais novelo de resistencias as novas formas de elabora~lo conceitual, quadros te6ricos de referencia existentes na antropologia, de onde precisam transformando-se no que a filosofia da ciencia francesa chamou de ser desentranhadas e submetidas a uma postura critica. "obstaculo epistemol6gico" (Bachelard, 1970: 13-22). Em suas reflexoes sobre 0 processo de constitui~lo do espirito cientifico, Gaston Bachelard mostra que 0 ponto de partida para pensar sobre uma nova area de conhecimento nlo e fazer tabula rasa dos saberes anteriores, mas justamente fazer passar por um crivo critico tais 24 25
  • 6. Apoiando-se na considera~oo de urn conjunto de textos e autores 5 e entrava a discussao te6rica sobre as fronteiras etnicas de cada sistema possivel apreender a existencia na tradi~~o antropol6gica de alguns (Barth, 1969:04), paralisando tambem a investiga~~o das interconexoes obstaculos basicos, situados em diferentes niveis de generalidade; ao que cada cultura mantem com as culturas circunvizinhas. estudo do contato interetnico. A segunda propriedade diz respeito a modalidade de abstra~ que sera praticada na analise social. 0 estudo de uma pessoa ou institui~ao coletiva requer nao a totalidade de tra~os ou padroes ali presentes, mas sim A naturalizQ(;iio da sociedade distinguir aspectos que nao ~o exclusivamente de tal ou tal individuo, mas que se repetem em tOOos os integrantes de urn mesmo genero. A recorrencia de alguns desses elementos permitinl ao analista classificar Tylor utiliza as ciencias biol6gicas como urn paradigma para 0 esses trac;os ou padroes em tipicos ou contingentes, os primeiros passando conhecimento dos fenomenos da cultura, propondo como tarefa basica do a ser organizados em termos de estruturas e submetidos a uma analise antrop6logo proceder a uma compara~o sistematica entre tais fenomenos, cientifica, enquanto os segundos soo vistos como a dimens~o empirica, distinguindo-os uns dos outros e agrupando-os em classes, generos e singular e inexplicavel de qualquer ser ou aconteeimento. espeeies. Uma terceira propriedade reporta-se as condi~oes que propiciam a Trata-se de acompanhar 0 paradigma que concebe 0 conhecimento abstra~ao. A defini~ao cientifica de uma entidade social deve ser feita como urn ato prim'ordialmente classificat6rio. onde urn elemento da eXclusivamente em fun~ao das caracteristicas morfol6gicas ou funcionais natureza (planta, animal, ra~as humanas) deve ser inserido em uma classe, que essa apresenta, enquadrando toda tentativa de, contextualizac;ao como que 0 agrupa junto com outros elementos, e que se contrapoe a outras uma marcha inutil no sentido de'r'eforc;ar as singularidades de cadafato. classes consideradas distintas. A pr6pria n~~o de tribo - indicando uma Nao importa muito saber se as culturas est1io ou nlio concretamente em subdivi~o (desaparecida) de sociedades do passado mas encontrada tambem estado de relativo isolamento, e preciso compreender que as regras de contemporaneamente em povos mais atrasados e sociedades n~o-ocidentais constru~ao analitica tornam efetivamente impossivel pensar 0 - e compatibilizada com esse esquema de perce~ao e entendimento6• relacionamento entre culturas como umfato teOrico. Em decorrencia desse paradigma e que foram constituidas as unidades Essas propriedades atribuidas as unidades da analise social se basicas da analise antropol6gica. com 0 conjunto de pressupostos ai cristalizam e operam na pnitica cotidiana do antrop6logo atraves de urn implicitos. Conhecer uma sociedade significa proceder a urn ato de conjunto de metaforas que contem fortes valora~oes. Uma das imagens enquadramento daquele exemplar empirico em urn tipo 16gico delineado preferidas por antrop6logos funcionalistas e estruturalistas para explicar 0 pelo investigador. A partir disso 0 caminho do conhecimento do social foco central de seu trabalho e afirmar que se ocupam de urn' estudo aponta necessariamente para a constru~ao de tipologias, dir~ao tao "intemo" de uma sociedade, contrastando essa enfase com outros autores criticada por alguns antrop6logos atuais (Leach. 1961; Schneider, 1966. que se fixariam mais nos aspectos "externos" (como, por exemplo, as etc.) rela~oes de domina~ao/subordina~~oa outras sociedades ou os processos de A primeira propriedade - a descontinuidade - resulta de uma analogia, ajustamento daquela sociedade ao meio ambiente em que se situa). estabelecida com fmalidades hetiristicas, entre as sociedades humanas de Considerando a hist6ria das ciencias fisicas, Bachelard ja havia urn lado e as espeeies na~urais de outro. Cada sociedade diverge de outra tal mostrado como a "paixao pela interioridade" se constituia em uma das como cada espeeie se diferencia da outra, isto e, por representarem "pontos formas privilegiadas pelas quais as fantasias (elaboradas com base no de parada na escala da evolu~oo" (Gusdorf. 1974). Urn critico atual dessa senso comurn) penetravam no discurso cientifico, aprisionando-o e tradi~ indica que 0 habito de estudar as culturas como entidades discretas obstaculizando sua racionalidade 7. Varias imagens podem ser utilizadas dentro dessa linha, como 0 par interno/externo, a classifica~ao de observa~oes como "interiores"!'exteriores", "intrinsecas" ou "extrinsecas" 5 (Redfield, 1941 e 1966; Malinowski, 1938 e 1949· Herskovits 1941· Linton, 1940; Monica Wilson, 1936, 1938, 1945; Evan;-Prilchard &.' Fortes: etc. E importante notar que em todos esses casos 0 uso de uma imagem - 1940; F?rtes, 1938; Radcli~fe-Bro~n, 1955; Schapera, 1938 e 1955; Mair, em aparencia sO descritiva - ja traz consigo conota~oes que justificam e 1938; Richards, 1938; Redfield, Linton &. Herskovits, 1936; Siegel et alii, valorizam deuma forma diferencial tal ou tal tipo de pesquisa, exercendo 1954; D?hrenwend &. Smith, 1962; Wagley &. Galvio, 1961; Galvio, 1955 e 1978; Ribeiro, 1970; Narroll, 1964). 6 Por exemplo, 0 Grand Dictionnaire Unillersel dw XIX·"'· Siecle menciona .ao lado de outr.. raizes e significados, a acep~io de triho como "divisio de ~ma fam~a de a~n1ais ou plantas" (t. 17, 2° suplemento, p'g. 484). Neste quadro a :"0 ~ilO do i~leril?r ~,u,m dos pr?cessos fundamentai~ d~ pensam~nto m~onsclenle que e mals dlficil de exorClZar. A nosso ver, a mlenonza~ao e do n~ao de tn~ pas~a a fa.zer parte de ~m conjunto 16gico - lipos, classes, relDO dos sonh,os (.,.), contadores de hist6rias, crian~as e alquimistas vao ao ordens, famili.., tnhos, generos e especles - onde figura como urn quinto centro das COisas; tomam posse das coisas, creem nas luzes da intui~ao que patamar clusificlit6rio. nos instala no cora~ao do real..." (Bachelard, 1970: 101-2). 26 27
  • 7. portanto uma clara normatividade em relayno a forma de conduzir uma A solW;tio dualista investigayno de Campo ou de como ler e avaliar seus resultados. PressuposiyOes que possuem uma funyoo ideol6gica similar podem ser encontradas em outras imagens. Por meio de urn conjunto de imagens Equase wna constante que as ob~ayoes ~ue preCed~m uma d~riyao contrastantes, 0 antrop6logo funcionalista e estruturalista freqiientemente ou analise de uma situayao de contato mteretnlco caractenzem 0 fenomeno. desqualifica qualquer 6tica de apreensOO de fen6menos sociais que escape a como muito complexo. Enfrentar essa dificuldade remete sempre 0 sua pr6pria ortodoxia. Constitui uma rotina a disposiyno de temas e estudioso a tentar adequar tal fato ao seu modelo analiti~o, reduzin~o.e capitulos nas monografias tradicionais, sendo de praxe distinguir uma decompondo essa complexidade excessiva em u~ldades S?CI~IS parte puramente "empirica" - onde sao fomecidas informayOes sobre a convencionais. Duas altemativas se apresentam para ISSO, a pnmeIra hist6ria do grupo estudado, suas relayOes com outros grupos ou com 0 apelando para uma concepyao evolucionista da hi~t6ria, a ~e~unda meio ambiente, algumas vezes abrangendo taml>em dados demogrMicos e procedendo a uma decomposiyno do fen6rneno com fmalidade heuriStIcas. estatisticos - da parte propriamente "te6rica" - onde e apresentada a Quando a concepyao do contato com urn fenomen? comp6sito e organizayao social, os rituais e a cosmologia. Em textos com intenyoes dirigida por uma perspectiva evolucionista sur~e habItualmente urn' analiticas encontra-se tambern usualmente uma oposiyao entre as dualismo que caracteriza grande parte ~as peSqUlSas sobrecon~to. As considerayOes de ordem estrutural, que sao ordenadas e que possuem um sociedades que estao concretamente em mterayao (europeus e~ afncanos, valor explicativo, e as de ordem hist6rica, onde os acontecimentos sao brancos e indios) nao sao vistas meramente como contemporaneas, mas fatos singulares, nao passiveis de uma explicayao cientifica, figurando no sao dispostas pelo analista ao tonga de uma escala evol~tiva, onde estao relato somente na medida em que interferem no funcionamento das representados os diferentes graus de progresso da humamdade. Em funyao estruturas. dessa ope~oo te6rica que atribui graus distintos de progresso a ca~ uma Apoiando-se nessas imagens e em suas conotayOes, se desenvolve uma das sociedades em interayno, a cultura do contato passa a ser descn.ta em desvaloriza~iio teorica do estudo do contato interetnico, que passa enta~ a termos de contraste entre instituiyOes e costumes mais "modemos" (IStO e, ser justificado por fatores de ordem pragmatica. Partindo do pressuposto de que derivam da sociedade mais avany.ada) e i~sti.tuiyoes e costumes que sua razao de ser e servir a utilidades praticas, as investigayOes sobre 0 "tradicionais" (isto e, que derivam das SOCledadeS tnbais). . . contato freqiientemente se autolimitam, buscando urn conhecimento A descriyao do fenomeno do contato passa. a se~ felta ~r ":lelO do utiliwio que Bachelard ja havia apontado como urn dos principais legado que 0 evolucionismo deixou para a soclologla funclOnah~~, ou obstaculos ao conhecimento cientifico (Bachelard, 1970:66). Muitos seja, urn conjunto de variaveis pelas quais, esta conduz ~ a~ahse e trabalhos que incidem sobre 0 contato interetnico incorporam claramente estabelece as tipologias dos sistemas sociais. E ? caso de .VarIaV~IS como tais preconceitos, conscientemente reduzindo-se a condiyao de meros homogeneidade x heterogeneidade, indiferencla~ao. x dlfere~cla.yaO de fomecedores de dados empiricos nao organizados ou de textos cuja linha de funyOes, ausencia x presenya de instituiyoes especlahzadas, atnbUl~ao de ordenayao basica e avaliar Uustificando ou criticando) uma determinada status por prescriyao x atribuiyoo de status por escolha, co~tato drreto e politica de colonizayao. 8 cotidiano entre todos os membros da comuilidade x'compartlmentalyoo da vida social, rela~Oes pessoais x impessoalidade d(~.s relacionmt,lentos, importAncia dos vinculos de sangue e pare.ntesco x. e~f~ nos v~nculos economicos form as extensas de falJlihas x famlhas atomlzadas, predominandia do sagrado x seculariza~no progressiva da vi~ ~.ial etc. Urn exemplo concreto da utilizayao de algumas dessas vanavelS para analise do contato e da mudanya social aparece na classica monografia de Redfield (1941) sobre os Maya da peninsula do Yucatan. Os conceitos que resultam desse tipo de analise sublinham fortemente os aspectos culturais definindo cada sociedade como urn conglomerado de 8 A oposi~iio entre essa fun~iio (que Malinowski ja classi~icava coJ!lo "practical anthropology") e a realiza~ao .de uma "vcrdadelTa pesq~l~a trayos de cultura e 0 'processo de mudan~ como a transmissOO e acei~oo antropol6gica" aparece, de forma bastante dueta. por exemplo, no prefaclO de padrlks isolados. Conceitos como os de acultura~ao (H~rskQvlts, que,~' Fortes e E.E. Evans-Pritchard (940) redigem ao _class~,co. fl:fri,~an Linton e outros) e de assimilayao (Znaniecki, R. Park e D. Pierson) se Poll/lcal Systems, observando que por suas preocupa~ocs teoTlcas e "academicas" os autores que contribuem para 0 livro cingem sua aten~ao ao constituem em instrumentos basicos de reflexao, instituindo como via funcionamento dos sistemas politicos nativos. deixando de lado C? fato da privilegiada de abordagem aquelas sociedades a tematica te6~ca da mudan~ presen~a colonial, mais significativa para trabalhos e pesqulsas ,com finalidades "administrativas". cultural. Os elementos da cultura dos grupos em IDtera~ao sno 28 29
  • 8. dicotomizados e rapidamente absorvidos a oposi~llo de tradicional x tradicionais devido a circunstancias especificas, para os te6ricos dessa modemo. perspectiva a mudanf;a cultural possui urna diref;iio gerai e unica.A Alguns autores importantes procuram destacar que M uma d~ao coexistencia e 0 relacionamento entre grupos e culturas e visto dupla no feoomeno das trocas culturais, sendo incorreto do ponto de vista virtualmente como uma anomalia que tende a ser superada a tonga prazo, cientifico pretender estabelecer previamente 0 sentido que tomam os impondo-se os fatores modemizantes e operando-se a dissemina(ao das processos de transferencia e emprestimo cultural. Assim, a aculturaliao foi caracteristicas da sociedade industrial ocidental por todas as partes do definida como estudo dos fenomenos que resultam quando grupos de ·mundo. individuos, dotados de culturas diferentes, entram em contato diretoe Em urn estudo sobre muitos aspectos exemplar, Wachtel observa que permanente, dai decorrendo uma mudan~a nos padrres culturais desses os estudos de acultura(ao padecem de urn "pecado original": focalizando grupos (Redfield, Linton & Herskovits, 1936:149). sociedades que disprem de forlia essencialmente desigual, 0 termo de A esfera cientifica da investiga(llo seria, portanto, focalizar as trocas acultura~ se baseia em uma "hipoteca hist6rica de supremacia" e am~a culturais resultantes do contato entre dois povos, sem restringir 0 estudo trazer consigo a velha marca do eurocentrismo (1971:25). Isso favorece a do processo de aculturaliao a apenas urn dos lados e sem estabelecer que a descrif;iio do contato siga uma historiografia exclusivamente inferencias sobre 0 sentido geral da mudan~a. Varias pesquisas realizadas ociden/ai, sem incorporar a visiio dos indios (1971:22). Outros problemas no Brasil sob a 6tica da acultura~o abordam nao somente as modificaliOes te6ricos igualmente serios tambem ocorrem. Para escapar a fragmentalillo sofridas pelas culturas indigenas em contato com 0 branco, mas tambem das culturas (procedida pelo difusionismo), os autores vinculados a analise as aquisi~res tecno16gicas, de costumes ou de crenlias, que a populaliao de aculturalil10 chamam a atenliao para as fases (graus, etapas) da regional realizou de elementos da cultura indigena. Assim e que urn aculturalil10 ou para 0 resultado final do processo (sincretismo, chissico estudo de Eduardo Galvao (Santos e Visagens, 1955) mostra assimilalil1o, rejeilil1o). Assim, conclui este autor, tal abordagem" justamente a aculturaliao sofrida pelo caboclo amazonico em contato com inviabiliza a analise do proprio contato em sua singularidade e unidade. E as culturas indigenas. Abordando 0 caso dos Tenetehara, grupo indigena indaga: "(... ) 0 que vern a ser do proprio processo? Onde ficam as que esUl em contato com 0 branco por mais de tres 8&:ulos, Wagley e cscolhas, os conflitos, as crialiQeS?" (Wachtel, 1971:26). Galvao observam que a lenta absor~ de padraes indigenas pelos regionais Os autores que se serviram dessa perspectiva para estudar os grupos foi conduzindo a uma condiliao de saturaliao, quando se esgotou a sua indfgenas brasileiros sempre esbarraram em dificuldades para definir os "capacidade de assimilaliao" dos tra(os culturais indigenas (Galvao, [1953] llmites da condiliao de indio. A preocupaliao dominante era mostrar a 1978:128). progressiva descaracterizaliao cultural daquelas sociedadese a absor~o de Quando aplicada a uma situa~o colonial, a n<~llo de trocas culturais, rcnlias e costumes procedentes do branco (vide Schaden, 1969). 0 com as aquisiliQeS e empreslimos sendo vistos como fatos bilaterais, pode squema te6rico utilizado fez com que alguns descrevessem 0 processo de ocultar 0 fenomeno da dominaf;iio, pulverizando-o em cadeias de mudanlia cultural como inexonivel, prevendo como bern pr6xima a transmissao que operam nos dois sentidos9. Dessa forma os estudos de ompleta assimilaliao de urn grupo etnico pelo contexto e pela cultura aculturaliao tiveram uma aplicaf;iio ideol6gica bem clara, com 0 seU modo gional. "0 processo de transforma(ao dos Tenetehara em caboclos estani de abordagem diluindo a quesLao de quem era 0 grupo beneficiario de urna m vias de se completar no espalio de uma gera~ao ou pouco mais" troca cultural. Omitiam tambem a capacidade diferencial de cada grupo para Wagley & Galvllo, 1961:185). Mirmalires mais nuanliadas podem ser definir as suas pr6prias necessidades elechar as barreiras Ii importa(;iio de ncontradas no mesmo texto (vide pag. 30 e principalmente Galvoo pag. costumes, simbolos e tecnologias. Deixavam ainda de estabelecer escalas 12), que coerentemente resulta de urn programa de estudos de aculturalioo de importancia para essas trocas, tendo em vista as conseqiiencias que dirigido por Ralph Linton. 10 teriam sobre a organizaliao social e a cultura do povo receptor. A medida que os autores chegam a ultrapassar as minuciosas amilises concretas, a aparente neutralidade da postura cientifica submerge, vindo a lOA discussio sobre assimila~io acaba retomando sobre suas "conclusoes anteriores, reformulando as previsOes apresentadas na monoBrafia: "Somente tona urn instrumental te6rico e generalizaliQes marcadamente unilaterais e eXJ;>Criencia que adquirimos no Servi~o de Prote~io aos Indios, onde nos arbitrarias. Por mais que especificidades locais prevale(am por periodos amiliarizamos com uma variedade de situa~oes de contato e assimila~io de llropos indigenas, nos permitiu uma perspectiva mais correta. ~ bern possivel limitados ou surjam combinalires singulares entre fatores modernos e que 08 Tenetehara em certo ponto de sua transi~io tomem por outra Itemativa que a de aderir a cultura cabocla ..... (Galvio, 1978:131). Cabe observar porem que a pressuposi~io de assimila~o, implicita nas analises de 9Uma tentativa de refletir sOOre tais fenBmenos aparece em Redfield, Linton & a IIltura~io. sofre uma critica fundamentada exclusivamente no primado da Herskovits, 1936,. por meio da variavel .descritiv.a suj~i~io x do!!:,inancia; I r4/ica e em experiencias extra-academicas, disso resultando a ascensio da porcm em exposI~oes de metodo postenores (vide Siegel et aln, 1954; n yio de integra~io ao plano central das invelliga~oes, subsistindo no Dohrcnwend & Smith, 1962) essa e abandonada. ntanto todo 0 quadro Teferencial. 30 31
  • 9. 1 A penta (tida como irreversivel) de tra~os culturais pr6prios pode levar vida tribal. Essa estratcgia de pesquisa, preocupada em promover uma urn grupo indigena a condi~ao de "indio-generico", onde as peculiaridades recons~ hist6rica do processo de m~ foi decididarnente recusada de sua cultura ja desaparec~ram no processo de integra~ao, mas subsiste por Malinowski, que a considera propria de uma "antropologia de urn sentimento de ser diferente, decorrente tanto da persistencia do antiquanos" (1938: xxx-xxxii). Para ele a tarefa que cabe ao estudioso e, preconceito dos brancoscontra os indios, mesti~os ou os seus ao inverso, investigar "0 que ainda sobrevive do antigo passado tradicional .remanescentes, quanto de a altemativa de incorporacao a sociedade nacional de uma tribo africana (...) pois apenas 0 que sobrevive e relevante para 0 s6 ser possivel em seus estratos inferiores. Essas as razoes pelas quais 0 contato nos dias presentes, e ainda capaz de desenvolvimento ou processo de assimila~ao nao se completaria, ainda que fosse muito alto 0 resistencia" (1938: xviii). grau de integra~ao do indio na sociedade nacional e que a acultura~o 0 Ao construir a sua teoria, Malinowski marca suas discordancias em privasse inteiramente de seu quadro referencial trndicional (Ribeiro, 1957 e face <las anaIises culturalistas do contato, distaneiando-se inclusive da linha 1970). de estudos de acultura~ao (ainda que esses nao sejarn mencionados Em urn texto de carater critico, Da Matta volta-se contra essa diretamente). A sua critica se dirige 80S trabalhos de Monica Hunter (1936 "antrop%gia de integra~iio, onde 0 lado do indio deixava sempre de ser . e 1938), onde as instituiyoes se apresentam como urna "mistura de considerado e 0 ponto de partida era sistematicarnente evolucionista" elementos parcialmente fundidos" (Hunter, 1938: lQ).:que 56 poderiam ser (1979:25). Enquanto tal postura consideraria a sociedade brasileira adequadamente estudados quando decompostos em 'c'omplexos culturais (sobretudo em sua estrutura economica) como fator absolutamente distintos e homogeneos, ou seja, remetidos as "culturas-genitoras" determinante da situa~ao, os indios seriam vistos· em uma perspectiva ("parent cultures"). Malinowski argumenta que a mudaoya cultural e a paternalista como "objetos frageis e vulneraveis, prontos a desaparecer" rorma~o de novas realidades cufturais 0110 podem ser tratadas como 0 (1979:26). Limitando a aten~ao a focalizar 0 grupo tribal e suas rea~oes, produto mecanico de uma mistura, de uma justaposiyao de elementos ignorando-se as suas potencialidades, suas elabora~oes e sua capacidade de parcialmente fundidos (1938: xxi). Trata-se de "novas realidades culturais interferir e reinterpretar uma situa~ao de contato, tal tipo de antropologia de uma Africa ocidentallzada, que rem de ser estudadas por si mesmas" se enclausura em urn rigido esquema analitico. Apesar das diferen~as (l938:xxiv), focalizando 0 modo como elas funcionarn em seu novo te6ricas, as suas conclusoes convergem na mesma dire~ao das criticas de meio, atravcs de mecanismos proprios, "sob pressOes e incentivos Wachtel as teorias da acultura~ao. ngendrados dentro de suas novas instituiyOes" (1938:xix). Mas como realizar isso apoiando-se no metodo funcionalista? Malinowski discorda de Fortes e Schapera, que tentam evitar 0 dualismo o esquema das tres realidades culturais bordando 0 contato como urn fenomeno integrado, que configura a xisrencia de uma cultura propria A seu ver, tal metodo se presta somente para 0 estudo de urna cultura que tenha atingido urn estado de re/aJivo Vma outra forma de enfrentar a complexidade do contato interetnico e qui/ibrio, suposi~o que nao e satisfeita pela cultura do contato. AJX?Ilta a caracteriza-Io como urn fenomeno composto, que deve ser abordado de nocessidade de novas metodos e principios de pesquisa que permitam fazer modo analitico-redutivo, focalizando as unidades menores que 0 progredir esse novo ramo da disciplina, "a antropologia do nativo em constituem. Vma tentativa nessa dir~ao foi realizada por Malinowski mudan~" (1938:xii). (1938 e 1949) e deve ser considerada nao s6 pela posi~ao do autor na Para Malinowski isso nao significa abandonar 0 funcionalisrno, mas disciplina c pela postura programatica que assumiu, mas ainda por seu mplexifica-Io, tratando nao com duas culturas geradoras, nern com uma carater sintomatico, explicitando pressuposi~oes, seguidas por muitos ultura tinica (0 que ele considera ser uma postura reducionista), mas com autores posteriores, em constru~oes conceituais algumas vezes dirigidas urn esquema de tres fases onde aparecem a cultura "antiga da Africa, a manifestamcntc contra Malinowski. mportada da Europa e a Nova Cultura Comp6sita" (1938:viii). Ele afmna Solidamentc ancorado no relativismo cultural e em uma sociologia nfaticamente que "De fato, em cada situayao de contato cultural nos funcionalista, avesso a analises teleol6gicas na linha do evolucionismo, l mos nao uma, nem mesmo duas, mas tres fases culturais coexistentes" Malinowski procura refletir teoricamente sobre 0 contato, dissociando para (l938:xv). Na conduyao dessa analise, cada fase apresenta problemas efeitos de investiga~ao as diferentes ordens de racionalidade ai existentes e diversos e deve ser estudada por metodos diferentes, sendo necessario representadas pelas culturas que estilo em urn processo concreto de distingui-Ias e focaliza-Ias separadamente, posteriormente relacionando-as intera~ao. ContrapOe-se decididamente a formula~oes como a de Audrey umas com as outras (1938:xvi). Richards (1938), que fala de urn "ponto zero de mudan~ social", uma A intenylio de Malinowski nlio era de elaborar conceitos gerais e situa~ao anterior a chegada dos europeus e suposta como de equilibrio na dcmasiado abstratos, mas sim que permitissem descer ao plano da 32 33
  • 10. operacionalizayao da pesquisa. Nesse sentido ele procura definir A construyao teorica de Malinowski deixa explicito 0 artificialismo cuidadosamente essas fases, de urn lade distinguindo entre as formas que car~teriza algu~as p~postas (e nao apenas a sua ou as de outros que tradicionais, que persistern (e sao apreendidas no trabalho de campo), e as o segUlssem, mas mclusive <Ie outros que 0 criticam e dele afirmam reconslrUyOCs do passado tribal; de outro lade distingue igualmente entre divergir) de como estudar 0 contato. Retomando as considerayoes os costumes e instituiyocs pr6prias aos europeus na metr6pole e aqueles anteriores sobre os obstaculos cristalizados em tome (e em defesa) de urn que sao efetivamente atualizados na vida da colonia. Quanto a cultura do determinado ponto de vista ou pressuposto te6rico, e necessario frisar que contato, ele explicita que por isso entende 0 fenomeno de uma mudanya as reflexoes e busca de soluyoes partem de urn modelo naturalizado das autonoma e resultante da reayao(acarretando pelo menos urn soci~dades, que so permite pensa-Ias como organismos integrados e desajustamento temporario) entre as duas Outras culturas. relauvamente harmonicos, cuja analise exige sempre uma abstrayao do Propoe a conslrUyao de uma Carta ou Tabela onde as Tres Realidades ontexto e uma enfase especial nos aspectos anatomicos e fisiologicos. 0 Culturais fossem Jepresentadas por colunas diversas, a cada esfera da tudo do contato nilo e essa "terra de ninguem da antropologia" (no dizer cultura equivalendo uma linha com os contetidos que assume em cacta uma de Malinowski) por acaso ou omissao de autores anteriores, mas sim dessas fases. 0 esquema toma simples evidenciar 0 que Malinowski julga porque os fundamentos sobre os quais estava assentada a construr;ao do ser a base da mudanya cultural - que as pressoes e adaptayoes se exercem modelo cient(fico de sociedade retiravam justamente da cogitar;iio do primordialmente para responder a determinada$necessidades, as quais eram pesquisador osfatos do contato, sobrevivendo apenas como constatar;oes anteriormente satisfeitas por instituiyoes hom610gas, Le., situadas na cmp{ricas sem maior relew'incia teorica. E por isso que as justificativas mesma esfera de cultura, Assim a explicayao da substituiyao, modificayao upresentadas por varios autores para a considerayao do contato estilo ou fusao de instituiyoes passa necessariamerite pela busca do que ele freqiientemente marcadas por razoes utilitarias, de ordem pratica ou ainda chamou de Fator da Medida Comum ("Common Measure Factor") e pela humanitarias. descoberta de homologias entre instituiyoes e esferas das culturas em l!ma aborda~em teorica ao contato, como quer Malinowski, precisa contato. fabncar, por melO de expedientes indiretos, urn objeto te6rico compOsito, Procurando agora avaliar essa teoria cabe inicialmente indicar 0 quanto que retina e aglutine as caracteristicas de diferentes unidades sociais. A essas formulayoes dependem de sua teoria geral sobre a sociedade como urn " omplexidade" que 0 analista enxerga no contato - e que de modo algum conjunto de instituiyoes que cumprem funyoes sociais satisfazendo a dccorre do proprio fenomeno e sim do modele de sociedade utilizado para lntcrpr~ta-Io - deve ser entilo reduzida aos fatos "simples", isto e, determinadas necessidades, estando tais insliluiyoes inter-relacionadas em urn lodo coerente e relativamente equilibrado (vide Malinowski, 1975)11. passivels de serem analisados segundo 0 modele de unidade social adotado. A sua teoria da mudanya se apoia justamente em uma visao (nao lese modo para poder analisar tal fenomeno 0 investigador precisa durkheimiana) do social e do conceito de funyao, ambas nao partilhadas r' orrer a ideia de sobreposiyilo de tres sociedades - a colonizadora a por outros antropOlogos ingleses (Radcliffe-Brown, Fortes, Schapera, 'olonizada e a cultura do contato. ' Evans-Pritchard). A t~nta~va de inovayao te6rica termina em urn impasse, pois se as Silo as decorrencias disso - como a teoria das necessidades e a peculiar Iluas pnmerras correspondem a construyoes convencionais em tome da compartimentayao das esferas da cultura - que propiciam a Malinowski a . ncepyao ja criticada de sociedade, a terceira, mantendo 0 mesmo modelo base para 0 entendimento dos processos efetivos de mudanya social, lnalitico, pretende dar conta e abranger aspectos que sao justamente sempre segundo linhas homologas de transmissao e influencia. A eficacia purgados por tal visao (a hist6ria, a adaptayao ao meio ambiente, a dessa forma de iilterpretayao da mudanya exige, portanto, que 0 contato qu stilo das fronteiras do sistema social). A terceira sociedade parece ser seja visto nilo como urn fato coerente e integra<lo (como pretendiam outros portanto uma tentativa nominalista de ocupar com uma categoriafrouxa, funcionalistas), mas sim como urn fenomeno em si contraditorio e lUI: niio satisfaz aos requisitos teoricos de uma sociedade e de uma cultura. heterogeneo, uma vez que composto por diferentes conjuntos de r) spar;o exterior a um quadro teorico de referencia. camuj1ando assim a instituiyoes que, embora apresentem coerencia interna em cada cultura, rise de um modelo, conflitam uns com os outros'. Dai a sua proposta de enfocar 0 contato atraves de uma "tabela de tres entradas", 0 que virtualmente significa proceder a uma analise reducionista do fenomeno. que t rana a 0PlD180 d e a I guns b'6 gra f os e h " ' I l O con " " "- 1 lStonadores da antropologia, que consideram os seus estudos sobre mudan~a cultural como uma parte isolada e menor de sua obra. 34 35
  • 11. Algumas contribui~oes para a analise do contato lmo de grande valia, buscando apreender em separado a distinta dinamica I aLua~lio da administra~o local e das missoes (1938:63-72)15 lnversamente a Schapera, Fortes aponta os condicionantes de diversas As fonnul~oes de Malinowski foram aqui destacadas por se tratar de il dens que limitam a lil>erdade de escolha dos ocupantes de tais cargos, . uma tentativa ambiciosa e radical de contornar a.crise de urn modelo de nstatando que em geral sao papeis e caracteres sociais estereotipados, construy!<> de sociedades com a elaboray!<> de urn novo quadro conceitual, t Into do ponto de vista do nativo quanto dos 6rgoos coloniais (1938:90). especffico para 0 estudo do contato. Existem outras formula~oes, no ~ r~ando a importancia de dispor de boas descri~oes etnograficas das entanto, que possuem urn carater mais setorizado e ptocuram enfrentar I~ ncias de contato, Fortes observa que isso e tao relevante quanto estudar algumas dificuldades particulares. Ainda que seus autores n:io cheguem a ultura tribal (1938:91). recusar inteiramente 0 modelo naturalizado de sociedade, suas reflexoes Mas a constata~lio da existencia de heterogeneidade nao diz respeito ajudaram bastante a operacionalizar a pesquisa sobre 0 contato interetnico, lmente aos brancos, estendendo-se igualmente aos nativos. A absor~o ,. contribuindo com criticas fecundas e retifica~oes importantes quanto ao Jl 1 s nativos de costumes e cren~as europtias nlio e de modo algum esquema tradicional de aruilise. . lit l~ erne em uma tribo, variando de acordo com posi~oes de parentesco, Alguns autores indicaram 0 perigo de que as descri~oes do impacto das om papeis rituais ou religiosos, com fun~oes economicas etc. Schapera institui~oes europeias sobre as culturas africanas vi~m a sec conduzidas Ih rva que sob fortes influencias externas, a escala de varia~oo existente por meio de conceitos genericos, como 0 de moderniza~oo, secuIariza~o, 111 ada cultura pode admitir distAncia entre padroes contrastantes muito institui~oes colorriais, heran~a euro~ia etc. Apesar de suas limi~oes 111 Ilores do que em rela~o a outras cuIturas, ou da mesma em urn outro te6ricas e da sua conten~ao politica 2 Malinowski e 0 primeiro autor a III lmento do tempo (1938:28). s~blinhar fortemente a assimetria existente no processo de mudan~a am refletir sobre esse processo de aproxima~oo entre 0 universo <10 social. 13 E, ao falar sobre ltcnicas de investiga~lio do contato, reitera a 1l1onlzador e do colonizado na figura de alguns individuos nativos, importfulcia da pesquisa de campo para conseguir apreender junto ao grupo II ~iram posterionnente diferentes conceitos, como os de "middleman", tribal a significa~ao e as repercussoes do contato, pois "... e 0 nativo "III iator", "broker" e "patron" (Bailey, 1960 e 1969; Friedrich, 1968; quem e primariamente afetado pela mudan~a cultural, quem ainda I' II • 1971; Atwood, 1974). Uteis para descrever a fun~o de media~o pennanece como protagonista do drama" (1938:x) . III estruturas politicas e economicas assimetricas, tais papeis vern em A transmissao de elementos da cultura ealtamente seletiva, a a~ de r 1associados a uma teoria onde a mudan~ cultural possa ser explicada alguns sendO imposta, a de outros sendo facultativa, a deterceiros podendo I I scolhas, calculos e interesses de atores individuais somente (vide mesmo estar desautorizada. Malinowski ja observara a profunda difei'en~ r I as a Bailey fonnuladas mais adiante, oeste capitulo). entre as institui~oes ditas europeias segundo estivessem essas na metr6pole ou em territ6rio colonial. A necessidade de captar conteudos concretamente atualizados pelas institui~oes coloniais nas situa~oes de 11m novo enquadramento do social contato efortemente sublinhada tambtm por Schapera;14 Para evitar que a etnografia do contato sublinhe exclusivamente os fatores individuais e particulariiantes da rela~ branco x nativo, a n~oo lnquanto continuam a admitir como fundamento urn modelo de agencia de contato, particularmente desenvolvida por Fortes, revela-se II tlurulizado de sociedade, as tentativas de elabora~ao conceitual sobre 0 lIul LO interetnico ficam necessariamente limitadas a exercicios de I ( bramento l6gico ou a meras refonnula~oes setoriais ou operacionais. I/tr nle urna ruptura teorica mais profunda. redefinindo a natureza das 12" , na minha opmlao 0 sistema colonial ingles nio tern rival em .ua Ufldades sociais. pode perrnitir que 0 estudo do contato deixe de ser urn capacldade de ~prender com ,. experiencia. sua adaptabilidade e tolerincia, e sobretudo seu mteresse genumo no bem-estar dos nalivos" (1949:161). IIntinente iso/ado na pesquisa antropologica. para 0 qual sao delineados ~ 13"Quan d 0 0 tema pnnclpa I ., 0 aspecto d' - ' ' , Inamlco d 0 Impacto das dUal ' II itos e metodos singulares nao aplic8veis a outros dominios da cultu~as, ~ inleiramente inapropriado esquecer ~ue as influencias euro~ias consllluem em lodo 0 lugar a for~a principal. Elas sao os falores determinanles no que conceme a iniciativa e ao planejamento" (I9g8: xiv), 14"A ideia nativa de Crislianismo nao vern realmenle da Biblia ou do credo pr~rio Malinowski, em trabalho posterior, tenlou definir melhor essa oficial da igreja. Vern .obretudo do missionario que prega para ele e que II Agencias de conlato sao corpas organizados de seres humanos : ~rabalha em .ua irea. Ele (0 nalivo) julga a vida de urn cristio pelas " , Ihando para uma finalidade definida. manipulando urn aparato ImpressOes que forma sobre as condulas e atitudes do missionario..... (1938: I'I priado de cultura malerial e .ujeitos a uma carta de leis, regras e 33-4). I" n Ipios" (1945:65). 36 37
  • 12. disciplina e relativamente imune aos avan~os e discussoe~:e6ricas ai existentes. A visl10 de Gluckman se distancia muito das outras formula~oes Se tais ~fi~uldades embargam fortemente 0 estudo doc()ntato, por L nles, pois ele nll<> ve 0 contato como urn fator desintegrador, sempre outro lado IOsUtuem esse como urn fenomeno cntico, exercendo uma IInfr ntado com a existencia plena e separada das culturas componentes. fun~o de ponta na renova~l1o dos fundamentos te6ricos da disciplina. Para I r clc 0 contato interetnico e urn fator organizador basico para a que a pesquisa sobre esse fenomeno possa se desenvolver e dar contadas 1 ncia de determinadas comunidades, urn elemento ordenador realidades observadas, e imprescindivel constituir algumas altemativas Illilponente da organiza~l1o social. Assim, rejeita firmemente 0 esquema conc~tas de investiga~l1o. Por surgirem como modalidades de condu~ da II Ir realidades culturais desenvolvido por Malinowski (1968:9-10 e 51- . pesqu~sa - e. n~o .como uma. reflexl10 cntica sobre alguns pressupostos I I 63:217-227), afirmando ao contrano que 0 ponto de partida de sua 1111 Ii' e "a existencia de uma unica comunidade Africana-Branca em ce~~.s da dlsclphna - a novldade e 0 caniter radical dessa ruptura foram mmlmlzados por seus contemporaneos e tenderam a ficar ocultados por . I,,(uland" (Gluckman, 1968:10). quase duas decadas, sendo redescobertos pelos manifestos processualistas A fiO:l1o de comunidade com que trabalha Gluckman nl10 supOe limites da antropologia politica da decada de 60. III lais bern delimitados, nem unidades em termos de c6digo de II Ilta~l1o cultural, mas somente que sejam partilhados determinados A meu ver essa ruptura ocorre em alguns trabalhos de Max Gluckman que, e~bora datados da decada de 40 (1939 e 1947), tomam-se mais JlIIlI s de inte~o no comportamento cotidiano dos individuos uns Para Ilit outros. 1 .. Con~ecl<;k>S por publica~Oes posteriores (respectivamente. 1958 e 1968 para o pnmerro, 1%3 para 0 segundo). Nesses textos a suposi~ao central do I In sua argumenta~l1o Gluckman incorpora algumas reflexoes de modele naturalizado de sociedade - a descontinuidade entre as unidades I CHI S coerentes com sua pr6pria perspectiva. Assim, para eSludar 0 sociais -:- e urn. d~ ~us mais importantes corohirios - a identifica~l1o 1I1llil 0 antrop6logo precisaria trabalhar mais com as comunidades do automatlca do IOdlVlduo com os valores sociais - silo questionados na I 'om os costumes, sua unidade de observ~ deve ser "uma unidadede condu~ll<> da pesquisa em Zululand e encaminhadas solu~Oes altemativas. II nll<> de costume - uma aldeia, cidade, acampamenlo, economico e na Ret~mar essas el~bora~oes.pode significar uma contribui~l1o importante ial" (Fortes, 1938:62). aos Impasses te6ncos de hOJe, quando 0 pesquisador se defronta com uma N sa 6tica os agentes de contato nl10 podem ser descurados ou tratados CH I ) fatores externos a vida tribal, mas sim abordados como "parte sit~l1o c.oncreta de contato interetnico e se da conta da inadequacl10 das teonas eXlStentes. . . III r ote da comunidade" (idem). E Gluckman encampa ainda como I lite uti! para 0 processo de pesquisa a recomen~l1o de Schapera de o ponto de partida parece haver sido a constata~ll<> elementar, feita por III •• missioOlirio, administrador, comerciante e recrutador de Gluckman (1968:1-28), de que as unidades bcisicasdeanalise nao podem II h Ilhadores devem ser vistos como fatores na vida tribal da mesma forma ser pensadas como en~i~ades f~h~das ou homogeneas. 0 simples acompanhamento das atlvldades dimas de urn informante e urn evento III I) hefe ou 0 xaml1" (1938:27)17 ritual (como a inaug~l1o de uma ponte) envolve 0 pesquisador em uma essas coloca~Oes de Gluckman que fundamentam a constitui~l1o de 1111 vi lio processualista em antropologia, estando na origem de vanas complexa rede de intera~Oes sociais, cuja explicacao requer a referencia as rela~Oes interetnicas e a pessoas e institui~Oes cujos interesses e valores I ulln ens novas (como a analise de drama, elaborada por Turner, 1957 e sllo ~terminados ~e ~ora <J:l comunidade local (0 aparato da administracll<> Ie JleI 1972); ou a analise situacional, es~ada pelo pr6prio Gluckman colomal, a a~ll<> ml~lonaria, as empresas ecooomicas e as determina~Oes ( 1 ) e desenvolvida por Van Velsen, 1964; ou ainda 0 estudo em termos do mercado mternaclOnal). Rotular de "extralocais" tais feoomenos - como I •• lffipO poli~co" proposto por Swartz, Turner e Tuden (1966) e por se tornou de habito na antropologia, ate mesmo quando se lhes atribuia rll, (1968). E importante, porem, distinguir a visl10 de Gluckman de grande .peso explicativo (Adams, 1970) - corresponderia a impor a uma II d sdobramentos e reapropria~Oes por autores posteriores, sem nova vlsllo da analise social uma classifica~o coerente com uma visllo . tradicional, coisa que Gluckman nl10 faz. Se os aconteeimentos e atores I" u Z ulus e Europeus possam cooperar em uma celebra~io na ponle sociais presentes em uma comunidade nl10 constituem urn universo au'to- til tilque eles fonnam juntos uma comunidade com modos especificos de "1111111. urn face ao oUlro" (Gluckman, 1968:9). Em urn texto poslerior ele explicavel, se as significa~s ali geradas necessariamente extravasam 0 1'1 I I. rn:lh~r a sua con~ep.~i,o de comuni~ade como "urn amplo campo de nivellocal e requerem 0 apelo a outros agentes e costumes, nlio M sentido III III pendencla no qual IndlVlduos dos dolS grupos de cores lem nonnas algum em chamar tais fatos - cruciais - de "extralocais" como se '"otllz.adas de comportamento uns com os outros" (1963:214). configurassem apenas uma linha subsidiaria e comple~entar de f 1' I mizando com Malinowski, em defesa I FOrles e Schapera e III "' nhando paralelamenle sua pr6pria vislo de que 0 fundamenlal seria entendimento. 11111 • padrOes de inlera~io e. nio a cultura do contato, Gluckman chega a III (nnula~io - de senlido didalico, mas sem adequado aprimoramenlo I I I - de que se trala de "urna sociedade unica composla de grupol Illlllllirnenle helerogeneos" (1968:51). 38 39
  • 13. pretender encontrar nele uma falta, urn n1o enunciado, que sO viria a fazer mplares em historia e cujo conhecimento muito poderia auxiliar 0 sentido na voz de seus interpretadores. Illf p610go. Uma leitura atenta de seus textos permitiria afrrmar que a n~1o de A ideia de campo surge nesse contexto, quando Gluckman indica 0 "campo social" ai esti clararnente delineada, inclusive com uma historia e 11 j rente papel que a seu ver a historia teria nas ciencias exatas e nas urn significado bern diversos daqueles que assumiram hoje em dia. Ao II 'iplinas hurnanfsticas. Nas primeiras, a hist6ria se limitaria adescri~1o criticar os paradoxos culturalistas de falar de uma Africa modema, onde III condi~oes do experimento, isto e, do seu "set-up" (1968:209), entr~am as cidades europeizadas e as minas Rand no interior, oposta a IIquanto na antropologia 0 pr6prio objeto'da investiga~1o seria hist6rico, !Jma Africa tradicional, onde viveriam astribos de acordo com suas Hna vez que focalizado em certo periodo de tempo, no correr de uma tradi~s, Gluckman deixa explicito que considera que ambas fazem parte I Ilquisa. 20 de "urn tinico campo social" (1963:215 e 216), de urn mesmo "campo de A seguir Gluckman mostra a utilidade do conhecimento hist6rico, de interdependencias" (214). Mais adiante indica que brancos e negros na area v 'I. que os objetQs da sociologia s1o historicos e os processos at estudada fazem parte de urn "tinico organismo social" (pags. 215 e 216), II' ntrados dificilmente se Iimitam asitua~1o presente do campo. Pondera que 0 administrador e 0 chefe tribal encontram-se em urn campo tinico 1111 0 conhecimento de processos ocorridos no passado ampliam 0 alcance (223), que ambos compaem "urn tinico organismo politico" (215). Ap6s a 11 110ssas generaIiza~oes comparativas (1963:212) eafirma que n1o M apresenta~1o e critica da tabela de tres entradas de Malinowski, ele retoma 11 I cn~a essencial entre processos de mudan~a hoje e os ocorridos no as referencias a ideia de campo, observando que as rela~6es dos grupos 111I sado, desde que sobre esses existam dados suficientes (1963:211). N1o sociais e indivfduos entre si seriam muito melhor tratadas se fossem II IV ria sentido algum portanto em supor que uma tal conce~1o de campo abordadas n1o como eventos a serem localizados em diferentes colunas (e I v sse uma conex1o teorica ou ~pistemologica com a sua utiliza~1o, assim distanciados), mas sim atraves do "conceito de campo social" (232), II adamente anti-historica, na psicologia. que os reuniria e permitiria captar suas interconexoes. Note-se que a A retomada do conceito de campo por autores posteriores ja ocorre no . men~1o ao conceito de campo social e feita explicitamente no texto, onde III rior de uma discuss1o teorica, a sua utilidade sendo de permitir alias aparecem 14 referencias diretas a campo, isoladamente ou Ilrcizar os pressupostos estruturalistas de uma analise politica. Como acompanhado de outro fator (respectivamente as pags. 210 e 217; 232; 1 flnir os Iimites para uma analise? As respostas usuais ate ent1o 223 e 233; 215,216 e 232; 214; 215 e 216; 215; e 232). pontavam para criterios espaciais (relativo isolamento), sociais (0 recorte Acompanhar 0 surgimento do conceito de campo nos trabalhos .de I urn grupo) ou estruturais (a existencia de uma estrutura ideal de Gluckman permite compreender uma aparente contradi~1o que existiria Ilyoes, em situa~1o de equiHbrio). entre a conceitua~1o de campo em psicologia (Lewin, 1952) e a sua A ideia de campo ajuda a de-substancializar a analise social, libertando- aplica~1o na antropologia social. Assim Swartz, Turner e Tuden nelusive das imagens e metiforas que inconscientemente impunham e caracterizam a sua unidade de analise como urn "continuum espa~o­ ralizavam a normatividade derivada daqueles pressupostos. 0 campo temporal" (1966:8) e chamam de diacronico 0 seu metodo de analise. Mas I a a ser descrito como "composto de atores diretamente envolvidos nos observam 0 paradoxa de estarem invertendo a heran~a lewiniana, que pH essos estudados" (Swartz, 1968:6), entendendo-se com isso que os estritamente mais se aproximaria da proposta de analise sincronica II rticipantes trazem consigo para esse processo "valores, sentidos, defendida por Radcliffe-Brown. 18 ursos e relacionamentos" (idem:8). A sua extensao social e territorial, e A contradi~o pode ser entendida quando se percebe que n1o houve l1reas de conduta que envolve mudam a medida que atores adicionais influencia alThuma da psicologia no surgimento da nO(:1o de campo em otram nos processos, ou que os antigos participantes se retiram, antropologia . A elabora~lo do conceito ocorre em uma discussiio com a rretando novos tipos de atividade em sua'intera~lo ou abandonando os historia e no texto citado Gluckman niio se refere a qualquer autor ou v Ihos tipos" (Swartz, 1968:6). teoria da psicologia, embora enumere varlas pesquisas que considera As suposi~oes sobre a integra~1o necessaria e homogenea das partes, 0 II liter de sistema e a sua condi~o de equilibrio sao abandonadas como urn 11111110 de partida desnecessario, uma vez que n1o apresentam validade IS"Propriamente falando n6s nio estariamos estudando urn 'campo' (na interpreta~io de Lewin). porque a teoria de campo de Lewin trata somente da situa~io conlemporanea como causadora da conduta" (Swartz, Turner e Tuden, 1966:31). . U"N6s observamos que os individuos e seus bens materiais, seus 19 Em alguns trabalhos de Turner, analisando • atualiza~io dos simbolos rupamentos e relacionamentos lersistem atraves das mudan~as.· ~ 0 estudo rituais na pratica social, surge a ideia de campo de poder e campo simb61ico- ,I .uas interdependencias que 0 nosso campo. Para analisa-las devemos ritual. No entanto trata-se de texto muito posterior a formula~io de Gluckman 'Iud'-las por urn periodo de tempo, e a analise da mudan~a entio envolve e com inten~oes bastante diferentes das do metodo diacronico exposto por tudo hist6rico dentro de urn periodo abrangido pelo problema:' (1966:209- Swartz, Turner e Tuden, 1966. 10). .. 40 41
  • 14. universal. Assim afirrnam Swartz, Turner & Tuden (1966:30): "0 que n6s I ltimos fatores - vistos como nao sistematizaveis e passfveis apenas de chamamos de campo polftico nlIo e necessariamente urn sistema fechado, lusfazer a interesses pragmaticos - e os fenomenos de ordem estrutural - mas urn continuo espa~o-temporal com algumas caracteristicas " S vistos como os unicos passiveis de uma explora~o propriamente sistematicas. As partes de uma tal unidade, em condi~oes especificadas, It' rica. podem exibir varios graus e tipos de interdependencia, tanto institueionalizada quanto contingente. Sob condi~oes diferentes, contudo, as mesmas partes podem operar como se estivessem 'fora do bolo', l umas teorias sobre 0 contato interitnico independentemente de outras partes do continuum". . . Se a unidade de analise nlIo tern limites genericamente definidos, a questao de como circunscrever 0 campo de investiga~lIo passa a primeiro ssa nova fonna de recorte do social, se inviabiliza uma conce}J:ao plano e se torna dependente da preocupa~o te6rica que dirige a pesquisa. . II ILuralizada de sociedade e dessa forma remove os obstaculos ja Swartz e bern explfcito sobre isso, nos dois momentos em que define IlIlCriorrnente apontados, nao significa a cria~ de imediato de conceitos e campo sublinhando que a sel~lio de participantes af envolvidos deriva dos I )rias interpretativas. Em fun~ao disso procurei a seguir focalizar "processos estudados" (1968:6 e 8). II umas das principais tentativas de reflexao te6rica sobre 0 contato Em outro texto, Gluckman & Devons (1964) chegaram a indicar IlL'rc1nico, destacando alguns conceitos e esquemas analiticos que avalio alguns criterios para a delimita~ao de u~ c~mpo de invest.ig~~ao, I umo mais interessantes para considera~ao e analise. Ap6s 0 que, mostrando que 0 tra~ado das interdependenclas tern como lImite a I IS ando-me na analise critica d~stes autores e em uma releitura bern manuten~o de urn alto grau de consistencia 16gica e de relev1lncia em face p lI'ticular de Gluckman, e com 0 apoio de outros autores, 'proc?r~ expor e do objeto te6rico da pesquisa. Uma pequena densidade no relacionamento II, Lificar a minha propria visao sobre 0 estudo do contato mteretmco., existente entre pessoas e eventos~ co~. a necessidade crescent~ .de considera~ao de atos frouxamente relaclOnados com a problematIca a) a llO900 de "situLlftio colonial" estudada, indicariam a oportunidade dese estabelecer limites mais estreitos para 0 campo. A no~ao de "situa~ao colonial", elaborada por Georges Balandier, De qualquer modo e importante entender que a conce}J:ao de campo e lin 'ura superar de urn lado "a busca do emologicamente 'p~ro, ,~om fatos antes metodol6gica e instrumental do que de. uma constru~ao 16gico- IlIllI.crados, miraculosamente preservados em urn estado ongmal ,de outro abstrata e te6rica~l. Isso deve ficar claro para eVltar que a nOao de campo 'apar ao empirismo e ao pragmatismo de uma antropologia pratica se transforrne em uma POao milagrosa, que resolveria tOOos os problemas (n llandier, 1951, 1971:35). Critica as pesquisas antropol6gicas por e poderia ser aplicada a todos os dominios da antropologia sem maiores 1 'lIlizarem as mudan~as sociais apenas atraves de processos vistos sempre cuidados. Ha uma tendencia em muitos textos da ultima decada a paradamente uns dos outros (como a entrada da economia monetaria, ou privilegiar a ideia de campo como se fosse urn simples sucedfmco para a II 'n ina moderno, ou a acao missionana), ao inves de perceber que eles antiga conceitua~o de sociedade. Esse risco e ainda mais grave quando se "tl)nsLituem urn todo" e enquanto uma conjuntura particular "imp6e uma leva em conta que nas pr6prias antologias da antropologia polftica rta orientacao aos agentes e processos de transforrnacao" (Balandier, (Swartz, Turner & Tuden, 1966 e Swartz, 1968), se manifesta uma clara dominancia de uma sociologia e uma ciencia polftica funcionalista, 1>71/3). . Ao tentar delinear a especificidade de seu enfoque, dOiS pontos ancorada em conceitos de Parsons, de Easton e de Lasswell, onde muitas clhr saem: primeiro, uma decidida tomada de partido pela totalidade (pag. vezes a palavra campo parece ser comutavel com sistema. . I , ntendida como uma categoria analitica central e vanas vezes repetida e De qualquer modo primordial ter em mente que ao passar a defimr 0 1111 orrer do texto (1971:3,4, 10 e 35); segundo, uma recomendacao de objeto de investiga~aocomo urn campo, a antropologia parece haver dado 1111 os estudos de mudan~ social sejam sempre realizados "em situa~ao" urn passo primordial no sentido de superar urn antigo modelo de perce~ao 1971:8,23/4,36). Apesar de referir-se por vanas vezes a Gluckman e as e afastar-se da n~ao de esp&;ie como urn paradigma para a constru~ao do illS analises de situacao (1971:23 e 35/6), a ace}J:ao que Balandier da ao social. A elabora~ao te6rica nao mais imp6e a abstra~ao de cogita~oes de II I III0 parece afastar-se bastante daquela da antropologia inglesa, o~il~do natureza hist6rica ou procedentes do pr6prio meio ambiente, nem mais litre uma ideia de contextualizacao ou de urn pano de fundo hlst6nco pretende manter uma diviSllo rigida e uma hierarquiz~ao entre esses dois p . 23) e, de outro lado, como uma noc~o capaz de as~egurar a ilL 'gracao entre diferentes pontos de VIsta, desenvolvldo~ por 2l"A conceitualiza~lio aqui avan~ada nio e uma teoria, mas .somente uma hi l riadores, soci610gos, psic610gos e antrop6logos (pag. 23/4). E essa maneira de chamar aten~lio para problemas e fatol que podenam de outro modo ser omitidos." (Swartz, 1968:7/8). IllOma a posiCao que predomina, Balandier (1971:36) explicitando que as 42 43
  • 15. origens dessa abordagem - um "estudo concreto e completo" (1971:27)- II Ita de enfases, nao de exclusividade, em vacios momentos essas r~montariam a n<~ao de "fenomeno social total" formulada por M. Mauss. 1111' Ocs se associando e sobrepondo. E nesse espirito que ele conduz a sua critica a Malinowski, apontando () prlmeiro momento eo da elabor~ao,do conceito, correspondendo a principalmente as limitacoes decorrentes de sua conce~o de institui~ao I 10 programaticos (vide "Estudo de Areas de Fric~ao Interetnica", como resposta a necessidades, bern como refutando a cren~a de que 0 I'Ill to de pesquisa publicado em 1962), polemicos ("Acultura~ao e contato e a mudan~ cultural oeorreriam entre institui~oes hom610gas. I,. ~ () Interetnica", publicado em 1963) e que resultam de uma prlmeira Em uma avalia~ao global parece-me que a n~o de situa~o colonial I utlliva de aplica~ao pratica dessas ideias ("0 Indio e 0 Mundo dos em pouco poderia ajudar a viabilizar as pesquisas atuais sobre contato III III s", 1964). Vma referencia oosica e 0 texto ja citado de Balandier e a interetnico. A conce~ao da situa~ao colonial como urn todo complexo II I II 'ao de situa~ao colonial, da qual Cardoso de Oliveira destaca a (pag. 3 e 10) nao se operacionaliza de nenhum modo e a pr6pria defini~ao I'll I upacao com a totalidade, 0 que implicaria em considerar que 0 apresentada revela-se como muito generica ("... a domina~ao imposta por II II lit lnteretnico se da entre "grupos relacionados entre si em termos de uma minoria estrangeira, 'racialmente' e culturalmente diferenciada, em 1IIIIIICI110 e submissao" (1964:21). 0 contato entre grupos tribais e nome de uma superioridade racial (ou etnica) e cultural afrrmada de modo III mos da sociedade brasileira, quando caracterizado por seus aspectos dogmatico sobre uma maioria aut6ctone materialmente inferiorizada" (pag. 111111 'Iltivos e conflituosos, diz 0 autor, assumiria uma propo~ao total, 34-5). Vma tal enumera~ao de caracteristicas economicas, politicas e II Illd a envolver toda a conduta tribal e nao-tribal (1962:128). A ideo16gicas nao consegue dar solidez it no~ao ou concretizar melhor 0 II I II ' 0 da situa~ao de fric~ao interetnica e de uma " ... situa~ao de encaminhamento da analise. I III 10 entre duas popula~oes 'dialeticamente unificadas' atraves de II I diametralmente opostos, ronda que interdependentes" (1962:127- b) a teoria da fricr;iio interetnica I AI ntar para 0 proeesso de metaforiza~ao - nao apenas implicito na Das pesquisas sobre contato realizadas no Brasil no final da decada de Ilhl II 1.1I~nO, mas constitutivo do pr6prio ato criador23 - poderia ajudar a 50 e no correr da decada de 60 resultou a elabor~ao de urn metodo de , I r 0 posicionamento do autor diante de outras linhas e vertentes abordagem as sociedades indigenas freqiientemente denominado de teoria da I ". A pr6pria escolha do termo fric~ao ja indicaria a preocupa~ao do fric~ao interetnica (vide Cardoso d~ Oliveira, 1962, 1963, 1964, 1966, 111111 In salientar como componentes estruturais do contato 0 conflito e a 1967, 1971, 1972, 1972b; posteriormente, 1975, 1980 e 1983). Em urn I I fill: 0 continuada. Ao banir de seu discurso imagens como a de outro texto (Oliveira Filho, 1985) pr()curei apontar as conexoes que essa I' II nissao", "ado~ao", "assimila~ao" ou "incorpora~o", Cardoso de teoria mantem com outros enfoques sobre 0' contato igualmente praticados Iv chama a aten~ao nao para os aspectos culturais, mas para as no Brasil, indicando paralelamente os seus desdobramentos na pesquisa III . sociais que sao ai constituidas. Trata-se de modificar 0 foeo da antropo16gica, servindo por mais de duas decactas como 0 referencial basico , I aCao, afastando-se de uma diretiva em termos de "mudan~a" ou de para as investiga9<ks sobre contato realizadas no pais. Aqui, no 'entanto, 1I/11ll cultural" (expressao preferida por alguns autores ingleses, me concentrarei primordialmente em pensar as suas formula~oes mais III 11 un nte M. Fortes, L. Mair e Audrey Richards). gerais, mostrando suas vincula~oes com diferentes tradi~oes te6ricas e, N sentido a n~ao de fric~ao interetnica tern a mcsma diretiva posteriormente, discutindo sua aplicabilidade ao objeto de investig~no I que as formula~t'les posteriores de Barth (1969: 11-15), cumprindo a selecionado. '11I u de deslocar a enfase dos grupos etnicos enquanto "unidades Para considerar uma teoria cuja elabora~ao se estende por urn periodo ., "torus de cultura" ("culture-bearing units") para a sua existencia e longo de tempo, a primeira necessidade, acredito, e de realizar uma data~o I ,ocial como "tipos organizacionais" ("organizational types"). Tal que permita captar os seus desdobramentos no tempo, com redefini~oes e III III dade de perspectivas explica, inclusive, por que em reelabora~oes elabora~oes, isto e, como uma trajet6ria em certa medida autoeonduzida. I III )t s (1971, 1975, 1983) Cardoso de Oliveira faz men~ao e utiliza Assim, anotei a existencia de tres momentos basicos, que eu caracterizaria II IIluJacOes desse autor. como a apresenta~o e defini~o da n~ao, enquadramento socio16gico e problematica da identidade etnica22. Obviamente caberia a ressalva de que II I mbrar algumas consideracrOcs de Derrida: "As nocroes abstratas 22Em funcriio do interesse J?l:culiar desta parte do trabalho (focalizar algumas 111111rn aempre uma figura sensivel ( ... ) 0 sentido primitivo, a figura teorias sobre contato mteretnico). concentrei minhas observacroes , II I, lempre sensivel e material ( ... ) nio 6 exatamente uma metafora. ~ primordialmente nas duas primeiras fases. mais adiante referindo-me a certas IlII I Ie de figura transparente, equivalente a urn sentido proprio. que se contribuicrOes e desdobramento desta terceira fase (a qual se enquadra no " II I II III I em uma metafora quando 0 discurso filos6fico a coloca em estudo geral de identidades sociais). h,"1 0" (Derrida. 1971:2-3). 44 45
  • 16. Ao sugerir uma intera~o continuada entre duas sociedades, a o~o de I ,taqu~ e dado aoO;ao de "potencial de integra~o" [1967] (1972:87-9), fric~ao fecha 0 caminho a imagens e conceitos que tendem a descrever 0 III dcslgna 0 grau de dependencia que urn grupo tern de recursos contato como algo acidental e instantiineo, possuindo urn "carater olllrola~os por.outro, 0 que indicaria a sua capacidade de integralrllo no disruptivo" e conduzindo a urn estado de anomia ou mesmo de t rna mteretnlco. desorganiza~ao social. Ate mesmo por suas associa~oes inconscientes, A procurar esmiulrar analiticamente as relalrCies entre grupos portanto, a teoria da fricr;iio interetnica niio pressupunha a condir;ao de IIv)lvldos em urn sistema interetnico, 0 autor aponta uma indio como passageira, levando os pesquisadores a nao projetar nos fatos I 1111 spondencia 16gica entre tais fenomenos e as classes sociais dentro da observados ideias quanta a "extin~o" (brusca) ou ao "desaparecimento" II -dade brasileira [1967] (1972:87), afIrmando que a friclrao interetnica (gradual) desses povos. I "equivalente 16gico (mas oao ontol6gico) do que os soci610gos Cabe observar que os conceitos ai utilizados possuem urn campo de I h IIllum de 'luta de classes' ". aplica~ao bastante extenso. Os grupos sociais que estao envolvidos na a Mas considerando a enfase dada inte~ no texto citado, 0 usa dado situa~ao de fric~ao interetnica sao caracterizados da forma mais ampla 110 no de classe parece diferir muito dos esquemas marxistas possivel, ora como "grupos tribais" (1962:128, 129), "sociedades tribais" "1"0 irnando-se mais de uma sociologia do conflito industrial, onde ~ (1962:128, 129) ou mesmo "sociedades" (1962:129; 1964:30), ora de hlllill entre~. classes CO?~Uz a urn aprimoramento do sistema (no modo ainda menos carregado de pressuposi~oes, como ao falar, por seis I 10 tecnologlco e de pohttcas de bem-estar social- vide Dahrendorf vezes, em "popula~oes" (1962:127, 128 e 129). Tambem a tarefa de IIJ I) , ou ainda da concePrllo vigente na economia politica classica, ond~ precisar 0 conteudo das relalroes entre esses grupos fica a cargo da pesquisa I s ~ grupos co~ funlroes ecooomicas diferenciadas e especializadas. empirica: " ... a sociedade tribal mantem com a sociedade envolvente A dlscussao sobre mtegralrao val ter como conseqilencia a retomada de (nacional ou colonial) rela~oes de oposicao, hist6rica e estruturalmente 11 11 ma, dualistas, par~lhados pelos ~studiosos da aculturalrao e pela demonstraveis" (1963; 1964:30 e 1965;79). III 101 gla da modermzalra02 . ASSlm, ao tecer comentarios sobre Em urn segundo momento, Cardoso de Oliveira (1965 e I I r I no e assimilacao (esta marcada como fato que s6 tenderia a ocorrer principalmente 1967, no artigo intitulado "Problemas e hip6teses 111I ndividuos de terceira geralrllo, com indios urbanizados ou ainda relativos afri~o interetnica") procura dermir suas id6ias de urn modo que 1 ~() ), Cardoso de Oliveira observa que ..... 0 destino das sociedade's considera majs preciso, atraves da utiliza~ao de alguns conceitos I III IIUS, enquanto sociedades, e0 da sua descaracte~ao progressiva, na sociol6gicos. 0 que foi antes denominado de friclrao interetnica agora e I I tllll em que vao sendo integradas as economias regionais" [1962] caracterizado como urn sistema interetnico, composto por dois II IJ I : 129). No mesmo texto, indica que as pesquisas devem se orientar subsistemas, o tribal e 0 nacional, em oposilrlio e contradilrlio urn com 0 I 1110 pllra urn estudo de situar;iio quanto para urn estudo de processo, por outro. A escolha desses cpnceitos parece proceder de uma sociologia da I I J1lcndendo ..... a elucidalrllo dos mecanismos que norteiam a moderniza~ao - e mencionado Gino Germani, 1962 - cujo esquema II I 10 da ordem tribal a ordem nacional, em que se transfiguram ou te6rico tern uma divida clara com as elabora~oes funcionalistas de Talcou , III I lJl a se transfigurar as populalrCies aborigenes" [1962] (1972:127). Parsons. I I l~d~, ao enquadrar sociologicamente a nO;llo de fric~ao interetnica, Surgem, em conseqiiencia, alguns elementos de rigidez em sua analise, I ph Ita que O' seu foco de investigalrllo e 0 P!QCesso de "integr~ao do que anteriormente nllo se colocavam de forma manifesta. A imagem de 111111 110 sociedade nacional" [1967] (1972:89)25. E ao tentar associar a fric~o tern, sem duvida, 0 poder de afastar uma visao negativa do conflito, II I I, pcctiva sociol6gica com um dualismo sOcio-cultural, acaba como como algo necessariamente disruptivo e disfuncional. Passa a sugerir, no entanto, a ideia de urn desajuste temporario, urn conflito que pudesse vir a ser superado e corrigido, admitindo uma concePrao de sistema onde a I III (jYlrO conjunto de textos (Cardoso de Oliveira, 1960 e 1966) e III I II' mente daqueles aqui abordados, 0 autor mantem' urn conSlante existencia de entidades diferenciadas ou mesmo contradit6rias viesse a II I.. II om os esquemas dualistas. concorrer para a sobrevivencia e 0 dinamismo (atraves de uma I I r lS,istr8:r que um~ tal pre~upa~io te6rica contrasta fortemente com a transform~ gradual) do sistema. 1111 Ild~ge~lsta. as~uml~~ pelo auto~, que em urn artigo inlitulado "Utopia o conceito Msico passa a ser 0 de "integra~o social", que designa "0 I 1".11t a mdlgemsta cnlIcava 0 anlIgo SPI por sua docilidade ideol6gica Ill. IIllio! do Estado brasileiro: ..... a pergunta para onde m!4davam nunca processo responsavel pela constituilrlio desse sistema interetnico". Os I I II' d uma constata~io te6rica de que viriam, no fim de contas a custa de elementos integrantes desse sistema sao aqui descritos nao mais como I I II • le~nol6gica e medico-sanitaria eficaz, a alcan~ar os ~neficios da I II ' . Nl~tO es~ava imp'H~ito que elas viriam, mais cedo ou mais tarde, a grupos, mas sim como "mecanismos de integra~o social", sendo possivel IH IIlrorar a na~ao b~asilelra, desde que se pennitisse a realiza~io nonnal distinguir tres "niveis de operalrao do sistema" (0 economico, 0 social e 0 I II rocesso evolulIvo. Mas nunC8 ocorreu 80S indigenistas brasileiros politico) onde tais mecanismos podem ser apreendidos em funcionamento. I I" Ilca dessa politica levava em seu bojo a supressio quase que total da 111 .. ,1 I IlIllna~iio dessas sociedades" [19611 (1972:62). 46 47