A família Amiel tem uma longa história de mais de 40 anos ligada ao basquetebol do Sporting CP. Álvaro Amiel representou os juniores leoninos nos anos 70 e foi treinador adjunto da equipa sénior até 1995, enquanto Francisco Amiel integra a atual equipa no seu regresso à elite. Pai e filho partilham o orgulho de manter viva a ligação desta família ao clube através da modalidade.
1. 14 | JORNAL SPORTING 19 MARÇO 2020
O Jornal Sporting esteve à conversa com Álvaro e Francisco Amiel, pai e filho de uma família ligada
ao basquetebol do Sporting CP há mais de 40 anos
MODALIDADESBASQUETEBOL
O
término da equipa
sénior masculina de
basquetebol, em 1995,
deixoumuitosSóciose
adeptosdoSportingClubedePortu-
gal tristes durante muito tempo. Em
2019, contudo, a tristeza transfor-
mou-se em alegria com o regresso
do emblema verde e branco à elite
da modalidade em Portugal. No
meiodetodosessesacontecimentos
esteve o nome de uma família em
específico: Amiel. O pai Álvaro re-
presentou os juniores Leoninos no
final dos anos 70 e era treinador-ad-
junto dos seniores quando a equipa
foiextinta, enquanto o filhoFrancis-
co veste o número 1 no actual con-
junto orientado por Luís Magalhães.
Os dois estiveram à conversa com o
Jornal Sporting e não esconderam o
orgulho ao verem o nome Amiel li-
gadodeformaintrínsecaaobasque-
teboldoSportingCP.
MOÇAMBIQUE, PORTUGAL,
ESTADOS UNIDOS DA
AMÉRICA
Há três países essenciais nas vi-
das e nas carreiras dos dois elemen-
tos da família Amiel que protagoni-
zam esta reportagem. O primeiro é
Moçambique, onde nasceu Álvaro
Amiel, que hoje soma 60 anos de
vida. Foi lá, na cidade da Beira, que
descobriu o basquetebol, tendo co-
meçadoapraticaraindaemcriança.
Em 1976, viajou para Portugal – ou-
tro dos países cruciais – e continuou
a jogar, tendo entrado para os junio-
resdoSportingCPdoisanosdepois.
Jogou uma temporada de Leão ao
peito e não conseguiu ficar na equi-
pa sénior. “Era muito forte [equipa
sénior] e tinha três excelentes bases
– a minha posição”
, justificou Álva-
ro Amiel em declarações ao Jornal
Sporting. Apostou depois no treino,
tendo sido treinador, por exemplo,
noSportAlgéseDafundo.
Em 1991/1992, regressou ao
SportingCPparaseradjuntodeNél-
son Serra no comando da equipa
sénior masculina. Desses tempos,
o que recorda com mais carinho é
o ambiente vivido entre todos os
atletas na antiga Nave de Alvalade.
“Todas as modalidades partilhavam
a Nave e era um ambiente fantásti-
co. Víamos os jogos e os treinos uns
dos outros e havia uma comunhão
grande de ideias. E os jogos na Na-
ve tinham sempre um ambiente
fantástico. Grande parte das vezes
eram antes do futebol e tinham
muita gente. Era um ambiente mui-
to bom”
, reforçou Álvaro Amiel, que
lembrou ainda Vítor Araújo, Sócio
do Sporting CP que faleceu em 2017
e que era presença constante nos
pavilhões por todo o país. “Sozinho,
tinha uma voz que abafava o pavi-
lhão”
, recordou Álvaro Amiel, que
hoje está ligado à modalidade atra-
vés da formação de treinadores na
Federação Portuguesa de Basquete-
bol(FPB).
Depois de quatro temporadas,
chegou o famoso referendo de 1995
que ditou o fim do basquetebol no
Sporting CP. “Foi uma tristeza mui-
to, muito grande. Ninguém espera-
va aquilo e havia a perspectiva de
que começasse a Liga profissional.
De repente, acabou tudo. Foi com-
pletamente inesperado. Tínhamos
uma equipa muito jovem que, dois
outrêsanosdepois,tinhacondições
para se bater pelo título nacional”,
assegurou o então treinador-
adjunto de Nélson Serra. O choque
foi grande, mas uma boa notícia
chegaria para Álvaro Amiel menos
de um ano depois: o nascimento
de Francisco.
A primeira ligação ao basquete-
bol aconteceu na Madeira, quando
Álvaro Amiel era treinador do CAB.
“Ele brincava com outros miúdos e
todos jogavam futebol. Ele até tinha
algum jeito. Ia aos meus jogos de
basquetebol e brincava ao intervalo
e no final do jogo, mas ainda não
conseguia colocar a bola ao cesto.
Fui depois para a Madeira e ele an-
dava por lá até que experimentou
a modalidade. Gostou e voltámos
para Portugal continental. Depois
retomou a prática de basquetebol
em Almada e decidiu ficar em vez
de ir para o futebol”
, explicou Álva-
ro Amiel. Quando o Jornal Sporting
questionou Francisco se o pai foi o
principalresponsávelporhojededi-
caravidaaobasquetebol,aresposta
foisimplesecurta:“semdúvida”
.
Depois de vários anos no Basket
Almada Clube, Francisco Amiel re-
forçou o Sport Algés e Dafundo, on-
de teve a oportunidade de se estrear
noescalãomaisaltodobasquetebol
português ainda como adolescente,
juntando a isso dezenas de interna-
cionalizações nas camadas jovens
da selecção nacional. Chegamos,
então, ao terceiro país de grande
importância nesta história: Estados
Unidos da América (EUA). Foi para
lá que Francisco Amiel viajou em
2015 para representar os Colgate
Raiders, equipa de basquetebol da
ColgateUniversity,noestadodeNo-
va Iorque, tendo-se formado em en-
genharia do ambiente e espanhol. A
últimaépoca(2018/2019)foihistóri-
ca, com os Colgate Raiders a vence-
rem a respectiva conferência, o que
jánãoaconteciadesde1996,eapar-
ticiparemnoNCAADivisionIMen’s
Basketball Tournament, também
conhecido por March Madness,
principal competição de basque-
tebol universitário dos EUA. Para o
pai, os anos que Francisco passou
nosEUAforam“fundamentais”
.
“Ir jogar para lá era um sonho
que ele tinha. As dificuldades que
qualquer atleta em Portugal tem em
estudarejogaraomaisaltonívelsão
muitas. E estudar e jogar ao mais
alto nível é possível nos EUA. Ele
queria ir jogar naquele campeonato
universitário e a única coisa que lhe
disse foi que para ir para lá tinha de
jogar a um nível alto, mas também
ter boas notas. Ele garantiu-me que
iafazerporisso.Ascoisasproporcio-
naram-se a nível académico e rece-
beu o convite de três universidades.
Escolhemos a Colgate University,
De geração em geração
TEXTO: LUÍS SANTOS CASTELO
FOTOGRAFIA:ARQUIVO FAMÍLIA AMIEL E JOSÉ LORVÃO
Álvaro Amiel (direita) foi adjunto de Nélson Serra (esquerda) no Sporting CP entre 1991 e 1995
Francisco Amiel veste a camisola 1 no regresso da equipa sénior masculina
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que é excelente em termos acadé-
micos e desportivos. (...) Era uma
coisaqueelequeriamuito”
,disse.
Hoje, com 24 anos, Francisco
Amiel é um dos bases da equipa sé-
nior masculina de basquetebol do
Sporting CP, ficando na história do
Clube por integrar o plantel no re-
gresso à elite da modalidade. Quase
como“obradodestino”
,comoopró-
prio descreveu em entrevista ao Jor-
nal Sporting em Setembro de 2019,
um Amiel continua no basquetebol
verdeebranco,dandocontinuidade
a uma história com mais de 40 anos
emAlvalade.
A PROPOSTA QUE MEXEU
COM UM CORAÇÃO VERDE E
BRANCO
Com um currículo de qualidade
no conceituado basquetebol uni-
versitário dos EUA, Francisco Amiel
recebeu,entreoutras,umaproposta
doSportingCPparaintegrarahistó-
rica equipa que está a protagonizar
o retorno da modalidade. Regres-
so esse que deixou Álvaro Amiel
muito feliz. “O Sporting CP sempre
foi um Clube com muita gente em
termos de pavilhão. Jogávamos em
Esgueira, Ílhavo ou em toda a zo-
na de Aveiro e metade do pavilhão
era do Sporting CP. E era uma zona
onde o basquetebol era muito im-
portante. O regresso é bom para o
basquetebol, para o Clube e para os
Sportinguistas, que têm mais uma
modalidade”
,frisou.
Foi mesmo Álvaro Amiel quem
comunicou a Francisco a possibi-
lidade de este último representar o
Sporting CP. E a notícia foi recebida
com emoção. “Lembro-me perfei-
tamente. Estava a caminho de um
jogo nos EUA, na viagem a caminho
do hotel. Tínhamos parado numa
estação de serviço e recebi a cha-
mada [do pai]. Ele disse-me que
o Sporting CP tinha demonstrado
interesse. Eu sabia que o Sporting
CP ia regressar ao basquetebol e o
meu pai, mais tarde, falou-me dessa
possibilidade. Foi em Janeiro ou Fe-
vereiro e eu estava na parte crucial
da época. Foi um orgulho enorme.
Alguns dos meus colegas que es-
tranharam porque eu fiquei um
bocado eufórico. Concentrei-me na
equipaondeestavaenofinallogose
pensaria nisso. Mas foi um orgulho
enorme”
,recordouoatleta.
De acordo com Álvaro Amiel,
“havia a possibilidade de jogar no
estrangeiro,masapropostadoSpor-
ting CP fez balançar muito” a deci-
são devido ao coração verde e bran-
co de Francisco. “Ele sente muito o
SportingCPefoiumacoisaboapara
todos nós. Sei que ele ficou e está
extremamente agradado. Ele nunca
tinha visto um jogo de basquetebol
do Sporting CP e quando a equipa
aparece ele faz parte do plantel. É
umasensaçãoboa”
,admitiuopai.
Na verdade, o Sportinguismo de
Francisco Amiel foi alimentado por
lembranças que Álvaro lhe passava
que contribuíram ainda mais para
que a vontade do base fosse refor-
çar o Sporting CP. “Foram histórias
que fui ouvindo ao longo dos anos
e pessoas que fui conhecendo que
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Todasasmodalidades
partilhavamaNave
eeraumambiente
fantástico
ÁLVARO AMIEL
No final dos anos 70, Álvaro Amiel (à esquerda) representou os juniores
de basquetebol do Sporting CP
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MODALIDADESBASQUETEBOL
estiveram com ele no Sporting CP,
como o Nélson Serra. A minha mãe
também se lembra de alguns mo-
mentos. Ao longo da minha vida fui
sempre ouvindo histórias da antiga
Nave, que infelizmente não tive pra-
zer de conhecer. Tudo o que tenho
vivido este ano no Sporting CP tem
sido incrível a todos os níveis. Tem
sido um grupo de pessoas que me
tem ajudado muito”
, reconheceu
Francisco Amiel, hoje basquetebo-
listaàsordensdeLuísMagalhães.
Tendo dito anteriormente que
o “maior sonho é ser campeão no
Pavilhão João Rocha”
, Francisco
Amiel voltou a reforçar esse desejo
eobjectivo.“Gostavamuitodecele-
brar com todos os nossos adeptos,
que têm sido incríveis e que são
os que mais acompanham a res-
pectiva equipa, e com o meu pai,
assim como com outras figuras do
basquetebol do Sporting Clube de
Portugal. O Edgar [Vital], o Juvenal
Carvalho, o Nélson Serra... Ver es-
sas figuras do Sporting CP a cele-
brar um título seria uma experiên-
cia incrível”
, considerou.
O pai Álvaro, agora do lado de
fora, mas sempre perto, não podia
estar mais satisfeito com a pres-
tação Leonina neste regresso. “A
equipa está em primeiro lugar [da
Liga Placard] e tem feito jogos bons.
É fantástico para um grupo que se
junta pela primeira vez. Os resulta-
dos falam por si. O Francisco é mais
umaajudarnaengrenagem.Esteéo
papel de todos os jogadores de uma
equipa”
,lembrou.
O PAI TRANQUILO E O
LEGADO DA FAMÍLIA
Tendo sido um pai bastante pre-
sente na vida pessoal e desportiva
do filho, Álvaro Amiel garantiu ao
Jornal Sporting que o papel nunca
foi mais do que “acompanhá-lo e
aconselhá-lo”
. “Nunca, até hoje, me
meti nas decisões dos treinadores”
,
assegurou. Francisco confirmou.
“Acompanhava-me sempre que
me podia nos jogos e nas desloca-
ções. Estava quase sempre presente.
Nuncafoimuitodeseintrometerno
trabalho dos meus treinadores. Da-
va-me conselhos de vez em quando
com coisas que achava que me po-
diaajudar”
,revelou.
Hoje, as conversas continuam,
ainda que de forma diferente. “Fa-
lamos um bocadinho. Trocamos
ideiassobreoquepodeserfeitome-
lhor da minha parte. Já tenho mais
experiência, pelo que podemos fa-
lar de coisas mais específicas. Passa
muito por isso, ideias que possam
melhorar o meu jogo. O base é um
pouco a extensão do treinador em
campo”
, explicou Francisco Amiel,
revelando ainda que o pai não tem
como hábito ‘dar na cabeça’
. “Nun-
ca deu, nem em miúdo nem agora.
Ajuda,acimadetudo”
,acrescentou.
Apesar disso, Álvaro Amiel é
presença assídua no Pavilhão João
Rocha e nos recintos em todo o país
em que o filho joga. “Vou sempre
aos jogos. Só não vou se for mesmo
impossível. Vou sempre em casa e
muitas vezes fora. Sou um aman-
te do basquetebol e agora junto as
duas coisas”
, disse, com entusiasmo,
tendo Francisco assegurado que o
pai é “muitíssimo calmo” a assistir a
partidas de basquetebol. “Por den-
tro, sei que vibra bastante, mas no
exteriorémuitocalmoegostadever
ojogotranquilo”
,atirou.
No meio de tudo isto, há uma
coisa que Francisco Amiel conside-
ra ser “um bocadinho surreal”: ter o
nomeeolegadodafamílialigadosà
história do Sporting CP. “A grandeza
do Sporting CP é aquela que se sa-
be. É um Clube enorme em todo o
Mundo. Nos EUA, todos conheciam
o Sporting CP e sabiam que Cristia-
noRonaldoeLuísFigotinhamvindo
do Sporting CP. Ter o nome da famí-
lia ligado a este Clube é surreal, um
orgulhoimensoeoviverumsonho”
,
explicou. O pai concorda e fala des-
se facto com “muita alegria”
. Álvaro
Amiel soltou mesmo um sorriso
quando confrontado com as decla-
rações de Francisco quando o clas-
sificou como o maior responsável
porhojeserjogadordebasquetebol,
masatirouoméritoparaasmãosdo
filho. “Acima de tudo, foi a vontade
dele. Ele sempre teve uma atitude
muito forte. Os compromissos dele
com o colectivo sempre foram mui-
to intensos. Sempre lhe disse que a
partir do momento em que ele faz
parte de uma equipa, não pode fa-
lhar nenhum treino. Nos escalões
jovens, ele levou muito a sério a or-
ganizaçãodeformaatertempopara
estudar,treinarejogar”
,afirmou.
Por fim, Francisco Amiel não
escondeu que o pai Álvaro e a
mãe Leonor são as duas maiores
inspirações a todos os níveis. “O
meu pai foi quem me passou o
bichinho do basquetebol e a minha
mãetem-medadomuitoapoio.São
as minhas grandes referências e
quem me permitiu que este sonho
fosse realizado. Sempre me deram
liberdadeeosideiasnecessáriospa-
ra que eu o conseguisse”
, finalizou.
A família Amiel confunde-se
com a história do basquetebol do
Sporting CP há mais de quatro dé-
cadas e tem muito orgulho nisso.
Primeiro através de Álvaro e agora
graças ao filho, Francisco, o legado
tem tudo para continuar a honrar
o Leão ao peito e a camisola verde
e branca numa modalidade que
sofreu bastante e está a voltar em
força em Alvalade.
Algunsdosmeus
colegasestranharam
porqueeufiquei
umbocadoeufórico
[comaproposta
doSportingCP]
FRANCISCO AMIEL
Francisco Amiel (ao centro) com os pais, Álvaro e Leonor
Um Francisco muito pequeno a ser ajudado pelo pai Álvaro
Melhor momento enquanto treinador-adjunto do Sporting CP.
Fazer parte de um grande Clube.
Jogo mais marcante da carreira.
Um Sporting CP vs. SL Benfica na Nave decidido após
dois prolongamentos no último lançamento do jogo.
Jogo mais marcante da carreira do filho.
Quando ganhou a conferência no ano passado após 23
anos.
Melhor amigo que fez no basquetebol.
Nélson Serra.
Uma palavra para definir o filho.
Amigo.
RONDA FLASH - ÁLVARO AMIEL
Colegas de equipa com quem passa mais tempo.
Diogo Araújo e Jorge Embaló.
Jogo em que tenha participado que mais o marcou.
Último jogo do March Madness do ano passado.
Melhor momento de Leão ao peito.
Vitória sobre o SL Benfica.
Sentimento de jogar perante num Pavilhão João Rocha lotado.
Arrepiante.
Uma palavra para definir o pai.
Referência.
RONDA FLASH - FRANCISCO AMIEL