Este artigo discute a relevância da História da Ciência no Ensino de Ciências. Aponta que a inclusão da História da Ciência no currículo tem sido defendida desde o século XIX e analisa exemplos do Reino Unido, Espanha e Estados Unidos. Também discute justificativas e desafios para a implementação, como a formação de professores e a necessidade de respeitar o contexto histórico para evitar anacronismos.
1. A RELEVÂNCIA DA HISTÓRIA DA
CIÊNCIA PARA O
ENSINO DE CIÊNCIAS:
ELEMENTOS INTRODUTÓRIOS
Gabriel Ribeiro
José Luís de Jesus Coelho da Silva
(ISSN: 2319-0752 Revista Acadêmica GUETO, Vol.9, n.1)
2. Resumo
Este artigo tem como objetivo discutir questões introdutórias
sobre a relevância da História da Ciência no Ensino de
Ciências. Inicialmente delineamos o processo histórico de
inserção da História da Ciência no Ensino de Ciências
e, em seguida, apontamos justificativas para a emprego
dos elementos históricos neste ensino. Na terceira seção
indicamos algumas dificuldades para a implementação da
História da Ciência no Ensino de Ciências e finalizamos o
texto destacando inconsistências nesta implementação.
Palavras-chave: História da Ciência, Ensino de Ciências,
3. 1. Breve Histórico:
A inclusão da História da Ciência no currículo de
ciência não é uma reivindicação atual. Algumas
proposições que buscaram essa integração datam do
final do século XIX e da primeira metade do século XX
(MATTHEWS, 1994).
Tal inclusão pretende ser parte da expansão da ciência
nos currículos escolares em oposição ao chamado
“ensino das humanidades”, um debate muito presente
em estudos no século XX, notadamente no pós-guerra.
4. Os autores referem-se a três exemplos:
1. O britânico (1917) - importância dos alunos aprenderem
algo sobre as conquistas da Ciência, seus métodos e o
caráter humano dessa empreitada:
“A ciência não deve ser considerada, meramente, como um fardo
de material factual e princípios precisos que precisam de um tipo
especial de mente para suportar. Deve haver mais do espírito, e
menos do vale de ossos secos, se a ciência é de interesse vivo,
seja durante a vida escolar ou depois. A todos deve ser dada a
oportunidade de conhecer um pouco da vida e obra de homens
como Galileu e Newton, Faraday e Kelvin, Pasteur e Lister,
Darwin e Mendel, e muitos outros pioneiros da ciência.”
(BASS, 1917, p. 140, tradução nossa)
5. 2. O espanhol (1935) - Valor de la Historia de la Ciencia como
medio de Educacion Integral y Específica del Individuo.
(Quintana-Marí)
Algumas das preocupações de Quintana-Marí relacionavam-se a
alguns fatores: a idade adequada para a introdução da História da
Ciência no ensino; a necessidade desse conteúdo permear toda a
escolaridade; a importância de ser um curso separado em alguns
casos, enquanto, em outros, integrado à disciplina específica (ROCA-
ROSELL; GRAPÍ-VILUMARA, 2010).
Assim como preconizado pela Associação Britânica para Avanço da
Ciência, em 1917, Quintana-Marí considerava que a biografia dos
cientistas deveria ser estudada no ensino secundário, juntamente com
fontes primárias (textos, documentos, experimentos...) da História da
6. 3. O estadunidense: James Conant (1957) Harvard Case Histories in
Experimental Science.
Os casos históricos foram construídos para auxiliar a compreensão da
ciência feita nos dias de hoje, seus métodos e interações com o
contexto social no qual se desenvolve. James Conant argumentou
que os desafios encontrados pelos cientistas dos séculos XVII, XVIII e
XIX poderiam contribuir para um entendimento ampliado da
empreitada científica “auxiliando o leitor a recapturar a experiência
daqueles que participaram de eventos excitantes na história
científica” (CONANT, 1957, p. IX, tradução nossa).
7. 4. No Brasil:
Constituição de 1988; LDB de 96; PCN; BNCC.
Desejo de combate ao analfabetismo científico.
Reformas curriculares na educação básica e na
superior.
Contribuições da pesquisa em educação para o ensino
de ciências e a formação docente.
Educação progressista, combatendo o ensino
livresco, enciclopédico, memorístico e alienado.
8. 2. Justificativas:
O que poderia ser feito para melhorar o entendimento
geral de ciência entre os cidadãos?
Resposta: Utilizar a História da Ciência de forma integrada
aos currículos e estratégias de ensino, pois ela:
(a) pode auxiliar os alunos a aprender coisas que eles
acham difíceis;
(b) pode mudar a percepção pública sobre ciência;
(c) pode encorajar a participação criteriosa em decisões
que envolvam aspectos técnico-científicos;
(d) pode contribuir para o reconhecimento da ciência como
9. 2. Justificativas:
No contexto brasileiro, Martins (1990) destaca que a História da
Ciência tem várias aplicações didáticas, entre elas: (a)
contrabalancear os aspectos puramente técnicos de uma aula,
agregando subsídios humanos, culturais e sociais; (b) fornecer
uma nova visão sobre ciência e cientista, através da biografia de
cientistas, da descrição do ambiente cultural de determinado
tempo histórico, das dificuldades para superação de
determinadas ideias científicas; (c) facilitar a compreensão sobre
o desenvolvimento histórico de determinado conteúdo
disciplinar; (d) reconstruir experimentos históricos para facilitar
a aprendizagem e contribuir com o desenvolvimento de visões
aceites sobre a Natureza da Ciência.
10. 2. Justificativas:
A pesquisadora brasileira, Lilian Al-Chueyr Pereira Martins (1998, p. 18),
afirmou que o emprego da História da Ciência poderia contribuir com o
Ensino de Ciências, pois os episódios históricos evidenciariam:
(a) o processo gradativo e lento de construção do conhecimento, permitindo
que se tenha uma visão mais concreta da natureza real da ciência, seus
métodos, suas limitações.
(b) que ocorreu um processo lento de desenvolvimento de conceitos até se
chegar às concepções aceitas atualmente. O educando perceberá que suas
dúvidas são perfeitamente cabíveis em relação a conceitos que levaram
tanto tempo para serem estabelecidos e que foram tão difíceis de atingir.
(c) que a aceitação ou o ataque a alguma proposta não dependem apenas
de seu valor intrínseco, de sua fundamentação, mas que também nesse
processo estão envolvidas outras forças, tais como as sociais, políticas,
filosóficas ou religiosas.
11. 2. Justificativas:
A Tradição Contextualista. Segundo esta a História da Ciência:
(1) motiva e atrai os alunos;
(2) humaniza a matéria;
(3) promove uma compreensão melhor dos conceitos científicos por traçar
seu desenvolvimento e aperfeiçoamento;
(4) há um valor intrínseco na compreensão de episódios fundamentais na
história da ciência - a Revolução Científica, o darwinismo, etc.;
(5) demonstra que a ciência é mutável e instável e que, por isso, o
pensamento científico atual está sujeito a transformações que;
(6) se opõem à ideologia cientificista;
(7) a história permite uma compreensão mais profícua do método científico e
apresenta os padrões de mudança na metodologia vigente (MATTHEWS,
1992, p. 17-18, tradução nossa)
12. 3. Desafios:
Para começar, no que refere-se à formação docente:
(a) ausência de um quadro conceitual de referência, na
formação e para a prática docente;
(b) falta de interesse ou competência dos professores;
(c) limitada compreensão sobre como a História e a
Filosofia da Ciência podem contribuir para a aprendizagem
do conteúdo científico;
(d) carência de visões mais alargadas referentes à
aprendizagem sobre ciências (HÖTTECKE; SILVA, 2011).
13. 3. Desafios:
O interesse, ou competência dos professores, no
emprego da História da Ciência (a conquista de aliados
importantes), depende de vários aspectos como:
(a) a apresentação de novas orientações voltadas às
práticas de sala de aula;
(b) o acesso a novos materiais didáticos, como livros
comprometidos com a abordagem contextual;
(c) cursos de formação de professores comprometidos com
essa vertente do Ensino de Ciências.
14. 3. Desafios:
Como guia amplo Forato, Martins e Pietrocola propuseram,
à guisa de orientação, NÃO DE RECEITUÁRIO, uma lista de
parâmetros para orientar os docentes, entre eles:
(a) explicitar a concepção de ciência adotada e os aspectos
epistemológicos pretendidos;
(b) selecionar os aspectos a enfatizar e a omitir em cada
conteúdo da História da Ciência;
(c) mediar as simplificações e omissões, pois enfatizar a
influência de aspectos não científicos pode promover
interpretações relativistas extremas;
(d) definir o nível de profundidade e formulação discursiva dos
15. 3. Desafios:
(e) abordar, diacronicamente, diferentes concepções de ciência
e o pensamento de filósofos, filósofos naturais e cientistas de
distintos períodos e civilizações: apresentar vários pensadores
contemporâneos trabalhando com os mesmos pressupostos
metodológicos pode auxiliar a crítica ao preconceito e a
anacronismos;
(f) apresentar exemplos de teorias superadas em diferentes
contextos culturais permite criticar ideias ingênuas sobre história
e epistemologia da ciência, como a possível concepção de que a
ciência atual pode resolver todos os problemas;
16. 3. Desafios:
(g) ponderar sobre a quantidade e profundidade dos textos;
(h) questionar cada mensagem objetivada sobre a Natureza da
Ciência em diferentes atividades didáticas e distintos episódios
históricos
17. 4. Mas atenção!
O respeito ao contexto histórico é um princípio fundamental dos
historiadores e o não seguimento deste, através da leitura do passado em
termos de normas ou padrões atuais, é chamado whiggismo, uma “escrita
não histórica da História”.
“O que há de errado na história da ciência, como em todas as
outras formas de história, é manter constantemente o dia de hoje
perante a nossa mente como base de referência; ou imaginar que
o lugar de um cientista do século XVII na história do mundo
dependerá da questão de saber o quão perto ele esteve da
descoberta do oxigênio.”
(Herbert Butterfield)