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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
Departamento de Relações Internacionais
O POSICIONAMENTO POLÍTICO DO BRASIL NO REGIME DE MUDANÇAS
CLIMÁTICAS:
uma discussão de dois níveis
Marcela Costa Pinto Reggiani
Belo Horizonte
2008
1
Marcela Costa Pinto Reggiani
O POSICIONAMENTO POLÍTICO DO BRASIL NO REGIME DE MUDANÇAS
CLIMÁTICAS:
uma discussão de dois níveis
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao
Departamento de Relações Internacionais da
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Orientadora: Matilde de Souza
Belo Horizonte
2008
2
Marcela Costa Pinto Reggiani
O Posicionamento Político do Brasil no Regime de Mudanças Climáticas: uma discussão
de dois níveis
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
ao Departamento de Relações Internacionais
da Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais,
Matilde de Souza (Orientadora) – PUC Minas
Danny Zahreddine – PUC Minas
Rodrigo Corrêa Teixeira – PUC Minas
Belo Horizonte, 26 de Novembro de 2008
3
A meus pais
pelo amor, atenção e incentivo aos estudos,
à minha avó,
por me apresentar à sede do conhecimento.
4
AGRADECIMENTOS
A FAPEMIG, pelo financiamento a essa pesquisa que tornou possível a realização do
meu trabalho.
A PUC Minas pela infra-estrutura de trabalho e possibilidade de expandir meus
conhecimentos.
A minha orientadora, professora Matilde de Souza, pela paciência, carinho, atenção e
direção da pesquisa.
A minha família e amigos que com sua paciência e apoio me ajudaram a ter fé e
perseverança na busca pelo conhecimento.
5
“Don’t blow it – Good planets are hard to
find.” (Time)
6
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo estudar o posicionamento político atual do Brasil sobre a
questão das mudanças climáticas. Esse posicionamento será analisado em dois níveis: o
doméstico e o internacional. No âmbito doméstico será observado o posicionamento e a
coordenação dos ministérios brasileiros, responsáveis pela formulação e implementação das
políticas referentes às mudanças do clima no âmbito doméstico e internacional.
Adicionalmente, será observada a influência dos stakeholders brasileiros no processo de
decisão e implementação das políticas para o clima. Essas duas variáveis influenciam a
projeção do Brasil nas negociações atuais do Regime de Mudanças Climáticas. A metodologia
adotada na pesquisa foi levantamento e análise de documentos e declarações oficiais. Além
disso, foram utilizadas as técnicas de análise dos stakeholders (stakeholder analysis) e a
análise de dados primários sobre cenários de emissões do Brasil. Por fim, conclui-se que há
uma falta de coordenação entre as instituições políticas do Brasil no sentido de formular e
implementar uma política do clima, responsável por reduzir as emissões de gases de efeito
estufa no país e mitigar as mudanças climáticas. Logo, essa falta de coordenação, juntamente
com a atuação de grupos de interesse (stakeholders) influenciam a projeção do país no
Regime de Mudanças Climáticas.
Palavras-Chave: Regime de Mudanças Climáticas; Política Ambiental Brasileira; Jogos de
Dois Níveis.
7
ABSTRACT
This paper aims to study the Brazil’s political positioning about climate change. This
positioning will be analyzed taking into account two levels: domestic and international. In
domestic level it will be observed the positioning and coordination of brazilian ministries
responsible for the formulation and implementation of climate change politics in both
domestic and international levels Additionally, it will be observed the influence of brazilian
stakeholders on the decision making and implementation processes of climate change politics.
These two variables affect Brazil’s projection on the currently Climate Change Regime
negotiations. The methodology used here will be official documents and declarations
analysis. Besides, it will be used stakeholders analysis and primary data about Brazil’s GHG
emissions. Finally, we conclude that there is a lack of coordination between Brazil’s political
institutions concerning the formulation and implementation of climate change politics’,
responsible for reducing GHG emissions and mitigate climate change. In addition, we have
non-governmental stakeholders influencing on the formulation of climate change politics in
domestic level. These variables will affect Brazil’s positioning on the Climate Change
Regime.
Key-words: Climate Change Regime; Brazilian Environmental Politics; Two-Level Games.
8
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
FIGURAS
FIGURA 1 – Esquema Explicativo do Efeito Estufa..................................................... 18
FIGURA 2 – Quadro Resumo da Hipótese.................................................................... 20
FIGURA 3 – Emissões Mundiais de GEE por País em 2000........................................ 39
FIGURA 4 – Emissões Totais de GEE em 2000........................................................... 40
FIGURA 5 – Mapa da Expansão da Fronteira Agrícola na Amazônia Legal................ 52
FIGURA 6 – Mapa da Fronteira de Exploração da Madeira e da Atividade da
Pecuária na Amazônia Legal.......................................................................................... 54
FIGURA 7 – Mapa da Mudança dos Sistemas Físicos e Biológicos e na Temperatura
da Superfície entre 1970 e 2004..................................................................................... 57
FIGURA 8 – Fluxograma Resumo da Pesquisa............................................................. 85
GRÁFICOS
GRÁFICO 1 – Emissões Antrópicas Globais de GEE.................................................. 37
GRÁFICO 2 – Contribuições Agregadas dos Países Maiores Emissores de GEE........ 38
GRÁFICO 3 – Perfil das Emissões Brasileiras por Setor – 1994.................................. 41
GRÁFICO 4 – Perfil da Produção Energética – Brasil e Mundo.................................. 42
GRÁFICO 5 – Taxa de Desmatamento Anual da Amazônia Legal.............................. 44
GRÁFICO 6 – Total de Atividades de Projetos de MDL no Mundo............................ 45
GRÁFICO 7 – Número de Projetos Brasileiro de MDL por Escopo Setorial............... 46
GRÁFICO 8 – Emissões a serem Reduzidas durante o 1º Período de Obtenção de
Créditos dos Projetos Registrados.................................................................................. 47
GRÁFICO 9 – Reduções Mundiais de Emissões Anuais.............................................. 48
GRÁFICO 10 – Crescimento Projetado das Emissões Mundiais até o ano de 2025..... 49
GRÁFICO 11 – Produção de milho em grão dos seis maiores municípios produtores
do país – 2000-2007....................................................................................................... 51
GRÁFICO 12 – Produção de soja em grão dos seis maiores municípios produtores
do país – 2000-2007....................................................................................................... 51
GRÁFICO 13 – Distribuição da Participação da CNA nas Reuniões Legislativas
Federais por Temáticas – 1º a 4 de Setembro de 2008.................................................. 76
9
GRÁFICO 14 – Distribuição da Participação da CNA nas Reuniões Legislativas
Federais por Temáticas – 9 a 11 de Setembro de 2008.................................................. 76
GRÁFICO 15 – Distribuição por Área Temáticas da Participação Semanal da CNA
nas Reuniões Legislativas – 1º a 11 de Setembro de 2008............................................ 77
GRÁFICO 16 – Parecer da CNA nas Reuniões Legislativas sobre Meio Ambiente e
Amazônia....................................................................................................................... 78
GRÁFICO 17 – Proposições em Tramitação no Congresso Nacional.......................... 79
10
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 – Distribuição das Atividades de Projeto no Brasil por tipo de projeto..... 46
TABELA 2 – Distribuição das Terras no Brasil............................................................ 53
TABELA 3 – Grupos de Unidades de Conservação...................................................... 64
TABELA 4 – Anexo IX da Lei 10.165 de 27 de dezembro de 2000........................... 65
TABELA 5 – Identificação dos Stakeholders................................................................ 69
TABELA 6 – Delimitação dos Interesses dos Stakeholders.......................................... 71
11
LISTA DE ABREVIATURAS
BAU – Business-as-usual
CH4 – Gás Metano
CO2 – Gás Carbônico
GEE – Gases causadores do Efeito Estufa
HFC – Hidrofluorcarbonetos
MDL – Mecanismo de Desenvolvimento Limpo
MtCO2 - Milhões de toneladas de CO2
N2O – Óxido Nitroso
ONG – Organização não-governamental
PFC – Perfluorcarbonetos
RCE – Reduções Certificadas de Emissões
SF6 – Hexafluoreto de enxofre
PIB – Produto Interno Bruto
12
LISTA DE SIGLAS
ABIMCI – Associação Brasileira da Indústria da Madeira Processada Mecanicamente
AIMEX – Associação das Indústrias Exportadoras de Madeira do Estado do Pará
CAIT – Climate Analysis Indicators Tool
CNA – Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil
CNRH – Conselho Nacional de Recursos Hídricos
CNUMAD – Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento
CONABIO – Comissão Nacional da Biodiversidade
CONACER – Comissão Nacional do Programa Cerrado Sustentável
CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente
COP – Conferência das Partes da Convenção Quadro das Mudanças Climáticas Globais da
Organização das Nações Unidas
CPCRH – Coordenação do Clima e Recursos Hídricos do INPA
CPTEC – Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos do INPE
DETER – Detecção do Desmatamento em Tempo Real
FINEP – Financiadora de Estudos e Projetos
G77 – Grupo dos 77 nas Nações Unidas
IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia Estatística
IMAZON – Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia
INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
INPA – Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia
INPE – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
IPCC – Painel Intergovernamental para as Mudanças Climáticas
MAPA – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
MERCOSUL – Mercado Comum do Sul
13
MCT – Ministério da Ciência e Tecnologia
MMA – Ministério do Meio Ambiente
MME – Ministério das Minas e Energia
MSG – Modelos de Circulação Geral
NAE – Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República
OCDE – Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico
ONU – Organização das Nações Unidas
PAEG – Plano de Ação Econômica do Governo
PAS – Plano Amazônia Sustentável
PróÁLCOOL – Programa Brasileiro de Álcool
PRODES – Projeto de Estimativa do Desflorestamento da Amazônia
PROINFA – Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia
SAAP – Sistema de Acompanhamento de Atividades Parlamentares
SIPAM – Sistema de Proteção da Amazônia
SISNAMA – Sistema Nacional do Meio Ambiente
SIVAM – Sistema de Vigilância da Amazônia
SNUC – Sistema Nacional de Unidades de Conservação
TCFA – Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental
UNCED – Conferência para o Meio Ambiente e Desenvolvimento da Organização das Nações
Unidas
UNEP – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
UNFCCC - Convenção Quadro das Mudanças Climáticas Globais da Organização das Nações
Unidas
WRI – World Resources Institute
14
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO........................................................................................................ 16
2. O AMBIENTE INTERNACIONAL: O REGIME DAS MUDANÇAS DO
CLIMA.......................................................................................................................... 22
3. O BRASIL E O REGIME DE MUDANÇA DO CLIMA.....................................
3.1. A teoria de Putnam dos níveis de análise............................................................
3.2. O Posicionamento do Brasil no nível internacional...........................................
3.2.1 O Desmatamento da Amazônia no âmbito do Regime.......................................
3.3. O Cenário de Emissões Brasileiro.......................................................................
3.3.1. O Desmatamento da Amazônia..........................................................................
3.3.1.1. Agricultura: Soja e Milho...............................................................................
3.3.1.2. Pecuária e Madeireiras...................................................................................
3.4. Vulnerabilidade do Brasil frente às mudanças climáticas................................
3.5. A política doméstica para as mudanças climáticas............................................
3.5.1. A Legislação Ambiental Brasileira relacionada às mudanças climáticas........
3.5.2.1. O Código Florestal..........................................................................................
3.5.2.2. Lei dos Incentivos ao Florestamento e Reflorestamento.............................
3.5.2.4. Lei sobre o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza.
3.5.2.5. Lei da Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental (TCFA).......................
3.5.2.6. Lei sobre a Gestão de Florestas Públicas......................................................
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4. PROBLEMAS DE COORDENAÇÃO ENTRE OS STAKEHOLDERS.............
4.1. Stakeholders analysis.............................................................................................
4.1.1. Delimitação dos stakeholders.............................................................................
4.2. Os problemas de coordenação entre os stakeholders.........................................
4.2.1. Instituições Governamentais e Congresso Brasileiro........................................
4.2.2. Os Stakeholders do tipo 2....................................................................................
4.2.2.1. Agropecuária e Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil..........
4.2.2.2. Madeireiras......................................................................................................
4.2.2.3. ONGs “Verdes”...............................................................................................
67
67
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71
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75
80
81
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................. 84
REFERÊNCIAS........................................................................................................... 89
ANEXO I - Quadro 1 – Linha do Tempo sobre as discussões das Mudanças
15
Climáticas Globais.......................................................................................................
ANEXO II - Quadro 2 – Os Mecanismos de Flexibilização do Protocolo de
Quioto............................................................................................................................
96
98
16
1. INTRODUÇÃO
“O aquecimento do sistema climático é inequívoco, como
está agora evidente nas observações dos aumentos das
temperaturas médias globais do ar e do oceano, do
derretimento generalizado da neve e do gelo e da elevação
do nível global médio do mar.” (IPCC, 2007(a)).
Em 2007 o IPCC lançou mais um alerta à comunidade internacional: o clima está
aquecendo. É sobre esse crescente problema, que se manifesta tanto no âmbito internacional,
como no doméstico e é percebido também pelos indivíduos, que este trabalho se reporta. Tal
problema pode ser caracterizado como um problema de cooperação, coordenação e
vulnerabilidade, considerando os níveis internacional, doméstico e individual,
respectivamente. Nenhum de nós, sejamos ricos, pobres ou emergentes está aquém desse
fenômeno. O aquecimento é global, os impactos são globais, bem como seus efeitos. É nesse
sentido que se indaga sobre como o Brasil se posiciona nas negociações do regime que regula
as mudanças do clima, a Convenção Quadro das Nações Unidas para as Mudanças Climáticas.
O Brasil, um dos países que, provavelmente, sofrerá sérias conseqüências em função
desse crescente fenômeno climático, é um membro ativo das Nações Unidas em relação às
mudanças do clima. Entretanto, em termos relativos, as responsabilidades do Brasil junto a
sociedade internacional e no que se refere ao fenômeno específico do aquecimento global não
são quantificadas. Então, será a atuação do Brasil no âmbito doméstico e internacional
contribuição suficiente para ajudar a conter o aquecimento global? Serão suas contribuições
para o Protocolo de Quioto, para o desenvolvimento sustentável suficientes para conter as
futuras conseqüências à sociedade, economia e política mundiais? Essa pesquisa se iniciou
tendo em vista essas indagações e levando em consideração os dados das emissões de gases
de efeito estufa, que colocam o Brasil no ranking dos maiores emissores mundiais.
Num cenário internacional caracterizado pelas diferenças e similaridades cada vez
mais marcantes entre os países, economias, sociedades e povos; e pela interdependência dos
atores internacionais, onde a ação de um afeta direta ou indiretamente o outro, é que o
problema das mudanças climáticas está inserido. Logo, precisamos compreender o que seria o
problema das mudanças climáticas. O evento da mudança do clima são evidências percebidas
pela comunidade científica internacional e mostram que o clima mundial está esquentando. O
que significa que a temperatura média global está aumentando, tanto a temperatura do ar
quanto a dos oceanos.
17
Contudo, as mudanças climáticas são fenômenos ambientais comuns ao sistema
climático do planeta. Logo, o aquecimento global é um fenômeno natural normal, o problema
é o ritmo que essas mudanças estão acontecendo atualmente. Onze de um período de doze
anos (1995-2006) analisado pelo IPCC estão no ranking dos doze anos mais quentes desde
1850, quando se começou a registrar instrumentalmente a temperatura da superfície global.
Desde 1850, estima-se que o aumento da temperatura total tenha sido de 0,76°C. Isso, em
termos de temperatura média pode parecer pouco, mas como uma mudança constante, afeta as
geleiras, as áreas cobertas por neve, a temperatura dos oceanos, entre outras mudanças, que,
por sua vez, afetam vários sistemas ambientais e, conseqüentemente, afetam os seres humanos
em geral.
De acordo com os relatórios do IPCC, essa aceleração se deve em parte às ações dos
seres humanos. Através da exploração constante e irremediável dos recursos naturais para
alimentar os sistemas econômicos de todo o mundo, os países estão liberando na atmosfera
gases que causam o aumento do efeito estufa. Antes da exploração, esses compostos químicos
estavam armazenados nos recursos naturais e inofensivos, tanto em sua forma final, quanto
em formas primárias, que ao serem submetidas a processos de mudança químicos ou físicos
são liberados na atmosfera e formam uma camada que reflete parte da radiação solar, o
chamado efeito estufa. O efeito estufa é um fenômeno natural comum, que ajuda a manter a
temperatura na terra, o que permite a existência de todo o tipo de seres vivos. O problema é
que o aumento da acumulação desses gases reflete maior quantidade da radiação solar, o que
aumenta a temperatura da superfície em níveis além do usual.
A figura 1 demonstra como esse efeito se dá e descreve em seis passos como isso
ocorre. (1) A radiação solar passa pela atmosfera limpa, cerca de 343 watt/m²; (2) A radiação
penetra a camada dos gases de efeito estufa a 240 watt/m², radiação filtrada pela camada dos
gases; (3) Alguma radiação é refletida pela atmosfera e pela superfície da terra (103 watt/m²);
(4) A energia solar é absorvida pela superfície terrestre e a aquece (168 watt/m²). Ao mesmo
tempo, essa energia é convertida em calor causando a emissão de radiação infravermelha
(raios vermelhos na figura)de volta para a atmosfera; (5) Certa radiação infravermelha é
absorvida e emitida novamente pela camada dos gases de efeito estufa causando o
aquecimento da superfície terrestre e da troposfera, assim, a superfície aquece ainda mais e a
radiação infra-vermelha é emitida; (6) Alguns raios infravermelhos passam pela atmosfera e
são perdidos no espaço (240 watt/m2).
18
Figura 1 – Esquema Explicativo do Efeito Estufa
Fonte: UNEP, 2002. <http://maps.grida.no/go/graphic/greenhouse-effect>
As mudanças climáticas nos atingem diretamente. Isso porque, a temperatura média
global afeta diretamente os sistemas climáticos como um todo: ciclos de chuva, ocorrências
de furacões, tornados, etc. Além disso, afeta diretamente os biomas, já que altera correntes
marítimas e de ar, e ainda, o aumento da variação climática (altas e baixas temperaturas) tem
ligação direta com os ciclos de vida de diversos seres vivos, afetando desde cadeias
alimentares até provocando mutações em espécies dos seres vivos. Afetando diretamente o
meio ambiente, afeta a nossa vida econômica, política e social. Além disso, os ciclos de
produção mundiais podem ser alterados, isso porque as matérias-primas são recursos naturais.
Esses são poucos de muitos efeitos das mudanças do clima, efeitos específicos para cada
região do mundo, para cada bioma, para cada sistema ambiental, para cada país, cada
indústria, cada ser humano, cada ser vivo.
Percebida a emergência do problema mundial, esforços efetivos e eficazes para o
controle dessas alterações são cada vez mais necessários. É para esse fim que a Convenção
Quadro das Nações Unidas para as Mudanças Climáticas surge em 1992, no Rio de Janeiro,
19
onde líderes mundiais perceberam a necessidade de uma ação conjunta e criaram um regime
para regular essas alterações. No âmbito desse regime ocorreram diversas reuniões das
partes1
, onde foi decidida a criação de um Protocolo que regulasse as emissões de gases de
efeito estufa, estabelecendo metas de redução de emissões desses aos países do Anexo I2
a
serem implementadas a partir do ano de 2008 e cumpridas até o ano de 2012. Esse Protocolo,
como será explicitado nas seções subseqüentes, só entrou em vigor em 2005 devido a diversos
problemas na negociação entre os países.
É nesse cenário da emergência do fenômeno das mudanças climáticas globais que o
Brasil participa desse regime e desse protocolo. Porém, o Brasil, que está entre os países não-
Anexo I3
, não possui metas quantificadas de redução de GEE4
. Contudo, realiza esforços para
a redução dessas emissões, mas não obrigatoriamente. Além disso, o Brasil é um país que
participa ativamente das negociações do regime e do protocolo, seja fazendo propostas e
alternativas para alcançar o objetivo maior do regime ou defendendo os interesses dos países
menos desenvolvidos.
O núcleo do nosso questionamento reside na possibilidade do Brasil passar a ter
compromissos de redução quantificados no âmbito do Protocolo de Quioto. Isso porque, os
países, após os relatórios do IPCC, estão cada vez mais cientes da necessidade de uma ação de
mitigação conjunta por parte de todos os países do mundo a fim de estabilizar os níveis de
concentração desses gases na atmosfera. Principalmente a partir da 12ª reunião das partes do
Regime, que começou a discutir os termos do segundo período de compromisso do Protocolo
de Quioto, em Nairóbi no ano de 2006, os países tem dado atenção a essa necessidade. E têm,
cada vez mais, discutido sobre maneiras dos países em desenvolvimento mitigarem as
mudanças climáticas promovendo o seu desenvolvimento de maneira sustentável.
A partir de todas essas evidências, indaga-se exatamente sobre a situação do Brasil
nesse segundo período de compromisso. Inicialmente, pretendia-se discutir de que maneira as
ações políticas domésticas do Brasil sobre as mudanças do clima afetariam o posicionamento
do país nesse período, se há uma possibilidade maior de serem estabelecidas metas para o
país, como ficaria sua credibilidade como negociador internacional entre outros. Contudo,
1
Ver Anexo I.
2
Países do Anexo I consistem nos países desenvolvidos e países da ex-URSS que aderiram ao Protocolo de
Quioto.
3
Países não Anexo I são todos os países em desenvolvimento que assinaram e ratificaram o Protocolo de Quioto,
contudo não possuem metas quantitativas de redução de emissões de GEE no primeiro período de compromisso
(2008-2012).
4
São os Gases de Efeito Estufa considerados no âmbito do Protocolo de Quioto e pelo IPCC: CH4, CO2, HFCs,
N2O, PFCs, SF6.
20
durante a pesquisa os objetivos se tornaram inviáveis por limitação das informações
necessárias para traçar esse cenário político internacional. Logo, objetiva-se com essa
pesquisa apontar os contrastes entre os cenários internacional e doméstico, que acreditamos
nos proporcionar um caminho para uma análise desse período e dos fatos que propomos.
Para responder às essas indagações será analisado como o país se posiciona
internacional e domesticamente sobre essas questões climáticas: quais são suas políticas,
quem são os atores que influenciam esse processo, como influenciam e qual o resultado desse
processo.
De acordo com a teoria de Putnam (1988), as decisões tomadas no ambiente
internacional, classificado por ele como nível I, têm que ser implementadas no ambiente
doméstico ou nacional, classificado como nível II, e essas decisões, que seriam
implementadas em forma de políticas públicas, são influenciadas por atores nacionais
relevantes (instituições governamentais, atores privados e não-governamentais). E que a
influência negativa ou positiva desses resultariam em um ambiente doméstico tal que se
refletiria no ambiente internacional (nível I).
Figura 2 - Quadro Resumo da Hipótese
Fonte: Formulação própria.
Para o teste da hipótese serão delineados cenários do Brasil em relação às mudanças
do clima, em perspectiva internacional e doméstica. Serão discutidas as teorias para a análise,
tomando como referência analítica o jogo do Chicken estendido a n jogadores (ORENSTEIN,
1998) e os jogos de dois níveis do Putnam (1988).
No capítulo 3 será feita a discussão sobre a questão crucial em relação às emissões de
GEE para o Brasil e os cenários de emissões mundial e brasileiro, apresentando o perfil das
emissões do país para o qual é crucial o desmatamento, principalmente aquele que acontece
Atuação do Brasil no
Regime de Mudanças
do Clima
Grupos de
interesse
Instituições
Brasileiras
Posição vulnerável do
Brasil no segundo período
de compromisso e
subseqüentes
NÍVEL I NÍVEL II NÍVEL I
21
na Amazônia Legal. Será, também, apresentado o perfil do desmatamento nessa região,
levando em conta as atividades agropecuárias, que ajuda a identificar quais são os atores
relevantes para a análise, a ser feita posteriormente. Na subseção 3.2 é apresentado o cenário
de vulnerabilidades do país em relação às mudanças do clima global e às políticas domésticas
para a contenção e mitigação desse fenômeno, momento em que será descrita a legislação
pertinente.
O capítulo 4 discutirá os problemas de coordenação entre os stakeholders (atores
relevantes, privados, governamentais e não-governamentais). Para isso, e de acordo com a
metodologia de análise dos stakehoders do Banco Mundial (2006), serão especificados os
atores a serem analisados e identificados os seus interesses. E por fim, o foco será nos
interesses de cada stakeholder escolhido (ministérios brasileiros, congresso nacional,
representantes do agronegócio e da indústria madeireira e ONGs ambientalistas preocupadas
com o problema da Amazônia), analisando mais profundamente cada caso. As considerações
finais serão desenvolvidas no capítulo 5.
22
2. O AMBIENTE INTERNACIONAL: O REGIME DAS MUDANÇAS DO CLIMA
O ambiente internacional, onde os Estados interagem de maneira estratégica, é
marcado pela anarquia5
e pela interdependência, definida por Keohane (1977, p.7, tradução
nossa) como “[...] situações caracterizadas por efeitos recíprocos entre os países ou entre
atores em diferentes países” 6
. Logo, a ação de um Estado influencia direta ou indiretamente a
de outro(s) Estado(s), podendo gerar falhas de mercado.
É nesse ambiente de interação estratégica e de interdependência que o problema das
mudanças do clima é inserido. Contudo, a temática é recente na agenda política dos Estados.
As questões ambientais começaram a ter maior relevância nos fóruns multilaterais a partir da
Conferência de Estocolmo em 1972. No entanto, acreditava-se naquele momento que a
preocupação com o meio ambiente seria um condicionante do modelo tradicional de
crescimento econômico.
A Conferência de Estocolmo foi seguida de duas outras conferências sobre o clima,
uma em 1979 e outra em 19907
. Com a publicação do Relatório Bruntland, “Nosso Futuro
Comum”, em 1987, elaborado pela CNUMAD, uma nova noção de desenvolvimento é
apresentada. O estudo de Gro Bruntland e sua comissão aborda a questão ambiental de
maneira holística, admitindo que os problemas ambientais são globais e fortemente ligados
aos processos de desenvolvimento econômico e social.
A partir do conceito de Desenvolvimento Sustentável apresentado pelo relatório, a
palavra de ordem era incorporar a variável ambiental à noção de desenvolvimento, para evitar
o esgotamento dos recursos naturais e também suas conseqüências previsíveis tais como
problemas sociais, econômicos, dentre outros. Adicionalmente houve a criação do IPCC,
Painel Intergovernamental sobre a Mudança do Clima, em 1988, o que gerou condições
institucionais para a intensificação das pesquisas em torno das mudanças climáticas, com a
observação de possíveis causas antrópicas no aumento da temperatura. Assim, a temática
ambiental, especialmente as mudanças climáticas se inserem mais fortemente na agenda
política dos Estados. Essa maior preocupação se confirmou durante a Cúpula da Terra, a Rio-
92.
5
A anarquia do sistema é entendida como a falta de uma autoridade central reguladora do comportamento e da
interação dos Estados.
6
“[...] situations characterized by reciprocal effects among countries or among actors in different countries”.
7
Ver Anexo 1 – Quadro 1.
23
Em 1992 os Estados se encontraram na Rio-92, com o objetivo de discutir opções
para um desenvolvimento sustentável. Durante essa conferência foi negociada e instituída a
Convenção Quadro das Mudanças Climáticas Globais, em resposta às diversas evidências
encontradas através de extensas pesquisas, que a mudança climática global estaria sendo
causada, em grande parte, por ações antrópicas. Ou seja, verificou-se que a intervenção
humana no meio ambiente mais especificamente as emissões de gases causadores do efeito
estufa (GEE) seria responsável por parte dessa mudança.
Apesar de ainda não se conseguir mensurar os impactos da ação humana, é fato
comprovado que essas afetam o clima mundial8
. Pelo fato de que esses GEE são lançados e
dissipados na atmosfera, suas conseqüências são difusas, afetando outros países. A
Convenção foi criada porque a emissão dos gases de efeito estufa por um país afeta
diretamente a outro, já que são altamente poluentes e dissipáveis na atmosfera, e geram
externalidades negativas cujos efeitos são coletivos.
Então, a partir dessa Convenção iniciou-se um processo de discussão das partes, as
COP9
, sobre uma possível regulamentação das emissões de gases de efeito estufa, a principal
causa de caráter antrópico das mudanças climáticas. A COP1, que aconteceu em Berlim,
marcou o início das discussões sobre o problema. Contudo, foi durante a COP3, em Quioto,
no ano de 1997, que o Protocolo de Quioto foi criado, com o objetivo de regular as emissões
desses gases. Dentre outras questões, o Protocolo estabeleceu metas de redução aos países, de
acordo com seu nível de desenvolvimento e níveis de emissões, separando assim os países do
Anexo I e os países não-Anexo I.
Com a intenção de sanar as falhas de mercado, esse Protocolo, parte do Regime de
Mudança do Clima, possui mecanismos para prover informação aos Estados e estabelecer
condições para a transparência sobre as emissões mundiais de GEE, como os documentos de
comunicação dos Estados sobre suas respectivas emissões de GEE por período. E assim,
promover a cooperação entre os mesmos, incentivando e estabelecendo a redução de emissões
a partir do princípio da responsabilidade comum, porém diferenciada.
Após intensas negociações entre os países membros da UNFCCC durante as COPs
subseqüentes, o Protocolo entrou em vigor em 2005, prevendo um primeiro período de
compromisso sobre a redução de emissões que começou em 2008 e se estenderá até 2012.
Assim, ficou estabelecido que os países do Anexo I teriam metas de redução de emissões
nesse primeiro período de compromisso, enquanto os países não-Anexo I, bloco onde se
8
IPCC, 2007.
9
Para informações dos acontecimentos específicos de cada reunião vide Anexo 1.
24
encontram os países em desenvolvimento e menos desenvolvidos, não tem metas concretas de
redução de emissões.
Entretanto, a cooperação entre os Estados depende da estrutura de interação entre os
mesmos. Essa estrutura pode ser caracterizada por relações que se fundamentam na assimetria
de payoffs10
, o que afeta a possibilidade de cooperação11
, que neste trabalho se expressa
através de compromissos e ações efetivas para a redução de emissões de GEE. A questão da
cooperação no âmbito do Protocolo de Quioto e, conseqüentemente, no Regime de Mudanças
Climáticas, pode ser pensada através do modelo do “jogo do Chicken” estendido a N
jogadores.
Como se sabe, o modelo do Chicken para dois atores indica uma estrutura de payoff na
qual a deserção unilateral é a melhor alternativa, seguida da cooperação mútua. A matriz
sugere claramente um jogo de colaboração, mas como há duas estratégias de equilíbrio e
ambas são Pareto Ótimo – Desertar/Cooperar e Cooperar/Desertar – problemas de
coordenação também se colocam. Nessa perspectiva, e buscando discutir alternativas teóricas
para a solução de problemas de cooperação e/ou coordenação sem a necessidade do aporte
externo de capacidade coercitiva, como sugerido por Olson, Orenstein experimenta a extensão
do modelo para um número “n” de atores.
Assim, sugere uma diferença entre o bem coletivo discreto e o bem coletivo contínuo,
este último se caracterizando pela necessidade de provisão constante do bem, o que demanda
esforço cooperativo continuado para a sua manutenção. Nesses casos, um número mínimo de
cooperadores seria sempre necessário para a provisão do bem, além do que seria permitida
uma cota de não cooperadores – o bem seria provido a partir de uma cota “n” de
colaboradores e mesmo com a presença de um número “x” de não cooperadores. Desse modo:
“[c]ada jogador prefere a cooperação universal à deserção universal mas prefere
ainda mais a deserção unilateral com cooperação para os N-1 (n menos 1) outros
jogadores. A cooperação unilateral é preferível à deserção universal e continua a ser
preferida até que o valor crítico de K cooperadores tenha sido alcançado: a partir daí
o indivíduo prefere ser um free rider12
.” (ORENSTEIN, 1998, p.31).
10
Assimetria de payoffs é a diferença do que cada Estado irá ganhar em relação ao outro, baseada no curso de
ação adotado.
11
Isso porque a relação entre assimetria de payoffs e deserção é diretamente proporcional, logo a relação
assimetria de payoffs e cooperação é inversamente proporcional: quando os bônus para cooperação são baixos,
os atores tendem a desertar; os modelos teóricos admitem que a alteração desse comportamento esperado do ator
depende da alteração nos ganhos de cooperação.
12
“[Free riders são jogadores que se] beneficia[m] do bem coletivo ao menor custo possível. [São agentes
racionais superinformados, que] sabe[m] previamente que o grupo ao qual pertence enquanto população
relevante proverá o bem coletivo independente da sua deserção.”
25
O problema que se coloca nesse caso é o de assegurar um número “X” de
cooperadores. Em tese, todos os atores preferem cooperar quando o número de cooperadores é
baixo e preferem desertar quando esse número alcança a quantidade necessária para a
provisão do bem coletivo em questão. Desse modo, entende-se que no caso do Regime de
Mudanças Climáticas, mais precisamente o Protocolo de Quioto, os países Anexo I13
seriam
os cooperadores que arcariam com os custos da cooperação e, conseqüentemente, da
diminuição da emissão de GEE, seja por meio de políticas próprias ou através dos
mecanismos de flexibilização do Protocolo.
Para incentivar a cooperação e promover a redução mundial dos GEE, o Protocolo
prevê três mecanismos de flexibilização14
: Mecanismo de Implementação Conjunta, Emissões
Comerciáveis e o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). Os dois primeiros são
permitidos apenas entre os países do Anexo I, e versam basicamente sobre a possibilidade de
implementar medidas de redução conjuntamente e comercializar o excesso da porcentagem de
redução gerado15
. O último mecanismo de flexibilização, o MDL, tem o objetivo de promover
o desenvolvimento limpo nos países em desenvolvimento através de investimentos de países
desenvolvidos, permitindo a divisão dos créditos de redução (RCEs) gerados através do
projeto MDL em questão.
As reduções de emissões, no âmbito do Protocolo de Quioto, foram direcionadas aos
países do Anexo I, e são fruto das discussões da COP3 e, de acordo com Klabin (2000),
somam cerca de 5% das emissões totais. E, dentro do contexto do Protocolo de Quioto, os free
riders seriam aqueles que não o assinaram e/ou não o ratificaram. Dado que se pode admitir
que os mecanismos de flexibilização adotados pelo protocolo alteraram os payoffs para
cooperação, uma vez obtido o número “X” de cooperadores – um número de países que,
somados, representem 50% do total das emissões de GEE – o comportamento free-rider passa
a ser a alternativa adotada pelos demais16
.
13
Países pertencentes ao Anexo I: países-membros da OECD e países do ex-bloco comunista do x Leste
Europeu.
14
Ver Anexo 2- Quadro 2.
15
As emissões comerciáveis é um mecanismo de mercado que permite um país vender a porcentagem excedente
de sua redução. Ou seja, se o país reduziu além da meta colocada pelo Protocolo, ele tem o direito de vender seu
excedente a outro país do Anexo I. Há hoje uma discussão sobre a comercialização do hot air, que é o excedente
gerado pelos países da ex-URSS, que em 1990, ao fim da guerra fria, desacelerou seu processo produtivo, e
consequentemente, as emissões de GEE. Isso porque as metas do Protocolo de Quioto foram calculadas com
base nas responsabilidades históricas, tomando o ano de 1990 como base.
16
Admite-se, hipoteticamente, que há intensas discussões no âmbito do Regime, no sentido de alterar a estrutura
de interação de um modelo do “Chicken estendido” para um jogo do seguro (assurance game), modelo no qual a
cooperação é estratégia dominante. Contudo, admite-se também por hipótese que a condição dessa alteração está
relacionada à adesão de grandes emissores de GEE, mais notadamente os Estados Unidos. Essa temática, embora
presente nas considerações que esta pesquisa terá necessariamente de fazer, não constitui a sua matéria central.
26
Para os países não-Anexo I, os países em desenvolvimento, dentre eles o Brasil, o
Protocolo não prevê metas de redução de GEE. Isso porque o desenvolvimento desses países
está, em grande medida, associado ao processo produtivo desses. Logo, países em
desenvolvimento têm por base o uso de fontes de energia essencialmente poluentes17
. Apesar
disso, o Protocolo afirma a necessidade de todos os países, sem exceção, diminuírem suas
emissões de gases de efeito estufa. Essa afirmação não tem gerado efeitos reais e o que se tem
verificado é um aumento das emissões por parte de países não-Anexo I, sobretudo aqueles
cujas economias são bastante robustas, como é o caso de China, Índia e Brasil, por exemplo.
A Convenção sobre as Mudanças Climáticas e o Protocolo de Quioto vieram em
resposta à situação publicada pelo IPCC em seu primeiro relatório sobre as Mudanças do
Clima em 1990 e seu suplemento em 1992 (IPCC First Assessment Report e The
Supplementary Report). Os relatórios do IPCC são extensos, compostos por diversos volumes
separados por cada um de seus grupos de trabalho, versam sobre questões científicas, técnicas
e sócio-econômicas relativas às mudanças do clima e são publicados, geralmente, de 6 em 6
anos. O último foi o Quarto Relatório do IPCC, lançado em novembro de 2007.
Este último relatório levantou questões sobre os impactos das mudanças climáticas,
que se mostraram cada vez mais alarmantes. E ainda chegou à conclusão de que as ações
antrópicas causam mudanças no clima global. Esse relatório enfatizou que as conseqüências
das mudanças do clima serão devastadoras em médio e longo prazo, necessitando medidas de
adaptação urgentes em todo o mundo. E ainda que, apesar da existência de vasta gama de
ações de adaptação, essas necessitam ser mais amplas para reduzir a vulnerabilidade em
relação às futuras mudanças no clima mundial. Concluiu também que as barreiras, os limites e
os custos existentes a essas ações ainda não são completamente conhecidos.
Além de ações de adaptação, o relatório concluiu que as ações de mitigação ajudarão a
evitar, reduzir ou adiar muitos dos impactos gerados pelo fenômeno. O relatório também
levantou uma questão polêmica, tratada pelos países no âmbito da Convenção, relacionada ao
problema das emissões de GEE resultantes do desmatamento. Esse fato é alarmante no
sentido de ser responsável por grande parte das emissões de carbono do mundo, feitas,
principalmente, pelo Brasil. Revelou-se que o potencial das florestas do mundo caiu
consideravelmente e que esse desmatamento por meio de queimadas é prejudicial tanto por
emitir GEE, mas também por acabar com as reservas de carbono e o bioma das florestas,
responsáveis em grande parte pela definição do clima na região dos trópicos.
17
Como no caso da China, onde o desenvolvimento é baseado num processo produtivo fundamentado na energia
do carvão mineral.
27
Foi a partir desse relatório e dessas conclusões que as discussões sobre o segundo
período de compromisso do Protocolo de Quioto no âmbito da Convenção são pautadas
atualmente. A partir da COP12, durante o ano de 2006 em Nairóbi, iniciaram-se as discussões
sobre esse período. Durante essa reunião os negociadores concluíram que havia grande
necessidade de ações de adaptação e mitigação das mudanças do clima por parte de todos os
países. E ainda, a proposta de metas de redução de emissões de GEE para o primeiro período
de compromisso do Protocolo de Quioto deveria ser reavaliada, no sentido de incluir esforços
dos países em desenvolvimento para a mitigação das mudanças climáticas. Questões sobre
medidas de adaptação e transferência de tecnologia foram levantadas, reafirmando ainda mais
a necessidade de uma ação conjunta entre todos os países.
A COP13 em Bali, Indonésia, deu continuidade a essas discussões e ainda enfatizou o
problema do desmatamento, apresentado pelo 4° Relatório do IPCC, e o papel dos países em
desenvolvimento no aumento da concentração de GEE na atmosfera. Durante essa reunião, os
atores discutiram sobre a decisão do novo período de compromisso, sobre medidas de
adaptação e um fundo de adaptação às mudanças do clima, medidas de transferência de
tecnologia entre os países desenvolvidos e os menos desenvolvidos e mecanismos para
reduzir a vulnerabilidade de todos às mudanças climáticas. Foi decidido, com o Bali
Roadmap, que até 2009 deveriam ser apresentadas e aprovadas propostas de redução de
emissões, divisão de metas e os termos do segundo período de compromisso do Protocolo de
Quioto, a ser colocado em prática a partir de 2013.
A delimitação do segundo período de compromisso deverá envolver, inicialmente,
consenso sobre o prazo e a intensidade da mitigação, para, em seguida, negociar as metas, o
esforço de cada país, medidas de compensação, mecanismos de mercado, etc. Tendo em vista
esse cenário das decisões, o Brasil como país em desenvolvimento, responsável por grande
parte das emissões de GEE mundiais deve se posicionar doméstica e internacionalmente em
relação à redução de emissões. Na próxima seção será discutida a participação do Brasil nas
negociações desse Regime, bem como o ambiente doméstico de implementação das medidas
adotadas no âmbito desse.
28
3. O BRASIL E O REGIME DE MUDANÇA DO CLIMA
Essa seção apresentará o posicionamento do Brasil em relação às mudanças do clima,
tanto no âmbito internacional quanto no cenário doméstico. Inicialmente será caracterizado o
sistema de decisões e de implementação de políticas para as mudanças climáticas dos países, a
partir da teoria dos jogos de dois níveis de Putnam (1988). Em seguida, discute-se a
participação oficial do Brasil nas reuniões internacionais sobre as mudanças do clima, no
intuito de demonstrar a evolução do posicionamento político do país sobre as questões
ambientais e as questões climáticas frente às suas tradições políticas e posição de liderança.
Neste ponto do texto também se descreverá como é tratada, no âmbito internacional, a questão
mais crítica do país em relação às mudanças do clima: o desmatamento da Amazônia.
Apresentado o problema crucial do Brasil em relação às mudanças do clima, será feita
uma caracterização do cenário doméstico de emissões de GEE e a discussão sobre a
vulnerabilidade do país em relação ao fenômeno climático. Atenção às políticas domésticas e
à legislação ambiental brasileira terá lugar, com foco no que concerne o problema das
mudanças climáticas, enfatizando o problema do desmatamento. Assim, a próxima seção terá
o cenário geral de posicionamento político internacional e doméstico, que ajudará a explicitar
os conflitos domésticos de implementação das políticas nacionais.
3.1. A teoria de Putnam dos níveis de análise
Apesar da inclusão da temática ambiental e da mudança climática na agenda política
internacional, o processo de negociação internacional está submetido à possível
implementação de políticas domésticas favoráveis às decisões acordadas no ambiente
internacional. Isso pode ser mais bem explicitado pela lógica dos jogos de dois níveis de
Putnam (1988). As decisões dos stakeholders18
domésticos são decisivas na efetividade do
compromisso dos países no âmbito do Protocolo de Quioto, já que, de acordo com a lógica
dos jogos de dois níveis de Putnam,
18
Stakeholders podem ser indivíduos, grupos ou instituições interessados em um determinado projeto ou
programa. (MONTGOMERY, 1996, p.3).
29
“No nível nacional, os grupos domésticos perseguem seus interesses pressionando o
governo a adotar políticas favoráveis, e os políticos buscam poder através da
construção de coalizões entre esses grupos domésticos. No nível internacional, os
governos nacionais buscam maximizar sua habilidade de satisfazer as pressões
domésticas, enquanto minimizam as conseqüências adversas do desenvolvimento
externo” (PUTNAM, R. 1988, p.434, tradução nossa). 19
E ainda, define os dois níveis no qual o jogo se realiza: “1. barganha entre os
negociadores, buscando uma tentativa de acordo: chamamos isso de Nível I. 2. discussões
separadas entre cada grupo de constituintes sobre quando ratificar o acordo: chamamos isso
de Nível II.” (PUTNAM, 1988, p.436, tradução nossa)20
. Ou seja, o nível I representaria o
processo de negociação no nível internacional e o nível II o processo de negociação e
ratificação no nível doméstico. Assim, um processo de negociação começa no nível
internacional, no âmbito do Regime de Mudanças do Clima, e depois passa para o nível
doméstico, podendo as decisões no nível internacional serem implementadas ou não no nível
doméstico.
Ainda de acordo com Putnam (1988), as chances de sucesso da negociação (aceitação
e/ou implementação no nível doméstico) dependem de três fatores: 1) da distribuição de
poder, das preferências e as possíveis coalizões entre os atores domésticos; 2) da força e da
autonomia das instituições políticas domésticas; 3) e das estratégias dos negociadores do nível
I adotadas no nível II. Então, o acordo estabelecido no nível internacional é viabilizado
através de políticas no nível doméstico.
Dessa maneira, por hipótese, poder-se-ia inferir que o Brasil se posiciona
internacionalmente nas rodadas de negociação do Protocolo de Quioto de acordo com o que é
implementado, ou decidido pelos atores domésticos sobre a política doméstica de redução de
emissões. Segundo Putnam, seria esperado que o posicionamento internacional informa o
posicionamento do governo na elaboração de políticas domésticas, que, por sua vez, são
negociadas com os stakeholders no âmbito doméstico.
Nesta pesquisa será observado como as decisões tomadas no âmbito do Regime de
Mudanças Climáticas são implementadas ou não no cenário doméstico. Assim, tentaremos
delinear a projeção do Brasil num futuro momento do Regime de Mudanças do Clima, o
segundo período de compromisso do Protocolo de Quioto.
19
“At the national level, domestic groups pursue their interest by pressuring the government to adopt favorable
policies, and politicians seek power by constructing coalitions among these groups. At the international level,
national governments seek to maximize their own ability to satisfy domestic pressures, while minimizing the
adverse consequences of foreign developments.”
20
“1. bargaining between the negotiators, leading to a tentative agreement: call that Level I. 2. separate
discussions within each group of constituents about whether to ratify the agreement: call that Level II.”
30
3.2. O Posicionamento do Brasil no nível internacional
A posição do Brasil na arena de negociação sobre as questões ambientais sofreu
mudanças durante o período de 1972 até 1990. Em 1972, a Conferência de Estocolmo inseriu
a temática ambiental na agenda política internacional, correspondendo ao modelo tradicional
de crescimento econômico. Isso porque o Brasil acreditava que a “[...] principal poluição era a
pobreza, e a proteção ambiental deveria vir apenas depois de um desenvolvimento dramático
da economia do país e de um crescimento da renda per capita aos níveis dos países
desenvolvidos” (VIOLA, 2004, p.30, tradução nossa21
).
Além disso, o modelo de crescimento econômico vigente na época era baseado,
principalmente, na exploração dos recursos naturais disponíveis, considerados infinitos na
concepção em voga naquele momento. Esse modelo era também baseado em mão-de-obra
barata e desqualificada e em indústrias extremamente poluentes, tanto nacionais quanto
multinacionais. Essas empresas multinacionais eram advindas dos países desenvolvidos que,
na época, começaram a desenvolver uma consciência ambiental e migraram suas indústrias
poluentes para os países em desenvolvimento (VIOLA, 2002). E, paralelo ao avanço das
corporações transnacionais, ocorria a expansão das empresas nacionais e de valores
nacionalistas dentro do país (VIOLA, 2004).
Assim, durante a Conferência de Estocolmo, o Brasil não reconheceu a importância da
discussão sobre os problemas ambientais, e, juntamente com a China, liderou a aliança dos
países periféricos defendendo a posição baseada em três princípios básicos:
“[...] defesa da soberania nacional irrestrita em relação ao uso dos recursos naturais;
a proteção ambiental deveria vir apenas depois de alcançado uma alta renda per
capita; e o fardo do pagamento pela proteção ambiental global deveria ser uma
responsabilidade exclusiva dos países desenvolvidos.” (VIOLA, 2004, p. 30,
tradução nossa22
)
Em 1980 o país enfrentava a mudança do modelo de produção mundial, que deixava
de depender essencialmente da mão-de-obra barata e desqualificada e dos recursos naturais,
para se apoiar em informação e tecnologia. O Brasil via diminuir substantivamente suas
21
“[…] the main pollution was poverty, and environmental protection should come only after a dramatic
development of the country’s economy and an increase of the per capita income to the same level of developed
countries.”
22
“[…]defense of unrestricted national sovereignty in relation to the use of natural resources; environmental
protection should come only after reaching high per capita income; and the burden of paying for global
environment protection should be an exclusive responsibility of developed countries.”
31
vantagens comparativas nos negócios internacionais. Sua mão-de-obra era desqualificada,
incapaz de operar os novos sistemas produtivos; os recursos naturais já não eram decisivos na
produção; e, por fim, a consciência ambiental se expandia mundialmente, o que significava
baixa tolerância a processos produtivos extremamente poluentes. Esses fatores desencadearam
a crise do modelo de desenvolvimento do país na década de 1980. (VIOLA, 2002). Essa crise
fez com que o Brasil atentasse para a necessidade de se adaptar às novas necessidades de
mercado, dentre elas, a adaptação a processos produtivos menos poluentes.
Em 1981 é instaurada no Brasil a Política Nacional do Meio Ambiente. Tal política
sinalizou, principalmente, a mudança da posição do Brasil frente à temática do meio ambiente
decorrente da crise do modelo econômico. Essa mudança pôde ser percebida, principalmente,
durante o governo Collor, em 1990. Nessa época, o Brasil começa a se aproximar cada vez
mais dos países ocidentais a partir, principalmente, da abertura da sua economia ao mercado
internacional (VIOLA, 2004). Então, o país se mostrou mais ativo nos principais fóruns
multilaterais sobre meio ambiente desde a nomeação de José Lutzenberger como Secretário
do meio ambiente em 1990. Isso sinalizou uma nova responsabilidade ambiental do país, com
o objetivo de ganhar credibilidade dos países desenvolvidos, chamando a atenção para o
programa econômico neoliberal do governo. De maneira concreta, essa nova responsabilidade
trouxe ao Brasil a UNCED-92 (mais tarde denominada Rio-92) (VIOLA, 2002).
A mudança da visão do Brasil sobre os problemas ambientais foi percebida não só pela
realização da UNCED-92 no país, mas também pela posição que o mesmo adotou no
ambiente internacional, já que o país facilitou o acordo da UNFCCC, se mobilizou a favor do
desenvolvimento sustentável na Agenda 21 e ajudou a redigir sobre os resultados da
Convenção da Biodiversidade. Isso sinalizou os princípios sob os quais o país se pautava
durante a realização da Rio-92: primeiro, o Brasil acreditava que os problemas ambientais
eram de extrema importância e que a comunidade internacional deveria tratá-los de maneira
prioritária; segundo, a responsabilidade pelos problemas ambientais, tanto em função de suas
causas quanto pela solução dos problemas, deveria ser diferenciada.
As mudanças na política externa, iniciadas durante o governo Collor, foram
reafirmadas durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. O alinhamento a países da
União Européia, aos EUA e ao Japão tanto econômico, quanto em questões de direitos
humanos e propriedade intelectual, marcou a política externa desses governos. Apesar desse
alinhamento, o Itamaraty preservou a filiação ao bloco G77.
Contudo, o sucesso internacional dessa posição mais ambientalista foi diferenciado.
De um lado, durante a reunião da Comissão de Desenvolvimento Sustentável da ONU, o
32
Brasil sugeriu propostas favoráveis ao Regime de Mudanças Climáticas; e em contrapartida, o
país não conseguiu incluir princípios de desenvolvimento sustentável durante a negociação da
integração do Mercosul (VIOLA, 2002).
Ainda durante o governo Cardoso iniciou-se o processo de assinatura e ratificação da
UNFCCC, aqui entendida como o Regime de Mudanças Climáticas. Em 1995, os países que
assinaram e ratificaram essa Convenção se encontraram na COP1, em Berlim, na Alemanha,
onde se propôs o estabelecimento de um protocolo que regulasse as emissões de GEE e
colocasse em prática as obrigações da Convenção. Durante essa reunião o Brasil teve
participação importante ao defender que os países em desenvolvimento não deveriam, num
primeiro momento, receber metas de redução de emissões (NAE, 2005).
Durante as reuniões subseqüentes, o país continuou defendendo a idéia de que os
países em desenvolvimento não deveriam ter, ainda, metas a serem cumpridas. Seja porque
isso afetaria o modelo de desenvolvimento, ou porque as responsabilidades das mudanças
climáticas atuais são, majoritariamente, dos países desenvolvidos e dos respectivos modelos
de desenvolvimento do início do século XX. (VIOLA, 2002)
De acordo com o Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, o
Brasil defendeu que
“[...] a questão da mudança dos padrões de produção e consumo nos países ricos se
torna cada vez mais grave diante da dificuldade de se obter progresso na área da
mudança do clima – pela demora na entrada em vigor do Protocolo de Quioto e pela
ausência dos Estados Unidos no instrumento – e por não terem sido dirigidos aos
países em desenvolvimento, em condições preferenciais, recursos financeiros e
tecnológicos.” (NAE, 2005, p.58).
Durante as negociações do Protocolo de Quioto, no período de 1996 a 2001, o Brasil
pautava a sua atuação de acordo com quatro dimensões principais do seu interesse:
“1) afirmar o direito de desenvolvimento como um componente fundamental da
ordem mundial, dando continuidade à política externa brasileira; 2) promover uma
visão do desenvolvimento associada com a sustentabilidade ambiental, em
correspondência com o grande crescimento da consciência ambiental no país e sua
tradução em políticas públicas nacionais e estaduais; 3) promover uma posição de
liderança do Brasil no mundo, em correspondência com o crescimento do prestígio
internacional do país durante o governo Cardoso; e 4) evitar que o uso das florestas
seja objeto de regulação internacional para não correr riscos de que os outros países
possam questionar o uso econômico da Amazônia.” (VIOLA, 2002, p.38)
Pautado por esses interesses, o Brasil posicionou-se de maneira ativa nas negociações
do Protocolo de Quioto, fazendo propostas importantes para o avanço das discussões,
principalmente sobre a divisão de metas e posição dos países menos desenvolvidos nesse
33
protocolo. As propostas brasileiras feitas ao Protocolo de Quioto foram o Fundo de
Desenvolvimento Limpo e a chamada “Proposta Brasileira” de divisão de metas de redução
de emissões de GEE, que foi baseada num mecanismo semelhante já utilizado pelos EUA
para resolver os problemas da chuva ácida, o Cap-and-Trade System.
O Fundo de Desenvolvimento Limpo foi proposto em junho de 1997 no âmbito da
UNFCCC. Seu principal objetivo era prover ajuda financeira dos países desenvolvidos aos
países não-Anexo I, com o comprometimento dos últimos utilizarem tecnologias mais
“limpas” de desenvolvimento. Além disso, a proposta original do Brasil previa mecanismos
de punição àqueles países do Anexo I que não reduzissem as emissões de GEE nos
parâmetros estabelecidos pelo Protocolo de Quioto. De acordo com Eduardo Viola (2004),
essa proposta demonstrou uma posição diferente da que o Brasil tinha adotado frente ao
Regime do Clima. O autor acredita que era uma posição mais ambientalista, preocupada com
a mitigação das mudanças climáticas e à adaptação dos países em desenvolvimento a esse
fenômeno.
Contudo, nos faz questionar até que ponto esse posicionamento não seria confortável
para o país. Isso porque, de acordo com a Proposta apresentada, os países desenvolvidos
arcariam com custos de mitigação e adaptação para promover o desenvolvimento dos países
em desenvolvimento, enquanto os países em desenvolvimento e menos desenvolvidos
continuariam a emitir GEE em nome do desenvolvimento. Essa posição confortável se deve
ao fato de que, naquele momento, o país não tinha como arcar com os custos de alterações
substantivas na matriz energética no sentido de diminuir suas emissões de GEE ou de se
comprometer a conter e mitigar o desmatamento da Amazônia. Logo, adotando essa posição,
o país acaba por liderar os países em desenvolvimento, adquirindo credibilidade nesse grupo e
adicionalmente consegue a atenção financeira necessária para promover o seu próprio
desenvolvimento.
Essa proposta encontrou a oposição de todos os países desenvolvidos e o apoio das
economias emergentes e dos países pobre. Por causa disso, a proposta brasileira original não
foi aceita, sendo modificada num esforço conjunto de Brasil e EUA em outubro de 1997. A
proposta modificada foi chamada de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), que é
um dos três mecanismos de flexibilização do Protocolo de Quioto, já apresentado na seção
anterior. (VIOLA, 2004)
Já a “Proposta Brasileira” veio em resposta à primeira conferência das partes da
UNFCCC em Berlim, que versava sobre a divisão de metas de redução de emissão de GEE.
Essa proposta foi apresentada durante a COP3 pelo G77+China. Em sua versão original, o
34
documento propunha o estabelecimento de metas de emissões aos países do Anexo I, e que, se
não as cumprissem seriam punidos em forma de multas, que gerariam recursos financeiros ao
FDL.
As multas seriam baseadas em tetos de emissões estabelecidos de acordo com a
responsabilidade do país em relação aos índices de concentração de GEE na atmosfera e,
conseqüentemente, à contribuição desse para o aumento da temperatura média global. Essa
contribuição seria calculada de acordo com um modelo simplificado baseado nos Modelos de
Circulação Geral (MSG). (NAE, 2005)
Esse modelo quantificaria as responsabilidades dos países de acordo com os níveis de
emissões num determinado período de tempo. Assim, o modelo estabelecia que as
responsabilidades dos países desenvolvidos seriam maiores, visto que a contribuição para o
aumento da temperatura média global por causa de emissões de GEE dos países
desenvolvidos crescia e, paralelamente, a dos países em desenvolvimento decrescia. De
acordo com o relatório de 1992 do IPCC as responsabilidades dos países em desenvolvimento
e dos desenvolvidos, se mantidas constantes os cenários de emissões, seriam igualadas apenas
no ano de 2147 (NAE, 2005).
Sendo assim, a Proposta Brasileira pode se dividir em dois princípios básicos: 1) A
aplicação dos princípios da responsabilidade comum, porém diferenciada, da responsabilidade
histórica pelas mudanças climáticas globais e do poluidor pagador. Ou seja, contabilizando as
emissões de GEE passadas, iria se estabelecer uma responsabilidade historicamente
proporcional, fazendo com que o país pagasse por essas emissões passadas. 2) O Fundo de
Desenvolvimento Limpo e seus mecanismos de financiamento (NAE, 2005). Essa proposta
ainda continua a ser discutida entre os países membros da Conferência.
Essa participação efetiva do país no Protocolo de Quioto demonstra a posição adotada
pelo Brasil no Regime de Mudanças Climáticas, que
“[...] continua a ser a de reiterar que a questão da mudança dos padrões de produção
e consumo nos países ricos se torna cada vez mais grave diante da dificuldade de se
obter progresso na área de mudança do clima – pela demora na entrada em vigor do
Protocolo de Quioto e pela ausência dos Estados Unidos no instrumento – e por não
terem sido dirigidos aos países em desenvolvimento, em condições preferenciais,
recursos financeiros e tecnológicos.” (NAE, 2005, p.58).
E assim, o país continua a política adotada no governo de Fernando Henrique Cardoso
durante a negociação do Protocolo de Quioto, enfatizando a necessidade da mitigação das
mudanças climáticas por todos os países, sejam eles desenvolvidos ou em desenvolvimento. E
35
ainda, que os países desenvolvidos devem ter suas metas de redução de emissões vide as
emissões passadas.
Durante o governo Lula, o Brasil continuou a se posicionar de maneira a defender a
importância da mitigação das mudanças climáticas principalmente pelos países desenvolvidos
(lógica do poluidor-pagador), reiterando a necessidade da criação de mecanismos de
adaptação às mudanças do clima aos países menos desenvolvidos e a necessidade da
transferência de tecnologia. Esse posicionamento ficou ainda mais claro durante a COP13, em
Bali.
Contudo, a posição sobre as responsabilidades dos países em desenvolvimento tem
mudado. Num primeiro momento das negociações do Protocolo de Quioto o país não admitia
que os países em desenvolvimento devessem pagar pela mitigação das mudanças climáticas.
Hoje, principalmente a partir da Conferência de Bali (COP13), o Brasil enfatiza a necessidade
da criação de mecanismos de adaptação, financiamento e de transferência de tecnologia aos
países em desenvolvimento para que esses tenham condições de participar da mitigação das
mudanças do clima no segundo período de compromisso.
Atualmente, no âmbito do Regime, o Brasil possui uma posição de credibilidade no
processo de negociação. Isso se deve à participação efetiva do país nas discussões, tendo uma
posição de diálogo aberto com todos os interessados. O país é membro do G77+China, assim,
tem ajudado a defender os interesses desse grupo, principalmente aqueles relativos à
adaptação dos países menos desenvolvidos (países africanos e pequenos estados insulares).
Além disso, o país conta com o Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos do
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (CPTEC/INPE) e faz diversos investimentos nesse
centro. Logo, com um centro tecnológico capaz de fornecer informações sobre as mudanças
climáticas de maneira eficiente, o país pode oferecer ajuda técnica aos países em
desenvolvimento. Assim, o Brasil se firma como um dos líderes na defesa dos interesses dos
países em desenvolvimento e dos menos desenvolvidos, ocupando um lugar de destaque nas
reuniões sobre as mudanças do clima.
Além desses interesses, o Brasil ajuda “ainda no relacionamento com os países
exportadores de petróleo que buscam uma compensação pela perda de receitas de exportação
como resultado de medidas de mitigação.” (NAE, 2005, p.96). De acordo com o NAE (2005),
em relação ao desenho de compromissos no pós-2012, o Brasil deve coordenar seu
posicionamento na negociação com países como China, Índia, África do Sul, México e Coréia
do Sul (os últimos são membros da OCDE), que serão destaque nas negociações desse
segundo período de compromisso.
36
Em termos da sua posição como líder no Mercosul, o Brasil deve aumentar o nível de
integração regional no que concerne às questões energéticas e procurar arranjos com os países
desse bloco e outros países da América do Sul no sentido de estabelecer projetos de mitigação
conjuntos. E ainda, o país deve manter relações abertas com os países amazônicos, sejam em
desenvolvimento ou industrializados. (NAE, 2005).
3.2.1 O desmatamento da Amazônia no âmbito do Regime
A questão do desmatamento no Brasil ocupa lugares de destaque nas reuniões sobre o
clima desde o 4° Relatório do IPCC. Apesar do desmatamento atingir todos os biomas, como
o cerrado, mata atlântica e os pampas, o desmatamento na Amazônia Legal é o que repercute
com maior intensidade nos fóruns multilaterais sobre o meio ambiente. Isso se deve
essencialmente à porção do desmatamento que atinge esse bioma, que já perdeu cerca de 17%
da sua ocupação original por meio do desflorestamento.
O Brasil, durante as negociações do Protocolo, juntamente com a União Européia, se
posicionou contra a inclusão das propostas sobre o ciclo de carbono (relativos aos sumidouros
de carbono). Isso porque foi percebido pelos negociadores brasileiros que não se conseguiria
conter o desmatamento da floresta amazônica no Brasil de modo significativo, e, num futuro
no qual houvesse o estabelecimento de compromissos para os países emergentes esse fato se
tornaria um problema de escala mundial.
Os países com capacidade de controle do desmatamento (EUA, Canadá, Austrália,
Rússia, Japão e Costa Rica) queriam incluir os sumidouros de carbono (carbon sinks) na
contabilidade das emissões. Ou seja, queriam contabilizar o carbono que é resgatado pelas
florestas e pelo desmatamento evitado (avoided deforestation). Como resultado, o Protocolo
incluiu a questão dos sumidouros de carbono, contudo não permitiu que o desflorestamento
evitado gerasse créditos no âmbito do MDL. (VIOLA, 2002).
Essa decisão torna agora mais complicada a posição do Brasil, já que o país é um
grande emissor de carbono devido, primordialmente, ao desmatamento na Amazônia. O
cenário completo de emissões do Brasil é apresentado na subseção a seguir e ajudará a
comprovar essa posição do Brasil nas negociações atuais do Regime de Mudanças do Clima e
do segundo período de compromisso do Protocolo de Quioto.
37
3.3. O Cenário de Emissões Brasileiro
A participação do Brasil no Regime de Mudança do Clima deve ser considerada a
partir de seu cenário de emissões de GEE, uma vez que esse ajudaria a pautar seu
posicionamento. Será demonstrado o cenário de emissões de GEE mundial e, posteriormente,
detalhes do cenário brasileiro de emissões, suas fontes, padrões etc.
De acordo com os gráficos abaixo, 56,6% das emissões de GEE mundiais são
provenientes do uso de energia fóssil e 17,3% são provenientes de desmatamento e mau uso
da terra.
Gráfico 1 - Emissões antrópicas globais de GEE
Fonte: Climate Change 2007: Synthesis Report, IPCC, 2007.
No gráfico 1, o gráfico de barra (a) informa sobre as emissões globais anuais de GEE,
de 1970 a 2004. O gráfico mostra que de 1970 a 2004 houve um aumento de 20.3 toneladas
equivalentes de CO2 nas emissões anuais. Dentre os gases representados, encontram-se as
emissões de CO2 resultantes do desflorestamento, decomposição e turfa23
, que pode ser
identificado no gráfico de pizza (b) das emissões equivalentes de CO2 no ano de 2004.
Nesse gráfico percebe-se que em 2004 cerca de 17% das emissões de GEE mundiais
foram resultados do desflorestamento, decomposição de biomassa etc, em contraposição aos
56,6% provenientes do uso de combustíveis fósseis. Já o segundo gráfico de pizza (c)
23
Turfa é um composto de origem vegetal decomposto.
38
representa a distribuição das emissões equivalentes de CO2 no ano de 2004 por setor. Nota-se
que 17,4% das emissões foram atribuídas a ações florestais (forestry), que inclui o
desmatamento.
Já o gráfico 2, abaixo, demonstra a contribuição agregada dos países a emissões de
GEE no ano de 2000. O que significa que nove, dos 188 países contabilizados, emitiram em
conjunto, durante o ano de 2000, cerca de 70% dos gases de efeito estufa totais. São eles:
Estados Unidos, UE-25 (bloco dos países da União Européia)24
, China, Rússia, Índia, Japão,
Brasil, Canadá e Coréia do Sul.
Gráfico 2 - Contribuições Agregadas dos países maiores emissores de GEE
Fonte: CAIT, WRI. Disponível em: <http://www.wri.org/chart/aggregate-contributions-major-ghg-emitting-
countries>. Acesso em: 01 out. 2008.
Pode-se ver na figura 325
, abaixo, composição desses aproximados 70% de emissões
acumuladas. Essa tabela foi confeccionada no sentido de promover uma análise comparativa
entre todos os países26
do mundo em relação às emissões de GEE totais do ano de 2000,
incluindo mudanças no uso da terra. Note que o Brasil ocupa a quinta posição de emissões de
24
Para a base de dados CAIT-WRI, os dados do bloco UE-25 são contabilizados como um dado individual,
equivalente a unidades dos países.
25
As Figuras 3 e 4 foram resultado da ferramenta CAIT do World Resources Institute, que permite o cruzamento
de diversos dados.
26
Apenas 35 países foram contabilizados nessa tabela, dentre os quais países em vermelho são os do Anexo I, os
em preto não-Anexo I.
39
GEE mundiais, incluindo mudanças no uso da terra, com 5,34% das emissões mundiais no
ano de 2000.
Figura 3 – Emissões Mundiais de GEE por país em 2000 (incluindo mudanças no uso da terra)
Fonte: Climate Analysis Indicators Tool (CAIT) Versão 5.0, Washington, DC:WRI, 2008. Disponível em:
<http://cait.wri.org/>. Acesso em: 01 out. 2008.
A figura 4 mostra, dentre um conjunto de informações, as emissões de GEE de 35
países, dentre eles o Brasil. Contudo, essa nova tabela não inclui as emissões de GEE
provenientes das mudanças no uso da terra. Comparando as figuras 3 e 4, pode-se notar que a
porcentagem das emissões mundiais caiu de 5,34% mostrado na figura 3 para 2,65% na figura
4. Isso significa que 59,09% das emissões de GEE do Brasil no ano de 2000, 1372.1MtCO2,
foram provenientes de mudanças no uso da terra (desmatamento, desflorestamento,
decomposição de biomassa).
40
Figura 4 - Emissões Totais de GEE em 2000 (excluindo as mudanças no uso da terra)
Fonte: Climate Analysis Indicators Tool (CAIT) Versão 5.0, Washington, DC:WRI, 2008. Disponível em:
<http://cait.wri.org/>. Acesso em: 01 out. 2008.
Pode-se inferir, então, que o Brasil caracteriza-se por ser um grande emissor de GEE
principalmente pelas mudanças no uso da terra que incluem desmatamento e decomposição de
material vegetal. Além das emissões do uso da terra pode-se verificar cerca de 41%
proveniente de combustíveis fósseis, indústria etc. Isso pode ser confirmado a partir do
gráfico 3. É importante verificar que o gráfico 3 são dados do ano de 1994 e as tabelas do ano
de 2000 o que representa uma das limitações dessa pesquisa, falta de informações e dados
oficiais atualizados. Contudo, os dados de 1994 são considerados até hoje pelo governo
federal, como observamos no Relatório Parcial da Comissão Mista Especial para Mudanças
Climáticas, que será discutido a seguir.
41
Gráfico 3 – Perfil das Emissões de CO2 Brasileiras por setor – 1994
Fonte: Ministério da Ciência e Tecnologia, 2006.
O gráfico 3 demonstra como em 1994, 75% das emissões antrópicas de CO2 no Brasil
eram provenientes de mudanças no uso da terra e florestas, e apenas 23% de uso de
combustíveis fósseis. Isso se deve, principalmente, pelos altos índices de desmatamento da
Amazônia e outros biomas e pela matriz energética do Brasil ser considerada limpa.
Isso é resultado de diversas medidas tomadas pelo país no sentido de diminuir o
consumo de energia fóssil em resposta ao aumento da demanda por um desenvolvimento
sustentável. Medidas como o Pró-álcool e diversos projetos MDL foram adotados no Brasil e
investem, em sua grande maioria, no desenvolvimento e produção de energias renováveis.
Além disso, o país investiu em projetos e programas para desenvolvimento e produção de
energias renováveis, como o PROINFA (Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de
Energia), objetivando vantagens competitivas no mercado energético mundial.
De acordo com dados compilados pelo Ministério das Minas e Energia tem-se o
gráfico 4, abaixo.
42
Gráfico 4 – Perfil da produção energética – Brasil e Mundo
Fonte: Ministério das Minas e Energia, 2008.
Em comparação com os dados da OCDE, verificamos que a parcela do petróleo na
produção energética do Brasil é bem próxima a dos países da OCDE, mas há que se
considerar que, em termos dos outros tipos de fonte de energia, o Brasil utiliza uma maior
parcela de fontes renováveis do que esses países. Isso porque, a maior diferença entre os dois,
é a utilização de carvão mineral, uma fonte de energia extremamente poluente, que é bastante
utilizada pelos países da OCDE e pelo resto do mundo, se diferenciando do portfólio de
produção de energia no Brasil. Logo, 45,1% da produção energética do Brasil é considerada
renovável, composta por energia de biomassa e hidráulica, ou seja, energias menos poluentes
em termos de emissões de GEE. Estima-se que o consumo de etanol no Brasil evite a emissão
de 25,8 milhões de toneladas de CO2 equivalente por ano. (VARGAS, 2008)
Dados informam que o perfil de emissões de GEE do Brasil não mudou
consideravelmente e ainda é diferente do resto do mundo, sendo que 25% de suas emissões
totais são provenientes do uso de combustíveis fósseis, e 75% são provenientes de mudanças
do uso da terra, principalmente, o desmatamento. (CONGRESSO NACIONAL, 2007 (b)). De
acordo com notícia do INPE, dados do DETER27
mostraram um crescimento relativo do
27
DETER é o sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real do Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais.
43
desmatamento da Amazônia no início do ano de 2008 em relação ao mesmo período do ano
de 2007.
Apesar desse crescimento, de acordo com o PRODES28
do INPE, no período
compreendido entre 2006-2007 foi observada uma queda de 20% do desmatamento da região
em relação ao período 2005-2006. Isso significou cerca de 11.224 km² de desmatamento da
região amazônica, uma taxa pequena se considerada às anteriores, porém ainda muito alta em
termos de redução das emissões de GEE provenientes dessa atividade. Em termos absolutos, o
índice do desmatamento tem caído nos últimos três anos, mas quando se trata de um período
de 10 anos (1997-2007), os índices do desmatamento da Amazônia Legal estão se igualando.
Ou seja, apesar de todos os esforços contínuos para conter o desmatamento na
Amazônia Legal ainda há muito o que reduzir e estabilizar, para que, assim, as emissões
provenientes do desmatamento sejam, de fato, substancialmente reduzidas. Comparando esses
dados do gráfico 5 ao gráfico 3, pode-se perceber que, em 1994, o índice do desmatamento
estava relativamente estabilizado. Contudo, em 1995, a taxa de desmatamento cresce quase
100%. Não podemos afirmar se houve um crescimento em termos de emissões de GEE
durante esse período por falta de disponibilidade de dados oficiais, mas o problema do
desmatamento está diretamente ligado às emissões de GEE.
28
PRODES é o Programa de Cálculo do Desflorestamento da Amazônia Legal do INPE.
44
Gráfico 5 – Taxa de Desmatamento Anual da Amazônia Legal
Fonte: INPE, 2006.
Logo, torna-se extremamente relevante analisar como as agências governamentais se
portam frente ao desmatamento. As altas taxas do desmatamento levam a indagar sobre
mecanismos e políticas para sua contenção e mitigação. Durante a COP12 em Nairóbi, a
Ministra Maria Silva declarou que
“da mesma forma que mudar a matriz energética requer uma mudança de um
modelo econômico fundamentado em padrões inaceitáveis de produção e consumo,
reduzir taxas de desmatamento requer mudanças fundamentais no modelo
econômico de países em desenvolvimento cujas florestas, tradicionalmente, valem
mais derrubadas do que em pé. Precisamos atacar as causas desse desmatamento, os
vetores econômicos que a ele induzem, e propor alternativas de desenvolvimento
econômico e social que contemplem as preocupações e necessidades de todos os
atores envolvidos nesse processo”.(Marina Silva apud VARGAS, 2008, p. 50)
Assim, de acordo com Vargas (2008, p.50), “[r]eduzir o desmatamento é mais difícil
do que cortar emissões no setor industrial”. E ainda há que se considerar que a Convenção não
prevê mecanismos de mercado para tratar a questão do desmatamento. Há, no âmbito da
Convenção, uma discussão recente sobre créditos de carbono gerados por avoided
deforestation, ou seja, pelo percentual de desmatamento evitado pelo país em questão. Assim,
45
é difícil oferecer incentivos para a cooperação aos países em desenvolvimento29
no sentido de
reduzir as emissões provenientes do desmatamento.
Apesar do MDL não permitir créditos gerados por avoided deforestation, como
apresentado anteriormente, é um mecanismo de flexibilização do Protocolo de Quioto que
permite a comercialização de parte dos créditos (RCEs) gerados por projetos em países em
desenvolvimento. No Brasil, o MDL é um mecanismo de uso crescente, e apesar de não
ajudar o país nas emissões provenientes do desmatamento, auxilia na redução de emissões em
outras áreas, gerando um potencial de redução.
O gráfico 6 demonstra o total de atividades de projeto de MDL no mundo, mostrando
que o Brasil retém cerca de 8% dessas atividades (aproximadamente 284 projetos em MDL),
ficando atrás da China e Índia. Isso ocorre, principalmente pelo fato de que a regulação dos
projetos MDL fica a cargo, primeiramente, dos governos dos países, passando para a
comissão internacional.
Gráfico 6 – Total de Atividades de Projeto do MDL no Mundo
Fonte: MCT, 2008.
O gráfico 7 representa o total de projetos MDL no Brasil por escopo setorial,
verificando-se o fato de que não há projetos para a obtenção de créditos para o
desflorestamento evitado. Na área de florestas, apenas são permitidos créditos para
reflorestamento, que, na maioria das vezes, não se trata de reflorestamento por espécies
nativas. Nota-se que projetos na área de energia renovável são maioria, ajudando a afirmar
que a matriz energética brasileira é cada vez mais limpa.
29
Consideramos os países em desenvolvimento já que as emissões mais significantes provenientes do
desmatamento são originadas desses.
46
Gráfico 7: Números de Projetos Brasileiros por Escopo Setorial
Fonte: MCT, 2008.
Na tabela 1, verifica-se, como no gráfico acima, o percentual de projetos de MDL por
escopo setorial, mas a tabela traz informação adicional sobre o potencial de redução anual
pelo tipo de projeto. E ainda, a redução de emissão para o primeiro período de obtenção de
crédito. Logo, verifica-se que o potencial de redução é maior no conjunto de projetos na área
de energia renovável.
Tabela 1 – Distribuição das atividades de projeto no Brasil por tipo de projeto
Projeto em
Validação/
Aprovação
Número
de
Projetos
Redução
Anual de
Emissão
Redução de
Emissão no 1º
Período de
Obtenção de
Crédito
Número
de
projetos
Redução
anual de
emissão
Redução de
emissão no 1º
período de
obtenção de
crédito
Energia
renovável
141 15.852.405 111.082.169 48% 39% 36%
Suinocultura 47 2.337.920 22.364.190 16% 6% 7%
Aterro Sanitário 26 9.004.069 66.626.748 9% 22% 22%
Processos
Industriais
6 802.926 5.921.452 2% 2% 2%
Eficiência
Energética
19 1.455.732 14.289.895 6% 4% 5%
Resíduos 10 1.160.797 9.360.545 3% 3% 3%
Redução de
N2O
5 6.373.896 44.617.272 2% 16% 15%
Troca de
combustível
fóssil
39 2.907.977 24.284.745 13% 7% 8%
Emissões
fugitivas
1 34.685 242.795 0% 0% 0%
Reflorestamento 1 262.352 7.870.560 0% 1% 3%
Fonte: MCT, 2008.
47
O gráfico 8 informa que esse potencial total de emissões a serem reduzidas mostrado
na tabela anterior significa cerca de 10% do potencial total mundial, que significa cerca de 40
192 759 t CO2 eq por ano no Brasil, de acordo com os dados do gráfico 9.
Gráfico 8 – Emissões a serem Reduzidas durante o 1º período de Obtenção de créditos dos Projetos Registrados
(1.810 MtCO2 eq)
Fonte: MCT, 2008.
48
Gráfico 9 – Reduções Mundiais de Emissões Anuais (CO2 eq)
Fonte: MCT, 2008.
A partir dos dados apresentados, pode-se inferir que o perfil de emissões do Brasil é
diferente do resto do mundo, sendo essencialmente proveniente do desflorestamento e
decomposição de biomassa. E ainda, que o potencial de redução de emissões via projetos
MDL, que se concentram em projetos de energias renováveis, ainda é pouco explorado,
quando observado em relação aos demais países emergentes mais poluidores. Ou seja, o
Protocolo de Quioto e seus mecanismos de flexibilização não fornecem meios eficazes para a
redução efetiva das emissões do país, já que essas se concentram no desmatamento e o MDL
não prevê a criação de créditos (RCE) a partir do desmatamento evitado, apenas a partir de
reflorestamento, que não é necessariamente de mata nativa e que ainda não compensam as
emissões geradas pelas queimadas das florestas nativas.
Há que se retomar a posição do Brasil frente ao desmatamento evitado, que foi
contrário à implantação desse tipo de recurso no âmbito do Protocolo de Quioto. Essa posição
se deve ao fato do Brasil ter percebido que o país não conseguiria reduzir ou conter o
desmatamento da floresta amazônica, acarretando num problema futuro para a redução das
emissões, quando os países em desenvolvimento tivessem metas quantificadas.
O último gráfico, para completar o nosso cenário de emissões do Brasil, é o gráfico do
crescimento projetado das emissões mundiais até o ano de 2025. O gráfico 10 mostra uma
projeção do WRI que compara com as emissões de GEE do ano de 2000 e o possível cenário
de emissões dos países no ano de 2025. Ele mostra que até o ano de 2025 o Brasil aumentará
suas emissões de GEE em cerca de 68%.
49
Gráfico 10 – Crescimento projetado das emissões mundiais até o ano de 2025
Fonte: CAIT. WRI, 2005.
Existem diversas projeções baseadas em técnicas de previsão distintas. Como por
exemplo a projeção feita pelo Ministério das Minas e Energia. Essa projeção mostra que em
2030 prevê-se que o Brasil emitirá cerca de 610MtCO2/ano30
, cerca de 1,4% das emissões
mundiais projetadas para esse período. Em comparação com as emissões de CO2 medidas no
ano de 2003, 348MtCO2, o aumento seria cerca de 75% nas emissões anuais até o ano de
2030. Para fins da nossa análise é importante observar mais do que o valor absoluto do
crescimento das emissões em cada projeção, mas o crescimento per se, que sinaliza que se
nada for feito, as mudanças climáticas tendem a ser mais evidentes e seus impactos mais
fortes e presentes.
3.3.1. O Desmatamento da Amazônia
Como mostrado na subseção anterior, o desmatamento é a maior causa das emissões
antrópicas de CO2 no Brasil. Esse dado indica a importância de se conhecer melhor sobre o
desmatamento na Amazônia Legal, área mais intensamente afetada por esse problema no
30
MtCO2/ano: Milhões de toneladas equivalentes de CO2 por ano.
50
Brasil, e as atividades produtivas que mais contribuem para isso: soja, milho, pecuária e
madeireiras.
A floresta amazônica se estende para além do território brasileiro. Para fins dessa
análise serão utilizados apenas dados da Amazônia Legal. Ou seja, das partes da floresta
amazônica que se encontram em território brasileiro. A Amazônia Legal compreende cerca de
85% do total da floresta amazônica e, em termos administrativos brasileiros, é composta por
partes e/ou todo de nove estados da federação: Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia e
Roraima, e partes dos estados do Mato Grosso, Tocantins e Maranhão.31
Em relação à área
total, a Amazônia Legal representa 41% do território nacional. (MAPA, 2008). Nesta vasta
região a atividade agrícola é bastante intensa, como demonstram as informações a seguir.
3.3.1.1. Agricultura: Soja e Milho
As atividades agrícolas são responsáveis por grande parte do desmatamento da
Amazônia. Destacam-se principalmente culturas como da soja e do milho. A soja é
representada pela parte verde dos gráficos em pizza da Figura 5. Segundo o IBGE, a colheita
da soja no ano de 2007 somou aproximadamente 58 milhões de toneladas, sendo 10,6% maior
que a do ano de 2006 e correspondendo a 26,3% do total nacional da produção de grãos do
Brasil. Ainda em 2007, a área colhida dessa cultura na região Amazônica foi 6,5% menor do
que no ano anterior, somando 5.075.079 ha, equivalente a 25% da área de colheita total de
soja do país. Isso se deve, entre outros fatores, à Moratória da Soja, que estabeleceu que, a
partir de 24 de julho de 2006, a soja produzida no Bioma Amazônia em áreas desmatadas não
poderia ser comercializada dentro ou fora do país.
Já a cultura do milho se concentra em primeiro lugar no sul do país. Contudo, o
segundo estado que mais produz milho no Brasil é Mato Grosso. Isso corresponde a 51, 8
milhões de toneladas no ano de 2007, 11,8% do total nacional, produzidos numa área de
13.820.864 ha. (IBGE, 2008).
Dos cinco principais municípios produtores de soja, quatro são do estado do Mato
Grosso, que são, em ordem de decrescente de produção: 1º) Sorriso, 2º) Sapezal, 3º) Nova
Mutum e 4º) Campo Novo dos Parecis. Já dos 5 principais municípios produtores de milho, 4
são do Mato Grosso: 1º) Sorriso, 2º) Lucas do Rio Verde, 4º) Nova Mutum, 5º) Sapezal. O
31
De acordo com SIVAM.
51
município de Sorriso lidera a produção nacional desses dois grãos e está sinalizado no mapa
com uma seta branca adicionada por nós. Note que os principais locais produtores de soja e
milho no estado do Mato Grosso compreendem a área onde se encontram mais focos de calor
(representados pela legenda amarelo com pontos vermelhos, como demonstra a Figura 3).
(IBGE, 2008). Os gráficos 11 e 12 representam a produção desses grãos por município, no
período de 2000 a 2007.
Gráfico 11 – Produção de milho em grão dos seis maiores municípios produtores do país – 2000-2007
Fonte: IBGE, 2007.
Gráfico 12 – Produção de soja em grãos dos seis maiores municípios produtores do país – 2000-2007
Fonte: IBGE, 2007.
52
Figura 5 – Mapa da Expansão da Fronteira Agrícola na Amazônia Legal
Fonte: IBGE,2005.
53
3.3.1.2. Pecuária e Madeireiras
A Figura 6 representa a expansão da fronteira das atividades pecuária e madeireira na
áreas da Amazônia Legal. Conforme a legenda do mapa, os círculos amarelos representam a
ação das madeireiras e os quadrados pretos a atividade da pecuária. Nota-se que a pecuária se
estende pelos estados de Rondônia, Mato Grosso, Pará e parte do Maranhão.
Já a atividade madeireira se concentra em sua maioria no estado do Pará, tendo
algumas grandes ocorrências também nos estados de Rondônia e Mato Grosso. De acordo
com Lentini, Veríssimo e Pereira (2005) o Pará é o maior produtor nacional de madeira, com
45% do total, seguido por Mato Grosso e seus 33% do total nacional e, em terceiro lugar, a
parcela de 15% da produção nacional do estado de Rondônia.
A estimativa de Dias-Filho e Andrade (2006), mostra que no ano de 2004 cerca de 63
milhões de ha pastagens ocupavam a área da Amazônia Legal. A área de pastagens
degradadas e não degradadas representa 26% do território nacional. Então, desses 26%,
aproximadamente 28% seriam de pastagens localizadas na Amazônia Legal.
Tabela 2 - Distribuição das terras do Brasil
ÁreaDistribuição
(milhões de hectares)
% do território nacional
Amazônia 350 41,0
Pastagens:
- Degradadas 40 4,7
- Não-Degradadas 180 21,3
Áreas Protegidas 55 6,0
Culturas anuais 47 5,5
Culturas permanentes 15 1,8
Cidades, rios, lagos,
estradas, etc.
20 2,2
Florestas Plantadas 5 0,5
Outros usos da terra 38 4,0
Área não-explorada
(disponível para a
agricultura)
106 13,0
Total 856 100
Fonte: IBGE e CONAB, adaptação MAPA, 2008.
54
Figura 6 – Mapa da Fronteira das Madeireiras e Pecuária na Amazônia Legal
Fonte: IBGE, 2006.
55
A partir da nossa análise das figuras 5 e 6 percebe-se que o desmatamento da
Amazônia Legal coincide com a expansão da fronteira agrícola, principalmente no Mato
Grosso e no Pará, sendo os principais atores desse fenômeno a cultura de soja, milho, pecuária
e a extração de madeira. Isso nos ajudará a delinear os principais atores do desmatamento da
Amazônia Legal e, conseqüentemente, os grupos de interesse privados que atuam direta ou
indiretamente na formulação de políticas para a contenção do desmatamento.
Na próxima subseção discutiremos as vulnerabilidades do país frente às mudanças
climáticas, que atingem, principalmente, as mesmas atividades econômicas que promovem
parte das emissões de CO2 no Brasil, as atividades agropecuárias. Saber qual serão as
conseqüências das mudanças climáticas para o Brasil poderá ser decisivo para incentivar
políticas para as mudanças climáticas.
3.4. Vulnerabilidade do Brasil frente às mudanças climáticas
O problema das mudanças climáticas não atinge o Brasil somente de forma a resultar
numa possibilidade de estabelecimento de compromissos quantificados. O Brasil, como os
países de clima tropical e os países abaixo da linha do Equador, os chamados países menos
desenvolvidos, sofrerão as conseqüências das crescentes emissões antrópicas de GEE. O
Quarto Relatório do IPCC afirmou que as emissões antrópicas de GEE influenciam, sim, no
clima global. Estima-se que entre 1970 e 2004 as mudanças na temperatura global, nível dos
oceanos, dos sistemas físicos e biológicos foram observadas.
A Figura 7, abaixo, demonstra as mudanças na temperatura da superfície global e dos
sistemas físicos e biológicos. Observa-se que, em média, a temperatura global aumentou 1°C
e que a maioria dos sistemas biológicos e físicos alterados estão concentrados no hemisfério
Norte.
Contudo, verifica-se que na América Latina 53 sistemas físicos e 5 sistemas biológicos
foram alterados ao longo do período observado. E ainda, 98% das alterações observadas nos
sistemas físicos da América Latina são consistentes com a variabilidade da temperatura e
100% das alterações dos sistemas biológicos dessa região são consistentes com a
variabilidade da temperatura (IPCC, 2007). Ou seja, a variabilidade da temperatura nesse
período foi capaz de alterar os sistemas físicos e biológicos do mundo e pode continuar
alterando-os, inclusive os do hemisfério sul, atingindo o Brasil.
56
O que preocupa a comunidade internacional, além do impacto ambiental, é que essas
mudanças no clima mundial podem e vão afetar a economia. O Relatório Stern, um estudo
realizado pelo economista Sir Nicholas Stern encomendado pelo governo britânico – portanto,
guarda independência em relação ao Relatório do IPCC –, chegou a essa conclusão. Esse
relatório, publicado em outubro de 2006, versa sobre os impactos negativos das mudanças
climáticas na economia mundial. De acordo com o relatório, “o custo final de um descontrole
climático pode, segundo o economista britânico, ficar entre 5% e 20% do PIB mundial anual.”
(CONGRESSO NACIONAL, 2007(c), pp.10-11). E ainda, com o investimento de 1% do PIB
mundial para a mitigação das mudanças climáticas, pode-se evitar a perda de 20% desse PIB
resultante das vulnerabilidades do mundo às mudanças climáticas num período de 50 anos.
Logo, faz-se necessário descrever quais seriam as vulnerabilidades do Brasil relativas
às mudanças climáticas para saber quais seriam os incentivos diretos ao país para realizar
esforços de mitigação do fenômeno. O relatório síntese do IPCC, lançado em 2007, fala sobre
essas vulnerabilidades. Por vulnerabilidade o IPCC entende como
“o grau de suscetibilidade de um sistema aos efeitos adversos da mudança climática,
ou sua incapacidade de administrar esses efeitos, incluindo variabilidade climática
ou extremos. Vulnerabilidade é função do caráter da dimensão e da taxa de variação
climática ao qual um sistema é exposto, sua sensibilidade e capacidade de
adaptação.” (IPCC Third Assessment Report, Working Group II, 2001 apud NAE,
2005).
57
Figura 7 – Mapa da mudança dos sistemas físicos e biológicos e na temperatura da superfície entre 1970 e 2004
Fonte: IPCC, Climate Change 2007: Synthesis Report, 2007.
As vulnerabilidades descritas pelo 4º Relatório do IPCC são:
(a) Disponibilidade de água doce em regiões áridas e semi-áridas: Diminuição dos recursos
hídricos em regiões como o Nordeste brasileiro. Aumentará a variabilidade da precipitação. A
recarga de águas superficiais diminuirá. Isso devido ao rápido aumento da população, da
demanda de água doce e das mudanças do clima mundial;
(b) Mudanças na precipitação: Aumento da precipitação no Sudeste brasileiro, que impacta
diretamente na agricultura e uso da terra e no aumento das enchentes. Aumento na
temperatura de 0.5°C no país. Diminuição da precipitação em regiões áridas e semi-áridas;
58
(c) Risco de extinção de espécies da flora e fauna na América Latina tropical: Savanização
das florestas tropicais e substituição da vegetação semi-árida por árida na região Nordeste do
país. Desertificação e salinização das terras agricultáveis em até 50% ao final da década de
2050. Perda de habitat de espécies endêmicas;
(d) Vulnerabilidade das áreas costeiras: Aumento do nível do mar (1 a 2-3 mm por ano nos
últimos 10-20 anos) e variabilidade climática. Impactos em áreas costeiras de baixa
declividade, construções e turismo costeiro, morfologia costeira, manguezais e
disponibilidade de água doce, recifes de corais. (CONAMA, 2008).
Observa-se que as alterações da temperatura global e regional, o aumento do nível dos
mares, variabilidades da precipitação em todas as regiões do país e desertificação/savanização
das florestas e áreas agricultáveis interferem diretamente sobre as condições da economia e da
saúde da população do país.
Essas mudanças repercutem diretamente em todo o sistema hidrológico, biológico e
agrícola. Pode haver reflexos no equilíbrio químico do solo, resultando em impactos na
fertilidade e potencial produtivo. Além disso, pode haver mudanças e adaptações das espécies
de plantas, devido às mudanças da concentração de carbono na atmosfera e no solo. A
escassez de água doce, causada tanto pelo aumento do nível dos mares, quanto pela
diminuição da recarga de águas superficiais pode prejudicar as produções agrícolas. O
desequilíbrio nos biomas pode causar surgimento de novas pragas, devido à influência da
temperatura na sobrevivência, desenvolvimento, reprodução e movimentos migratórios dos
insetos. Conseqüências fitopatológicas também serão possíveis, como o desenvolvimento de
fungos e bactérias nocivas à produção agrícola. (DE SIQUEIRA, STEINMETZ, DE SALLES,
FERNANDES, 2001)32
.
Como mostrado, as mudanças climáticas atingem o Brasil de diversas formas, o que
torna ainda mais urgente e imprescindível políticas para sua mitigação, independentemente do
país não possuir compromissos quantificados de redução de GEE (metas de redução). Na
próxima subseção o foco será na política doméstica para as mudanças climáticas,
principalmente as referentes ao desmatamento.
32
Uma análise completa sobre as vulnerabilidades do país pode ser encontrada no Cadernos NAE de 2005.
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TCC Marcela C P Reggiani - 2º-2008

  • 1. PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Departamento de Relações Internacionais O POSICIONAMENTO POLÍTICO DO BRASIL NO REGIME DE MUDANÇAS CLIMÁTICAS: uma discussão de dois níveis Marcela Costa Pinto Reggiani Belo Horizonte 2008
  • 2. 1 Marcela Costa Pinto Reggiani O POSICIONAMENTO POLÍTICO DO BRASIL NO REGIME DE MUDANÇAS CLIMÁTICAS: uma discussão de dois níveis Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Orientadora: Matilde de Souza Belo Horizonte 2008
  • 3. 2 Marcela Costa Pinto Reggiani O Posicionamento Político do Brasil no Regime de Mudanças Climáticas: uma discussão de dois níveis Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Matilde de Souza (Orientadora) – PUC Minas Danny Zahreddine – PUC Minas Rodrigo Corrêa Teixeira – PUC Minas Belo Horizonte, 26 de Novembro de 2008
  • 4. 3 A meus pais pelo amor, atenção e incentivo aos estudos, à minha avó, por me apresentar à sede do conhecimento.
  • 5. 4 AGRADECIMENTOS A FAPEMIG, pelo financiamento a essa pesquisa que tornou possível a realização do meu trabalho. A PUC Minas pela infra-estrutura de trabalho e possibilidade de expandir meus conhecimentos. A minha orientadora, professora Matilde de Souza, pela paciência, carinho, atenção e direção da pesquisa. A minha família e amigos que com sua paciência e apoio me ajudaram a ter fé e perseverança na busca pelo conhecimento.
  • 6. 5 “Don’t blow it – Good planets are hard to find.” (Time)
  • 7. 6 RESUMO Este trabalho tem como objetivo estudar o posicionamento político atual do Brasil sobre a questão das mudanças climáticas. Esse posicionamento será analisado em dois níveis: o doméstico e o internacional. No âmbito doméstico será observado o posicionamento e a coordenação dos ministérios brasileiros, responsáveis pela formulação e implementação das políticas referentes às mudanças do clima no âmbito doméstico e internacional. Adicionalmente, será observada a influência dos stakeholders brasileiros no processo de decisão e implementação das políticas para o clima. Essas duas variáveis influenciam a projeção do Brasil nas negociações atuais do Regime de Mudanças Climáticas. A metodologia adotada na pesquisa foi levantamento e análise de documentos e declarações oficiais. Além disso, foram utilizadas as técnicas de análise dos stakeholders (stakeholder analysis) e a análise de dados primários sobre cenários de emissões do Brasil. Por fim, conclui-se que há uma falta de coordenação entre as instituições políticas do Brasil no sentido de formular e implementar uma política do clima, responsável por reduzir as emissões de gases de efeito estufa no país e mitigar as mudanças climáticas. Logo, essa falta de coordenação, juntamente com a atuação de grupos de interesse (stakeholders) influenciam a projeção do país no Regime de Mudanças Climáticas. Palavras-Chave: Regime de Mudanças Climáticas; Política Ambiental Brasileira; Jogos de Dois Níveis.
  • 8. 7 ABSTRACT This paper aims to study the Brazil’s political positioning about climate change. This positioning will be analyzed taking into account two levels: domestic and international. In domestic level it will be observed the positioning and coordination of brazilian ministries responsible for the formulation and implementation of climate change politics in both domestic and international levels Additionally, it will be observed the influence of brazilian stakeholders on the decision making and implementation processes of climate change politics. These two variables affect Brazil’s projection on the currently Climate Change Regime negotiations. The methodology used here will be official documents and declarations analysis. Besides, it will be used stakeholders analysis and primary data about Brazil’s GHG emissions. Finally, we conclude that there is a lack of coordination between Brazil’s political institutions concerning the formulation and implementation of climate change politics’, responsible for reducing GHG emissions and mitigate climate change. In addition, we have non-governmental stakeholders influencing on the formulation of climate change politics in domestic level. These variables will affect Brazil’s positioning on the Climate Change Regime. Key-words: Climate Change Regime; Brazilian Environmental Politics; Two-Level Games.
  • 9. 8 LISTA DE ILUSTRAÇÕES FIGURAS FIGURA 1 – Esquema Explicativo do Efeito Estufa..................................................... 18 FIGURA 2 – Quadro Resumo da Hipótese.................................................................... 20 FIGURA 3 – Emissões Mundiais de GEE por País em 2000........................................ 39 FIGURA 4 – Emissões Totais de GEE em 2000........................................................... 40 FIGURA 5 – Mapa da Expansão da Fronteira Agrícola na Amazônia Legal................ 52 FIGURA 6 – Mapa da Fronteira de Exploração da Madeira e da Atividade da Pecuária na Amazônia Legal.......................................................................................... 54 FIGURA 7 – Mapa da Mudança dos Sistemas Físicos e Biológicos e na Temperatura da Superfície entre 1970 e 2004..................................................................................... 57 FIGURA 8 – Fluxograma Resumo da Pesquisa............................................................. 85 GRÁFICOS GRÁFICO 1 – Emissões Antrópicas Globais de GEE.................................................. 37 GRÁFICO 2 – Contribuições Agregadas dos Países Maiores Emissores de GEE........ 38 GRÁFICO 3 – Perfil das Emissões Brasileiras por Setor – 1994.................................. 41 GRÁFICO 4 – Perfil da Produção Energética – Brasil e Mundo.................................. 42 GRÁFICO 5 – Taxa de Desmatamento Anual da Amazônia Legal.............................. 44 GRÁFICO 6 – Total de Atividades de Projetos de MDL no Mundo............................ 45 GRÁFICO 7 – Número de Projetos Brasileiro de MDL por Escopo Setorial............... 46 GRÁFICO 8 – Emissões a serem Reduzidas durante o 1º Período de Obtenção de Créditos dos Projetos Registrados.................................................................................. 47 GRÁFICO 9 – Reduções Mundiais de Emissões Anuais.............................................. 48 GRÁFICO 10 – Crescimento Projetado das Emissões Mundiais até o ano de 2025..... 49 GRÁFICO 11 – Produção de milho em grão dos seis maiores municípios produtores do país – 2000-2007....................................................................................................... 51 GRÁFICO 12 – Produção de soja em grão dos seis maiores municípios produtores do país – 2000-2007....................................................................................................... 51 GRÁFICO 13 – Distribuição da Participação da CNA nas Reuniões Legislativas Federais por Temáticas – 1º a 4 de Setembro de 2008.................................................. 76
  • 10. 9 GRÁFICO 14 – Distribuição da Participação da CNA nas Reuniões Legislativas Federais por Temáticas – 9 a 11 de Setembro de 2008.................................................. 76 GRÁFICO 15 – Distribuição por Área Temáticas da Participação Semanal da CNA nas Reuniões Legislativas – 1º a 11 de Setembro de 2008............................................ 77 GRÁFICO 16 – Parecer da CNA nas Reuniões Legislativas sobre Meio Ambiente e Amazônia....................................................................................................................... 78 GRÁFICO 17 – Proposições em Tramitação no Congresso Nacional.......................... 79
  • 11. 10 LISTA DE TABELAS TABELA 1 – Distribuição das Atividades de Projeto no Brasil por tipo de projeto..... 46 TABELA 2 – Distribuição das Terras no Brasil............................................................ 53 TABELA 3 – Grupos de Unidades de Conservação...................................................... 64 TABELA 4 – Anexo IX da Lei 10.165 de 27 de dezembro de 2000........................... 65 TABELA 5 – Identificação dos Stakeholders................................................................ 69 TABELA 6 – Delimitação dos Interesses dos Stakeholders.......................................... 71
  • 12. 11 LISTA DE ABREVIATURAS BAU – Business-as-usual CH4 – Gás Metano CO2 – Gás Carbônico GEE – Gases causadores do Efeito Estufa HFC – Hidrofluorcarbonetos MDL – Mecanismo de Desenvolvimento Limpo MtCO2 - Milhões de toneladas de CO2 N2O – Óxido Nitroso ONG – Organização não-governamental PFC – Perfluorcarbonetos RCE – Reduções Certificadas de Emissões SF6 – Hexafluoreto de enxofre PIB – Produto Interno Bruto
  • 13. 12 LISTA DE SIGLAS ABIMCI – Associação Brasileira da Indústria da Madeira Processada Mecanicamente AIMEX – Associação das Indústrias Exportadoras de Madeira do Estado do Pará CAIT – Climate Analysis Indicators Tool CNA – Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil CNRH – Conselho Nacional de Recursos Hídricos CNUMAD – Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento CONABIO – Comissão Nacional da Biodiversidade CONACER – Comissão Nacional do Programa Cerrado Sustentável CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente COP – Conferência das Partes da Convenção Quadro das Mudanças Climáticas Globais da Organização das Nações Unidas CPCRH – Coordenação do Clima e Recursos Hídricos do INPA CPTEC – Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos do INPE DETER – Detecção do Desmatamento em Tempo Real FINEP – Financiadora de Estudos e Projetos G77 – Grupo dos 77 nas Nações Unidas IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia Estatística IMAZON – Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária INPA – Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia INPE – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais IPCC – Painel Intergovernamental para as Mudanças Climáticas MAPA – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento MERCOSUL – Mercado Comum do Sul
  • 14. 13 MCT – Ministério da Ciência e Tecnologia MMA – Ministério do Meio Ambiente MME – Ministério das Minas e Energia MSG – Modelos de Circulação Geral NAE – Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República OCDE – Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico ONU – Organização das Nações Unidas PAEG – Plano de Ação Econômica do Governo PAS – Plano Amazônia Sustentável PróÁLCOOL – Programa Brasileiro de Álcool PRODES – Projeto de Estimativa do Desflorestamento da Amazônia PROINFA – Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia SAAP – Sistema de Acompanhamento de Atividades Parlamentares SIPAM – Sistema de Proteção da Amazônia SISNAMA – Sistema Nacional do Meio Ambiente SIVAM – Sistema de Vigilância da Amazônia SNUC – Sistema Nacional de Unidades de Conservação TCFA – Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental UNCED – Conferência para o Meio Ambiente e Desenvolvimento da Organização das Nações Unidas UNEP – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente UNFCCC - Convenção Quadro das Mudanças Climáticas Globais da Organização das Nações Unidas WRI – World Resources Institute
  • 15. 14 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO........................................................................................................ 16 2. O AMBIENTE INTERNACIONAL: O REGIME DAS MUDANÇAS DO CLIMA.......................................................................................................................... 22 3. O BRASIL E O REGIME DE MUDANÇA DO CLIMA..................................... 3.1. A teoria de Putnam dos níveis de análise............................................................ 3.2. O Posicionamento do Brasil no nível internacional........................................... 3.2.1 O Desmatamento da Amazônia no âmbito do Regime....................................... 3.3. O Cenário de Emissões Brasileiro....................................................................... 3.3.1. O Desmatamento da Amazônia.......................................................................... 3.3.1.1. Agricultura: Soja e Milho............................................................................... 3.3.1.2. Pecuária e Madeireiras................................................................................... 3.4. Vulnerabilidade do Brasil frente às mudanças climáticas................................ 3.5. A política doméstica para as mudanças climáticas............................................ 3.5.1. A Legislação Ambiental Brasileira relacionada às mudanças climáticas........ 3.5.2.1. O Código Florestal.......................................................................................... 3.5.2.2. Lei dos Incentivos ao Florestamento e Reflorestamento............................. 3.5.2.4. Lei sobre o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza. 3.5.2.5. Lei da Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental (TCFA)....................... 3.5.2.6. Lei sobre a Gestão de Florestas Públicas...................................................... 28 28 30 36 37 49 50 53 55 59 61 61 63 63 64 65 4. PROBLEMAS DE COORDENAÇÃO ENTRE OS STAKEHOLDERS............. 4.1. Stakeholders analysis............................................................................................. 4.1.1. Delimitação dos stakeholders............................................................................. 4.2. Os problemas de coordenação entre os stakeholders......................................... 4.2.1. Instituições Governamentais e Congresso Brasileiro........................................ 4.2.2. Os Stakeholders do tipo 2.................................................................................... 4.2.2.1. Agropecuária e Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil.......... 4.2.2.2. Madeireiras...................................................................................................... 4.2.2.3. ONGs “Verdes”............................................................................................... 67 67 68 70 71 74 75 80 81 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................. 84 REFERÊNCIAS........................................................................................................... 89 ANEXO I - Quadro 1 – Linha do Tempo sobre as discussões das Mudanças
  • 16. 15 Climáticas Globais....................................................................................................... ANEXO II - Quadro 2 – Os Mecanismos de Flexibilização do Protocolo de Quioto............................................................................................................................ 96 98
  • 17. 16 1. INTRODUÇÃO “O aquecimento do sistema climático é inequívoco, como está agora evidente nas observações dos aumentos das temperaturas médias globais do ar e do oceano, do derretimento generalizado da neve e do gelo e da elevação do nível global médio do mar.” (IPCC, 2007(a)). Em 2007 o IPCC lançou mais um alerta à comunidade internacional: o clima está aquecendo. É sobre esse crescente problema, que se manifesta tanto no âmbito internacional, como no doméstico e é percebido também pelos indivíduos, que este trabalho se reporta. Tal problema pode ser caracterizado como um problema de cooperação, coordenação e vulnerabilidade, considerando os níveis internacional, doméstico e individual, respectivamente. Nenhum de nós, sejamos ricos, pobres ou emergentes está aquém desse fenômeno. O aquecimento é global, os impactos são globais, bem como seus efeitos. É nesse sentido que se indaga sobre como o Brasil se posiciona nas negociações do regime que regula as mudanças do clima, a Convenção Quadro das Nações Unidas para as Mudanças Climáticas. O Brasil, um dos países que, provavelmente, sofrerá sérias conseqüências em função desse crescente fenômeno climático, é um membro ativo das Nações Unidas em relação às mudanças do clima. Entretanto, em termos relativos, as responsabilidades do Brasil junto a sociedade internacional e no que se refere ao fenômeno específico do aquecimento global não são quantificadas. Então, será a atuação do Brasil no âmbito doméstico e internacional contribuição suficiente para ajudar a conter o aquecimento global? Serão suas contribuições para o Protocolo de Quioto, para o desenvolvimento sustentável suficientes para conter as futuras conseqüências à sociedade, economia e política mundiais? Essa pesquisa se iniciou tendo em vista essas indagações e levando em consideração os dados das emissões de gases de efeito estufa, que colocam o Brasil no ranking dos maiores emissores mundiais. Num cenário internacional caracterizado pelas diferenças e similaridades cada vez mais marcantes entre os países, economias, sociedades e povos; e pela interdependência dos atores internacionais, onde a ação de um afeta direta ou indiretamente o outro, é que o problema das mudanças climáticas está inserido. Logo, precisamos compreender o que seria o problema das mudanças climáticas. O evento da mudança do clima são evidências percebidas pela comunidade científica internacional e mostram que o clima mundial está esquentando. O que significa que a temperatura média global está aumentando, tanto a temperatura do ar quanto a dos oceanos.
  • 18. 17 Contudo, as mudanças climáticas são fenômenos ambientais comuns ao sistema climático do planeta. Logo, o aquecimento global é um fenômeno natural normal, o problema é o ritmo que essas mudanças estão acontecendo atualmente. Onze de um período de doze anos (1995-2006) analisado pelo IPCC estão no ranking dos doze anos mais quentes desde 1850, quando se começou a registrar instrumentalmente a temperatura da superfície global. Desde 1850, estima-se que o aumento da temperatura total tenha sido de 0,76°C. Isso, em termos de temperatura média pode parecer pouco, mas como uma mudança constante, afeta as geleiras, as áreas cobertas por neve, a temperatura dos oceanos, entre outras mudanças, que, por sua vez, afetam vários sistemas ambientais e, conseqüentemente, afetam os seres humanos em geral. De acordo com os relatórios do IPCC, essa aceleração se deve em parte às ações dos seres humanos. Através da exploração constante e irremediável dos recursos naturais para alimentar os sistemas econômicos de todo o mundo, os países estão liberando na atmosfera gases que causam o aumento do efeito estufa. Antes da exploração, esses compostos químicos estavam armazenados nos recursos naturais e inofensivos, tanto em sua forma final, quanto em formas primárias, que ao serem submetidas a processos de mudança químicos ou físicos são liberados na atmosfera e formam uma camada que reflete parte da radiação solar, o chamado efeito estufa. O efeito estufa é um fenômeno natural comum, que ajuda a manter a temperatura na terra, o que permite a existência de todo o tipo de seres vivos. O problema é que o aumento da acumulação desses gases reflete maior quantidade da radiação solar, o que aumenta a temperatura da superfície em níveis além do usual. A figura 1 demonstra como esse efeito se dá e descreve em seis passos como isso ocorre. (1) A radiação solar passa pela atmosfera limpa, cerca de 343 watt/m²; (2) A radiação penetra a camada dos gases de efeito estufa a 240 watt/m², radiação filtrada pela camada dos gases; (3) Alguma radiação é refletida pela atmosfera e pela superfície da terra (103 watt/m²); (4) A energia solar é absorvida pela superfície terrestre e a aquece (168 watt/m²). Ao mesmo tempo, essa energia é convertida em calor causando a emissão de radiação infravermelha (raios vermelhos na figura)de volta para a atmosfera; (5) Certa radiação infravermelha é absorvida e emitida novamente pela camada dos gases de efeito estufa causando o aquecimento da superfície terrestre e da troposfera, assim, a superfície aquece ainda mais e a radiação infra-vermelha é emitida; (6) Alguns raios infravermelhos passam pela atmosfera e são perdidos no espaço (240 watt/m2).
  • 19. 18 Figura 1 – Esquema Explicativo do Efeito Estufa Fonte: UNEP, 2002. <http://maps.grida.no/go/graphic/greenhouse-effect> As mudanças climáticas nos atingem diretamente. Isso porque, a temperatura média global afeta diretamente os sistemas climáticos como um todo: ciclos de chuva, ocorrências de furacões, tornados, etc. Além disso, afeta diretamente os biomas, já que altera correntes marítimas e de ar, e ainda, o aumento da variação climática (altas e baixas temperaturas) tem ligação direta com os ciclos de vida de diversos seres vivos, afetando desde cadeias alimentares até provocando mutações em espécies dos seres vivos. Afetando diretamente o meio ambiente, afeta a nossa vida econômica, política e social. Além disso, os ciclos de produção mundiais podem ser alterados, isso porque as matérias-primas são recursos naturais. Esses são poucos de muitos efeitos das mudanças do clima, efeitos específicos para cada região do mundo, para cada bioma, para cada sistema ambiental, para cada país, cada indústria, cada ser humano, cada ser vivo. Percebida a emergência do problema mundial, esforços efetivos e eficazes para o controle dessas alterações são cada vez mais necessários. É para esse fim que a Convenção Quadro das Nações Unidas para as Mudanças Climáticas surge em 1992, no Rio de Janeiro,
  • 20. 19 onde líderes mundiais perceberam a necessidade de uma ação conjunta e criaram um regime para regular essas alterações. No âmbito desse regime ocorreram diversas reuniões das partes1 , onde foi decidida a criação de um Protocolo que regulasse as emissões de gases de efeito estufa, estabelecendo metas de redução de emissões desses aos países do Anexo I2 a serem implementadas a partir do ano de 2008 e cumpridas até o ano de 2012. Esse Protocolo, como será explicitado nas seções subseqüentes, só entrou em vigor em 2005 devido a diversos problemas na negociação entre os países. É nesse cenário da emergência do fenômeno das mudanças climáticas globais que o Brasil participa desse regime e desse protocolo. Porém, o Brasil, que está entre os países não- Anexo I3 , não possui metas quantificadas de redução de GEE4 . Contudo, realiza esforços para a redução dessas emissões, mas não obrigatoriamente. Além disso, o Brasil é um país que participa ativamente das negociações do regime e do protocolo, seja fazendo propostas e alternativas para alcançar o objetivo maior do regime ou defendendo os interesses dos países menos desenvolvidos. O núcleo do nosso questionamento reside na possibilidade do Brasil passar a ter compromissos de redução quantificados no âmbito do Protocolo de Quioto. Isso porque, os países, após os relatórios do IPCC, estão cada vez mais cientes da necessidade de uma ação de mitigação conjunta por parte de todos os países do mundo a fim de estabilizar os níveis de concentração desses gases na atmosfera. Principalmente a partir da 12ª reunião das partes do Regime, que começou a discutir os termos do segundo período de compromisso do Protocolo de Quioto, em Nairóbi no ano de 2006, os países tem dado atenção a essa necessidade. E têm, cada vez mais, discutido sobre maneiras dos países em desenvolvimento mitigarem as mudanças climáticas promovendo o seu desenvolvimento de maneira sustentável. A partir de todas essas evidências, indaga-se exatamente sobre a situação do Brasil nesse segundo período de compromisso. Inicialmente, pretendia-se discutir de que maneira as ações políticas domésticas do Brasil sobre as mudanças do clima afetariam o posicionamento do país nesse período, se há uma possibilidade maior de serem estabelecidas metas para o país, como ficaria sua credibilidade como negociador internacional entre outros. Contudo, 1 Ver Anexo I. 2 Países do Anexo I consistem nos países desenvolvidos e países da ex-URSS que aderiram ao Protocolo de Quioto. 3 Países não Anexo I são todos os países em desenvolvimento que assinaram e ratificaram o Protocolo de Quioto, contudo não possuem metas quantitativas de redução de emissões de GEE no primeiro período de compromisso (2008-2012). 4 São os Gases de Efeito Estufa considerados no âmbito do Protocolo de Quioto e pelo IPCC: CH4, CO2, HFCs, N2O, PFCs, SF6.
  • 21. 20 durante a pesquisa os objetivos se tornaram inviáveis por limitação das informações necessárias para traçar esse cenário político internacional. Logo, objetiva-se com essa pesquisa apontar os contrastes entre os cenários internacional e doméstico, que acreditamos nos proporcionar um caminho para uma análise desse período e dos fatos que propomos. Para responder às essas indagações será analisado como o país se posiciona internacional e domesticamente sobre essas questões climáticas: quais são suas políticas, quem são os atores que influenciam esse processo, como influenciam e qual o resultado desse processo. De acordo com a teoria de Putnam (1988), as decisões tomadas no ambiente internacional, classificado por ele como nível I, têm que ser implementadas no ambiente doméstico ou nacional, classificado como nível II, e essas decisões, que seriam implementadas em forma de políticas públicas, são influenciadas por atores nacionais relevantes (instituições governamentais, atores privados e não-governamentais). E que a influência negativa ou positiva desses resultariam em um ambiente doméstico tal que se refletiria no ambiente internacional (nível I). Figura 2 - Quadro Resumo da Hipótese Fonte: Formulação própria. Para o teste da hipótese serão delineados cenários do Brasil em relação às mudanças do clima, em perspectiva internacional e doméstica. Serão discutidas as teorias para a análise, tomando como referência analítica o jogo do Chicken estendido a n jogadores (ORENSTEIN, 1998) e os jogos de dois níveis do Putnam (1988). No capítulo 3 será feita a discussão sobre a questão crucial em relação às emissões de GEE para o Brasil e os cenários de emissões mundial e brasileiro, apresentando o perfil das emissões do país para o qual é crucial o desmatamento, principalmente aquele que acontece Atuação do Brasil no Regime de Mudanças do Clima Grupos de interesse Instituições Brasileiras Posição vulnerável do Brasil no segundo período de compromisso e subseqüentes NÍVEL I NÍVEL II NÍVEL I
  • 22. 21 na Amazônia Legal. Será, também, apresentado o perfil do desmatamento nessa região, levando em conta as atividades agropecuárias, que ajuda a identificar quais são os atores relevantes para a análise, a ser feita posteriormente. Na subseção 3.2 é apresentado o cenário de vulnerabilidades do país em relação às mudanças do clima global e às políticas domésticas para a contenção e mitigação desse fenômeno, momento em que será descrita a legislação pertinente. O capítulo 4 discutirá os problemas de coordenação entre os stakeholders (atores relevantes, privados, governamentais e não-governamentais). Para isso, e de acordo com a metodologia de análise dos stakehoders do Banco Mundial (2006), serão especificados os atores a serem analisados e identificados os seus interesses. E por fim, o foco será nos interesses de cada stakeholder escolhido (ministérios brasileiros, congresso nacional, representantes do agronegócio e da indústria madeireira e ONGs ambientalistas preocupadas com o problema da Amazônia), analisando mais profundamente cada caso. As considerações finais serão desenvolvidas no capítulo 5.
  • 23. 22 2. O AMBIENTE INTERNACIONAL: O REGIME DAS MUDANÇAS DO CLIMA O ambiente internacional, onde os Estados interagem de maneira estratégica, é marcado pela anarquia5 e pela interdependência, definida por Keohane (1977, p.7, tradução nossa) como “[...] situações caracterizadas por efeitos recíprocos entre os países ou entre atores em diferentes países” 6 . Logo, a ação de um Estado influencia direta ou indiretamente a de outro(s) Estado(s), podendo gerar falhas de mercado. É nesse ambiente de interação estratégica e de interdependência que o problema das mudanças do clima é inserido. Contudo, a temática é recente na agenda política dos Estados. As questões ambientais começaram a ter maior relevância nos fóruns multilaterais a partir da Conferência de Estocolmo em 1972. No entanto, acreditava-se naquele momento que a preocupação com o meio ambiente seria um condicionante do modelo tradicional de crescimento econômico. A Conferência de Estocolmo foi seguida de duas outras conferências sobre o clima, uma em 1979 e outra em 19907 . Com a publicação do Relatório Bruntland, “Nosso Futuro Comum”, em 1987, elaborado pela CNUMAD, uma nova noção de desenvolvimento é apresentada. O estudo de Gro Bruntland e sua comissão aborda a questão ambiental de maneira holística, admitindo que os problemas ambientais são globais e fortemente ligados aos processos de desenvolvimento econômico e social. A partir do conceito de Desenvolvimento Sustentável apresentado pelo relatório, a palavra de ordem era incorporar a variável ambiental à noção de desenvolvimento, para evitar o esgotamento dos recursos naturais e também suas conseqüências previsíveis tais como problemas sociais, econômicos, dentre outros. Adicionalmente houve a criação do IPCC, Painel Intergovernamental sobre a Mudança do Clima, em 1988, o que gerou condições institucionais para a intensificação das pesquisas em torno das mudanças climáticas, com a observação de possíveis causas antrópicas no aumento da temperatura. Assim, a temática ambiental, especialmente as mudanças climáticas se inserem mais fortemente na agenda política dos Estados. Essa maior preocupação se confirmou durante a Cúpula da Terra, a Rio- 92. 5 A anarquia do sistema é entendida como a falta de uma autoridade central reguladora do comportamento e da interação dos Estados. 6 “[...] situations characterized by reciprocal effects among countries or among actors in different countries”. 7 Ver Anexo 1 – Quadro 1.
  • 24. 23 Em 1992 os Estados se encontraram na Rio-92, com o objetivo de discutir opções para um desenvolvimento sustentável. Durante essa conferência foi negociada e instituída a Convenção Quadro das Mudanças Climáticas Globais, em resposta às diversas evidências encontradas através de extensas pesquisas, que a mudança climática global estaria sendo causada, em grande parte, por ações antrópicas. Ou seja, verificou-se que a intervenção humana no meio ambiente mais especificamente as emissões de gases causadores do efeito estufa (GEE) seria responsável por parte dessa mudança. Apesar de ainda não se conseguir mensurar os impactos da ação humana, é fato comprovado que essas afetam o clima mundial8 . Pelo fato de que esses GEE são lançados e dissipados na atmosfera, suas conseqüências são difusas, afetando outros países. A Convenção foi criada porque a emissão dos gases de efeito estufa por um país afeta diretamente a outro, já que são altamente poluentes e dissipáveis na atmosfera, e geram externalidades negativas cujos efeitos são coletivos. Então, a partir dessa Convenção iniciou-se um processo de discussão das partes, as COP9 , sobre uma possível regulamentação das emissões de gases de efeito estufa, a principal causa de caráter antrópico das mudanças climáticas. A COP1, que aconteceu em Berlim, marcou o início das discussões sobre o problema. Contudo, foi durante a COP3, em Quioto, no ano de 1997, que o Protocolo de Quioto foi criado, com o objetivo de regular as emissões desses gases. Dentre outras questões, o Protocolo estabeleceu metas de redução aos países, de acordo com seu nível de desenvolvimento e níveis de emissões, separando assim os países do Anexo I e os países não-Anexo I. Com a intenção de sanar as falhas de mercado, esse Protocolo, parte do Regime de Mudança do Clima, possui mecanismos para prover informação aos Estados e estabelecer condições para a transparência sobre as emissões mundiais de GEE, como os documentos de comunicação dos Estados sobre suas respectivas emissões de GEE por período. E assim, promover a cooperação entre os mesmos, incentivando e estabelecendo a redução de emissões a partir do princípio da responsabilidade comum, porém diferenciada. Após intensas negociações entre os países membros da UNFCCC durante as COPs subseqüentes, o Protocolo entrou em vigor em 2005, prevendo um primeiro período de compromisso sobre a redução de emissões que começou em 2008 e se estenderá até 2012. Assim, ficou estabelecido que os países do Anexo I teriam metas de redução de emissões nesse primeiro período de compromisso, enquanto os países não-Anexo I, bloco onde se 8 IPCC, 2007. 9 Para informações dos acontecimentos específicos de cada reunião vide Anexo 1.
  • 25. 24 encontram os países em desenvolvimento e menos desenvolvidos, não tem metas concretas de redução de emissões. Entretanto, a cooperação entre os Estados depende da estrutura de interação entre os mesmos. Essa estrutura pode ser caracterizada por relações que se fundamentam na assimetria de payoffs10 , o que afeta a possibilidade de cooperação11 , que neste trabalho se expressa através de compromissos e ações efetivas para a redução de emissões de GEE. A questão da cooperação no âmbito do Protocolo de Quioto e, conseqüentemente, no Regime de Mudanças Climáticas, pode ser pensada através do modelo do “jogo do Chicken” estendido a N jogadores. Como se sabe, o modelo do Chicken para dois atores indica uma estrutura de payoff na qual a deserção unilateral é a melhor alternativa, seguida da cooperação mútua. A matriz sugere claramente um jogo de colaboração, mas como há duas estratégias de equilíbrio e ambas são Pareto Ótimo – Desertar/Cooperar e Cooperar/Desertar – problemas de coordenação também se colocam. Nessa perspectiva, e buscando discutir alternativas teóricas para a solução de problemas de cooperação e/ou coordenação sem a necessidade do aporte externo de capacidade coercitiva, como sugerido por Olson, Orenstein experimenta a extensão do modelo para um número “n” de atores. Assim, sugere uma diferença entre o bem coletivo discreto e o bem coletivo contínuo, este último se caracterizando pela necessidade de provisão constante do bem, o que demanda esforço cooperativo continuado para a sua manutenção. Nesses casos, um número mínimo de cooperadores seria sempre necessário para a provisão do bem, além do que seria permitida uma cota de não cooperadores – o bem seria provido a partir de uma cota “n” de colaboradores e mesmo com a presença de um número “x” de não cooperadores. Desse modo: “[c]ada jogador prefere a cooperação universal à deserção universal mas prefere ainda mais a deserção unilateral com cooperação para os N-1 (n menos 1) outros jogadores. A cooperação unilateral é preferível à deserção universal e continua a ser preferida até que o valor crítico de K cooperadores tenha sido alcançado: a partir daí o indivíduo prefere ser um free rider12 .” (ORENSTEIN, 1998, p.31). 10 Assimetria de payoffs é a diferença do que cada Estado irá ganhar em relação ao outro, baseada no curso de ação adotado. 11 Isso porque a relação entre assimetria de payoffs e deserção é diretamente proporcional, logo a relação assimetria de payoffs e cooperação é inversamente proporcional: quando os bônus para cooperação são baixos, os atores tendem a desertar; os modelos teóricos admitem que a alteração desse comportamento esperado do ator depende da alteração nos ganhos de cooperação. 12 “[Free riders são jogadores que se] beneficia[m] do bem coletivo ao menor custo possível. [São agentes racionais superinformados, que] sabe[m] previamente que o grupo ao qual pertence enquanto população relevante proverá o bem coletivo independente da sua deserção.”
  • 26. 25 O problema que se coloca nesse caso é o de assegurar um número “X” de cooperadores. Em tese, todos os atores preferem cooperar quando o número de cooperadores é baixo e preferem desertar quando esse número alcança a quantidade necessária para a provisão do bem coletivo em questão. Desse modo, entende-se que no caso do Regime de Mudanças Climáticas, mais precisamente o Protocolo de Quioto, os países Anexo I13 seriam os cooperadores que arcariam com os custos da cooperação e, conseqüentemente, da diminuição da emissão de GEE, seja por meio de políticas próprias ou através dos mecanismos de flexibilização do Protocolo. Para incentivar a cooperação e promover a redução mundial dos GEE, o Protocolo prevê três mecanismos de flexibilização14 : Mecanismo de Implementação Conjunta, Emissões Comerciáveis e o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). Os dois primeiros são permitidos apenas entre os países do Anexo I, e versam basicamente sobre a possibilidade de implementar medidas de redução conjuntamente e comercializar o excesso da porcentagem de redução gerado15 . O último mecanismo de flexibilização, o MDL, tem o objetivo de promover o desenvolvimento limpo nos países em desenvolvimento através de investimentos de países desenvolvidos, permitindo a divisão dos créditos de redução (RCEs) gerados através do projeto MDL em questão. As reduções de emissões, no âmbito do Protocolo de Quioto, foram direcionadas aos países do Anexo I, e são fruto das discussões da COP3 e, de acordo com Klabin (2000), somam cerca de 5% das emissões totais. E, dentro do contexto do Protocolo de Quioto, os free riders seriam aqueles que não o assinaram e/ou não o ratificaram. Dado que se pode admitir que os mecanismos de flexibilização adotados pelo protocolo alteraram os payoffs para cooperação, uma vez obtido o número “X” de cooperadores – um número de países que, somados, representem 50% do total das emissões de GEE – o comportamento free-rider passa a ser a alternativa adotada pelos demais16 . 13 Países pertencentes ao Anexo I: países-membros da OECD e países do ex-bloco comunista do x Leste Europeu. 14 Ver Anexo 2- Quadro 2. 15 As emissões comerciáveis é um mecanismo de mercado que permite um país vender a porcentagem excedente de sua redução. Ou seja, se o país reduziu além da meta colocada pelo Protocolo, ele tem o direito de vender seu excedente a outro país do Anexo I. Há hoje uma discussão sobre a comercialização do hot air, que é o excedente gerado pelos países da ex-URSS, que em 1990, ao fim da guerra fria, desacelerou seu processo produtivo, e consequentemente, as emissões de GEE. Isso porque as metas do Protocolo de Quioto foram calculadas com base nas responsabilidades históricas, tomando o ano de 1990 como base. 16 Admite-se, hipoteticamente, que há intensas discussões no âmbito do Regime, no sentido de alterar a estrutura de interação de um modelo do “Chicken estendido” para um jogo do seguro (assurance game), modelo no qual a cooperação é estratégia dominante. Contudo, admite-se também por hipótese que a condição dessa alteração está relacionada à adesão de grandes emissores de GEE, mais notadamente os Estados Unidos. Essa temática, embora presente nas considerações que esta pesquisa terá necessariamente de fazer, não constitui a sua matéria central.
  • 27. 26 Para os países não-Anexo I, os países em desenvolvimento, dentre eles o Brasil, o Protocolo não prevê metas de redução de GEE. Isso porque o desenvolvimento desses países está, em grande medida, associado ao processo produtivo desses. Logo, países em desenvolvimento têm por base o uso de fontes de energia essencialmente poluentes17 . Apesar disso, o Protocolo afirma a necessidade de todos os países, sem exceção, diminuírem suas emissões de gases de efeito estufa. Essa afirmação não tem gerado efeitos reais e o que se tem verificado é um aumento das emissões por parte de países não-Anexo I, sobretudo aqueles cujas economias são bastante robustas, como é o caso de China, Índia e Brasil, por exemplo. A Convenção sobre as Mudanças Climáticas e o Protocolo de Quioto vieram em resposta à situação publicada pelo IPCC em seu primeiro relatório sobre as Mudanças do Clima em 1990 e seu suplemento em 1992 (IPCC First Assessment Report e The Supplementary Report). Os relatórios do IPCC são extensos, compostos por diversos volumes separados por cada um de seus grupos de trabalho, versam sobre questões científicas, técnicas e sócio-econômicas relativas às mudanças do clima e são publicados, geralmente, de 6 em 6 anos. O último foi o Quarto Relatório do IPCC, lançado em novembro de 2007. Este último relatório levantou questões sobre os impactos das mudanças climáticas, que se mostraram cada vez mais alarmantes. E ainda chegou à conclusão de que as ações antrópicas causam mudanças no clima global. Esse relatório enfatizou que as conseqüências das mudanças do clima serão devastadoras em médio e longo prazo, necessitando medidas de adaptação urgentes em todo o mundo. E ainda que, apesar da existência de vasta gama de ações de adaptação, essas necessitam ser mais amplas para reduzir a vulnerabilidade em relação às futuras mudanças no clima mundial. Concluiu também que as barreiras, os limites e os custos existentes a essas ações ainda não são completamente conhecidos. Além de ações de adaptação, o relatório concluiu que as ações de mitigação ajudarão a evitar, reduzir ou adiar muitos dos impactos gerados pelo fenômeno. O relatório também levantou uma questão polêmica, tratada pelos países no âmbito da Convenção, relacionada ao problema das emissões de GEE resultantes do desmatamento. Esse fato é alarmante no sentido de ser responsável por grande parte das emissões de carbono do mundo, feitas, principalmente, pelo Brasil. Revelou-se que o potencial das florestas do mundo caiu consideravelmente e que esse desmatamento por meio de queimadas é prejudicial tanto por emitir GEE, mas também por acabar com as reservas de carbono e o bioma das florestas, responsáveis em grande parte pela definição do clima na região dos trópicos. 17 Como no caso da China, onde o desenvolvimento é baseado num processo produtivo fundamentado na energia do carvão mineral.
  • 28. 27 Foi a partir desse relatório e dessas conclusões que as discussões sobre o segundo período de compromisso do Protocolo de Quioto no âmbito da Convenção são pautadas atualmente. A partir da COP12, durante o ano de 2006 em Nairóbi, iniciaram-se as discussões sobre esse período. Durante essa reunião os negociadores concluíram que havia grande necessidade de ações de adaptação e mitigação das mudanças do clima por parte de todos os países. E ainda, a proposta de metas de redução de emissões de GEE para o primeiro período de compromisso do Protocolo de Quioto deveria ser reavaliada, no sentido de incluir esforços dos países em desenvolvimento para a mitigação das mudanças climáticas. Questões sobre medidas de adaptação e transferência de tecnologia foram levantadas, reafirmando ainda mais a necessidade de uma ação conjunta entre todos os países. A COP13 em Bali, Indonésia, deu continuidade a essas discussões e ainda enfatizou o problema do desmatamento, apresentado pelo 4° Relatório do IPCC, e o papel dos países em desenvolvimento no aumento da concentração de GEE na atmosfera. Durante essa reunião, os atores discutiram sobre a decisão do novo período de compromisso, sobre medidas de adaptação e um fundo de adaptação às mudanças do clima, medidas de transferência de tecnologia entre os países desenvolvidos e os menos desenvolvidos e mecanismos para reduzir a vulnerabilidade de todos às mudanças climáticas. Foi decidido, com o Bali Roadmap, que até 2009 deveriam ser apresentadas e aprovadas propostas de redução de emissões, divisão de metas e os termos do segundo período de compromisso do Protocolo de Quioto, a ser colocado em prática a partir de 2013. A delimitação do segundo período de compromisso deverá envolver, inicialmente, consenso sobre o prazo e a intensidade da mitigação, para, em seguida, negociar as metas, o esforço de cada país, medidas de compensação, mecanismos de mercado, etc. Tendo em vista esse cenário das decisões, o Brasil como país em desenvolvimento, responsável por grande parte das emissões de GEE mundiais deve se posicionar doméstica e internacionalmente em relação à redução de emissões. Na próxima seção será discutida a participação do Brasil nas negociações desse Regime, bem como o ambiente doméstico de implementação das medidas adotadas no âmbito desse.
  • 29. 28 3. O BRASIL E O REGIME DE MUDANÇA DO CLIMA Essa seção apresentará o posicionamento do Brasil em relação às mudanças do clima, tanto no âmbito internacional quanto no cenário doméstico. Inicialmente será caracterizado o sistema de decisões e de implementação de políticas para as mudanças climáticas dos países, a partir da teoria dos jogos de dois níveis de Putnam (1988). Em seguida, discute-se a participação oficial do Brasil nas reuniões internacionais sobre as mudanças do clima, no intuito de demonstrar a evolução do posicionamento político do país sobre as questões ambientais e as questões climáticas frente às suas tradições políticas e posição de liderança. Neste ponto do texto também se descreverá como é tratada, no âmbito internacional, a questão mais crítica do país em relação às mudanças do clima: o desmatamento da Amazônia. Apresentado o problema crucial do Brasil em relação às mudanças do clima, será feita uma caracterização do cenário doméstico de emissões de GEE e a discussão sobre a vulnerabilidade do país em relação ao fenômeno climático. Atenção às políticas domésticas e à legislação ambiental brasileira terá lugar, com foco no que concerne o problema das mudanças climáticas, enfatizando o problema do desmatamento. Assim, a próxima seção terá o cenário geral de posicionamento político internacional e doméstico, que ajudará a explicitar os conflitos domésticos de implementação das políticas nacionais. 3.1. A teoria de Putnam dos níveis de análise Apesar da inclusão da temática ambiental e da mudança climática na agenda política internacional, o processo de negociação internacional está submetido à possível implementação de políticas domésticas favoráveis às decisões acordadas no ambiente internacional. Isso pode ser mais bem explicitado pela lógica dos jogos de dois níveis de Putnam (1988). As decisões dos stakeholders18 domésticos são decisivas na efetividade do compromisso dos países no âmbito do Protocolo de Quioto, já que, de acordo com a lógica dos jogos de dois níveis de Putnam, 18 Stakeholders podem ser indivíduos, grupos ou instituições interessados em um determinado projeto ou programa. (MONTGOMERY, 1996, p.3).
  • 30. 29 “No nível nacional, os grupos domésticos perseguem seus interesses pressionando o governo a adotar políticas favoráveis, e os políticos buscam poder através da construção de coalizões entre esses grupos domésticos. No nível internacional, os governos nacionais buscam maximizar sua habilidade de satisfazer as pressões domésticas, enquanto minimizam as conseqüências adversas do desenvolvimento externo” (PUTNAM, R. 1988, p.434, tradução nossa). 19 E ainda, define os dois níveis no qual o jogo se realiza: “1. barganha entre os negociadores, buscando uma tentativa de acordo: chamamos isso de Nível I. 2. discussões separadas entre cada grupo de constituintes sobre quando ratificar o acordo: chamamos isso de Nível II.” (PUTNAM, 1988, p.436, tradução nossa)20 . Ou seja, o nível I representaria o processo de negociação no nível internacional e o nível II o processo de negociação e ratificação no nível doméstico. Assim, um processo de negociação começa no nível internacional, no âmbito do Regime de Mudanças do Clima, e depois passa para o nível doméstico, podendo as decisões no nível internacional serem implementadas ou não no nível doméstico. Ainda de acordo com Putnam (1988), as chances de sucesso da negociação (aceitação e/ou implementação no nível doméstico) dependem de três fatores: 1) da distribuição de poder, das preferências e as possíveis coalizões entre os atores domésticos; 2) da força e da autonomia das instituições políticas domésticas; 3) e das estratégias dos negociadores do nível I adotadas no nível II. Então, o acordo estabelecido no nível internacional é viabilizado através de políticas no nível doméstico. Dessa maneira, por hipótese, poder-se-ia inferir que o Brasil se posiciona internacionalmente nas rodadas de negociação do Protocolo de Quioto de acordo com o que é implementado, ou decidido pelos atores domésticos sobre a política doméstica de redução de emissões. Segundo Putnam, seria esperado que o posicionamento internacional informa o posicionamento do governo na elaboração de políticas domésticas, que, por sua vez, são negociadas com os stakeholders no âmbito doméstico. Nesta pesquisa será observado como as decisões tomadas no âmbito do Regime de Mudanças Climáticas são implementadas ou não no cenário doméstico. Assim, tentaremos delinear a projeção do Brasil num futuro momento do Regime de Mudanças do Clima, o segundo período de compromisso do Protocolo de Quioto. 19 “At the national level, domestic groups pursue their interest by pressuring the government to adopt favorable policies, and politicians seek power by constructing coalitions among these groups. At the international level, national governments seek to maximize their own ability to satisfy domestic pressures, while minimizing the adverse consequences of foreign developments.” 20 “1. bargaining between the negotiators, leading to a tentative agreement: call that Level I. 2. separate discussions within each group of constituents about whether to ratify the agreement: call that Level II.”
  • 31. 30 3.2. O Posicionamento do Brasil no nível internacional A posição do Brasil na arena de negociação sobre as questões ambientais sofreu mudanças durante o período de 1972 até 1990. Em 1972, a Conferência de Estocolmo inseriu a temática ambiental na agenda política internacional, correspondendo ao modelo tradicional de crescimento econômico. Isso porque o Brasil acreditava que a “[...] principal poluição era a pobreza, e a proteção ambiental deveria vir apenas depois de um desenvolvimento dramático da economia do país e de um crescimento da renda per capita aos níveis dos países desenvolvidos” (VIOLA, 2004, p.30, tradução nossa21 ). Além disso, o modelo de crescimento econômico vigente na época era baseado, principalmente, na exploração dos recursos naturais disponíveis, considerados infinitos na concepção em voga naquele momento. Esse modelo era também baseado em mão-de-obra barata e desqualificada e em indústrias extremamente poluentes, tanto nacionais quanto multinacionais. Essas empresas multinacionais eram advindas dos países desenvolvidos que, na época, começaram a desenvolver uma consciência ambiental e migraram suas indústrias poluentes para os países em desenvolvimento (VIOLA, 2002). E, paralelo ao avanço das corporações transnacionais, ocorria a expansão das empresas nacionais e de valores nacionalistas dentro do país (VIOLA, 2004). Assim, durante a Conferência de Estocolmo, o Brasil não reconheceu a importância da discussão sobre os problemas ambientais, e, juntamente com a China, liderou a aliança dos países periféricos defendendo a posição baseada em três princípios básicos: “[...] defesa da soberania nacional irrestrita em relação ao uso dos recursos naturais; a proteção ambiental deveria vir apenas depois de alcançado uma alta renda per capita; e o fardo do pagamento pela proteção ambiental global deveria ser uma responsabilidade exclusiva dos países desenvolvidos.” (VIOLA, 2004, p. 30, tradução nossa22 ) Em 1980 o país enfrentava a mudança do modelo de produção mundial, que deixava de depender essencialmente da mão-de-obra barata e desqualificada e dos recursos naturais, para se apoiar em informação e tecnologia. O Brasil via diminuir substantivamente suas 21 “[…] the main pollution was poverty, and environmental protection should come only after a dramatic development of the country’s economy and an increase of the per capita income to the same level of developed countries.” 22 “[…]defense of unrestricted national sovereignty in relation to the use of natural resources; environmental protection should come only after reaching high per capita income; and the burden of paying for global environment protection should be an exclusive responsibility of developed countries.”
  • 32. 31 vantagens comparativas nos negócios internacionais. Sua mão-de-obra era desqualificada, incapaz de operar os novos sistemas produtivos; os recursos naturais já não eram decisivos na produção; e, por fim, a consciência ambiental se expandia mundialmente, o que significava baixa tolerância a processos produtivos extremamente poluentes. Esses fatores desencadearam a crise do modelo de desenvolvimento do país na década de 1980. (VIOLA, 2002). Essa crise fez com que o Brasil atentasse para a necessidade de se adaptar às novas necessidades de mercado, dentre elas, a adaptação a processos produtivos menos poluentes. Em 1981 é instaurada no Brasil a Política Nacional do Meio Ambiente. Tal política sinalizou, principalmente, a mudança da posição do Brasil frente à temática do meio ambiente decorrente da crise do modelo econômico. Essa mudança pôde ser percebida, principalmente, durante o governo Collor, em 1990. Nessa época, o Brasil começa a se aproximar cada vez mais dos países ocidentais a partir, principalmente, da abertura da sua economia ao mercado internacional (VIOLA, 2004). Então, o país se mostrou mais ativo nos principais fóruns multilaterais sobre meio ambiente desde a nomeação de José Lutzenberger como Secretário do meio ambiente em 1990. Isso sinalizou uma nova responsabilidade ambiental do país, com o objetivo de ganhar credibilidade dos países desenvolvidos, chamando a atenção para o programa econômico neoliberal do governo. De maneira concreta, essa nova responsabilidade trouxe ao Brasil a UNCED-92 (mais tarde denominada Rio-92) (VIOLA, 2002). A mudança da visão do Brasil sobre os problemas ambientais foi percebida não só pela realização da UNCED-92 no país, mas também pela posição que o mesmo adotou no ambiente internacional, já que o país facilitou o acordo da UNFCCC, se mobilizou a favor do desenvolvimento sustentável na Agenda 21 e ajudou a redigir sobre os resultados da Convenção da Biodiversidade. Isso sinalizou os princípios sob os quais o país se pautava durante a realização da Rio-92: primeiro, o Brasil acreditava que os problemas ambientais eram de extrema importância e que a comunidade internacional deveria tratá-los de maneira prioritária; segundo, a responsabilidade pelos problemas ambientais, tanto em função de suas causas quanto pela solução dos problemas, deveria ser diferenciada. As mudanças na política externa, iniciadas durante o governo Collor, foram reafirmadas durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. O alinhamento a países da União Européia, aos EUA e ao Japão tanto econômico, quanto em questões de direitos humanos e propriedade intelectual, marcou a política externa desses governos. Apesar desse alinhamento, o Itamaraty preservou a filiação ao bloco G77. Contudo, o sucesso internacional dessa posição mais ambientalista foi diferenciado. De um lado, durante a reunião da Comissão de Desenvolvimento Sustentável da ONU, o
  • 33. 32 Brasil sugeriu propostas favoráveis ao Regime de Mudanças Climáticas; e em contrapartida, o país não conseguiu incluir princípios de desenvolvimento sustentável durante a negociação da integração do Mercosul (VIOLA, 2002). Ainda durante o governo Cardoso iniciou-se o processo de assinatura e ratificação da UNFCCC, aqui entendida como o Regime de Mudanças Climáticas. Em 1995, os países que assinaram e ratificaram essa Convenção se encontraram na COP1, em Berlim, na Alemanha, onde se propôs o estabelecimento de um protocolo que regulasse as emissões de GEE e colocasse em prática as obrigações da Convenção. Durante essa reunião o Brasil teve participação importante ao defender que os países em desenvolvimento não deveriam, num primeiro momento, receber metas de redução de emissões (NAE, 2005). Durante as reuniões subseqüentes, o país continuou defendendo a idéia de que os países em desenvolvimento não deveriam ter, ainda, metas a serem cumpridas. Seja porque isso afetaria o modelo de desenvolvimento, ou porque as responsabilidades das mudanças climáticas atuais são, majoritariamente, dos países desenvolvidos e dos respectivos modelos de desenvolvimento do início do século XX. (VIOLA, 2002) De acordo com o Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, o Brasil defendeu que “[...] a questão da mudança dos padrões de produção e consumo nos países ricos se torna cada vez mais grave diante da dificuldade de se obter progresso na área da mudança do clima – pela demora na entrada em vigor do Protocolo de Quioto e pela ausência dos Estados Unidos no instrumento – e por não terem sido dirigidos aos países em desenvolvimento, em condições preferenciais, recursos financeiros e tecnológicos.” (NAE, 2005, p.58). Durante as negociações do Protocolo de Quioto, no período de 1996 a 2001, o Brasil pautava a sua atuação de acordo com quatro dimensões principais do seu interesse: “1) afirmar o direito de desenvolvimento como um componente fundamental da ordem mundial, dando continuidade à política externa brasileira; 2) promover uma visão do desenvolvimento associada com a sustentabilidade ambiental, em correspondência com o grande crescimento da consciência ambiental no país e sua tradução em políticas públicas nacionais e estaduais; 3) promover uma posição de liderança do Brasil no mundo, em correspondência com o crescimento do prestígio internacional do país durante o governo Cardoso; e 4) evitar que o uso das florestas seja objeto de regulação internacional para não correr riscos de que os outros países possam questionar o uso econômico da Amazônia.” (VIOLA, 2002, p.38) Pautado por esses interesses, o Brasil posicionou-se de maneira ativa nas negociações do Protocolo de Quioto, fazendo propostas importantes para o avanço das discussões, principalmente sobre a divisão de metas e posição dos países menos desenvolvidos nesse
  • 34. 33 protocolo. As propostas brasileiras feitas ao Protocolo de Quioto foram o Fundo de Desenvolvimento Limpo e a chamada “Proposta Brasileira” de divisão de metas de redução de emissões de GEE, que foi baseada num mecanismo semelhante já utilizado pelos EUA para resolver os problemas da chuva ácida, o Cap-and-Trade System. O Fundo de Desenvolvimento Limpo foi proposto em junho de 1997 no âmbito da UNFCCC. Seu principal objetivo era prover ajuda financeira dos países desenvolvidos aos países não-Anexo I, com o comprometimento dos últimos utilizarem tecnologias mais “limpas” de desenvolvimento. Além disso, a proposta original do Brasil previa mecanismos de punição àqueles países do Anexo I que não reduzissem as emissões de GEE nos parâmetros estabelecidos pelo Protocolo de Quioto. De acordo com Eduardo Viola (2004), essa proposta demonstrou uma posição diferente da que o Brasil tinha adotado frente ao Regime do Clima. O autor acredita que era uma posição mais ambientalista, preocupada com a mitigação das mudanças climáticas e à adaptação dos países em desenvolvimento a esse fenômeno. Contudo, nos faz questionar até que ponto esse posicionamento não seria confortável para o país. Isso porque, de acordo com a Proposta apresentada, os países desenvolvidos arcariam com custos de mitigação e adaptação para promover o desenvolvimento dos países em desenvolvimento, enquanto os países em desenvolvimento e menos desenvolvidos continuariam a emitir GEE em nome do desenvolvimento. Essa posição confortável se deve ao fato de que, naquele momento, o país não tinha como arcar com os custos de alterações substantivas na matriz energética no sentido de diminuir suas emissões de GEE ou de se comprometer a conter e mitigar o desmatamento da Amazônia. Logo, adotando essa posição, o país acaba por liderar os países em desenvolvimento, adquirindo credibilidade nesse grupo e adicionalmente consegue a atenção financeira necessária para promover o seu próprio desenvolvimento. Essa proposta encontrou a oposição de todos os países desenvolvidos e o apoio das economias emergentes e dos países pobre. Por causa disso, a proposta brasileira original não foi aceita, sendo modificada num esforço conjunto de Brasil e EUA em outubro de 1997. A proposta modificada foi chamada de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), que é um dos três mecanismos de flexibilização do Protocolo de Quioto, já apresentado na seção anterior. (VIOLA, 2004) Já a “Proposta Brasileira” veio em resposta à primeira conferência das partes da UNFCCC em Berlim, que versava sobre a divisão de metas de redução de emissão de GEE. Essa proposta foi apresentada durante a COP3 pelo G77+China. Em sua versão original, o
  • 35. 34 documento propunha o estabelecimento de metas de emissões aos países do Anexo I, e que, se não as cumprissem seriam punidos em forma de multas, que gerariam recursos financeiros ao FDL. As multas seriam baseadas em tetos de emissões estabelecidos de acordo com a responsabilidade do país em relação aos índices de concentração de GEE na atmosfera e, conseqüentemente, à contribuição desse para o aumento da temperatura média global. Essa contribuição seria calculada de acordo com um modelo simplificado baseado nos Modelos de Circulação Geral (MSG). (NAE, 2005) Esse modelo quantificaria as responsabilidades dos países de acordo com os níveis de emissões num determinado período de tempo. Assim, o modelo estabelecia que as responsabilidades dos países desenvolvidos seriam maiores, visto que a contribuição para o aumento da temperatura média global por causa de emissões de GEE dos países desenvolvidos crescia e, paralelamente, a dos países em desenvolvimento decrescia. De acordo com o relatório de 1992 do IPCC as responsabilidades dos países em desenvolvimento e dos desenvolvidos, se mantidas constantes os cenários de emissões, seriam igualadas apenas no ano de 2147 (NAE, 2005). Sendo assim, a Proposta Brasileira pode se dividir em dois princípios básicos: 1) A aplicação dos princípios da responsabilidade comum, porém diferenciada, da responsabilidade histórica pelas mudanças climáticas globais e do poluidor pagador. Ou seja, contabilizando as emissões de GEE passadas, iria se estabelecer uma responsabilidade historicamente proporcional, fazendo com que o país pagasse por essas emissões passadas. 2) O Fundo de Desenvolvimento Limpo e seus mecanismos de financiamento (NAE, 2005). Essa proposta ainda continua a ser discutida entre os países membros da Conferência. Essa participação efetiva do país no Protocolo de Quioto demonstra a posição adotada pelo Brasil no Regime de Mudanças Climáticas, que “[...] continua a ser a de reiterar que a questão da mudança dos padrões de produção e consumo nos países ricos se torna cada vez mais grave diante da dificuldade de se obter progresso na área de mudança do clima – pela demora na entrada em vigor do Protocolo de Quioto e pela ausência dos Estados Unidos no instrumento – e por não terem sido dirigidos aos países em desenvolvimento, em condições preferenciais, recursos financeiros e tecnológicos.” (NAE, 2005, p.58). E assim, o país continua a política adotada no governo de Fernando Henrique Cardoso durante a negociação do Protocolo de Quioto, enfatizando a necessidade da mitigação das mudanças climáticas por todos os países, sejam eles desenvolvidos ou em desenvolvimento. E
  • 36. 35 ainda, que os países desenvolvidos devem ter suas metas de redução de emissões vide as emissões passadas. Durante o governo Lula, o Brasil continuou a se posicionar de maneira a defender a importância da mitigação das mudanças climáticas principalmente pelos países desenvolvidos (lógica do poluidor-pagador), reiterando a necessidade da criação de mecanismos de adaptação às mudanças do clima aos países menos desenvolvidos e a necessidade da transferência de tecnologia. Esse posicionamento ficou ainda mais claro durante a COP13, em Bali. Contudo, a posição sobre as responsabilidades dos países em desenvolvimento tem mudado. Num primeiro momento das negociações do Protocolo de Quioto o país não admitia que os países em desenvolvimento devessem pagar pela mitigação das mudanças climáticas. Hoje, principalmente a partir da Conferência de Bali (COP13), o Brasil enfatiza a necessidade da criação de mecanismos de adaptação, financiamento e de transferência de tecnologia aos países em desenvolvimento para que esses tenham condições de participar da mitigação das mudanças do clima no segundo período de compromisso. Atualmente, no âmbito do Regime, o Brasil possui uma posição de credibilidade no processo de negociação. Isso se deve à participação efetiva do país nas discussões, tendo uma posição de diálogo aberto com todos os interessados. O país é membro do G77+China, assim, tem ajudado a defender os interesses desse grupo, principalmente aqueles relativos à adaptação dos países menos desenvolvidos (países africanos e pequenos estados insulares). Além disso, o país conta com o Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (CPTEC/INPE) e faz diversos investimentos nesse centro. Logo, com um centro tecnológico capaz de fornecer informações sobre as mudanças climáticas de maneira eficiente, o país pode oferecer ajuda técnica aos países em desenvolvimento. Assim, o Brasil se firma como um dos líderes na defesa dos interesses dos países em desenvolvimento e dos menos desenvolvidos, ocupando um lugar de destaque nas reuniões sobre as mudanças do clima. Além desses interesses, o Brasil ajuda “ainda no relacionamento com os países exportadores de petróleo que buscam uma compensação pela perda de receitas de exportação como resultado de medidas de mitigação.” (NAE, 2005, p.96). De acordo com o NAE (2005), em relação ao desenho de compromissos no pós-2012, o Brasil deve coordenar seu posicionamento na negociação com países como China, Índia, África do Sul, México e Coréia do Sul (os últimos são membros da OCDE), que serão destaque nas negociações desse segundo período de compromisso.
  • 37. 36 Em termos da sua posição como líder no Mercosul, o Brasil deve aumentar o nível de integração regional no que concerne às questões energéticas e procurar arranjos com os países desse bloco e outros países da América do Sul no sentido de estabelecer projetos de mitigação conjuntos. E ainda, o país deve manter relações abertas com os países amazônicos, sejam em desenvolvimento ou industrializados. (NAE, 2005). 3.2.1 O desmatamento da Amazônia no âmbito do Regime A questão do desmatamento no Brasil ocupa lugares de destaque nas reuniões sobre o clima desde o 4° Relatório do IPCC. Apesar do desmatamento atingir todos os biomas, como o cerrado, mata atlântica e os pampas, o desmatamento na Amazônia Legal é o que repercute com maior intensidade nos fóruns multilaterais sobre o meio ambiente. Isso se deve essencialmente à porção do desmatamento que atinge esse bioma, que já perdeu cerca de 17% da sua ocupação original por meio do desflorestamento. O Brasil, durante as negociações do Protocolo, juntamente com a União Européia, se posicionou contra a inclusão das propostas sobre o ciclo de carbono (relativos aos sumidouros de carbono). Isso porque foi percebido pelos negociadores brasileiros que não se conseguiria conter o desmatamento da floresta amazônica no Brasil de modo significativo, e, num futuro no qual houvesse o estabelecimento de compromissos para os países emergentes esse fato se tornaria um problema de escala mundial. Os países com capacidade de controle do desmatamento (EUA, Canadá, Austrália, Rússia, Japão e Costa Rica) queriam incluir os sumidouros de carbono (carbon sinks) na contabilidade das emissões. Ou seja, queriam contabilizar o carbono que é resgatado pelas florestas e pelo desmatamento evitado (avoided deforestation). Como resultado, o Protocolo incluiu a questão dos sumidouros de carbono, contudo não permitiu que o desflorestamento evitado gerasse créditos no âmbito do MDL. (VIOLA, 2002). Essa decisão torna agora mais complicada a posição do Brasil, já que o país é um grande emissor de carbono devido, primordialmente, ao desmatamento na Amazônia. O cenário completo de emissões do Brasil é apresentado na subseção a seguir e ajudará a comprovar essa posição do Brasil nas negociações atuais do Regime de Mudanças do Clima e do segundo período de compromisso do Protocolo de Quioto.
  • 38. 37 3.3. O Cenário de Emissões Brasileiro A participação do Brasil no Regime de Mudança do Clima deve ser considerada a partir de seu cenário de emissões de GEE, uma vez que esse ajudaria a pautar seu posicionamento. Será demonstrado o cenário de emissões de GEE mundial e, posteriormente, detalhes do cenário brasileiro de emissões, suas fontes, padrões etc. De acordo com os gráficos abaixo, 56,6% das emissões de GEE mundiais são provenientes do uso de energia fóssil e 17,3% são provenientes de desmatamento e mau uso da terra. Gráfico 1 - Emissões antrópicas globais de GEE Fonte: Climate Change 2007: Synthesis Report, IPCC, 2007. No gráfico 1, o gráfico de barra (a) informa sobre as emissões globais anuais de GEE, de 1970 a 2004. O gráfico mostra que de 1970 a 2004 houve um aumento de 20.3 toneladas equivalentes de CO2 nas emissões anuais. Dentre os gases representados, encontram-se as emissões de CO2 resultantes do desflorestamento, decomposição e turfa23 , que pode ser identificado no gráfico de pizza (b) das emissões equivalentes de CO2 no ano de 2004. Nesse gráfico percebe-se que em 2004 cerca de 17% das emissões de GEE mundiais foram resultados do desflorestamento, decomposição de biomassa etc, em contraposição aos 56,6% provenientes do uso de combustíveis fósseis. Já o segundo gráfico de pizza (c) 23 Turfa é um composto de origem vegetal decomposto.
  • 39. 38 representa a distribuição das emissões equivalentes de CO2 no ano de 2004 por setor. Nota-se que 17,4% das emissões foram atribuídas a ações florestais (forestry), que inclui o desmatamento. Já o gráfico 2, abaixo, demonstra a contribuição agregada dos países a emissões de GEE no ano de 2000. O que significa que nove, dos 188 países contabilizados, emitiram em conjunto, durante o ano de 2000, cerca de 70% dos gases de efeito estufa totais. São eles: Estados Unidos, UE-25 (bloco dos países da União Européia)24 , China, Rússia, Índia, Japão, Brasil, Canadá e Coréia do Sul. Gráfico 2 - Contribuições Agregadas dos países maiores emissores de GEE Fonte: CAIT, WRI. Disponível em: <http://www.wri.org/chart/aggregate-contributions-major-ghg-emitting- countries>. Acesso em: 01 out. 2008. Pode-se ver na figura 325 , abaixo, composição desses aproximados 70% de emissões acumuladas. Essa tabela foi confeccionada no sentido de promover uma análise comparativa entre todos os países26 do mundo em relação às emissões de GEE totais do ano de 2000, incluindo mudanças no uso da terra. Note que o Brasil ocupa a quinta posição de emissões de 24 Para a base de dados CAIT-WRI, os dados do bloco UE-25 são contabilizados como um dado individual, equivalente a unidades dos países. 25 As Figuras 3 e 4 foram resultado da ferramenta CAIT do World Resources Institute, que permite o cruzamento de diversos dados. 26 Apenas 35 países foram contabilizados nessa tabela, dentre os quais países em vermelho são os do Anexo I, os em preto não-Anexo I.
  • 40. 39 GEE mundiais, incluindo mudanças no uso da terra, com 5,34% das emissões mundiais no ano de 2000. Figura 3 – Emissões Mundiais de GEE por país em 2000 (incluindo mudanças no uso da terra) Fonte: Climate Analysis Indicators Tool (CAIT) Versão 5.0, Washington, DC:WRI, 2008. Disponível em: <http://cait.wri.org/>. Acesso em: 01 out. 2008. A figura 4 mostra, dentre um conjunto de informações, as emissões de GEE de 35 países, dentre eles o Brasil. Contudo, essa nova tabela não inclui as emissões de GEE provenientes das mudanças no uso da terra. Comparando as figuras 3 e 4, pode-se notar que a porcentagem das emissões mundiais caiu de 5,34% mostrado na figura 3 para 2,65% na figura 4. Isso significa que 59,09% das emissões de GEE do Brasil no ano de 2000, 1372.1MtCO2, foram provenientes de mudanças no uso da terra (desmatamento, desflorestamento, decomposição de biomassa).
  • 41. 40 Figura 4 - Emissões Totais de GEE em 2000 (excluindo as mudanças no uso da terra) Fonte: Climate Analysis Indicators Tool (CAIT) Versão 5.0, Washington, DC:WRI, 2008. Disponível em: <http://cait.wri.org/>. Acesso em: 01 out. 2008. Pode-se inferir, então, que o Brasil caracteriza-se por ser um grande emissor de GEE principalmente pelas mudanças no uso da terra que incluem desmatamento e decomposição de material vegetal. Além das emissões do uso da terra pode-se verificar cerca de 41% proveniente de combustíveis fósseis, indústria etc. Isso pode ser confirmado a partir do gráfico 3. É importante verificar que o gráfico 3 são dados do ano de 1994 e as tabelas do ano de 2000 o que representa uma das limitações dessa pesquisa, falta de informações e dados oficiais atualizados. Contudo, os dados de 1994 são considerados até hoje pelo governo federal, como observamos no Relatório Parcial da Comissão Mista Especial para Mudanças Climáticas, que será discutido a seguir.
  • 42. 41 Gráfico 3 – Perfil das Emissões de CO2 Brasileiras por setor – 1994 Fonte: Ministério da Ciência e Tecnologia, 2006. O gráfico 3 demonstra como em 1994, 75% das emissões antrópicas de CO2 no Brasil eram provenientes de mudanças no uso da terra e florestas, e apenas 23% de uso de combustíveis fósseis. Isso se deve, principalmente, pelos altos índices de desmatamento da Amazônia e outros biomas e pela matriz energética do Brasil ser considerada limpa. Isso é resultado de diversas medidas tomadas pelo país no sentido de diminuir o consumo de energia fóssil em resposta ao aumento da demanda por um desenvolvimento sustentável. Medidas como o Pró-álcool e diversos projetos MDL foram adotados no Brasil e investem, em sua grande maioria, no desenvolvimento e produção de energias renováveis. Além disso, o país investiu em projetos e programas para desenvolvimento e produção de energias renováveis, como o PROINFA (Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia), objetivando vantagens competitivas no mercado energético mundial. De acordo com dados compilados pelo Ministério das Minas e Energia tem-se o gráfico 4, abaixo.
  • 43. 42 Gráfico 4 – Perfil da produção energética – Brasil e Mundo Fonte: Ministério das Minas e Energia, 2008. Em comparação com os dados da OCDE, verificamos que a parcela do petróleo na produção energética do Brasil é bem próxima a dos países da OCDE, mas há que se considerar que, em termos dos outros tipos de fonte de energia, o Brasil utiliza uma maior parcela de fontes renováveis do que esses países. Isso porque, a maior diferença entre os dois, é a utilização de carvão mineral, uma fonte de energia extremamente poluente, que é bastante utilizada pelos países da OCDE e pelo resto do mundo, se diferenciando do portfólio de produção de energia no Brasil. Logo, 45,1% da produção energética do Brasil é considerada renovável, composta por energia de biomassa e hidráulica, ou seja, energias menos poluentes em termos de emissões de GEE. Estima-se que o consumo de etanol no Brasil evite a emissão de 25,8 milhões de toneladas de CO2 equivalente por ano. (VARGAS, 2008) Dados informam que o perfil de emissões de GEE do Brasil não mudou consideravelmente e ainda é diferente do resto do mundo, sendo que 25% de suas emissões totais são provenientes do uso de combustíveis fósseis, e 75% são provenientes de mudanças do uso da terra, principalmente, o desmatamento. (CONGRESSO NACIONAL, 2007 (b)). De acordo com notícia do INPE, dados do DETER27 mostraram um crescimento relativo do 27 DETER é o sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais.
  • 44. 43 desmatamento da Amazônia no início do ano de 2008 em relação ao mesmo período do ano de 2007. Apesar desse crescimento, de acordo com o PRODES28 do INPE, no período compreendido entre 2006-2007 foi observada uma queda de 20% do desmatamento da região em relação ao período 2005-2006. Isso significou cerca de 11.224 km² de desmatamento da região amazônica, uma taxa pequena se considerada às anteriores, porém ainda muito alta em termos de redução das emissões de GEE provenientes dessa atividade. Em termos absolutos, o índice do desmatamento tem caído nos últimos três anos, mas quando se trata de um período de 10 anos (1997-2007), os índices do desmatamento da Amazônia Legal estão se igualando. Ou seja, apesar de todos os esforços contínuos para conter o desmatamento na Amazônia Legal ainda há muito o que reduzir e estabilizar, para que, assim, as emissões provenientes do desmatamento sejam, de fato, substancialmente reduzidas. Comparando esses dados do gráfico 5 ao gráfico 3, pode-se perceber que, em 1994, o índice do desmatamento estava relativamente estabilizado. Contudo, em 1995, a taxa de desmatamento cresce quase 100%. Não podemos afirmar se houve um crescimento em termos de emissões de GEE durante esse período por falta de disponibilidade de dados oficiais, mas o problema do desmatamento está diretamente ligado às emissões de GEE. 28 PRODES é o Programa de Cálculo do Desflorestamento da Amazônia Legal do INPE.
  • 45. 44 Gráfico 5 – Taxa de Desmatamento Anual da Amazônia Legal Fonte: INPE, 2006. Logo, torna-se extremamente relevante analisar como as agências governamentais se portam frente ao desmatamento. As altas taxas do desmatamento levam a indagar sobre mecanismos e políticas para sua contenção e mitigação. Durante a COP12 em Nairóbi, a Ministra Maria Silva declarou que “da mesma forma que mudar a matriz energética requer uma mudança de um modelo econômico fundamentado em padrões inaceitáveis de produção e consumo, reduzir taxas de desmatamento requer mudanças fundamentais no modelo econômico de países em desenvolvimento cujas florestas, tradicionalmente, valem mais derrubadas do que em pé. Precisamos atacar as causas desse desmatamento, os vetores econômicos que a ele induzem, e propor alternativas de desenvolvimento econômico e social que contemplem as preocupações e necessidades de todos os atores envolvidos nesse processo”.(Marina Silva apud VARGAS, 2008, p. 50) Assim, de acordo com Vargas (2008, p.50), “[r]eduzir o desmatamento é mais difícil do que cortar emissões no setor industrial”. E ainda há que se considerar que a Convenção não prevê mecanismos de mercado para tratar a questão do desmatamento. Há, no âmbito da Convenção, uma discussão recente sobre créditos de carbono gerados por avoided deforestation, ou seja, pelo percentual de desmatamento evitado pelo país em questão. Assim,
  • 46. 45 é difícil oferecer incentivos para a cooperação aos países em desenvolvimento29 no sentido de reduzir as emissões provenientes do desmatamento. Apesar do MDL não permitir créditos gerados por avoided deforestation, como apresentado anteriormente, é um mecanismo de flexibilização do Protocolo de Quioto que permite a comercialização de parte dos créditos (RCEs) gerados por projetos em países em desenvolvimento. No Brasil, o MDL é um mecanismo de uso crescente, e apesar de não ajudar o país nas emissões provenientes do desmatamento, auxilia na redução de emissões em outras áreas, gerando um potencial de redução. O gráfico 6 demonstra o total de atividades de projeto de MDL no mundo, mostrando que o Brasil retém cerca de 8% dessas atividades (aproximadamente 284 projetos em MDL), ficando atrás da China e Índia. Isso ocorre, principalmente pelo fato de que a regulação dos projetos MDL fica a cargo, primeiramente, dos governos dos países, passando para a comissão internacional. Gráfico 6 – Total de Atividades de Projeto do MDL no Mundo Fonte: MCT, 2008. O gráfico 7 representa o total de projetos MDL no Brasil por escopo setorial, verificando-se o fato de que não há projetos para a obtenção de créditos para o desflorestamento evitado. Na área de florestas, apenas são permitidos créditos para reflorestamento, que, na maioria das vezes, não se trata de reflorestamento por espécies nativas. Nota-se que projetos na área de energia renovável são maioria, ajudando a afirmar que a matriz energética brasileira é cada vez mais limpa. 29 Consideramos os países em desenvolvimento já que as emissões mais significantes provenientes do desmatamento são originadas desses.
  • 47. 46 Gráfico 7: Números de Projetos Brasileiros por Escopo Setorial Fonte: MCT, 2008. Na tabela 1, verifica-se, como no gráfico acima, o percentual de projetos de MDL por escopo setorial, mas a tabela traz informação adicional sobre o potencial de redução anual pelo tipo de projeto. E ainda, a redução de emissão para o primeiro período de obtenção de crédito. Logo, verifica-se que o potencial de redução é maior no conjunto de projetos na área de energia renovável. Tabela 1 – Distribuição das atividades de projeto no Brasil por tipo de projeto Projeto em Validação/ Aprovação Número de Projetos Redução Anual de Emissão Redução de Emissão no 1º Período de Obtenção de Crédito Número de projetos Redução anual de emissão Redução de emissão no 1º período de obtenção de crédito Energia renovável 141 15.852.405 111.082.169 48% 39% 36% Suinocultura 47 2.337.920 22.364.190 16% 6% 7% Aterro Sanitário 26 9.004.069 66.626.748 9% 22% 22% Processos Industriais 6 802.926 5.921.452 2% 2% 2% Eficiência Energética 19 1.455.732 14.289.895 6% 4% 5% Resíduos 10 1.160.797 9.360.545 3% 3% 3% Redução de N2O 5 6.373.896 44.617.272 2% 16% 15% Troca de combustível fóssil 39 2.907.977 24.284.745 13% 7% 8% Emissões fugitivas 1 34.685 242.795 0% 0% 0% Reflorestamento 1 262.352 7.870.560 0% 1% 3% Fonte: MCT, 2008.
  • 48. 47 O gráfico 8 informa que esse potencial total de emissões a serem reduzidas mostrado na tabela anterior significa cerca de 10% do potencial total mundial, que significa cerca de 40 192 759 t CO2 eq por ano no Brasil, de acordo com os dados do gráfico 9. Gráfico 8 – Emissões a serem Reduzidas durante o 1º período de Obtenção de créditos dos Projetos Registrados (1.810 MtCO2 eq) Fonte: MCT, 2008.
  • 49. 48 Gráfico 9 – Reduções Mundiais de Emissões Anuais (CO2 eq) Fonte: MCT, 2008. A partir dos dados apresentados, pode-se inferir que o perfil de emissões do Brasil é diferente do resto do mundo, sendo essencialmente proveniente do desflorestamento e decomposição de biomassa. E ainda, que o potencial de redução de emissões via projetos MDL, que se concentram em projetos de energias renováveis, ainda é pouco explorado, quando observado em relação aos demais países emergentes mais poluidores. Ou seja, o Protocolo de Quioto e seus mecanismos de flexibilização não fornecem meios eficazes para a redução efetiva das emissões do país, já que essas se concentram no desmatamento e o MDL não prevê a criação de créditos (RCE) a partir do desmatamento evitado, apenas a partir de reflorestamento, que não é necessariamente de mata nativa e que ainda não compensam as emissões geradas pelas queimadas das florestas nativas. Há que se retomar a posição do Brasil frente ao desmatamento evitado, que foi contrário à implantação desse tipo de recurso no âmbito do Protocolo de Quioto. Essa posição se deve ao fato do Brasil ter percebido que o país não conseguiria reduzir ou conter o desmatamento da floresta amazônica, acarretando num problema futuro para a redução das emissões, quando os países em desenvolvimento tivessem metas quantificadas. O último gráfico, para completar o nosso cenário de emissões do Brasil, é o gráfico do crescimento projetado das emissões mundiais até o ano de 2025. O gráfico 10 mostra uma projeção do WRI que compara com as emissões de GEE do ano de 2000 e o possível cenário de emissões dos países no ano de 2025. Ele mostra que até o ano de 2025 o Brasil aumentará suas emissões de GEE em cerca de 68%.
  • 50. 49 Gráfico 10 – Crescimento projetado das emissões mundiais até o ano de 2025 Fonte: CAIT. WRI, 2005. Existem diversas projeções baseadas em técnicas de previsão distintas. Como por exemplo a projeção feita pelo Ministério das Minas e Energia. Essa projeção mostra que em 2030 prevê-se que o Brasil emitirá cerca de 610MtCO2/ano30 , cerca de 1,4% das emissões mundiais projetadas para esse período. Em comparação com as emissões de CO2 medidas no ano de 2003, 348MtCO2, o aumento seria cerca de 75% nas emissões anuais até o ano de 2030. Para fins da nossa análise é importante observar mais do que o valor absoluto do crescimento das emissões em cada projeção, mas o crescimento per se, que sinaliza que se nada for feito, as mudanças climáticas tendem a ser mais evidentes e seus impactos mais fortes e presentes. 3.3.1. O Desmatamento da Amazônia Como mostrado na subseção anterior, o desmatamento é a maior causa das emissões antrópicas de CO2 no Brasil. Esse dado indica a importância de se conhecer melhor sobre o desmatamento na Amazônia Legal, área mais intensamente afetada por esse problema no 30 MtCO2/ano: Milhões de toneladas equivalentes de CO2 por ano.
  • 51. 50 Brasil, e as atividades produtivas que mais contribuem para isso: soja, milho, pecuária e madeireiras. A floresta amazônica se estende para além do território brasileiro. Para fins dessa análise serão utilizados apenas dados da Amazônia Legal. Ou seja, das partes da floresta amazônica que se encontram em território brasileiro. A Amazônia Legal compreende cerca de 85% do total da floresta amazônica e, em termos administrativos brasileiros, é composta por partes e/ou todo de nove estados da federação: Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia e Roraima, e partes dos estados do Mato Grosso, Tocantins e Maranhão.31 Em relação à área total, a Amazônia Legal representa 41% do território nacional. (MAPA, 2008). Nesta vasta região a atividade agrícola é bastante intensa, como demonstram as informações a seguir. 3.3.1.1. Agricultura: Soja e Milho As atividades agrícolas são responsáveis por grande parte do desmatamento da Amazônia. Destacam-se principalmente culturas como da soja e do milho. A soja é representada pela parte verde dos gráficos em pizza da Figura 5. Segundo o IBGE, a colheita da soja no ano de 2007 somou aproximadamente 58 milhões de toneladas, sendo 10,6% maior que a do ano de 2006 e correspondendo a 26,3% do total nacional da produção de grãos do Brasil. Ainda em 2007, a área colhida dessa cultura na região Amazônica foi 6,5% menor do que no ano anterior, somando 5.075.079 ha, equivalente a 25% da área de colheita total de soja do país. Isso se deve, entre outros fatores, à Moratória da Soja, que estabeleceu que, a partir de 24 de julho de 2006, a soja produzida no Bioma Amazônia em áreas desmatadas não poderia ser comercializada dentro ou fora do país. Já a cultura do milho se concentra em primeiro lugar no sul do país. Contudo, o segundo estado que mais produz milho no Brasil é Mato Grosso. Isso corresponde a 51, 8 milhões de toneladas no ano de 2007, 11,8% do total nacional, produzidos numa área de 13.820.864 ha. (IBGE, 2008). Dos cinco principais municípios produtores de soja, quatro são do estado do Mato Grosso, que são, em ordem de decrescente de produção: 1º) Sorriso, 2º) Sapezal, 3º) Nova Mutum e 4º) Campo Novo dos Parecis. Já dos 5 principais municípios produtores de milho, 4 são do Mato Grosso: 1º) Sorriso, 2º) Lucas do Rio Verde, 4º) Nova Mutum, 5º) Sapezal. O 31 De acordo com SIVAM.
  • 52. 51 município de Sorriso lidera a produção nacional desses dois grãos e está sinalizado no mapa com uma seta branca adicionada por nós. Note que os principais locais produtores de soja e milho no estado do Mato Grosso compreendem a área onde se encontram mais focos de calor (representados pela legenda amarelo com pontos vermelhos, como demonstra a Figura 3). (IBGE, 2008). Os gráficos 11 e 12 representam a produção desses grãos por município, no período de 2000 a 2007. Gráfico 11 – Produção de milho em grão dos seis maiores municípios produtores do país – 2000-2007 Fonte: IBGE, 2007. Gráfico 12 – Produção de soja em grãos dos seis maiores municípios produtores do país – 2000-2007 Fonte: IBGE, 2007.
  • 53. 52 Figura 5 – Mapa da Expansão da Fronteira Agrícola na Amazônia Legal Fonte: IBGE,2005.
  • 54. 53 3.3.1.2. Pecuária e Madeireiras A Figura 6 representa a expansão da fronteira das atividades pecuária e madeireira na áreas da Amazônia Legal. Conforme a legenda do mapa, os círculos amarelos representam a ação das madeireiras e os quadrados pretos a atividade da pecuária. Nota-se que a pecuária se estende pelos estados de Rondônia, Mato Grosso, Pará e parte do Maranhão. Já a atividade madeireira se concentra em sua maioria no estado do Pará, tendo algumas grandes ocorrências também nos estados de Rondônia e Mato Grosso. De acordo com Lentini, Veríssimo e Pereira (2005) o Pará é o maior produtor nacional de madeira, com 45% do total, seguido por Mato Grosso e seus 33% do total nacional e, em terceiro lugar, a parcela de 15% da produção nacional do estado de Rondônia. A estimativa de Dias-Filho e Andrade (2006), mostra que no ano de 2004 cerca de 63 milhões de ha pastagens ocupavam a área da Amazônia Legal. A área de pastagens degradadas e não degradadas representa 26% do território nacional. Então, desses 26%, aproximadamente 28% seriam de pastagens localizadas na Amazônia Legal. Tabela 2 - Distribuição das terras do Brasil ÁreaDistribuição (milhões de hectares) % do território nacional Amazônia 350 41,0 Pastagens: - Degradadas 40 4,7 - Não-Degradadas 180 21,3 Áreas Protegidas 55 6,0 Culturas anuais 47 5,5 Culturas permanentes 15 1,8 Cidades, rios, lagos, estradas, etc. 20 2,2 Florestas Plantadas 5 0,5 Outros usos da terra 38 4,0 Área não-explorada (disponível para a agricultura) 106 13,0 Total 856 100 Fonte: IBGE e CONAB, adaptação MAPA, 2008.
  • 55. 54 Figura 6 – Mapa da Fronteira das Madeireiras e Pecuária na Amazônia Legal Fonte: IBGE, 2006.
  • 56. 55 A partir da nossa análise das figuras 5 e 6 percebe-se que o desmatamento da Amazônia Legal coincide com a expansão da fronteira agrícola, principalmente no Mato Grosso e no Pará, sendo os principais atores desse fenômeno a cultura de soja, milho, pecuária e a extração de madeira. Isso nos ajudará a delinear os principais atores do desmatamento da Amazônia Legal e, conseqüentemente, os grupos de interesse privados que atuam direta ou indiretamente na formulação de políticas para a contenção do desmatamento. Na próxima subseção discutiremos as vulnerabilidades do país frente às mudanças climáticas, que atingem, principalmente, as mesmas atividades econômicas que promovem parte das emissões de CO2 no Brasil, as atividades agropecuárias. Saber qual serão as conseqüências das mudanças climáticas para o Brasil poderá ser decisivo para incentivar políticas para as mudanças climáticas. 3.4. Vulnerabilidade do Brasil frente às mudanças climáticas O problema das mudanças climáticas não atinge o Brasil somente de forma a resultar numa possibilidade de estabelecimento de compromissos quantificados. O Brasil, como os países de clima tropical e os países abaixo da linha do Equador, os chamados países menos desenvolvidos, sofrerão as conseqüências das crescentes emissões antrópicas de GEE. O Quarto Relatório do IPCC afirmou que as emissões antrópicas de GEE influenciam, sim, no clima global. Estima-se que entre 1970 e 2004 as mudanças na temperatura global, nível dos oceanos, dos sistemas físicos e biológicos foram observadas. A Figura 7, abaixo, demonstra as mudanças na temperatura da superfície global e dos sistemas físicos e biológicos. Observa-se que, em média, a temperatura global aumentou 1°C e que a maioria dos sistemas biológicos e físicos alterados estão concentrados no hemisfério Norte. Contudo, verifica-se que na América Latina 53 sistemas físicos e 5 sistemas biológicos foram alterados ao longo do período observado. E ainda, 98% das alterações observadas nos sistemas físicos da América Latina são consistentes com a variabilidade da temperatura e 100% das alterações dos sistemas biológicos dessa região são consistentes com a variabilidade da temperatura (IPCC, 2007). Ou seja, a variabilidade da temperatura nesse período foi capaz de alterar os sistemas físicos e biológicos do mundo e pode continuar alterando-os, inclusive os do hemisfério sul, atingindo o Brasil.
  • 57. 56 O que preocupa a comunidade internacional, além do impacto ambiental, é que essas mudanças no clima mundial podem e vão afetar a economia. O Relatório Stern, um estudo realizado pelo economista Sir Nicholas Stern encomendado pelo governo britânico – portanto, guarda independência em relação ao Relatório do IPCC –, chegou a essa conclusão. Esse relatório, publicado em outubro de 2006, versa sobre os impactos negativos das mudanças climáticas na economia mundial. De acordo com o relatório, “o custo final de um descontrole climático pode, segundo o economista britânico, ficar entre 5% e 20% do PIB mundial anual.” (CONGRESSO NACIONAL, 2007(c), pp.10-11). E ainda, com o investimento de 1% do PIB mundial para a mitigação das mudanças climáticas, pode-se evitar a perda de 20% desse PIB resultante das vulnerabilidades do mundo às mudanças climáticas num período de 50 anos. Logo, faz-se necessário descrever quais seriam as vulnerabilidades do Brasil relativas às mudanças climáticas para saber quais seriam os incentivos diretos ao país para realizar esforços de mitigação do fenômeno. O relatório síntese do IPCC, lançado em 2007, fala sobre essas vulnerabilidades. Por vulnerabilidade o IPCC entende como “o grau de suscetibilidade de um sistema aos efeitos adversos da mudança climática, ou sua incapacidade de administrar esses efeitos, incluindo variabilidade climática ou extremos. Vulnerabilidade é função do caráter da dimensão e da taxa de variação climática ao qual um sistema é exposto, sua sensibilidade e capacidade de adaptação.” (IPCC Third Assessment Report, Working Group II, 2001 apud NAE, 2005).
  • 58. 57 Figura 7 – Mapa da mudança dos sistemas físicos e biológicos e na temperatura da superfície entre 1970 e 2004 Fonte: IPCC, Climate Change 2007: Synthesis Report, 2007. As vulnerabilidades descritas pelo 4º Relatório do IPCC são: (a) Disponibilidade de água doce em regiões áridas e semi-áridas: Diminuição dos recursos hídricos em regiões como o Nordeste brasileiro. Aumentará a variabilidade da precipitação. A recarga de águas superficiais diminuirá. Isso devido ao rápido aumento da população, da demanda de água doce e das mudanças do clima mundial; (b) Mudanças na precipitação: Aumento da precipitação no Sudeste brasileiro, que impacta diretamente na agricultura e uso da terra e no aumento das enchentes. Aumento na temperatura de 0.5°C no país. Diminuição da precipitação em regiões áridas e semi-áridas;
  • 59. 58 (c) Risco de extinção de espécies da flora e fauna na América Latina tropical: Savanização das florestas tropicais e substituição da vegetação semi-árida por árida na região Nordeste do país. Desertificação e salinização das terras agricultáveis em até 50% ao final da década de 2050. Perda de habitat de espécies endêmicas; (d) Vulnerabilidade das áreas costeiras: Aumento do nível do mar (1 a 2-3 mm por ano nos últimos 10-20 anos) e variabilidade climática. Impactos em áreas costeiras de baixa declividade, construções e turismo costeiro, morfologia costeira, manguezais e disponibilidade de água doce, recifes de corais. (CONAMA, 2008). Observa-se que as alterações da temperatura global e regional, o aumento do nível dos mares, variabilidades da precipitação em todas as regiões do país e desertificação/savanização das florestas e áreas agricultáveis interferem diretamente sobre as condições da economia e da saúde da população do país. Essas mudanças repercutem diretamente em todo o sistema hidrológico, biológico e agrícola. Pode haver reflexos no equilíbrio químico do solo, resultando em impactos na fertilidade e potencial produtivo. Além disso, pode haver mudanças e adaptações das espécies de plantas, devido às mudanças da concentração de carbono na atmosfera e no solo. A escassez de água doce, causada tanto pelo aumento do nível dos mares, quanto pela diminuição da recarga de águas superficiais pode prejudicar as produções agrícolas. O desequilíbrio nos biomas pode causar surgimento de novas pragas, devido à influência da temperatura na sobrevivência, desenvolvimento, reprodução e movimentos migratórios dos insetos. Conseqüências fitopatológicas também serão possíveis, como o desenvolvimento de fungos e bactérias nocivas à produção agrícola. (DE SIQUEIRA, STEINMETZ, DE SALLES, FERNANDES, 2001)32 . Como mostrado, as mudanças climáticas atingem o Brasil de diversas formas, o que torna ainda mais urgente e imprescindível políticas para sua mitigação, independentemente do país não possuir compromissos quantificados de redução de GEE (metas de redução). Na próxima subseção o foco será na política doméstica para as mudanças climáticas, principalmente as referentes ao desmatamento. 32 Uma análise completa sobre as vulnerabilidades do país pode ser encontrada no Cadernos NAE de 2005.