Entrevista com Celso Loureiro Chaves sobre carreira e visão crítica da pesquisa em música
1.
2. Ano 2 n. 1 jan. 2018 2 TeMA informativo
Palavra dos Editores TeMA informativo
SUMÁRIO
Palavra dos Editores 2
Entrevista 3
Em Destaque 10
Anais em Fotos 12
Da Teoria 15
Da Análise 17
TeMA Informativo, ano 2, n. 1, jan. 2018
Apresentamos a atual edição aos associados da
TeMA e à comunidade de nossos leitores que têm
acompanhado os números deste informativo. Como nas
edições anteriores, as cinco seções têm-se se caracterizado
em espaços para destacar interesses e conteúdos
relacionados aos campos da Teoria e da Análise Musical
no Brasil e no mundo.
Assim, na seção “Entrevista”, com grata
satisfação, trazemos a narrativa de Celso Loureiro Chaves,
que conta parte de sua história de vida como compositor,
professor e pesquisador a partir de perguntas instigantes
de Ilza Nogueira (presidente atual da TeMA), que tem
muito colaborado, a partir de sua vasta experiência, na
estruturação de perguntas extremamente direcionadoras
para um sempre bom conteúdo nas entrevistas que temos
veiculado aqui neste boletim.
Ainda, em relação à entrevista com Celso
Loureiro Chaves, particularmente realço o fato dele
advogar fortemente a partir do campo composicional com
um grande lastro intelectual somado à sua coragem de
imprimir um discurso rasgadamente sincero e honesto,
sendo contundente ao reavaliar e situar processos teórico-
analíticos na sua atividade musical atual. Queremos nessa
apresentação editorial somente instigar nossos leitores e
associados a lerem essa interessantíssima entrevista,
concedendo o direito de produzirem em seus trabalhos
uma contestação inteligente (sendo necessário) por meio
de uma réplica conceitualmente embasada – parabenizo,
de igual maneira, o entrevistado e a entrevistadora.
Na seção “Em Destaque”, como sempre,
divulgamos a chamada para submissões da Revista Musica
Theorica. Acrescente-se como outro destaque importante,
o extrato da matéria-ferramenta produzida pela editora-
chefe da Revista Hodie (Sonia Ray), que explica e
disponibiliza um “diretório” que consiste em uma lista
atualizada de sites de periódicos, principalmente
brasileiros, com objetivo de contribuir com um auxílio na
pesquisa bibliográfica praticada por estudantes iniciais e
até de mestrado em Música.
Na seção “Anais em Fotos”, incluímos os
registros fotográficos do III Simpósio Villa-Lobos,
realizado na Universidade de São Paulo (ECA-USP) nos
dias 10 e 11 de novembro de 2017. Predominantemente
demos destaque aos concertos e às audições que eram
realizados em momento prévio às discussões e exposições
teórico-analíticas. Devamos entender que, ao nosso ver,
este simpósio possui um grande escopo de abordagens
quanto ao objeto de estudo “Villa-Lobos” – nestes
termos, resolvemos destacar as performances musicais,
bastante profícuas neste evento, por considerar que o
mesmo já tem demonstrado grande fôlego intelectual
quanto às linhas de pesquisa que tratam da temática
villalobiana.
Finalmente, nas seções “Da Teoria” e “Da
Análise” organizamos, mais uma vez, os resumos de livros
e artigos publicados em 2017 no Brasil e no exterior.
Dentre os textos selecionados, encontramos temáticas
variadas relacionadas ao instrumento como uma
corporificação cognitiva de uma dada tecnologia musical
específica, à improvisação no blues, à forma musical na
composição de Villa-Lobos, ao reflorescimento da
tonalidade na música do século XX, ao estudo de
harmonias descendentes, ao discurso tópico em José
Maurício Garcia, às reflexões estéticas sobre finitude,
temporalidade e alteridade, à semiótica musical de Nattiez,
dentre outras... (só queremos aqui aguçar seu interesse e
curiosidade para ler os resumos apresentados nas seções
teórico-analíticas).
Agradecemos a todos os colaboradores que têm
contribuído na construção de mais este número.
Ensejamos aos queridos associados da TeMA um ano de
2018 altamente produtivo. Desejamos a todos uma ótima
leitura!
Edson Hansen Sant’Ana
editor-chefe
3. Entrevista [Celso Loureiro Chaves] TeMA informativo
Ano 2 n. 1 jan. 2018 3 TeMA informativo
Ilza Nogueira
Presidente da TeMA entrevistando Celso Loureiro Chaves
Nesta edição, o TeMA Informativo conversa com o
compositor e pianista Celso Loureiro Chaves,
Professor Titular do Instituto de Artes da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde
atua principalmente nos campos da Composição e da
História da Música. Como Pesquisador do CNPq,
desenvolve estudos sobre crítica genética,
focalizando, especialmente, a obra do compositor
gaúcho Armando Albuquerque (1901-1986). Mestre
em Educação (UFRGS, 1984) e Doutor em
Composição (University of Illinois at Urbana-Champaign,
1988), Celso Loureiro Chaves tem se distinguido
como representante da área de Artes/Música em
agências de fomento à pesquisa e pós-graduação
(CAPES, 1999 - 2004; FAPERGS, 2005 - 2009,
CNPq, 2007 - 2010), assim como na administração
universitária (Pró-Reitor de Pós-Graduação da
UFRGS, 2016-2020). Em 2017, foi apontado como
pesquisador destaque na área de Artes e Letras pela
FAPERGS. Ao lado de sua intensa atividade
acadêmica, ele também tem uma interessante
trajetória como cronista musical, escrevendo
quinzenalmente para o “Segundo Caderno” do jornal
Zero Hora (Porto Alegre), tanto com respeito à música
de concerto quanto à vernácula. Sobre as interseções
culturais da sua rica vida profissional, interroga-o Ilza
Nogueira, Presidente da TeMA.
IN: Professor Celso Loureiro Chaves, é com grande
satisfação que o convidamos em nossa “sala de visitas
virtual”, para um diálogo sobre aspectos de sua
formação e carreira profissional, da sua visão crítica
sobre o ensino e a pesquisa em Música na atualidade,
e sobre políticas construtivas que poderiam ser
implementadas a curto e médio prazo, especialmente
pela TeMA. Sou admiradora de sua produção literária
e musical, e por isso fico especialmente honrada com
a concessão desta entrevista.
CLC: É um prazer ser entrevistado para o TeMA
Informativo, publicação tão importante para a nossa
área, e, principalmente, pelo fato da entrevista ser
conduzida por Ilza Nogueira, colega e amiga de
tantos anos, pesquisadora sênior da nossa área, a
quem muito devo como exemplo de seriedade,
objetividade e serenidade no tratamento da coisa
musical.
IN: Gostaria de iniciar nossa conversa retrocedendo
aos anos 70, à sua formação acadêmica na UFRGS.
Assim como eu tive uma dupla graduação (Letras e
Música), sei que você também se dividiu entre a
Música (Composição) e a Arquitetura, concluindo
ambos os cursos em 1975. Afinal, na época da nossa
juventude, não era estranho o estudante de Música
ter um pé em outra área (mais “segura” e
“reconhecida” socialmente). Imagino que essa
interdisciplinaridade tenha deixado suas marcas na
carreira escolhida (a de compositor e educador); que
o estudo da arquitetura (com seus aportes estético-
estruturalistas) tenha tido consequências em sua
prática composicional, na produção literária, ou
mesmo na docência, ao longo dos anos. Estou certa?
CLC: Sim. Embora eu não seja grande admirador da
interdisciplinaridade em Música, admito que desde a
minha infância, a arquitetura sempre foi e tem sido
uma paixão paralela. Mas já nos tempos de faculdade,
à medida que eu me aproximava da diplomação,
percebi que havia falhas na minha “criatividade
arquitetônica”, que minha criatividade residia mesmo
Entrevista [Celso Loureiro Chaves] TeMA informativo
4. Entrevista [Celso Loureiro Chaves] TeMA informativo
Ano 2 n. 1 jan. 2018 4 TeMA informativo
era na área da Música. Assim, deixei o exercício da
arquitetura para os seus profissionais e, apesar do
diploma de arquiteto, me tornei um espectador
privilegiado. Tanto assim que lugares bucólicos me
cansam. Se não tenho arquitetura e urbanismo à
minha volta, perco o interesse. Por isso, de vez em
quando, a arquitetura move minha música. Agora
mesmo, em Museu das coisas inúteis (que a OSESP
estreou em outubro de 2017 e a Orquestra da
Fundação Gulbenkian estreará em fevereiro em
2018), dois exemplos de arquitetura afloraram como
ímpetos composicionais: a intervenção de Daniel
Libeskind no prédio histórico do Museu de História
da Guerra, em Dresden na Alemanha, e os pilares
internos dedicados aos quatro evangelistas na
Sagrada Família de Gaudí, em Barcelona. Quando
estive diante e dentro dessas obras, não tinha ideia de
que ali estavam se formando impulsos
composicionais. Depois, ao trabalhar na composição,
a arquitetura de Libeskind e de Gaudí se tornaram
subtextos obsessivos no meu processo criativo. A
arquitetura, quando se faz presente na minha música,
é exatamente isso: um subtexto do instante de
criação, uma ideia fixa subjacente às ideias que vão
sendo colocadas na partitura. Chego à conclusão de
que, se arquitetura não se pode ouvir, ela pode
mover, por impulso subjacente, a estruturação
sonora, como constatei nos dois movimentos de
Museu dos quais Libeskind e Gaudí são memórias
íntimas, os dois movimentos mais arquitetônicos,
“Antífonas” e “Os quatro evangelistas”. Os títulos
parecem religiosos, mas não é o caso: têm muito mais
a ver com a ideia arquitetônica do embate de estilos
em Libeskind e da abstração mística em Gaudí.
IN: Celso, você atuou como representante da área de
Artes em várias instâncias institucionais,
consecutivamente: na Fundação CAPES (1999-
2004), na FAPERGS (2004-2009), no CNPq (2007-
2010). Hoje, você continua assessorando as mesmas
agências na avaliação de projetos de pesquisa em
Música. Também tenho conhecimento de sua
presença regular em congressos da área no Brasil e
no exterior. Tudo isso certamente lhe proporciona
uma visão privilegiada de como caminha a pesquisa
em Música no Brasil, considerada no amplo contexto
internacional. Com relação a temáticas, escopos,
densidade reflexiva, funcionalidade de objetivos,
interesse social, etc, ou seja, aos parâmetros pelos
quais se avalia uma produção cultural como
compatível aos interesses imediatos da “economia”
onde se insere, qual é a sua opinião sobre a trajetória
da pesquisa acadêmica em Música no Brasil, nos
últimos 15 a 20 anos?
CLC: Quando comecei a militar nas agências de
fomento, a área da Música – e de Artes – era ainda
considerada incipiente, pouco entendida pelas outras
áreas mais consolidadas. Passadas décadas, a situação
se alterou marcadamente. A área de Música se
consolidou tanto em tamanho, quanto em
parâmetros próprios de avaliação. Participei, por
exemplo, de parte do debate que antecedeu, na
CAPES, a criação do Qualis artístico, que foi uma
grande conquista para a área, no que lhe dá de
objetividade e de compreensibilidade diante das
demais áreas. Sempre se pode discutir este ou aquele
parâmetro, mas, em si, o Qualis artístico foi um
ganho. Ao mesmo tempo, dentro das subáreas
tradicionais da pós-graduação brasileira em Música,
os temas foram ganhando diversidade nestes últimos,
digamos, vinte anos. Definitivamente, a área está
consolidada. Isto nem sempre tem se traduzido por
alocação igualitária de recursos de pesquisa e este é
um tópico sobre o qual ainda há muito o que fazer.
Agora, em termos de temáticas, acredito que
tenhamos evoluído na direção certa, ainda mais com
a incorporação pela academia da preocupação com as
manifestações da música vernacular, seja sob o olhar
da Etnomusicologia, por exemplo, ou da
Composição. Mesmo assim, ainda se fala muito
pouco do Brasil e da música brasileira nos nossos
textos acadêmicos e na nossa representação em
encontros internacionais. Fala-se mais do que se
falava, é verdade, mas não tanto quanto é vasto o
repertório da música brasileira em suas múltiplas
manifestações. Este é outro ponto a trabalhar,
buscando atualidade de abordagem, quanto mais não
seja para reconsiderar o tanto de conceitos errôneos
que vêm sendo passados de mão em mão, há
gerações, sobre a música brasileira. É como no
repertório dos concertos: toca-se mais música
brasileira do que se tocava quando eu era estudante
de piano na universidade, mas não tanto que possa
5. Entrevista [Celso Loureiro Chaves] TeMA informativo
Ano 2 n. 1 jan. 2018 5 TeMA informativo
contrabalançar os tantos compositores internacionais
– alguns decididamente medíocres – que gastam
nosso tempo nas salas de concertos Brasil afora.
Como sempre, o mantra parece se repetir: é o Brasil
que faz falta aos nossos estudos acadêmicos, às
nossas pesquisas, aos nossos repertórios.
IN: Desde que ingressou na carreira docente
(UFRGS, 1976), você vem se dedicando a disciplinas
teóricas, à análise musical, à história da música e à
orientação em composição. E já se vão 40 anos de
docência, de dedicação intensa a essas interseções
culturais estéticas e epistemológicas da Música: entre
o repertório de concerto e o vernáculo, entre as
tradições europeias, norte-americanas e brasileiras,
entre o pensar teórico e a fantasia criativa, entre
sintaxes e semânticas. Como você administra o fluxo
dessa abrangência informativa – que diz respeito à
criatividade, à crítica, à cultura e à história social –
numa estrutura pedagógica fundamentalmente
“disciplinar” (a composição, a análise, as
modalidades teóricas, os paradigmas estruturais, a
história da música)?
CLC: Comecei minha carreira docente na UFRGS
como professor de História da Música, pelas mãos de
Bruno Kiefer, um dos modelos formativos que
tenho. Eu detestava música medieval e ele me
convenceu a começar minha docência justamente
pela disciplina de Música Medieval e Renascentista
(como se chamava então). “Mas eu não gosto de
música medieval!!”, eu disse. “Por isso mesmo. Será
uma boa oportunidade de aprender com os alunos.”
E assunto (muito bem) encerrado. Bem mais tarde,
fiz concurso para professor titular de Composição; e
nessa atividade tive como homenagear meu outro
grande modelo, meu mestre Armando Albuquerque.
É o estilo de dar aulas de Armando que me move até
hoje, sua liberalidade, sua largesse intelectual, seu anti-
dogmatismo. Durante muito tempo, fui professor de
Análise Musical, mas depois cansei disso. A análise
foi se desertificando diante de mim e hoje já não
voltaria a enfrentar uma classe de alunos para falar de
algo em que não mais acredito. Mesmo a História da
1
Revista da UFMG, v. 21, p. 200-221, 2016.
Música, que me acompanha até hoje, quase na hora
da saída... estou descrendo um pouco dela, mas ainda
não está na hora de verbalizar os meus medos. Estou
descrendo um pouco dela, só isso. O que observo, no
meu ciclo como professor em universidade, é um
rigor de foco, deixando para trás coisas que me
interessaram durante algum tempo, mas que se
mostraram periféricas. Restaram a História da Música
e, principalmente, as classes de Composição tanto na
graduação quanto na pós-graduação. Acredito que já
seja muito e que a Composição seja o meu interesse
medular, como criador e como teórico.
IN: Minha pergunta anterior tem antecedente: seu
artigo “Transformações, admissibilidades, rupturas e
continuidades: discurso sobre a evolução da
música”1
. Considero este ensaio como um “trabalho
de mestre”, um exemplar da plena maturidade de um
músico multifacetado, da interlocução eficiente dos
conhecimentos que compõem a base da sua
formação musical: a Composição, a Teoria e a
História da Música. É um texto onde você demonstra
plena capacidade administrativa de um manancial
informativo (basicamente histórico e teórico)
processado pela capacidade crítica
(fundamentalmente criativa) e formatado nos moldes
de uma eficiente metodologia analítica
(essencialmente pedagógica). Vale aqui a
oportunidade de recomendar esse texto seminal a
todo estudante de Música, e especialmente àqueles
que necessitem de um exemplar do que poderia ser
considerado como produção de pesquisa in stricto
sensu. Retomando o rumo para uma pergunta, o que
me parece basilar nesse texto – sua postura crítica –
é seguramente decorrente de um grande
conhecimento do repertório musical e de uma
maturidade “clínica” que procede de uma intensa
práxis analítica, auxiliados por uma vasta informação
proveniente da ampla literatura sobre Música.
Considerando que textos como este são pérolas raras
(pelo menos ao meu ver), o que necessita ser
incrementado ou repensado no sistema do ensino
superior de Música, ou nos paradigmas avaliativos
aos quais deve corresponder, para que possamos ter
6. Entrevista [Celso Loureiro Chaves] TeMA informativo
Ano 2 n. 1 jan. 2018 6 TeMA informativo
uma produção literária da área mais densa em
subsídios críticos?
CLC: Este texto, o “Transformações...” veio de um
desafio proposto por Maurício Loureiro, da UFMG,
e deu oportunidade para colocar em palavras como
eu penso a Música, dentro da minha experiência
circunscrita pelas minhas visões de compositor e de
professor de História da Música. É uma narrativa
com uma falta deliberada de linearidade, coisa que
também exercitei em outro texto, “Por uma
pedagogia da composição musical”. Esses dois textos
falam disso: de como penso a música, agora que vou
entrando na velhice, de como penso a composição
musical como disciplina acadêmica, agora que vou
saindo da universidade. Livres da cronologia
ordenada e da linearidade que cerceia, são textos que
dão voltas no meu próprio cérebro, mas com a
preocupação de fazê-lo mirar para fora, pensando –
ou alucinando – o leitor. Procurei colocar neles,
quase instintivamente, o que sou, mas também o que
sinto falta em textos da nossa área. Muitos deles são
ensimesmados, sem chaves que permitam decifrar
seu significado, muito menos descobrir sua utilidade.
Talvez isso seja efeito de um certo húbris autoral ou
talvez seja um efeito dos nossos currículos
universitários de Música. Estruturados em linhas
disciplinares que são como ilhas isoladas: pouco
favorecem o diálogo e a confrontação com o futuro,
pois ainda reverberam ideologias de outros séculos.
Mas, ao mesmo tempo, não poderá haver reforma
curricular frutífera sem uma visão social ampla, sem
levar em conta o Brasil que somos e o Brasil que
faremos. Mesmo na pós-graduação, que tem mesmo
vocação para arquipélago de áreas e subáreas, essa
visão ampla parece estar ausente. Enfim, os meus
textos têm revelado o que penso da música e o que
penso ser um discurso sobre música. Ainda não
cheguei, nos meus textos, à discussão objetiva sobre
o currículo de estudos em Música.
IN: Nesse mesmo ensaio, você fala sobre distintas
poéticas no contexto das rupturas e admissibilidades
que determinaram a evolução da música na segunda
metade do século XX: “poéticas de ultrapassagem”
da expectativa do que é música e “poéticas de
restauração” de materiais e procedimentos formais,
aos quais se dá nova validade, em alternância
espiralada. Obviamente, a análise acompanha essa
alternância de poéticas musicais, em seus diferentes
“pontos de vista” analíticos. No entanto, ao lado
desse acompanhamento funcional das “poéticas da
poiesis musical”, penso que o discurso analítico
também evolui em seus próprios termos, em sua
própria poiesis, que se poderia observar nas distintas
identidades culturais, nos estilos individuais. Sendo
você analista tanto quanto compositor, poderia
refletir sobre o que significaria essa evolução em seu
discurso sobre música? Há algum paralelismo com a
evolução do seu discurso musical? Algum trânsito
entre esses dois lados da sua “personalidade
profissional”?
CLC: Uma das minhas primeiras obras, Balada para o
avião que deixa um rastro de fumaça no céu, é de 1980 e já
mostra quem eu pretendia ser como compositor,
“criando música onde música não há”, como
costumo dizer para os meus alunos. E, quase
quarenta anos depois, continuo pretendendo vir a ser
quem pretendi ser na Balada. Assim, não posso dizer
que tenha havido uma evolução – no sentido da
pergunta ou do meu texto citado – na minha música.
Museu das coisas inúteis, de 2017, persegue aquelas
mesmas intenções. Ali digo apenas o essencial (dizia
o meu mestre Armando Albuquerque: “se não tenho
mais nada a dizer, eu paro”), abro espaços para a
intertextualidade (entendida como a incorporação, na
minha música, de cacos das músicas de outros),
busco a objetividade e a economia composicionais
(ou seja, a expressão em música de concerto das sete
cidades que formam a “estética do frio”, na
formulação do cancionista e escritor Vitor Ramil).
Tudo isso já se ouve na Balada e se ouve também nas
três Estética do Frio, no Estudo Paulistano (sobre o qual
um aluno me confrontou, perguntando como eu
tivera coragem de fazer “algo tão bonito”). A análise
musical tem me interessado cada vez menos, eu que
já fui analista convicto e contrito. Ao final de seus
discursos, os estudos analíticos me têm dado a
impressão de deixar a música intocada, derrotando a
razão de ser analítica. Muito por isso tenho me
afastado da análise e foi nesta “poética de
ultrapassagem” muito particular que os meus textos
7. Entrevista [Celso Loureiro Chaves] TeMA informativo
Ano 2 n. 1 jan. 2018 7 TeMA informativo
adquiram a vida que creio ver neles. Quanto à minha
música, é no diálogo entre o meu próprio ser
composicional e as músicas que se filtram da minha
memória para a minha música que encontro minha
verdade. Assim, ainda não consigo encontrar
paralelismo entre o meu pensamento textual e o meu
pensamento composicional. Vejo uma linha de
continuidade na minha música, sempre em busca de
maior liberdade de colocar em sons aquilo que eu
considero necessário, sem amarras. Em texto, creio
que a descontinuidade é maior – e trabalhar sobre as
canções de Tom Jobim e as de Vitor Ramil me ajudou
muito nesse sentido, como também ajudou a
centralizar minhas atenções na crítica genética.
Quando me dei conta de que o que eu queria escrever
era mesmo sobre crítica genética e não sobre
semiologia musical, abriu-se todo um caminho
investigativo à minha frente. Ter apresentado um
trabalho sobre crítica genética e música para Almuth
Grésillon, uma das formuladoras dessa área, foi
definitivo para essa redefinição de foco. Ela não
apenas confirmou que o meu caminho estava certo
como indicou novas vias a seguir, sempre na direção
da objetividade que também procuro na minha
música. Talvez um paralelismo ou uma coincidência
esteja aí... Enfim, creio que lendo A fenomenologia de
Transa lado a lado com Matita Perê – um estudo de
gênese se percebe um refinamento de ideais, mais
marcado do que ouvindo, lado a lado, a Balada e o
Museu.
IN: Em seu ensaio “Por uma pedagogia da
composição musical” (2010), você define a “crítica
genética” como “um mergulho na gênese do
processo criativo através de suas evidências”; e
explica que os seus pressupostos “apontam para a
interlocução possível entre composição e análise,
configurando uma via de dois sentidos, da
composição à análise e da análise à composição”,
sendo este diálogo interdisciplinar um dos “pontos
de desafio” da pedagogia da composição. A partir de
seu argumento, deduz-se que esta interlocução entre
o raciocínio crítico (fundamentado nas ideologias) e
o impulso criativo (movido pela utopia) deve ser,
também, um dos “pontos de desafio” da pedagogia
da teoria da música (talvez o crucial). Como e em que
medidas esta práxis interlocutiva se encontra na
pedagogia da análise musical?
CLC: Creio que posso responder redirecionando a
pergunta para minha pedagogia da composição
musical e não para uma pedagogia da análise musical,
que já abandonei há tempos. Minha atividade nas
disciplinas de composição musical da graduação e da
pós-graduação demonstram que sou menos
professor do que mestre. Distinção entre eles? O
professor conforma o estudante aos seus próprios
princípios estético-ideológicos. O mestre direciona o
trabalho do aluno para a melhor maneira de
expressão daquele próprio trabalho e de seus
princípios explícitos e implícitos. Ou seja: sempre
suponho que o trabalho que o estudante apresenta
em aula, para mim e para os seus colegas, vem
movido por uma necessidade interior de expressão e
por uma absoluta honestidade. Parto do pressuposto
de desconhecer a desonestidade composicional,
talvez seja esse um dos meus defeitos. Passadas essas
preliminares, considero que todo o trabalho tem
valor. Ou melhor, que nenhum trabalho é inútil. Seja
um pentagrama tateante, sejam páginas e páginas de
notas e sinais gráficos. Nada é inútil, pois demonstra
um pensamento composicional – às vezes
embrionário, às vezes não reconhecido pelo próprio
autor, às vezes desconcertante para os colegas, às
vezes cheio de possibilidades: algumas ainda não
realizadas, algumas já em vias de realização. Também
aí a crítica genética se interpõe – ela trabalha com a
rasura, o engano, o “erro”; modo inverso, é também
disso que a disciplina de Composição trata. Nesse
sentido, me sinto absolutamente coerente nas minhas
formulações como pensador da composição e na
minha prática como mestre de composição. Percebo
que a minha produção textual não se deterá mais na
análise; ela se dedicará a formalizar essa prática de
décadas de compositor e mestre de composição. Por
isso, o ano de 2017 termina auspiciosamente, com o
lançamento do ensaio Matita Perê – um estudo de
gênese no livro sobre Tom Jobim, Maestro
Soberano, e a estreia de Museu das coisas inúteis. Um é
uma certeza teórica, de dizer da melhor forma
possível o que ainda não se disse; a outra é uma
certeza composicional, de preencher da melhor
forma possível o espaço onde ainda não havia
8. Entrevista [Celso Loureiro Chaves] TeMA informativo
Ano 2 n. 1 jan. 2018 8 TeMA informativo
música. E, ao falar de “espaço”, aí está a arquitetura
novamente...
IN: Pensando em seu projeto de pesquisa, fincado na
teoria da crítica genética, e no meu, cravado nas
teorias da narratividade, penso que partimos dos
pontos terminais de uma haste imaginária, por onde
a análise musical flui: o mundo da objetividade e o
universo da subjetividade. Entre um ponto e outro,
substâncias distintas fertilizam as narrativas que
respondem a nossos propósitos de formular
hipóteses e desenvolver teses que encaminhem,
apontem ou desvelem as possibilidades de aplicação
do imaginário sobre a realidade dos fatos e
documentos. Assim, talvez a distinção entre nossos
afazeres analíticos se distinga no tanto em que
percorremos esta haste de um ponto em direção ao
outro. No entanto, talvez você possa complementar,
ampliar ou recuar da minha metáfora, com vantagem
para nosso leitor. Enfim, como você explicaria a
distinção e a aproximação entre esses dois polos
analíticos, ambos fincados na ampla “teoria da
literatura”?
CLC: Sim, o mundo da objetividade e o universo da
subjetividade. São pontos terminais de um mesmo
fenômeno, o da música. Em composição, minha
atividade musical mais constante, é o universo da
subjetividade que nos move e de alguma maneira nos
impele a fazer o que fazemos, é aquilo que indica o
erro composicional e nos informa a maneira de
retomar o caminho preterido. É quando entramos no
mundo da objetividade (que chamamos, meus alunos
e eu, de uma outra coisa – mas da qual pouparei a
entrevistadora e o leitor...). É o trabalho árduo – não,
insano – de construir tempo através da música, para
que ela ocupe não mais e nem menos do que o seu
próprio tempo. Esse é um trabalho infindo e sempre
objetivo. É a isso que o compositor Roger Reynolds
se refere ao conceituar o “impetus” composicional,
algo de difícil apreensão e que só se compreende na
prática da composição, dificilmente na atividade
teórica (com tempo deferido). Que no decorrer do
seu tempo, a composição dê conta, objetivamente,
daquilo que a fez surgir no primeiro instante, no
“impetus” que é sempre subjetivo. O “impetus” que
é muito matéria de memória sem tempo e que não se
pode perder ao vesti-la de tempo. Sim, é um conceito
de difícil apreensão. No entanto, creio que os dois
pontos terminais que você aponta são mesmo os dois
pontos entre os quais oscila, em alguma de suas
infinitas oscilações, o pêndulo de Foucault da nossa
área de conhecimento e prática.
IN: Gostaria de concluir essa entrevista revisitando
suas “Memórias do Pierrô Lunar e outras histórias
musicais” (2006), cujas crônicas, em sua versatilidade
poética e humorística, provocam no leitor uma
grande curiosidade pela música em questão, pela obra
do compositor sobre o qual se fala. Não sendo um
produto “legitimamente acadêmico”, mas lidando
com assuntos da “ordem acadêmica”, seu livro,
indistintamente, cativa amadores e profissionais de
Música. Desde que optei pelo tema da “narratividade
musical”, venho pensando paralelamente na
“narratividade do discurso sobre música”, e no que a
literatura acadêmica poderia assumir como “postura
contemporânea”, no que diz respeito a estilo, a fim
de atingir seu público pela sedução, pelo deleite
prazeroso da leitura, leitura que desperte a
curiosidade pela música como experiência audível,
que incite a fantasia ao tempo em que se faz
informação, incentivando o prazer de pensar a
música. Quais são suas considerações a respeito da
nossa literatura acadêmica, como produção de ordem
didática (sua primeira função)? Como poderíamos
pensá-la para o público contemporâneo?
CLC: Muito própria a sua identificação de uma
possível “narratividade do discurso sobre música”.
Neste sentido, estamos novamente numa
encruzilhada. Olhando bem para trás, vemos que os
discursos musicais de boa parte do século passado, o
falar sobre músico, datou-se irremediavelmente pela
sua falta de rigor, pelas suas hipérboles, pelas suas
ações entre amigos. Nossos grandes musicólogos do
passado, com uma ou outra exceção de praxe,
envelheceram melancolicamente. Nestas últimas
décadas talvez tenhamos chegado a um outro
extremo. Estamos um pouco esquecidos disso que
você diz, com muita propriedade, ser a primeira
função da literatura acadêmica, a ordem didática.
Muitas vezes, tenho a sensação que muitos estudos
que têm sido feitos na academia, todos sérios e
9. Entrevista [Celso Loureiro Chaves] TeMA informativo
Ano 2 n. 1 jan. 2018 9 TeMA informativo
responsáveis sem a mínima dúvida, hão de repousar
nas estantes de nossas bibliotecas virtuais sem que
sejam lidos ou – se o forem – compreendidos. Por
isso, creio que as publicações da TeMA são tão
importantes, pois recuperam o equilíbrio entre
hermetismo e abertura à leitura. O próximo passo
seria estabelecer um tamanho mínimo – e não
máximo – para os textos, de tal forma que os autores
pudessem deter-se nos seus temas com
profundidade. Nos congressos e encontros de áreas
temos nos reduzido aos relatos em pílulas e isso tem
ecoado nas publicações. Discordo dessa ideia
organizacional de ter encontros com o máximo de
coisas a serem ditas em pouco tempo (muitas vezes
ao mesmo tempo), sem a oportunidade da exposição
profunda de conhecimento que desse chance ao
debate real, à troca de ideias elucidativa para todos.
Viramos atores de monólogos, como se fôssemos
stand-ups da música. Essa é a encruzilhada. Para nossa
contemporaneidade social e para o que pretendemos
ser, será necessário repensar nossas funções como
teóricos, compositores, professores. Isso passará
necessariamente pelo texto escrito, no qual é urgente
abrir espaço para a profundidade e para a consciência
social, escapar tanto da hiper-objetividade hermética
quanto da superficialidade que tanto marcou muitos
dos que nos antecederam.
IN: Prof. Celso, somos gratos pela oportunidade
deste instigante debate, que pretendemos continue
em outras instâncias, no futuro próximo da TeMA.
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PERIÓDICO DA TeMA
LIVRO ATUAL DA SÉRIE
CONGRESSOS DA TeMA
10. Em Destaque TeMA informativo
Ano 2 n. 1 jan. 2018 10 TeMA informativo
ASSOCIADOS/COMUNIDADE ACADÊMICA
Promoção por Edson Hansen Sant’Ana
REVISTA MUSICA THEORICA
Chamadas para submissões em 2017
A revista MUSICA THEORICA é uma
publicação online da TeMA – Associação Brasileira de
Teoria e Análise Musical –, dedicada ao fomento e
divulgação de pesquisas nesses campos. O regime de
submissões é contínuo e seu alcance é internacional.
Estimulamos os pesquisadores a submeter seus textos
em inglês ou francês, embora os artigos ainda possam
ser publicados em português.
Nos números anteriores de 2016 e 2017 (deste
ano sendo atualizados), a revista recebeu contribuições
de autores estrangeiros (Antokoletz, Marvin, Bonardi,
Rudy, Klein) e contou com o apoio substancial de um
corpo editorial (nacional e internacional) muito
participativo.
O primeiro número de 2017 abre submissões,
até 30/06/2018, para o tema "A Relevância da Teoria
e da Análise para a Composição Musical". Daremos
especial destaque aos artigos que abordem aspectos de
teoria e análise da música eletroacústica, assim como de
composições realizadas com novos meios
experimentais. Temos também particular interesse em
artigos de compositores que demonstrem como
elementos da teoria e da análise tem contribuído para a
formação de sua poética composicional.
Editor-chefe: Rodolfo Coelho de Souza
NOTA DE PESAR A ANTOKOLETZ
Mais precisamente no dia 20 de dezembro de
2017, com imenso pesar, notificamos que o renomado
teórico e grande pesquisador das obras de Bartók,
Elliott Antokoletz, morreu nos EUA. A Butler School of
Music, onde Antokoletz ocupava a cadeira de
Musicologia, em primeira mão, anunciou na sua página
institucional do Facebook, mais precisamente às 18:23,
que o falecimento de Elliott Antokoletz tinha ocorrido
naquela manhã. Logo seguiram-se centenas de
manifestações de apreço e condolências. Infindas
declarações sobre sua competência e agradabilidade no
trato com colegas e alunos da instituição.
Comprovadamente fica uma grande lacuna que ora é
deixada por um pesquisador competente e de profunda
influência na Teoria e Análise Musical mundial. Ele
publicou mais de 75 artigos nos principais periódicos
de música. Inclusive, em 2016, a revista Musica Theorica
da TeMA publicou um deles sob o título de In Defense of
Theory and Analysis: A Critical Evaluation of the Discipline
and Its Application to Bartók’s Musical Language. Brian
Marks, professor doutor da Baylor School Music, no papel
de um de seus alunos, deixou uma declaração que fiz
questão de pinçar para ajudar palidamente a definir sua
pessoa e a importância de sua figura no contexto
acadêmico: “Isto é uma grande perda. Elliott não era
apenas um erudito brilhante e professor inspirador, mas
um ser humano maravilhoso da mais alta ordem. Ele
adorava seus alunos e manteve contato com muitos
deles nos anos e décadas posteriores ao término de seus
estudos.”
A REVISTA MÚSICA HODIE DISPONIBILIZA
UM “DIRETÓRIO DE PERIÓDICOS DA ÁREA
DE MÚSICA” PARA PESQUISADORES EM
GERAL
“Ao observar a dificuldade que pesquisadores
da área de música, em particular alunos de iniciação
científica e mestrado, encontram ao buscar referências
bibliográficas para a realização de suas pesquisas e o
impasse na distribuição de periódicos da área de música
11. Em Destaque TeMA informativo
Ano 2 n. 1 jan. 2018 11 TeMA informativo
no Brasil, MÚSICA HODIE decidiu organizar um
diretório dos periódicos da área que estão ativos no
Brasil e no exterior. O objetivo principal é contribuir
para com a divulgação da produção de pesquisadores
brasileiros e incentivar o intercâmbio destes com
pesquisadores estrangeiros.
O diretório [...] inclui endereços de periódicos
publicados pelos programas de pós-graduação em
música stricto-sensu no Brasil reconhecidos pela CAPES
- Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior (www.capes.gov.br), por instituições de
apoio à pesquisa em Música/Arte e por editoras com
linhas de publicação concentrada em pesquisa em
Música no Brasil e Exterior.
As fontes consultadas foram os próprios
editores dos periódicos, os coordenadores dos
programas de pós-graduação em música e o site da
ANPPOM – Associação Nacional de Pesquisa e Pós-
Graduação em Música (www.anppom.iar.unicamp.br).
Todos os links aqui disponibilizados foram testados e
estão ativos. Os textos que descrevem os periódicos são
basicamente aqueles disponibilizados nas fontes
indicadas com pequenas alterações em função da
adaptação para o formato da presente publicação.
Quando esta edição foi fechada ainda faltavam
dados sobre alguns periódicos. Portanto, os editores
[que] desejarem enviar dados sobre as publicações sob
sua responsabilidade, podem fazê-lo em qualquer
momento enviando correspondência para
soniaray@cultura.com.br, pois pretendemos repetir
esta lista atualizada nos próximos números de Música
Hodie.”
Sonia Ray (Org.)
[* conteúdo extraído da Revista Música Hodie:
https://goo.gl/aaDM6W]
LIVRO DA TeMA (SÉRIE CONGRESSOS):
TEORIA E ANÁLISE MUSICAL EM PERS-
PECTIVA DIDÁTICA
Ainda em tempo de excelente oportunidade,
destaco a edição impressa do segundo volume da "Série
Congressos da TeMA", referente ao II Congresso da
nossa Associação (Florianópolis, 3 a 6 de maio de
2017). Centrado no tema Teoria e Análise Musical em
Perspectiva Didática, o livro integra ensaios provenientes
da programação do congresso, nos quais se discute,
principalmente, as idiossincrasias, as vicissitudes e as
estratégias metodológicas do ensino teórico e analítico
em Música.
Impresso pela UFBA, o livro vem sendo
distribuído gratuitamente entre autores e associados e
vendido pelo valor de R$60,00 (sem frete). Solicitações
devem ser encaminhadas por e-mail à organizadora da
Série: Ilza Nogueira (nogueira.ilza@gmail.com). Outra
vez, como editor deste informativo, quero reforçar a
imperdível oportunidade de se adquirir esse importante
compêndio.
TESE: “A CONCEPÇÃO INTERVALAR DE
ALMEIDA PRADO: UM ESTUDO EM TRÊS
OBRAS PÓS-RUPTURA”.
Edson Hansen Sant’Ana defendeu em 08 de
novembro de 2017 na UNESP (São Paulo) sua tese, e
ela oferece, em linhas gerais, três segmentos temáticos:
a) obviamente que a contribuição primordial se refere à
pesquisa das obras de Almeida Prado a partir de uma
análise arbitrariamente intervalar; b) a segunda
contribuição partiria de uma discussão teórica
insurgente de afirmações do compositor quando disse
que sua obra se situaria em um possível “sistema
musical entre” o tonal e o atonal. Assim, nestes termos,
o autor discute, do ponto de vista epistêmico, o que é
um sistema musical. A essa discussão acrescentou-se as
contrariedades, as obviedades e as possíveis omissões
teórico-analíticas ainda adotadas quando se discute o
que é tonal e o que é atonal. Ainda como segundo passo
dessa segunda contribuição, com base em uma
considerável revisão bibliográfica, o autor catalogou e
discutiu contribuições de teóricos e de compositores
que arrazoaram sobre os diversos e sucessivos sistemas
musicais na Música Ocidental. Para tanto, enquadrou
essa discussão em um diagrama simples e básico que foi
provido de um formato modular por níveis da
Engenharia de Análise de Sistemas; c) como terceira e
última contribuição considerável, foi que da pesquisa e
análise intervalar das obras de Almeida Prado, o autor,
construiu uma ferramenta chamada “régua intervalar”
que buscou mensurar e entender os tipos de densidades
intervalares ocorrentes nas estruturas acórdicas. A
“régua intervalar” contribui para o entendimento dos
três tipos de densidades (real, significativa e sonológica
– intuitivamente indicadas no texto da tese).
Subsequentemente, esses três tipos de densidades são
objetivamente estudados como índice de densidade
intervalar (IDI), como densidade intervalar por classe de
alturas (DICA) e como localização da altura na oitava
(LAO). O presente trabalho oferece prospecções
futuras em direção ao estudo do que seria uma entidade
intervalo-tímbrica na composição de Almeida Prado.
12. Ano 2 n. 1 jan. 2018 12 TeMA informativo
Anais em Fotos TeMA informativo
III SIMPÓSIO VILLA-LOBOS
“NOVOS DESFIOS INTERPRETATIVOS”
ECA/USP, São Paulo - SP, 10 a 11 de novembro de 2017
Assobio a Jato (II - Adagio e III - Vivo (Villa-Lobos, 1950) interpretado por Toninho Carrasqueira (flauta) e Robert Suetholz (cello)
no III Simpósio Villa-Lobos, São Paulo, ECA/USP, 11 de novembro de 2017 (* Foto extraída e processada pelo editor-chefe a partir
do Canal “III Simpósio Villa-Lobos” no Youtube).
Gina Falcão (canto) e Ivan Vilela (viola caipira) em duo na execução das Bachianas Brasileiras n. 5, I - Ária (Villa-Lobos/Ruth V.
Correa) / Passarim (Tom Jobim) com arranjo de Ivan Vilela (10 nov. 2017) [*Foto editada a partir da mesma fonte descrita acima].
13. Ano 2 n. 1 jan. 2018 13 TeMA informativo
Anais em Fotos TeMA informativo
A obra Quatuor, I - Allegro non tropo (Villa-Lobos) no dia 11 de novembro deste simpósio. Toninho Carrasqueira (flauta),
Alexandre Ficarelli (oboé), Fabio Cury (fagote) e Luís Afonso "Montanha" (clarineta) [*Foto editada a partir da mesma fonte
descrita acima].
Seresta nº 5 (Modinha) de Villa-Lobos com arranjo de Ivan Vilela no dia 10 de novembro [*Foto editada a partir
da mesma fonte descrita acima].
14. Ano 2 n. 1 jan. 2018 14 TeMA informativo
Anais em Fotos TeMA informativo
Do Ciclo Brasileiro - Impressões Seresteiras de Villa-Lobos ao piano por Ian Gonçalves (orientando de Eduardo
Monteiro neste III Simpósio Villa Lobos [*Foto editada a partir da mesma fonte descrita acima].
Da direita para esquerda: Pedro Paulo Salles expondo “Traduzindo ‘Nozani-ná’...”; Público da Mesa "Gestualidade e
narratividade na música villalobiana" no auditório Olivier Toni (CMU); "Mesa redonda: Reinterpretando Villa" com Rodolfo
Coelho de Souza (USP-RP), Leopoldo Waizbort (USP-FFLCH) e Paulo de Tarso Salles (USP-ECA); “O Orfeão na Escola
Nova”: a sala de aula e o livro didático, pelo depoimento de uma ex-aluna de Villa-Lobos apresentado por Susana Cecilia
Igayara-Souza ( ECA/USP) [*foto extraída do site do evento – coordenado pelo pesquisador Paulo Salles].
15. Da Teoria TeMA informativo
Ano 2 n. 1 jan. 2018 15 TeMA informativo
RESUMOS/EMENTAS
Algumas sugestões por Gabriel Navia
Livros
Music at Hand: Instruments, Bodies, and
Cognition
Jonathan de Souza (Oxford University Press, 2017)
De flautas pré-históricas a órgãos de tubo e
sintetizadores digitais, podemos afirmar com segurança
que os instrumentos musicais são fundamentais para as
diversas culturas ao redor do mundo. Porém, de que
maneira estes instrumentos afetam a organização
musical? E como eles podem influenciar os corpos e
mentes dos intérpretes?
Este livro explora estas questões, mesclando teoria
musical, psicologia e filosofia. O estudo de um
instrumento permite o desenvolvimento de hábitos e
habilidades físicas, mas também possibilita o
estabelecimento de conexões entre regiões do cérebro
do intérprete relacionadas à audição e às habilidades
motoras. Tais ligações multissensoriais estão
fundamentadas em interfaces instrumentais
particulares, refletindo as maneiras pelas quais um
instrumento pode converter uma ação em um som e
coordenar os espaços físico e tonal. Estas conexões
podem moldar os processos de percepção, de
improvisação ou de composição. Isso significa que
pianos, violões e trompas não são simplesmente
ferramentas que produzem sons, mas tecnologias que
liberam possibilidades para a ação, a percepção e a
cognição musical. Ao logo do livro, o autor realiza
diversos estudos de caso, introduzindo novos métodos
para a análise da interação corpo-instrumento.
Foundations of Musical Grammar
Lawrence Zbikowski (Oxford University Press, 2017)
Nos últimos anos, muitos pesquisadores têm tentado
incorporar as descobertas recentes dos campos da
cognição e da linguística em suas metodologias. Neste
estudo, Lawrence Zbikowski apresenta uma ambiciosa
e ampla descrição dos fundamentos da gramática
musical, baseando-se em pesquisas recentes sobre a
nossa capacidade cognitiva.
Gramática musical é compreendida neste estudo como
uma categoria da gramática de construção (construction
grammar) na qual elementos gramaticais são equivalentes
a pares forma-função. O autor propõe que a função
básica da música é oferecer analogias sonoras para
processos dinâmicos importantes em interações
culturais. Zbikowski se concentra em três processos:
aqueles relacionados às emoções, aos gestos
espontâneos que acompanham a fala e aos movimentos
da dança.
Music, Time, and Its Others: Aesthetic Reflections
on Finitude, Temporality, and Alterity
Roger Savage (Routledge, 2017)
Este livro explora a relação entre nossas experiências
temporais e o caráter expressivo da música.
Considerando conceitos contrastantes sobre a
temporalidade, o autor explica como a música
reorganiza as dimensões de nossas experiências ao
redefinir as fronteiras entre o temporal e o atemporal.
Roger Savage examina estilos musicais diversos,
revelando como as manifestações tonais das obras de
Bach, Coriolan, Debussy, Schoenberg, Messiaen e
Glass ampliam nosso entendimento sobre nossa
própria condição temporal. Reflexões sobre
temperamentos e sentimentos expressados pela música
são contrapostos por investigações filosóficas sobre a
relação entre a capacidade da música de nos mover
emocionalmente e a força que o presente impõe sobre
iniciativas que tomamos.
The Dawn of Music Semiology: Essays in Honor
of Jean-Jacques Nattiez
Jonathan Dunsby and Jonathan Goldman (Eds.)
(University of Rochester Press, 2017)
Apesar de suas quase cinco décadas de existência, a
semiologia musical, ou semiótica musical, constitui um
campo ainda jovem e vibrante. Este livro é destinado a
leitores que queiram explorar o significado da música e
compreender as diversas maneiras de apreciar as
complexidades que estão por trás de sua beleza e seu
impacto sobre nós. Seguindo o prefácio de Pierre
Boulez, os nove capítulos do livro discutem as
pesquisas mais recentes sobre a música e o gesto, a
psicologia da música, e o papel da etnoteoria. O livro
oferece novas perspectivas sobre diversos tópicos, tais
como a espacialização na escola de Darmstadt, a
concepção de Schenker sobre o conteúdo musical, o
modernismo compositivo de Wagner a Boulez, a
terminologia teórica atual e o uso da música folclórica
em obras seriais de Bruno Maderna.
Da Teoria TeMA informativo
16. Da Teoria TeMA informativo
Ano 2 n. 1 jan. 2018 16 TeMA informativo
Artigos
O conceito de ethos na música da antiguidade
clássica grega
Orfeu, v.2, n.1, p. 203-225, jul. 2017.
Tales Pimentel Portugal e Antenor Ferreira Correa
No presente texto, apresentamos considerações sobre
o conceito de ethos no ideário da Antiguidade Clássica.
Duas obras foram tomadas como ponto de partida para
essas considerações: A república de Platão e A política de
Aristóteles. A partir do confronto entre esses dois
filósofos foi possível discorrer sobre a maneira como
concebiam a transmissão de emoções e o impacto no
caráter dos cidadãos causado pela música, bem como a
transformação do posicionamento de ambos em
relação à função da música na sociedade. No âmbito
dessa argumentação, concluímos que a compreensão
mais ampla do conceito de ethos é primordial para o
entendimento do pensamento musical dos autores e
compositores desde a Antiguidade Clássica até, no
mínimo, a Renascença.
A gradação e sua relação com as estruturas do
discurso, as formas visuais e os processos musicais
ARJ, v. 4, n. 1, p. 1-20, jan./jun. 2017.
Claudio Horacio Vitale
O presente artigo traz diversas teorizações sobre o
conceito de gradação em áreas como a retórica, a
literatura, as artes visuais e a música. Indicam-se pontos
em comum e diferenças entre os assuntos abordados
tomando como base ideias do escritor Allan Poe, do
compositor György Ligeti e de outros autores que
discorrem sobre estruturas do discurso e formas
visuais.
Aproximaciones al pensamiento analítico de
Domingo Santa Cruz
Resonancias, v. 21, n. 41, p. 121-143, jul./nov. 2017.
Gonzalo Martínez y José Miguel Ramos
O artigo apresenta um estudo sobre as características
do pensamento analítico daquele que foi o primeiro
professor universitário de análise musical no Chile:
Domingo Santa Cruz. Apresentamos evidência da
influência de Jules Combarieu, Vincent d’Indy e Hugo
Riemann no pensamento do compositor, além de suas
concepções metafóricas e teóricas. Dado que Santa
Cruz não deixou escritos teóricos sobre a análise, nesta
pesquisa recorremos às suas memórias, seus artigos
analíticos – especialmente sobre Bach e Beethoven – e
ao ensaio de Gustavo Becerra Crisis de la ensañanza de la
composición en Occidente. Finalmente, ressaltamos que esta
linha de investigação abre as portas para um estudo
sobre a ideologia estritamente musical na academia
chilena do século XX com referência à teoria e à análise
musical.
Schenker Fließender Gesang and the concept of
melodic fluency
Orfeu, v.2, n.1, p. 160-170, jul. 2017.
Nicolas Meeùs
O conceito de fluência melódica é importante na teoria
schenkeriana. William Pastille (1990: 71-72) demonstra
que esta noção, apresentada pela primeira vez no
primeiro volume de Kontrapunkt, deu início ao
desenvolvimento do conceito de Ursatz. O
conhecimento do princípio de fluência melódica,
acrescenta ele, permite duas habilidades: “a habilidade
de evidenciar movimentos melódicos de longo alcance
e a habilidade de revelar padrões contrapontísticos
fundamentais, as quais se tornaram os pilares de sua
abordagem analítica”. Allen Cadwallader e William
Pastille (1992, p. 120) confirmam que Schenker
“introduziu formalmente” o conceito de fluência
melódica em Kontrapukt I e o definiu como
“essencialmente um nome para a boa condução
melódica em contraponto estrito”. Neste artigo,
Nicolas Meeùs discute a origem do conceito de fluência
melódica, sua presença em tratados do século XVIII e
XIX e suas implicações dentro da teoria schenkeriana.
Villa-Lobos e sua brasilidade: uma abordagem a
partir da teoria das marcações (markedness) de
Hatten
Revista Portuguesa de Musicologia, nova série, v. 4, n. 1, p.
67-82, 2017.
Paulo de Tarso Salles
Este trabalho se propõe a investigar aspectos de
representação de elementos nacionais na música de
Villa-Lobos, empregando como método de trabalho os
conceitos de música brasileira desenvolvidos por
Renato Almeida e Mário de Andrade na primeira
metade do século XX, em conjunto com teorias de
significação musical mais recentes de Robert Hatten. A
partir desses dados, é feita uma proposta de
classificação de gêneros musicais expressivos
brasileiros.
17. Da Análise TeMA informativo
Ano2 n. 1 jan. 2018 17 TeMA informativo
RESUMOS/EMENTAS
Algumas sugestões por Gabriel Navia
Livros
Villa-Lobos, um compêndio: novos desafios
interpretativos
Paulo de Tarso Salles e Norton Dudeque. (Orgs.)
(Editora UFPR, 2017)
Organizado pelos pesquisadores Paulo de Tarso Salles
e Norton Dudeque, este livro representa um marco na
produção bibliográfica sobre o compositor. Ele é
resultado do trabalho do grupo de pesquisa
PAMVILLA (Perspectivas Analíticas para a Música de
Villa-Lobos) e, naturalmente, reflete o perfil
interdisciplinar do grupo, abordando a obra do
compositor de pontos de vista diversos, dentre eles o
musicológico, etnomusicológico, sociológico,
semiótico, teórico e analítico. O compêndio está
organizado em três partes: a primeira traz dois artigos
que discutem a figura do indígena dentro do universo
villalobiano; a segunda inclui desde pesquisas históricas
e análise documental até estudos que exploram a
gestualidade, retórica, narratividade e o uso de
estratégias expressivas na obra do compositor; a
terceira parte contém artigos dedicados ao estudo da
estrutura e linguagem musical, abordando o papel da
simetria, a importância do pentatonismo, as relações
entre estrutura harmônica e representatividade, e a
forma sonata nos quartetos de cordas. Este é um
trabalho de fôlego que certamente será tomado como
referência por pesquisadores, intérpretes, professores e
estudantes interessados na música de Villa-Lobos.
Tonality Since 1950
Felix Worner, Ullrich Scheideller e Philip Rupprecht.
(Eds.) (Franz Steiner Verlag, 2017)
Este livro documenta o debate atual sobre um dos
recursos técnicos e artísticos mais fundamentais da
música, sua utilização e relevância durante a segunda
metade do século XX. O reflorescimento recente da
tonalidade – em suas mais diversas manifestações –
contribuiu para atenuar o destaque dado a leituras
históricas que enfatizavam de forma demasiada sua
dissolução por volta de 1910, estimulando assim a
discussão sobre as bases acústicas e teóricas da música,
bem como seus significados culturais e metafísicos mais
amplos. Este livro oferece uma nova perspectiva sobre
as diversas práticas tonais recentes, incluindo estudos
sobre a música de Hindemith, Beatles, Reich, Saariaho,
dentre outros.
Metamorphosis in Music: The Compositions of
György Ligeti in the 1950s and 1960s
Benjamin Levy (Oxford University Press, 2017)
A partir da metade da década de 1950 até o fim da
década de 1960, o compositor húngaro György Ligeti
passou por um período de transição estilística que
incluiu desde simulações do estilo de seu compatriota,
Béla Bartók, ao desenvolvimento de um estilo próprio,
integrando a linha de frente da vanguarda europeia.
Através do estudo detalhado de esboços e da análise de
obras completas, Benjamin Levy investiga com
profundidade este processo, examinando, além de
obras-primas como Atmosphères, Aventures, seu Requiem,
e o Concerto de Câmara, obras pouco conhecidas e não
publicadas. Ao longo do livro, o autor relaciona os
estudos dos esboços com comentários de entrevistas,
equilibrando a narrativa pública cuidadosamente
construída pelo compositor sobre seu próprio trabalho
e revelando aspectos do processo criativo e seu
interesse por formas tradicionais.
Time in the Blues
Julia Simon (Oxford University Press, 2017)
Espontaneidade, imediatismo e sentimento
caracterizam o blues como um gênero. Quer seja o
movimento de pergunta e resposta, as curvas e
lamentos expressivos da voz e dos instrumentos ou o
relacionamento colaborativo entre público e
intérpretes, o blues incorpora uma espécie de estética de
“viver no momento”. Ao mesmo tempo, o blues sempre
respondeu de forma única ao seu momento histórico,
com suas características formais, figuras e dispositivos
emergindo diretamente de suas relações sociais.
O livro apresenta uma análise interdisciplinar das
formas específicas de temporalidade produzidas e
refletidas pelo blues. Ao examinar como o tempo é
representado, apresentado, e percebido, Julia Simon
discute como as condições dos materiais puderam
moldar o gênero no início do século XX. Os aspectos
técnicos do blues – ostinatos, ciclicidade, improvisação,
pergunta e resposta – emergem e tratam das relações
econômicas, sociais e políticas da era Jim Crow. Através
desta análise temporal, a autora aborda como o
momento na performance se relaciona com a
localização do gênero na história, examinando
cuidadosamente interpretações e recepções históricas
do blues de 1920 até os dias de hoje. A partir da análise
da estrutura temporal do gênero, a autora avança para
questões mais amplas sobre desejo, agência, auto-
definição, fé e formas de resistência.
Da Análise TeMA informativo
18. Da Análise TeMA informativo
Ano2 n. 1 jan. 2018 18 TeMA informativo
Artigos
Deslizando na Canção? O caso das harmonias
maiores por tons descendentes
Revista Vórtex, Curitiba, v.5, n.3, p.1-33, 2017.
Sergio Freitas
Trata-se aqui de harmonias que, em modo maior, geram
sucessões por tons descendentes, tal como ocorre
quando tocamos: Dó maior, Sib maior e Láb maior.
Como interpretar a funcionalidade dessa harmonia?
Qual a incidência, a vigência e os limites dessas
sucessões? Quais conotações e temáticas se associam a
esse deslizar de acordes? Procurando articular questões
assim, comentam-se casos da música popular produzida
no Brasil (bossa nova, MPB e choro), do internacional
repertório estadunidense (Tin Pan Alley e Jazz), e da
música europeia do século XIX (Schubert, Chopin,
Liszt, Berlioz, Bizet e Fauré). Tais casos são
prontamente percebidos como oriundos de épocas e
lugares desiguais e, mesmo assim, permitem algum
paralelo, posto que empregam tais sucessões de
maneira consideravelmente semelhante. Observa-se
por fim que a atenção aos recursos harmônicos pode
contribuir nas reflexões acerca de trânsitos e
resistências sócio culturais e assim, estimular o debate
acerca da noção de famílias de canções.
O Quarteto de Cordas n. 8 (1944) de Villa-Lobos:
neoclassicismo e invenção
Orfeu, v. 2, n. 1, p. 68-97, jul. 2017.
Paulo de Tarso Salles
A estrutura formal dos quatro movimentos do Quarteto
de Cordas n. 8 (1944) de Heitor Villa-Lobos revela sua
preocupação com o reaproveitamento das formas
clássicas (forma-sonata, andante, minueto/scherzo e
rondó-sonata) em função da linguagem harmônica pós-
tonal desenvolvida pelo compositor ao longo dos anos
1920. Este estudo investiga a correlação entre harmonia
e forma interpretando as analogias aparentemente feitas
por Villa-Lobos para emular os pontos de articulação
formal no classicismo. O emprego de estruturas
peculiares de acordes, com recorrência de simetria
intervalar ao invés da tonalidade tradicional, levou à
aplicação de ferramentas derivadas da teoria dos
conjuntos, mais adequada a esta abordagem.
A arte do bem morrer: o discurso tópico na
Sinfonia Fúnebre de José Maurício Nunes Garcia
Revista Portuguesa de Musicologia, nova série, v. 4, n. 1, p.
33-66, 2017.
Diósnio Machado Neto
Na Oração Fúnebre do Frei António de Santa Ursula
Redovalho para as exéquias do Marquês do Lavradio,
ocorrida no Rio de Janeiro em 1791, há uma citação do
Livro dos Eclesiastes: “Cuida de um bom nome,
porque ele te será mais permanente do que mil tesouros
preciosos, e grandes”. Esta era a chave para o
entendimento da arte do bem morrer. O culto à boa
morte, ou ao bonfim, substanciou-se na cultura luso-
brasileira se transformando em um espaço de intensa
fruição do imaginário coletivo. As irmandades da boa
morte, as igrejas do bonfim, as cerimônias fúnebres,
enfim, tudo o que envolvia o passamento era um espaço
de articulação simbólica, assim como determinação de
zonas de influência e poder. O objetivo desse artigo é
observar a partir do conceito da significação musical
como uma composição, no caso a Sinfonia Fúnebre do
Padre José Maurício Nunes Garcia de 1790, representa
musicalmente esse conceito. É também um texto para
afirmar o alinhamento do pensamento galante na
colônia brasileira. Especificamente, por esta obra trato
de observar a expressão musical através de um jogo de
estruturas tópicas de tradição europeia; a forma do
discurso definida dentro de uma lógica de construção
dos argumentos por tropificação – a composição sobre
a “mescla” de tópicas; a forma musical alterada pelas
necessidades da expressão retórica; e o uso dessa
estrutura como discurso, veiculando a ideia do «bem
morrer».
The City and the Country in Villa Lobos’s Music:
Musical Topics, Rhetoricity and Narrativity in the
Prelude to the Bachianas Brasileiras n.2
Revista Portuguesa de Musicologia, nova série, v. 4, n. 1, p.
83-100, 2017.
Acácio Piedade
Neste artigo, analiso o Prelúdio de Bachianas Brasileiras n.
2 de Heitor Villa-Lobos segundo a perspectiva da teoria
dos tópicos. Proponho, como ponto de partida,
algumas questões teóricas relacionadas com a teoria dos
tópicos e retoricidade, intertextualidade e narratividade
musical. Após uma breve contextualização histórica da
obra, desenvolvo alguns comentários analíticos sobre as
várias secções do Prelúdio. Em conclusão, apresento
uma abordagem cultural dessa análise, propondo uma
interpretação da obra que complementa os dados da
análise com a teoria da narratividade.
Neste número, as seções “Da Teoria e “Da Análise”
foram reservadas para a divulgação de materiais
publicados em 2017. Sugestões são muito bem-vindas e
deverão ser direcionadas para o e-mail do editor da
seção: gabrielnavia@unila.edu.br (.)