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QUÍMICA NOVA NA ESCOLA Monóxido de Carbono N° 9, MAIO 1999
N
ão é incomum lermos nos
jornais ou ouvirmos na TV
sobre mortes acidentais cau-
sadas por envenenamento por monó-
xido de carbono. Essas podem ser
causadas por uma variedade de cir-
cunstâncias, incluindo motores de
carro em funcionamento em ambientes
fechados ou a queima de gás natural
em aquecedores ineficientes. A causa
da produção de monóxido de carbono
é a quantidade limitada de oxigênio
disponível para a combustão do com-
bustível que contém carbono. Em vez
da produção de dióxido de carbono,
CO2
, existe oxigênio suficiente somente
para a geração de moléculas de
monóxido de carbono, CO — um pro-
cesso conhecido como combustão
incompleta.
Se inalado, o monóxido de carbono
chega aos pulmões e pode se combi-
nar com as moléculas de hemoglobina
nas células vermelhas do sangue. O
papel usual desempenhado pela he-
moglobina é o de se combinar com o
oxigênio e transportá-lo pelo corpo,
mas o monóxido de carbono se com-
bina com a hemoglobina cerca de 300
vezes mais facilmente que o oxigênio.
Isso impede as células vermelhas do
sangue de transportar oxigênio pelo
John Evans
Tradução e adaptação*: Romeu C. Rocha-Filho
A seção “Atualidades em química” procura apresentar assuntos que
mostrem como a química é uma ciência viva. A maioria das pessoas
sabe que o monóxido de carbono é um gás tóxico, perigoso, emitido
por coisas como o escapamento de carros e chamas a gás mal
reguladas. Entretanto, o monóxido de carbono também pode ser
uma matéria-prima básica útil para a indústria química, ajudando na
produção de importantes compostos orgânicos. Neste artigo, são
descritos alguns desses processos e se mostra como o uso de
catalisadores é vital para esses métodos de produção.
monóxido de carbono, catalisadores, indústria química
corpo e, conseqüentemente, impede
a respiração nos tecidos. Quando a
maior parte da hemoglobina existente
é bloqueada pelo monóxido de carbo-
no, o resultado pode ser a morte. Entre-
tanto, níveis mais baixos de CO ligado
à hemoglobina causarão palpitações
cardíacas, que podem ter sérios efeitos
sobre pessoas com problemas car-
díacos.
Os perigos do monóxido de carbo-
no têm levado ao uso crescente, em
casas de países de clima frio (muito
fechadas durante o inverno), de
detectores de CO — especialmente
úteis porque o CO é um gás incolor e
inodoro. Além disso, em todo o mundo
tem sido criada legislação para restrin-
gir as emissões de monóxido de car-
bono por veículos automotores. No
Brasil, já há alguns anos os carros
novos têm que sair de fábrica com con-
versores catalíticos (comumente cha-
mados simplesmente de catalisa-
dores). De acordo com a Resolução
nº 18 do Conselho Nacional do Meio
Ambiente, de 6 de maio de 1986, des-
de 1º de janeiro de 1997 a emissão de
monóxido de carbono por veículos
automotores leves não deve exceder
a 2,0 gramas por quilômetro. O novo
Código Nacional de Trânsito, que
entrou em vigor em 1998, estabelece
inclusive que os veículos deverão pas-
sar por inspeção periódica de emissão
de poluentes.
A maioria das pessoas, quando
pensa em monóxido de carbono, ge-
ralmente lembra dos perigos, mas o
CO é uma importante matéria-prima
básica da indústria química.
Por que usar monóxido de
carbono?
O monóxido de carbono é usado
pela indústria química por duas razões:
• Pode ser obtido a partir de reser-
vas carbonadas (que contêm carbono)
básicas, tais como carvão ou gás na-
tural.
• Constitui-se em uma estrutura bá-
sica a partir da qual moléculas orgâ-
nicas mais complexas podem ser for-
madas.
Para muitas reações, o monóxido
de carbono é usado em combinação
com o hidrogênio — a mistura é deno-
minada gás de síntese e pode ser obti-
da de duas maneiras:
• A partir da reação de carvão com
vapor d’água:
C(s) + H2
O(g) → CO(g) + H2
(g)
• Usando um processo chamado
de reforma a vapor de gás natural (me-
tano), que também pode produzir uma
mistura desses dois reagentes:
CH4
(g) + H2
O(g) → CO(g) + 3H2
(g)
Desde que haja um suprimento de
combustíveis fósseis disponível, é viá-
vel basear parte da indústria petroquí-
mica no CO. Sem carvão ou gás natu-
ral não seria possível produzir CO de
nenhuma dessas maneiras. Outra
opção poderia ser reduzir o dióxido de
carbono, mas embora haja grandes
quantidades de dióxido de carbono no
ciclo do carbono da Terra, ele é um gás
ATUALIDADES EM QUÍMICA
mais do que somente um letal!
4
QUÍMICA NOVA NA ESCOLA Monóxido de Carbono N° 9, MAIO 1999
muito estável, e seria necessário um
agente redutor forte (e possivelmente
caro) para se obter CO a partir de CO2
(H2
, C ou elétrons são as opções mais
úteis como agentes redutores).
Eficiência atômica das
reações
Ao decidir entre reações e usos po-
tenciais do monóxido de carbono, os
químicos levam em conta a eficiência
atômica de cada processo, a porcenta-
gem de cada tipo de átomo (elemento)
dos reagentes que é incluído no pro-
duto. Se a eficiência atômica da reação
fosse 100% para cada tipo de átomo,
haveria somente um produto principal e
nenhumprodutosecundário(semvalor).
Esse princípio pode ser ilustrado ao se
considerar duas reações possíveis en-
tre monóxido de carbono e hidrogênio.
O primeiro exemplo é a chamada
reação de Fischer-Tropsch, que foi usa-
da para a fabricação de combustível
na Alemanha durante a Segunda Guer-
ra Mundial e também na África do Sul.
Ambos os países tinham suprimentos
abundantes de carvão e, assim, que-
riam obter hidrocarbonetos combustí-
veis a partir de gás de síntese (CO +
H2
) — o qual pode ser obtido a partir
de carvão e vapor de água, como mos-
trado previamente.
A reação de Fischer-Tropsch é uma
reação entre CO e H2
que requer um
catalisador de ferro ou de cobalto. Uma
ampla gama de hidrocarbonetos é for-
mada, mas um ajuste cuidadoso pode
otimizar sua distribuição para gasolina,
diesel etc. Assim, uma reação típica
para produzir um produto, octano, é
dada por:
8CO + 17H2
→ C8
H18
+ 8H2
O
Aqui há um produto secundário, a
água. Embora seja ambientalmente
inofensiva, esta reduz a eficiência atô-
mica para o produto desejado. Veja-
mos como.
De acordo com a equação, o octa-
no contém todos os átomos de carbo-
no dos reagentes — assim, a eficiência
atômica para o carbono é de 100%. De
modo similar, dado que o octano não
contém nenhum dos átomos de oxigê-
nio dos reagentes, a eficiência atômica
para oxigênio é de 0%. A equação tam-
bém mostra que o octano contém
somente 18 dos 34 átomos de hidro-
gênio dos reagentes, de modo que a
eficiência atômica para o hidrogênio é:
O segundo exemplo, a fabricação
de metanol, é uma reação intrinseca-
mente mais limpa (o metanol produ-
zido é usado em grande parte como
solvente ou como intermediário na fa-
bricação de outros compostos orgâni-
cos, mas é também um combustível
de queima limpa). O metanol pode ser
obtido como segue:
CO + 2H2
→ CH3
OH
A partir de uma mistura de monó-
xido de carbono e hidrogênio na razão
correta, todos os átomos dos reagen-
tes são incorporados às moléculas de
metanol. Assim, obtém-se 100% de
eficiência atômica para todos os três
elementos.
Reações como esse segundo
exemplo, com maiores eficiências atô-
micas, são mais atraentes para a fabri-
cação industrial de produtos químicos.
Monóxido de carbono e
catálise
O número de processos químicos
que utilizam catalisadores aumenta
continuamente, tornando possível uma
fabricação mais limpa e barata; dentre
esses processos, os mais eficientes
estão na indústria petroquímica. Como
exemplo, podemos seguir os passos
atômicos desde o gás natural até o áci-
do etanóico — ácido acético (talvez
mais conhecido como o ácido contido
no vinagre) — e seu anidrido etanóico
(Quadro 1). O anidrido etanóico (comu-
mente denominado de anidrido acéti-
co) é um produto químico valioso na
fabricação de solventes e plásticos.
Das duas rotas para a produção de
CO e H2
mostradas anteriormente, o
método da reforma a vapor a partir de
gás natural é bastante utilizado:
[Ni]
CH4
+ H2
O CO + 3H2
reforma a vapor
(Etapa 1)
O catalisador requerido para esta
etapa é baseado no metal níquel.
Quaisquer impurezas contendo en-
xofre nos reagentes iniciais devem ser
removidas antes dessa reação, pois
podem agir sobre o catalisador e re-
duzir sua eficiência.
Para obter hidrogênio, utiliza-se
uma reação chamada ‘deslocamento
do equilíbrio gasoso da água’:
[Fe]
CO + H2
O CO2
+ H2
deslocamento gasoso da água
(Etapa 2)
Neste caso, o catalisador é Fe3
O4
.
Uma reação a alta temperatura, que
desloca o equilíbrio ‘para a direita’,
reduz o conteúdo de CO a 3% na mis-
tura final. Uma segunda equilibração,
a uma temperatura mais baixa (200 °C),
é necessária para reduzir o conteúdo
de CO a níveis ainda mais baixos
(0,2%). Catalisadores contendo os me-
tais cobre e zinco podem catalisar essa
reação, bem como catalisar a con-
versão de CO e CO2
a metanol:
[Cu,Zn]
CO + 2H2
CH3
OH
(Etapa 3)
[Cu,Zn]
CO2
+ 3H2
CH3
OH + H2
O
(Etapa 4)
Nos exemplos acima, todos os
catalisadores são metais de transição
no estado sólido, sendo que os rea-
gentes são passados sobre eles na for-
ma gasosa. Esse arranjo bifásico é co-
nhecido como catálise heterogênea.
Nas etapas 5 e 6, o CO reage com
metanol ou o éster etanoato de metila
(também conhecido como acetato de
metila) para formar ácido etanóico ou
anidrido etanóico:
[Rh,I]
CH3
OH + CO CH3
COOH
(Etapa 5)
[Rh,I]
CH3
CO2
CH3
+ CO (CH3
CO)2
O
(Etapa 6)
Em ambas estas etapas a catálise
ocorre com todos os reagentes na fase
líquida, um processo conhecido como
catálise homogênea.
No Quadro 1, os únicos produtos
secundários de quaisquer das etapas
individuais são o dióxido de carbono
(que por si só é um produto químico
valioso) e a água. Nem sempre é pos-
19
34
x 100 = 52,9%
5
QUÍMICA NOVA NA ESCOLA Monóxido de Carbono N° 9, MAIO 1999
sível atingir 100% de eficiência atômica,
mas o próximo melhor objetivo é obter
produtos secundários úteis ou inofen-
sivos.
Se resumirmos as reações no Qua-
dro 1, pode-se obter uma equação ge-
ral para a conversão das matérias-
primas originais — água e metano —
em anidrido etanóico:
4CH4
+ 3H2
O → (CH3
CO)2
O + 8H2
A partir desta equação pode-se
perceber que o processo tem 100% de
eficiência atômica para carbono e oxi-
gênio, mas somente 27% para hidro-
gênio.Os73%dehidrogênionãousados
podem ser destinados a outros usos.
Conclusões
As reações acima enunciadas mos-
tram que o monóxido de carbono pode
Por que os catalisadores
são tão importantes na
indústria?
Mais de 80% dos produtos quí-
micos são obtidos utilizando-se cata-
lisadores, alguns dos quais são caros
componentes no processo; de qual-
quer modo, seus benefícios devem
compensar esse custo. A palavra ‘ca-
talisador’ é usada coloquialmente no
sentido de facilitar um processo com
um dado objetivo — e isso dá uma boa
idéia da ação química. O processo é
facilitado, tornando-se mais rápido, por
meio do abaixamento da barreira de
energia (ou energia de ativação). As-
sim, a reação ocorre mais rapidamente
para produzir a molécula almejada
usando uma opção de possibilidades
energeticamente favorecidas.
Poderíamos considerar uma agên-
cia computadorizada de namoro co-
mo uma boa analogia para um cata-
Para saber mais
Sobre a química do CO: veja o
capítulo sobre carbono no livro:
GREENWOOD,N.N.,EARNSHAW,
A. Chemistry of the elements. 2. ed.
Oxford: Pergamon Press, 1997.
Sobre o CO como poluente e a
saúde, vide artigo de G. M. Böhm
na internet: http://www.saudetotal.
com/saude/doencpol/doencpol.htm
O texto completo da Resolução
CONAMA Nº 18, de 6 de maio de
1986 pode ser obtido no sítio do
Ministério do Meio Ambiente: http://
www.mma.gov.br/port/CONAMA/
res/resol86/res1886.html
Informações sobre detetores
portáteis de monóxido de carbono
podem ser obtidas, por exemplo, no
seguinte sítio da internet: http://
www.msanet.com.br/Instrum/
portat.htm
Figura 1: Um catalisador provê uma energia
de ativação mais baixa para uma reação.
Vamos dizer que algumas reações não
ocorrem... e nem mesmo a catálise pode
ajudar...
lisador. Ela possibilita um acesso rápi-
do a possíveis parceiros, um meca-
nismo para que novas relações em
potencial ocorram mais rapidamente
— o que se assemelha a uma reação
química sendo acelerada.
Em geral, a vantagem de se usar
um catalisador para aumentar a velo-
cidade de uma reação química é que
o processo pode ser operado em
temperaturas e pressões menores,
poupando-se energia e reduzindo-se
custos. Outro aspecto importante é
que o catalisador é engendrado para
ter alta seletividade para o produto re-
querido, isto é, para minimizar produ-
tos secundários. Isso, além de levar
a um uso mais eficiente dos recursos
do ponto de vista econômico, tam-
bém reduz a quantidade de rejeitos,
o que é melhor para o meio ambiente.
ser uma matéria-prima básica muito útil
para a indústria, ao mesmo tempo que
mostram a importância do uso da catá-
lise. Catalisadores são parte essencial
Produtos
Progresso da reação
Reagentes
Reação
catalisada
Reação
não catalisada Entalpia de ativação
reação não catalisada
Entalpia
Entalpia de ativação
reação catalisada
CH4
+ H2
O CO + 3H2
CO + H2
O CO2
+ H2
CO + 2H2
CH3
OH
CO2
+ 3H2
CH3
OH + H2
O
CH3
OH + CO CH3
CO2
H
CH3
CO2
CH3
+ CO (CH3
CO)2
O
[Ni]
[Fe]
[Cu, Zn]
[Cu, Zn]
[Rh, I]
[Rh, I]
reforma a vapor
(heterogênea)
deslocamento gasoso da água
(heterogênea)
síntese do metanol
(heterogênea)
síntese do metanol
(heterogênea)
carbonilação do metanol
(homogênea)
síntese do anidrido acético
(homogênea)
Quadro1: Catalisadores industriais em uma seqüência: de gás natural a ácido acético e
anidrido acético (os principais elementos usados nos catalisadores são mostrados en-
tre colchetes).
da indústria química e, na realidade,
seu uso está ficando cada vez mais
disseminado — seja no preparo de
simples produtos petroquímicos, como
aqui descrito, seja na formação precisa
de moléculas mais complicadas, como
aquelas de substâncias usadas como
remédios.
John Evans (je@soton.ac.uk), professor do Depar-
tamento de Química da Universidade de Southampton
(Inglaterra), faz pesquisas sobre catálise homogênea
e heterogênea visando elucidar a química subjacente
aos processos catalíticos.
* Este artigo foi originalmente publicado em Chemis-
try Review, v. 7, n. 2, p. 18-21, nov. 1997. Sua tradução
foi autorizada pela editora Philip Allan Publishers Ltd.
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  • 1. 3 QUÍMICA NOVA NA ESCOLA Monóxido de Carbono N° 9, MAIO 1999 N ão é incomum lermos nos jornais ou ouvirmos na TV sobre mortes acidentais cau- sadas por envenenamento por monó- xido de carbono. Essas podem ser causadas por uma variedade de cir- cunstâncias, incluindo motores de carro em funcionamento em ambientes fechados ou a queima de gás natural em aquecedores ineficientes. A causa da produção de monóxido de carbono é a quantidade limitada de oxigênio disponível para a combustão do com- bustível que contém carbono. Em vez da produção de dióxido de carbono, CO2 , existe oxigênio suficiente somente para a geração de moléculas de monóxido de carbono, CO — um pro- cesso conhecido como combustão incompleta. Se inalado, o monóxido de carbono chega aos pulmões e pode se combi- nar com as moléculas de hemoglobina nas células vermelhas do sangue. O papel usual desempenhado pela he- moglobina é o de se combinar com o oxigênio e transportá-lo pelo corpo, mas o monóxido de carbono se com- bina com a hemoglobina cerca de 300 vezes mais facilmente que o oxigênio. Isso impede as células vermelhas do sangue de transportar oxigênio pelo John Evans Tradução e adaptação*: Romeu C. Rocha-Filho A seção “Atualidades em química” procura apresentar assuntos que mostrem como a química é uma ciência viva. A maioria das pessoas sabe que o monóxido de carbono é um gás tóxico, perigoso, emitido por coisas como o escapamento de carros e chamas a gás mal reguladas. Entretanto, o monóxido de carbono também pode ser uma matéria-prima básica útil para a indústria química, ajudando na produção de importantes compostos orgânicos. Neste artigo, são descritos alguns desses processos e se mostra como o uso de catalisadores é vital para esses métodos de produção. monóxido de carbono, catalisadores, indústria química corpo e, conseqüentemente, impede a respiração nos tecidos. Quando a maior parte da hemoglobina existente é bloqueada pelo monóxido de carbo- no, o resultado pode ser a morte. Entre- tanto, níveis mais baixos de CO ligado à hemoglobina causarão palpitações cardíacas, que podem ter sérios efeitos sobre pessoas com problemas car- díacos. Os perigos do monóxido de carbo- no têm levado ao uso crescente, em casas de países de clima frio (muito fechadas durante o inverno), de detectores de CO — especialmente úteis porque o CO é um gás incolor e inodoro. Além disso, em todo o mundo tem sido criada legislação para restrin- gir as emissões de monóxido de car- bono por veículos automotores. No Brasil, já há alguns anos os carros novos têm que sair de fábrica com con- versores catalíticos (comumente cha- mados simplesmente de catalisa- dores). De acordo com a Resolução nº 18 do Conselho Nacional do Meio Ambiente, de 6 de maio de 1986, des- de 1º de janeiro de 1997 a emissão de monóxido de carbono por veículos automotores leves não deve exceder a 2,0 gramas por quilômetro. O novo Código Nacional de Trânsito, que entrou em vigor em 1998, estabelece inclusive que os veículos deverão pas- sar por inspeção periódica de emissão de poluentes. A maioria das pessoas, quando pensa em monóxido de carbono, ge- ralmente lembra dos perigos, mas o CO é uma importante matéria-prima básica da indústria química. Por que usar monóxido de carbono? O monóxido de carbono é usado pela indústria química por duas razões: • Pode ser obtido a partir de reser- vas carbonadas (que contêm carbono) básicas, tais como carvão ou gás na- tural. • Constitui-se em uma estrutura bá- sica a partir da qual moléculas orgâ- nicas mais complexas podem ser for- madas. Para muitas reações, o monóxido de carbono é usado em combinação com o hidrogênio — a mistura é deno- minada gás de síntese e pode ser obti- da de duas maneiras: • A partir da reação de carvão com vapor d’água: C(s) + H2 O(g) → CO(g) + H2 (g) • Usando um processo chamado de reforma a vapor de gás natural (me- tano), que também pode produzir uma mistura desses dois reagentes: CH4 (g) + H2 O(g) → CO(g) + 3H2 (g) Desde que haja um suprimento de combustíveis fósseis disponível, é viá- vel basear parte da indústria petroquí- mica no CO. Sem carvão ou gás natu- ral não seria possível produzir CO de nenhuma dessas maneiras. Outra opção poderia ser reduzir o dióxido de carbono, mas embora haja grandes quantidades de dióxido de carbono no ciclo do carbono da Terra, ele é um gás ATUALIDADES EM QUÍMICA mais do que somente um letal!
  • 2. 4 QUÍMICA NOVA NA ESCOLA Monóxido de Carbono N° 9, MAIO 1999 muito estável, e seria necessário um agente redutor forte (e possivelmente caro) para se obter CO a partir de CO2 (H2 , C ou elétrons são as opções mais úteis como agentes redutores). Eficiência atômica das reações Ao decidir entre reações e usos po- tenciais do monóxido de carbono, os químicos levam em conta a eficiência atômica de cada processo, a porcenta- gem de cada tipo de átomo (elemento) dos reagentes que é incluído no pro- duto. Se a eficiência atômica da reação fosse 100% para cada tipo de átomo, haveria somente um produto principal e nenhumprodutosecundário(semvalor). Esse princípio pode ser ilustrado ao se considerar duas reações possíveis en- tre monóxido de carbono e hidrogênio. O primeiro exemplo é a chamada reação de Fischer-Tropsch, que foi usa- da para a fabricação de combustível na Alemanha durante a Segunda Guer- ra Mundial e também na África do Sul. Ambos os países tinham suprimentos abundantes de carvão e, assim, que- riam obter hidrocarbonetos combustí- veis a partir de gás de síntese (CO + H2 ) — o qual pode ser obtido a partir de carvão e vapor de água, como mos- trado previamente. A reação de Fischer-Tropsch é uma reação entre CO e H2 que requer um catalisador de ferro ou de cobalto. Uma ampla gama de hidrocarbonetos é for- mada, mas um ajuste cuidadoso pode otimizar sua distribuição para gasolina, diesel etc. Assim, uma reação típica para produzir um produto, octano, é dada por: 8CO + 17H2 → C8 H18 + 8H2 O Aqui há um produto secundário, a água. Embora seja ambientalmente inofensiva, esta reduz a eficiência atô- mica para o produto desejado. Veja- mos como. De acordo com a equação, o octa- no contém todos os átomos de carbo- no dos reagentes — assim, a eficiência atômica para o carbono é de 100%. De modo similar, dado que o octano não contém nenhum dos átomos de oxigê- nio dos reagentes, a eficiência atômica para oxigênio é de 0%. A equação tam- bém mostra que o octano contém somente 18 dos 34 átomos de hidro- gênio dos reagentes, de modo que a eficiência atômica para o hidrogênio é: O segundo exemplo, a fabricação de metanol, é uma reação intrinseca- mente mais limpa (o metanol produ- zido é usado em grande parte como solvente ou como intermediário na fa- bricação de outros compostos orgâni- cos, mas é também um combustível de queima limpa). O metanol pode ser obtido como segue: CO + 2H2 → CH3 OH A partir de uma mistura de monó- xido de carbono e hidrogênio na razão correta, todos os átomos dos reagen- tes são incorporados às moléculas de metanol. Assim, obtém-se 100% de eficiência atômica para todos os três elementos. Reações como esse segundo exemplo, com maiores eficiências atô- micas, são mais atraentes para a fabri- cação industrial de produtos químicos. Monóxido de carbono e catálise O número de processos químicos que utilizam catalisadores aumenta continuamente, tornando possível uma fabricação mais limpa e barata; dentre esses processos, os mais eficientes estão na indústria petroquímica. Como exemplo, podemos seguir os passos atômicos desde o gás natural até o áci- do etanóico — ácido acético (talvez mais conhecido como o ácido contido no vinagre) — e seu anidrido etanóico (Quadro 1). O anidrido etanóico (comu- mente denominado de anidrido acéti- co) é um produto químico valioso na fabricação de solventes e plásticos. Das duas rotas para a produção de CO e H2 mostradas anteriormente, o método da reforma a vapor a partir de gás natural é bastante utilizado: [Ni] CH4 + H2 O CO + 3H2 reforma a vapor (Etapa 1) O catalisador requerido para esta etapa é baseado no metal níquel. Quaisquer impurezas contendo en- xofre nos reagentes iniciais devem ser removidas antes dessa reação, pois podem agir sobre o catalisador e re- duzir sua eficiência. Para obter hidrogênio, utiliza-se uma reação chamada ‘deslocamento do equilíbrio gasoso da água’: [Fe] CO + H2 O CO2 + H2 deslocamento gasoso da água (Etapa 2) Neste caso, o catalisador é Fe3 O4 . Uma reação a alta temperatura, que desloca o equilíbrio ‘para a direita’, reduz o conteúdo de CO a 3% na mis- tura final. Uma segunda equilibração, a uma temperatura mais baixa (200 °C), é necessária para reduzir o conteúdo de CO a níveis ainda mais baixos (0,2%). Catalisadores contendo os me- tais cobre e zinco podem catalisar essa reação, bem como catalisar a con- versão de CO e CO2 a metanol: [Cu,Zn] CO + 2H2 CH3 OH (Etapa 3) [Cu,Zn] CO2 + 3H2 CH3 OH + H2 O (Etapa 4) Nos exemplos acima, todos os catalisadores são metais de transição no estado sólido, sendo que os rea- gentes são passados sobre eles na for- ma gasosa. Esse arranjo bifásico é co- nhecido como catálise heterogênea. Nas etapas 5 e 6, o CO reage com metanol ou o éster etanoato de metila (também conhecido como acetato de metila) para formar ácido etanóico ou anidrido etanóico: [Rh,I] CH3 OH + CO CH3 COOH (Etapa 5) [Rh,I] CH3 CO2 CH3 + CO (CH3 CO)2 O (Etapa 6) Em ambas estas etapas a catálise ocorre com todos os reagentes na fase líquida, um processo conhecido como catálise homogênea. No Quadro 1, os únicos produtos secundários de quaisquer das etapas individuais são o dióxido de carbono (que por si só é um produto químico valioso) e a água. Nem sempre é pos- 19 34 x 100 = 52,9%
  • 3. 5 QUÍMICA NOVA NA ESCOLA Monóxido de Carbono N° 9, MAIO 1999 sível atingir 100% de eficiência atômica, mas o próximo melhor objetivo é obter produtos secundários úteis ou inofen- sivos. Se resumirmos as reações no Qua- dro 1, pode-se obter uma equação ge- ral para a conversão das matérias- primas originais — água e metano — em anidrido etanóico: 4CH4 + 3H2 O → (CH3 CO)2 O + 8H2 A partir desta equação pode-se perceber que o processo tem 100% de eficiência atômica para carbono e oxi- gênio, mas somente 27% para hidro- gênio.Os73%dehidrogênionãousados podem ser destinados a outros usos. Conclusões As reações acima enunciadas mos- tram que o monóxido de carbono pode Por que os catalisadores são tão importantes na indústria? Mais de 80% dos produtos quí- micos são obtidos utilizando-se cata- lisadores, alguns dos quais são caros componentes no processo; de qual- quer modo, seus benefícios devem compensar esse custo. A palavra ‘ca- talisador’ é usada coloquialmente no sentido de facilitar um processo com um dado objetivo — e isso dá uma boa idéia da ação química. O processo é facilitado, tornando-se mais rápido, por meio do abaixamento da barreira de energia (ou energia de ativação). As- sim, a reação ocorre mais rapidamente para produzir a molécula almejada usando uma opção de possibilidades energeticamente favorecidas. Poderíamos considerar uma agên- cia computadorizada de namoro co- mo uma boa analogia para um cata- Para saber mais Sobre a química do CO: veja o capítulo sobre carbono no livro: GREENWOOD,N.N.,EARNSHAW, A. Chemistry of the elements. 2. ed. Oxford: Pergamon Press, 1997. Sobre o CO como poluente e a saúde, vide artigo de G. M. Böhm na internet: http://www.saudetotal. com/saude/doencpol/doencpol.htm O texto completo da Resolução CONAMA Nº 18, de 6 de maio de 1986 pode ser obtido no sítio do Ministério do Meio Ambiente: http:// www.mma.gov.br/port/CONAMA/ res/resol86/res1886.html Informações sobre detetores portáteis de monóxido de carbono podem ser obtidas, por exemplo, no seguinte sítio da internet: http:// www.msanet.com.br/Instrum/ portat.htm Figura 1: Um catalisador provê uma energia de ativação mais baixa para uma reação. Vamos dizer que algumas reações não ocorrem... e nem mesmo a catálise pode ajudar... lisador. Ela possibilita um acesso rápi- do a possíveis parceiros, um meca- nismo para que novas relações em potencial ocorram mais rapidamente — o que se assemelha a uma reação química sendo acelerada. Em geral, a vantagem de se usar um catalisador para aumentar a velo- cidade de uma reação química é que o processo pode ser operado em temperaturas e pressões menores, poupando-se energia e reduzindo-se custos. Outro aspecto importante é que o catalisador é engendrado para ter alta seletividade para o produto re- querido, isto é, para minimizar produ- tos secundários. Isso, além de levar a um uso mais eficiente dos recursos do ponto de vista econômico, tam- bém reduz a quantidade de rejeitos, o que é melhor para o meio ambiente. ser uma matéria-prima básica muito útil para a indústria, ao mesmo tempo que mostram a importância do uso da catá- lise. Catalisadores são parte essencial Produtos Progresso da reação Reagentes Reação catalisada Reação não catalisada Entalpia de ativação reação não catalisada Entalpia Entalpia de ativação reação catalisada CH4 + H2 O CO + 3H2 CO + H2 O CO2 + H2 CO + 2H2 CH3 OH CO2 + 3H2 CH3 OH + H2 O CH3 OH + CO CH3 CO2 H CH3 CO2 CH3 + CO (CH3 CO)2 O [Ni] [Fe] [Cu, Zn] [Cu, Zn] [Rh, I] [Rh, I] reforma a vapor (heterogênea) deslocamento gasoso da água (heterogênea) síntese do metanol (heterogênea) síntese do metanol (heterogênea) carbonilação do metanol (homogênea) síntese do anidrido acético (homogênea) Quadro1: Catalisadores industriais em uma seqüência: de gás natural a ácido acético e anidrido acético (os principais elementos usados nos catalisadores são mostrados en- tre colchetes). da indústria química e, na realidade, seu uso está ficando cada vez mais disseminado — seja no preparo de simples produtos petroquímicos, como aqui descrito, seja na formação precisa de moléculas mais complicadas, como aquelas de substâncias usadas como remédios. John Evans (je@soton.ac.uk), professor do Depar- tamento de Química da Universidade de Southampton (Inglaterra), faz pesquisas sobre catálise homogênea e heterogênea visando elucidar a química subjacente aos processos catalíticos. * Este artigo foi originalmente publicado em Chemis- try Review, v. 7, n. 2, p. 18-21, nov. 1997. Sua tradução foi autorizada pela editora Philip Allan Publishers Ltd. Etapa 1: Etapa 2: Etapa 3: Etapa 4: Etapa 5: Etapa 6: