4. Sentença de vida
Sentença de vida
Sem dúvida, a vida traz no seu cerne espécie de sentença prolatada por Deus.
Os processualistas costumam dizer que a sentença é declaratória quando declara
um direito. É constitutiva quando constitui um direito, e é condenatória quando
impõe uma obrigação.
Na realidade,toda e qualquer sentença tem um desses conteúdos de maior evidência,
subsistindo os demais em grau menor.
A sentença da vida não foge à regra: é declaratória por declarar que o indivíduo nasce
para servir. É constitutiva por constituir o próprio direito à vida, e é condenatória
por conter apenação divina: comerás o pão com o suor do teu rosto.
(autor desconhecido)
5. Homenagem
Homenagem
Maria Célia Feital do Carmo,
Foi num dia de agosto que seus olhos fecharam.E que a dor que parecia sem remédio
se instalou dentro de nós. Sua presença se mantém ao nosso lado. E nos leva no
caudal da existência e nos dá forças para lutar e sonhos para sonhar.
Há sempre na vida um momento trágico, porém belo. Para nós, foi exatamente esse.
Trágico pelo sofrimento que nos abatia. Belo pela certeza de que existe a eternidade
se desdobrando na lembrança e se renovando na saudade.
Ficará na nossa memória sua inesquecível figura.
6. Dedicatória
Dedicatória
Ao Professor José dos Santos Carvalho Filho, valoroso expoente da Ciência Ju-
rídica contemporânea.
À Desembargadora Letícia de Faria Sardas, em todo seu conteúdo humano e
espiritual.
Aos Desembargadores doTJ do Rio de Janeiro,AndréGustavoCorrêadeAndrade,
Antonio Saldanha Palheiro, Gilberto Pereira Rêgo, Carlos Santos de Oliveira,
Cherubin Helcias Schwartz Junior,Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho,Mário
Guimarães Neto, Sérgio Cavalieri Filho, exemplos de vida, de persistência, de
tenacidade, de generosidade, de contemporização e, sobretudo, de amor, porque
somente a conjugação desses sentimentos, aliada à compreensão, à polidez, é capaz
de conduzir ao êxito, onde somente predomine a alegria do cumprimento de uma
missão.
Ao Juiz Werson Franco Pereira Rêgo – de quem recebi sólidos ensinamentos,
principalmente no campo da convivência humana.
Ao Professor Luiz Oliveira C. Jungstedt, pela colaboração imprescindível na
cessão dos gráficos – resumo, e aos professores Mauro Dias, Leandro Velloso,
coordenadores da PUC/RJ.
Ao Desembargador Murilo Andrade de Carvalho
Sob a comoção, ainda, de seu falecimento recente, cujos sábios conselhos tanto
contribuíram para ampliar, melhorar o presente trabalho e cujo exemplo, de vida
santa e perfeita,para edificação nossa,tão profundamente se agravou em nosso afeto.
A força de seu caráter, a grandeza de sua personalidade, a sua luminosidade, a sua
beleza interior fizeram de você uma pessoa INESQUECÍVEL.
7. O Autor
O Autor
José Maria Pinheiro Madeira
Mestre em Direito do Estado, doutor em Ciências Jurídicas e Sociais, doutor em Ciência Política e Administração
Pública e pós-graduado no exterior. Foi Procurador do Legislativo (aposentado). É parecerista muito requisitado na área do
Direito Administrativo.Integrou diversas bancas de Concurso Público.Membro Integrante da Banca Examinadora de Exame
da Ordem dos Advogados do Brasil. Membro de diversas associações de cultura jurídica, no Brasil e no exterior. Professor
Emérito da Universidade da Filadélfia. Professor-palestrante da Escola da Magistratura do Rio de Janeiro – Emerj. Professor
Coordenador de Direito Administrativo da Universidade Estácio de Sá. Professor da Fundação Getúlio Vargas. Professor
integrante do Corpo Docente do Curso de Pós-Graduação em Direito Administrativo da Universidade Cândido Mendes, da
Universidade Gama Filho e da Universidade Federal Fluminense. Membro Titular do Instituto Ibero-Americano de Direito
Público. Membro Efetivo do Instituto Internacional de Direito Administrativo. Presidente da Comissão Nacional de Direito
Administrativo.
É autor dos livros Administração Pública – Tomo I (10a
edição); Administração Pública – Tomo II (11a
edição); Servidor
público na atualidade (8a
edição); Comentários à Lei de Licitação e Contratos Administrativos Interpretados pelos Tribunais; A ques-
tão jurídica-social da propriedade e de sua perda pela desapropriação (esgotado), Casos concretos de direito administrativo; Estatuto
da Cidade – Lei no
10.157 – Comentários; Comentários à Lei de Improbidade Administrativa (esgotado); Comentários à Lei
de Responsabilidade Fiscal (esgotado); Desapropriação, institutos afins (esgotado); Exame de Ordem – Segunda Fase – Direito
Administrativo (4a
edição).
Colaborador das seguintes publicações jurídicas: Revista Pró-Ciência, Revista Ibero-Americana de Direito Público,
Revista Forense, Revista Fórum, Revista da EMERJ, ADV Advocacia Dinâmica, e Revista de Informação Legislativa.
8. Nota à 11
Nota à 11a
a
edição
edição
A grande procura que este livro tem despertado na comunidade jurídica, a sucessivas edições, em menos de dois anos,
ratifica a responsabilidade e a honestidade intelectual.
Trata-se de obra de grande atualidade. É destinada ao esclarecimento e à orientação dos que anseiam por ensinamentos,
sobretudo práticos. Portanto, uma obra que visa capacitar o teórico e a sobrevivência da prática.
O autor teve o máximo cuidado em usar uma linguagem simples de modo a permitir uma assimilação rápida, adotando
uma sistemática de desenvolvimento gradual, sem fracionamento do raciocínio.
Todos os capítulos foram revisados, em função das atuais decisões dos nossos Tribunais, das normas administrativas
recentes e Emendas à Constituição Federal, bem como do advento da Lei Complementar no
123: instituiu o Estatuto Nacional
à Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte; Lei no
11.481: dispõe sobre Terras Públicas, determinaram modificações e
acréscimos substanciais a esta décima edição. A tarefa de atualização foi integralmente cumprida, mas sem prejuízo à estrutura
original, conservando, no entanto, o espírito, a estrutura e a visão dos institutos que caracterizam a obra, desde a sua elaboração.
Portanto, continua sua essência prática e funcional.
Como magistralmente frisa o ex-Presidente doTribunal de Justiça do Rio de Janeiro,Des.Sérgio Cavalieri Filho,podemos
dizer, igualmente, que o Direito – para nós – é instrumento de trabalho, e não tertúlia acadêmica. É, simultaneamente, teoria,
prática, realidade e vivência. A prática é a alma do Direito. Concentra-se em questões doutrinárias e evolui para os problemas de
ordem prática,tecendo uma análise crítica da doutrina e da jurisprudência existentes sobre este tema que suscita tantas controvérsias.
Neste trabalho se conjugam os termos do binômio teoria versus casos concretos, os quais são estribados em casos que
acontecem no dia a dia, sem perder de vista, por um único instante, o sentido, a utilidade, a razão de ser dos estudos teóricos.
Prática nada mais é que a aplicação de conhecimento teórico. A teoria é a alma, a prática, o corpo. Ambas são elementos que
se integram para formar um todo, o qual permite o exercício do pesquisador com êxito. Esta é uma verdade inconteste. Graças
a isto a leitura destas práticas é palpitante, cheia de vida, rica em advertências, descarnando as controvérsias entre tendências
doutrinárias e noticiando a orientação jurisprudencial ilustrativa dos vários subtópicos focalizados.
O presente livro não perde tempo com dissertações inúteis, destinadas a exibir erudição ou a engordar o seu volume.
Cada tópico recebe o tratamento justo, com a extensão necessária. É simples manual, mero instrumento de utilização imediata
na busca de solução para os casos de maior frequência.
Procurou o autor contribuir com um estudo doutrinário, prático e didático, dotado de coerência e funcionalidade que
deu conteúdo a esse nosso estudo.
Em seu livro, após uma análise dos Princípios, adentra os Poderes da Administração Pública e, de forma mais eficaz, enfoca
a teoria do ato administrativo, com maestria, finalizando com Licitação e Contratos e Bens Públicos.
Foram adicionados, através de uma seleção rígida e cuidadosa, acórdãos e jurisprudências recentes, com o objetivo de
consolidar os entendimentos dinâmicos e atuais, mostrando amplidões de maneira prática, dinâmica e atraente.
Manda-nos os ditames de nossa consciência, num preito de gratidão, agradecer aos juristas consagrados, aos desembar-
gadores dos nossos Tribunais e aos membros do Ministério Público pelas citações e referências extraídas do nosso livro. Isso
nos envaidece, encoraja e incentiva a novas pesquisas.
Sensibilizados, agradecemos aos Professores Humberto Theodoro Júnior, Celso Antônio Bandeira de Mello, Jessé
Torres, Luís Roberto Barroso, José dos Santos Carvalho Filho, o Ministro Marco Aurélio pela generosidade dos elogios. Em
especial ao Ministro Marco Aurélio, do STF, pela indicação da obra junto à biblioteca do Supremo Tribunal Federal.
O autor dispensa apresentação. É exímio parecerista, hoje, muito requisitado. Mestre incomparável, consagrado, orna
a melhor estirpe dos modernos juristas nacionais, mercê de invejável talento, primorosa cultura, respeitado pelos seus pares e
idolatrado pelos seus alunos da Emerj, da Escola do Ministério Público e da Universidade Estácio de Sá.
Auguramos, assim, a obra tenha uma acolhida desejável, e que seus frutos se enriqueçam e se propaguem.
Jansen Amadeu do Carmo Madeira
Juiz de Direito do TJ/RJ
9. Prefácio
Prefácio
Com grande satisfação recebi o convite do Professor José Maria Pinheiro Madeira, para prefaciar o seu brilhante tra-
balho, que recebe o título de Administração Pública Centralizada e Descentralizada.
O presente estudo,da lavra do ilustrado Mestre em Direito do Estado e Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais,Professor
de Direito Administrativo da Universidade Estácio de Sá, Professor da Faculdade de Direito do Centro Universitário Moacyr
Sreder Bastos, Professor dos Cursos de Licitações e Contratos Administrativos do Tribunal Regional Federal, Professor da
Fundação Getulio Vargas e Professor do Cepad, demonstra toda a atualidade e evolução do Direito Público, que como todo
ramo da ciência não é estático, evoluindo a cada dia.
Trata-se, portanto, de cuidadosa análise científica dos temas envolvidos, na qual o autor praticamente esgota os diversos
desdobramentos do Direito que envolve a Administração Pública como um todo, sem se descuidar dos componentes novos.
A obra está totalmente atualizada,contendo as modificações introduzidas por todas as Emendas Constitucionais.Foram
feitas atualizações ante a incomensurável produção acadêmica e normativa mais recente.
O autor procurou desenvolver um estudo que não se limitasse apenas a reproduzir dados ou à mera preocupação te-
órica, sem visão de qualquer alcance prático. Então, todo o enfoque procura valorizar as posições consolidadas da doutrina e
das mais atuais jurisprudências. E ao perceber divergências na matéria, o autor indicou qual deveria ser a linha de raciocínio
a ser adotada, em consonância com as mais recentes decisões do STJ e do STF. Portanto, foram adicionados, através de uma
seleção rígida e cuidadosa, acórdãos e jurisprudências recentíssimas, com o objetivo de consolidar os entendimentos dinâmicos
e atuais, mostrando amplidões de maneira prática e atraente.
Constitui estudo e pesquisa úteis a todos os cultores do Direito,tais como:juizes,advogados,administradores,estudantes,
procuradores, promotores e estudiosos de questões jurídicas.
Por certo que neste campo do Direito existem grandes administrativistas, com obras ricas e profundas. Todavia, tanto
o subscritor do presente trabalho quanto o conteúdo do mesmo se engajam nesta gloriosa jornada do “palco do saber”, onde
a Administração Pública Direta e Indireta são tratadas como devem ser, ou seja, em todas as suas vertentes, para que o leitor
possa extrair as respostas certas e necessárias de suas dúvidas.
Não se descuidou o Professor Madeira de abordar também os princípios expressos e implícitos da Administração Pública,
facilitando sobremaneira o estudante na busca de um perfeito aprendizado.
Os fatos, atos administrativos, licitações e contratos também são tratados com precisão cirúrgica, onde o autor de-
monstra todo o enredo legal que deve nortear o administrador público, quando, em nome da Administração, pratica atos para
movimentar a máquina estatal.
Com certeza,a impressão de todos quantos se dediquem à área do Direito Público,ou do Direito em geral,será a mesma
que tive ao terminar a leitura da obra: a de que não só pela importância dos temas nela examinados, como pela visão crítica e
moderna do autor, não pode a obra do Prof. Madeira deixar de ser fonte de consulta quando tivermos que enfrentar o desafio
das intrincadas questões que ladeiam o Direito Administrativo.
O Professor Madeira, ilustre administrativista, com o presente livro, consolida o seu nome, definitivamente, no cenário
jurídico, pois apresenta ótima fonte de consulta, com respostas rápidas e eficazes.
Rogério Vieira de Carvalho
Desembargador Federal do TRF- 2a
Região
10. Capítulo 1
Princípios da
Administração Pública
Introdução
Toda sociedade é regida por determinados valores
que lhe são inerentes. A visão de mundo e o ethos1
cons-
tituem-se nos fundamentos basilares que se refletem em
sua manifestação num determinado momento histórico
e contexto sociocultural.
A sociedade, diferentemente da comunidade, de for-
mação espontânea – regida pelo Direito Natural – tem
formação voluntária, regida pelo Direito Positivo. A
vontade refletida, produto do pensamento lógico, domi-
na a ideia de finalidade – princípio teleológico – formal
e institucional. Estruturada por um poder dominante, é
regida por um contrato, cujas leis encontram sua pleni-
tude nos fins sociais. Assim, interpretar uma lei impor-
ta em compreendê-la em seu contexto social, conside-
rando-se precipuamente sua finalidade social. Cabe ao
hermeneuta contemporâneo identificar a finalidade da
lei, levando em conta a estrutura de suas significações
particulares em sua natureza dialética entre o todo da lei
e as partes em que se visa a seus artigos e preceitos, à
luz dos objetivos visados. Portanto, a compreensão da lei
refere-se sempre à interpretação teleológica.
Para que exista uma sociedade, é fundamental que
haja uma comunhão de valores regida pelo ethos e a vi-
são de mundo, pois estes lhe darão o arcabouço, per-
mitindo-lhe a manifestação. Os valores, portanto, são
construções que devem ser vistas por meio do confronto
das partes com o todo e vice-versa – indivíduo/socieda-
de e lei/partes (artigos e preceitos) – e deverão ser enten-
didos dentro de uma visão dialética, com objetivos bem
definidos, propiciando-lhes o esclarecimento recíproco,
como é comum no estudo de qualquer estrutura social.
Cabe ao Direito a administração e operacionalização
desses valores. O Direito, em seu propósito de realizar
a justiça, buscará operacionalizar esses valores. A partir
daí, surge o ordenamento jurídico como um conjunto
de normas que expressam os valores da sociedade.
Os princípios jurídicos representam os valores ma-
teriais eleitos pela própria sociedade como justiça; e é
a partir desses valores que esses princípios se erigem.
Ronald Dworkin os define como um standard, que há
de ser observado por ser uma exigência da justiça, da
equidade ou de alguma outra dimensão da moralidade.2
O Direito, em sua essência, é um poder moral, isto é,
um poder que se baseia na razão e na lei moral. Opõe-
se, assim, ao poder físico, que se baseia na força. A força,
certamente, pode ser justa, mas não é o Direito. A justiça
consiste na vontade firme e constante de dar a cada um
o que lhe é devido.3
Direito e dever estão ligados pela moralidade. En-
quanto o direito é um poder moral, o dever é uma obri-
gação moral de fazer ou não fazer alguma coisa. A essên-
cia do dever é uma necessidade moral de tal ordem que
a vontade não pode fugir a ele sem perturbar a ordem da
razão, ou violar o direito de outrem. Portanto, a justiça
funciona como corolário entre o direito e o dever.
Como proposições primárias do direito, esses precei-
tos estão vinculados aos valores fundantes da sociedade,
que exprimem o que por ela foi eleito como sendo o
justo.
Neste sentido, nos ensina Zagrebelsky:
Desde su punto de vista, el positivismo jurídico tenía ra-
zones para preocuparse, aun cuando los princípios esta-
blecidos por la Constitución no son, desde luego, derecho
natural. Tales principios representan, por el contrario, el
mayor rasgo de orgullo del derecho positivo, por cuanto
constituyen el intento de “positivizar” lo que durante si-
glos se había considerado prerrogativa del derecho natural,
a saber; la determinación de la justicia y de los derechos
1
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Koogan S.A., 2005, p. 144. “Na discussão antropológica recente, os aspectos
morais (e estéticos) de uma dada cultura, os elementos valorativos, foram resumidos sob o termo ethos, enquanto os aspectos cognitivos,
existenciais foram designados pelo termo visão de mundo. O ethos de um povo é o tom, o caráter e a qualidade de sua vida, seu estilo moral
e estético, e sua disposição é a atitude subjacente em relação a ele mesmo e ao seu mundo que a vida reflete. A visão de mundo que esse
povo tem é o quadro que elabora das coisas como elas são na simples realidade, seu conceito da natureza, de si mesmo, da sociedade.”
2
DWORKIN, Ronald. Los derechos en sereo. Tradução espanhola do original Taking Rights Seriously. Barcelona, 2006.
3
JOLIVET, Régis observa: “A justiça supõe, pois, duas condições necessárias: A distinção de pessoas em que existem correlativamente um
direito e um dever de justiça; A especificação de um objeto, que pertence a uma delas e que deve ser respeitado, devolvido ou restabelecido
em sua integridade pela outra” (Curso de filosofia. Tradução de Eduardo Prado de Mendonça. 8. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1991, p. 394).
11. 2
ELSEVIER
Administração Pública | José Maria Pinheiro Madeira
humanos. La Constitución, en efecto, aunque trasciende al
derecho legislativo, no se coloca en una dimensión inde-
pendiente di la voluntad creadora de los hombres y, por
tanto, no precede a la experiência jurídica positiva. La se-
paración de los derechos y de la justicia respecto de la ley
no significa, en consecuencia – como ocurre, en cambio,
en todas las manifestaciones del jusnaturalimo – su fun-
damentación en la esfera de un orden objetivo, intangible
para la voluntad humana: los derechos encuentran su base
en la Constitución y la Constitución es, por definición, una
creación política, no el simple reflejo de un orden natural;
más aún, es la máxima de todas las creaciones políticas.4
Os princípios constitucionais traduzem os direitos
do homem e os grandes princípios de justiça. Eles im-
põem ao legislador, à jurisprudência, à administração
e aos particulares a interpretação do Direito de acordo
com os valores por eles espelhados.
Em virtude de sua generalidade e caráter prima facie,
os princípios obrigam a adequação das normas secundá-
rias e das condutas aos valores que incorporam. As re-
gras jurídicas estabelecem o dever ser, ou seja, regulam
especificamente o comportamento e a conduta social;
dizem-nos como devemos agir em determinadas situa-
ções específicas, por elas próprias previstas. Já os prin-
cípios estabelecem direções em que deveriam situar-se
as normas. Assim, cabe aos princípios, enquanto propo-
sições fundamentais, orientar concretamente o Direito,
qualificando as normas dentro de determinados padrões
axiológicos.
Sobre o papel dos princípios no ordenamento jurídi-
co, Zagrebelsky nos ensina:
La realidad, al ponerse en contacto com el principio, se
vivifica, por así decirlo, y adquire valor. En lugar de pre-
sentarse como materia inerte, objeto meramente pasivo de
la aplicación de reglas, caso concreto a encuadrar en el
supuesto de hecho normativo previsto en la regla – como
razona el positivismo jurídico -, la realidad iluminada
por los principios aparece revestida de cualidades jurídi-
cas proprias. El valor se incorpora al hecho e impone la
adopción de “tomas de posición jurídica conformes com él
(al legislador, a la administracion, a los particulares y, en
general, a los interpretes del derecho). El “ser” iluminado
por el principio aún no contiene en sí el “deber ser”, la
regla, pero sí indica al menos la dirección en la que deberia
colocarse la regla para no contravenir el valor contenido
en el principio.5
É oportuna a transcrição, nesse passo, da magistral
lição de Diogo de Figueiredo Moreira Neto, para quem
“não há ciência sem princípios, fundando-se toda a
construção científica em proposições abstratas que são
introduzidas de um conjunto de normas”.
1. O Direito como regras e princípios
[...] mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro ali-
cerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre
diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo
de critério para sua exata compreensão e inteligência,
exatamente por definir a lógica e a racionalidade do siste-
ma normativo, no que confere à técnica e lhe dá sentido
harmônico.
Celso Antônio Bandeira de Mello
Para Carlos Ari Sunfeld, o ordenamento jurídico é
composto por duas espécies de normas – regras e prin-
cípios –, afirmando que a enunciação dos princípios que
compõem o sistema tem, em primeiro lugar, a função de
auxiliar o ato de conhecimento jurídico, pois são verda-
deiramente normas jurídicas, devendo ser tomadas em
consideração para a solução de problemas jurídicos con-
cretos. Conclui, então, que:
O princípio jurídico é norma de hierarquia superior às
das regras, pois determina o sentido e o alcance destas,
que não podem contrariá-lo, sob pena de pôr em risco
a globalidade do ordenamento jurídico. Deve haver coe-
rência entre os princípios e as regras, no sentido que vai
daqueles para estas.6
Em termos didáticos, o autor supramencionado
ainda evidencia a aplicação dos princípios no Direito,
cumprindo duas funções: interpretação das regras e col-
matação de lacunas (integração). Quanto à primeira, diz
o seguinte:
a) é incorreta a interpretação da regra, quando dela deri-
var contradição, explícita ou velada, com os princípios;
b) quando a regra admitir logicamente mais de uma
interpretação, prevalece a que melhor se afinar com os
princípios; c) Quando a regra tiver sido redigida de modo
tal que resulte mais extensa ou mais restritiva que o prin-
cípio, justifica-se a interpretação extensiva ou restritiva,
4
ZAGREBELSKY, Gustavo. El Derecho Dúctil. Ley, Derechos y Justicia. Traduzido por Marina Grecón. Madri: Trotta, 2005, p. 114.
5
ZAGREBELSKY, op. cit., p. 118.
6
SUNFELD, Carlos Ari apud ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de princípios constitucionais: elementos teóricos para uma formulação
dogmática constitucionalmente adequada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
12. 3
ELSEVIER Capítulo 1 | Princípios da Administração Pública
respectivamente, para calibrar o alcance da regra com o
princípio.
Quanto à segunda, diz que “na ausência de regra es-
pecífica para regular dada situação (isto é, em caso de
lacuna), a regra faltante deve ser construída de modo a
realizar concretamente a solução indicada pelos princí-
pios”, descartando a possibilidade da aplicação das re-
gras de forma isolada, podendo apenas fazê-la ao Direi-
to, como um todo, de forma una.
Ainda de acordo com esse mesmo autor, “existem
princípios implícitos e expressos no ordenamento”. Ou
seja, esses princípios estão profundamente inseridos no
sistema jurídico, e não fora dele. Para ele, “os princípios
implícitos são sacados do ordenamento, e não nele in-
seridos. Ambos têm igual importância e são verdadeiras
normas jurídicas”.
As regras e os princípios são caracterizados dentro
do conceito de norma jurídica. A distinção entre um e
outro é uma distinção entre dois tipos de normas. Am-
bos dizem o que deve ser, ainda que tenham por base
razões muito diferentes.
A principal diferença entre regras e princípios reside
em que os princípios impõem a realização de algo na
maior medida possível, dentro das possibilidades jurídi-
cas e reais existentes. Fazendo uso de uma expressão de
Alexy, os princípios são mandados de otimização que se
caracterizam pelo fato de que podem ser cumpridos em
diferentes graus, de acordo com as possibilidades reais
e jurídicas. Os princípios e regras opostos irão determi-
nar o âmbito das possibilidades jurídicas. Já as regras
somente podem ou não ser cumpridas; contêm determi-
nações no âmbito do fático e do juridicamente possível.
Se uma regra é válida, deve-se fazer exatamente o que
ela exige.
Outro ponto muito claro para a distinção entre re-
gras e princípios é quanto à ocorrência de uma colisão
de princípios ou um conflito de regras. Quando ocorre
um conflito de regras, este só poderá ser solucionado,
ou introduzindo-se em uma das regras uma cláusula de
exceção para eliminar o conflito, ou declarando inváli-
da pelo menos uma das regras. Não podem existir duas
regras jurídicas que impõem dois juízos concretos de
dever contraditórios e que sejam ao mesmo tempo vá-
lidas. Para Dworkin, as normas (regras) são aplicadas
diretamente. Há casos em que a regra pode ter exceções,
devendo-se, nesses casos, listá-las uma a uma – pois é
teoricamente possível enumerá-las em enunciado nor-
mativo – e, quanto mais listarmos, mais completa será
a proposição.
Por exemplo, se uma norma (regra) afirma que um
testamento para ser válido deverá ser assinado por três
testemunhas, não poderá ser válido um testamento assi-
nado por duas. Se houver exceções a esta norma (regra),
elas deverão ser listadas no próprio corpo do enunciado
normativo, o que é, ao menos, teoricamente possível.
Assim, uma das exceções para a presente norma pode-
ria ser: “O testamento deve ser assinado por três teste-
munhas. Se o testador estiver hospitalizado, em estado
grave de saúde, o testamento deve ser assinado por duas
testemunhas.” Agora, se outra norma prescrever que o
testamento deve ser assinado por cinco testemunhas,
uma das duas normas será inválida.
As colisões entre princípios são solucionadas de ma-
neira totalmente distinta. Quando um princípio entra
em colisão com o outro, significa que um deles deverá
ceder ao outro, ou seja, ante a determinadas circunstân-
cias, um dos princípios irá preceder ao outro, o que não
significa que um deles será declarado inválido ou que se
introduzirá uma cláusula de exceção, mas, simplesmen-
te que, perante a determinadas circunstâncias aplicar-
se-á um princípio, quando forem outras as condições,
será outro o princípio a ser aplicado. O conflito entre
regras ocorre na dimensão da validez; a colisão entre
princípios se dá na dimensão do peso, uma vez que só
podem entrar em colisão princípios válidos.
Um exemplo de colisão de princípios dado por Ale-
xy, trata-se de um programa de televisão (ZDF) que
projetava a emissão de um documentário: O assassi-
nato de soldados em Lebach. Este documentário infor-
maria sobre o crime de quatro soldados do grupo de
guarda de um depósito de munições do Exército Fede-
ral perto de Lebach que foram assassinados enquanto
dormiam. Os assassinos tinham por objetivo o roubo
de armas com as quais se pensava realizar outros atos
delitivos. Uma pessoa que havia sido condenada por
cumplicidade nesse crime, e que estava para abandonar
a prisão, entendeu que a emissão desse documentário,
em que era expressamente mencionada e aparecia fo-
tografada, violava seu direito fundamental, sobretudo
porque comprometeria a sua ressocialização. Aqui se
verifica um conflito entre a proteção da personalidade e
da liberdade de informação. Esse conflito não será solu-
cionado declarando-se inválido um dos princípios, mas
por meio de uma ponderação. Uma vez que não há uma
precedência básica entre eles, nenhum deles possui uma
precedência absoluta. O Tribunal Constitucional alemão
decidiu no sentido de que a repetição de uma informa-
ção sobre um delito grave que não responde mais a in-
teresses atuais de informação, e que põe em perigo a
13. 4
ELSEVIER
Administração Pública | José Maria Pinheiro Madeira
ressocialização do autor, possui precedência à proteção
da personalidade ante à liberdade de informação e que
esta, nesse caso, está proibida.
Os princípios não contêm mandados definitivos,
mas somente prima facie. Um determinado princípio
pode valer para um caso concreto diante de determina-
das circunstâncias e para outro caso não. Quando um
princípio não prevalecer para um determinado caso, não
significa que não pertença ao sistema jurídico, porque
num outro caso, quando inexistirem tais considerações
contrárias, ou quando estas não tiverem o mesmo peso,
esse princípio poderá ser decisivo. Caso totalmente dis-
tinto é o das regras, que contêm uma determinação no
âmbito das possibilidades jurídicas e fáticas. Essa deter-
minação somente não será aplicada quando se verifica-
rem impossibilidades jurídicas ou fáticas, que podem
conduzir à sua invalidez. Se não ocorrer tal caso, aplica-
se exatamente o que diz a regra.
Nesse sentido, esclarece Alexy:
Los principios ordenan que algo debe ser realizado en
la mayor medida posible, teniendo en cuenta las posibi-
lidades jurídicas y fácticas. Por lo tanto, no contienen
mandatos definitivos sino sólo prima facie. Del hecho
de que un principio valga para un caso no se infiere
que lo que el principio exige para este caso valga como
resultado definitivo. Los princípios presentam razones
que pueden ser desplazadas por otras razones opues-
tas. El princípio no determina cómo há de resolverse
la relación entre una razón y su opuesta. Por ello, los
principios carecen de contenido de determinación com
respecto a los principios contrapuestos y las posibilida-
des fácticas.
Totalmente distinto es el caso de las reglas. Como las re-
glas exigem que se haga exactamente lo que en ellas se
ordena, contienen una determinación en el ámbito de las
possibilidades jurídicas y fácticas. Esa determinación pue-
de fracasar por imposibilidades jurídicas y fácticas, lo que
puede conducir a su invalidez; pero, si tal no es el caso,
vale entonces definitivamente lo que la regla dice.7
Para se aplicar os princípios jurídicos a um caso
concreto, torna-se necessário fazer-se uma ponderação
dos interesses em jogo. Devem-se analisar os valores que
cada princípio representa, as condicionantes de fato que
lhe permeiam e buscar a solução por meio da ponde-
ração realizada pelo intérprete. Em virtude de que os
princípios não nos fornecem respostas prontas, a res-
ponsabilidade dos juristas diante da concretização da
justiça vê-se ampliada, pois se valoriza o seu potencial
argumentativo.
Zagrebelsky acrescenta a necessidade da “razoabili-
dade” na realização dos princípios:
En el lenguaje que hoy suele usarse, esta atención a lo po-
sible en la realización de los principios se denomina “ra-
zonabilidad”: una discutible expresión para aludir a lo que
clásicamente se conocía como la “prudencia” en la trata-
miento del derecho.
Está claro que este modo de situarse frente al derecho
constituye solamente una actitud, una predisposición ha-
cia soluciones dúctiles que tomen en consideración todas
las razones que pueden reinvindicar buenos principios en
su favor. No es, en cambio, la “clave” para resolver todo
problema jurídico, como si tratase de una fórmula que per-
mitiera obtener la solución de un problema matemático.
Busca la respuesta más adecuada para las expectativas
legítimas y, por ello, está abierto al efrentamiento entre
todas las posiciones que remiten a principios vigentes en
el derecho... supone que hay que poner en marcha proce-
dimientos leales, trasparentes y responsables que permitan
confrontar los principios en juego y que hay que selecionar
una “clase jurídica” (en los órganos legislativos, judicia-
les y forenses, administrativos, etc.) capaz de representar
principios y no sólo desnudos intereses o meras técnicas.
Éstas son las condiciones para el triunfo de la prudencia
en el derecho.8
Cabe acentuar que, a partir da preponderância dos
princípios jurídicos, os operadores do Direito devem
agir atendendo à razoabilidade, que significa nada mais
que prudência e bom senso. Ao mesmo tempo em que
se concede um maior espaço de liberdade e argumen-
tação ao jurista, exige-se deste que aja com responsa-
bilidade na luta pelo maior objetivo e razão de ser do
Direito – a concretização da justiça.
Averbe-se, por mais, que os princípios encarnam a
síntese dos principais valores de uma sociedade, os valo-
res de uma ordem jurídica, sendo oportuna a colocação
feita pelo professor Miguel Reale ao proferir:
Os princípios consistem em enunciações normativas de
valor genérico que condicionam e orientam a compreen-
são do ordenamento jurídico para sua aplicação e integra-
ção e para elaboração de novas normas.
Então, recapitulando, princípios são ideias reitoras,
são mandamentos abstratos que dão harmonia, unidade,
ao sistema, que estabelecem, como no caso dos princí-
pios constitucionais, as opções ideológicas fundamen-
tais de uma determinada Constituição.
7
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Tradução espanhola. Madri: Centro de Estúdios Constitucionales, 2005.
8
ZAGREBELSKY, op. cit., p. 118.
14. 5
ELSEVIER Capítulo 1 | Princípios da Administração Pública
Portanto, não se nega aos princípios a sua força nor-
mativa. Embora eles tenham um maior grau de abstra-
ção, possuem a função, exatamente, de dar coerência, de
ser o fio condutor que estabelece uma lógica do sistema.
Então, os princípios suprem lacunas, auxiliam na solu-
ção de conflitos aparentes de normas constitucionais;
enfim, são uma espécie dentro do gênero normas jurídi-
cas, como bem assim são as regras, embora estas estabe-
leçam um fazer ou não fazer, tenham um maior nível de
concreção, uma maior densidade do que os princípios,
que têm um caráter mais aberto.
Uma diferença essencial é quando se vai solucionar
um conflito aparente entre princípios, quando este será
sempre resolvido no campo do valor, quer dizer, vai ser
aferido, no caso concreto, qual o princípio que tem o
maior peso e, a partir daí, vai-se aplicar aquele princípio,
sem cogitar de invalidar outro. É o que acontece com os
direitos fundamentais, que têm natureza de princípio.
No caso das regras isso não corre, é tudo ou nada, ou
elas são aplicadas ou não aplicadas. Então, o conflito
aparente de regras se soluciona pelo critério temporal ou
hierárquico, ou seja, quando se verifica uma incompati-
bilidade total entre duas regras, a única solução a que se
pode chegar é que uma é inválida, que uma foi revogada
pela outra.
Assim, a solução do conflito aparente entre regras se
dá no plano da validade, ao passo que a solução de con-
flito aparente entre princípios se dá no plano do valor.
A respeito da distinção entre regras e princípios, há
certo debate entre autores, visto que, para alguns, a úni-
ca diferença existente entre ambos estaria no grau de
abstração, não haveria diferença qualitativa entre eles.
Outra corrente, porém, cuja concepção é chamada de
concepção forte de princípios, defende que a diferença
é, sim, de natureza qualitativa. Ocorre que existe não
apenas uma diferença de abstração, mas também uma
diferença qualitativa, sendo esta concepção a que pre-
valece.
Conforme se vê, podem-se distinguir princípios de
regras a partir de uma série de critérios, aqui se apre-
sentando uma delas, adotada por Joaquim José Gomes
Canotilho:
a) pelo grau de abstração: embora não seja o único,
é ele um critério primordial, isto é, os princípios
são mais abertos, estão em uma dimensão mais
abstrata do que as regras, eles não disciplinam
situações jurídicas concretas, mas sim veiculam
proposições que são aplicadas a uma infinidade
de situações e, por isso, diz-se que eles são dota-
dos de um maior grau de abstração;
b) pelo grau de determinabilidade: está relaciona-
do ao grau de abstração, pois os princípios são
mais vagos do que as regras; eles não se referem,
de forma determinada, a situações concretas, sig-
nificando dizer que a diferença de grau de de-
terminabilidade está ligada à abstração. Então,
os princípios, para serem aplicáveis, vão carecer
de uma mediação concretizadora pelo legislador,
pelo Judiciário ou, eventualmente, até pelo Exe-
cutivo, na execução de uma política pública, ou
seja, demanda um mediador, um intérprete que
vai concretizar, que vai trazer aquele princípio de
um plano abstrato para um plano concreto, pois
são desprovidos de densidade semântica; é a ex-
pressa que se usa. Quando se fala de densidade
semântica, está se falando, exatamente, do grau de
determinabilidade. As regras têm maior densida-
de semântica do que os princípios.
Como exemplo, levanta-se a questão da relevância
e urgência das medidas provisórias, que são con-
ceitos vagos, indeterminados. Acontece que o fato
deles serem conceitos desprovidos de semântica
não quer dizer, necessariamente, que sejam eles
desprovidos de significado, que seja impossível
determinar, em certas circunstâncias, se existe ou
não urgência e relevância. Isto porque, mesmo
sendo vagos e indeterminados, estes conceitos
têm um conteúdo mínimo de significado, só que
ele se apresenta mais aberto, abarcando um maior
número de situações, ficando sujeito, portanto, a
uma maior discrição. Porém, mesmo figurando
como conceitos indeterminados, há necessidade
de se fazer uma ponderação, um balanceamento
de valores, uma vez que eles têm um conteúdo
mínimo, mas que não pode ser afastado. Confor-
me afirma Mauro Roberto Gomes de Mattos, “eles
deverão ser interpretados e seguidos fielmente,
sob pena de subversão da boa ordem legal, [...]”;9
c) pela fundamentalidade: tomados, aqui, num
sentido de importância mesmo, os princípios a
possuem na medida em que são eles que estru-
turam o sistema, daí Celso Antônio Bandeira de
Mello dizer que o princípio é, por definição, man-
damento nuclear do sistema. São eles os verda-
9
MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. O limite da improbidade administrativa: o direito dos administradores dentro da Lei no
8.429/1992. Rio
de Janeiro: América Jurídica, 2006, p. 67.
15. 6
ELSEVIER
Administração Pública | José Maria Pinheiro Madeira
deiros alicerces que dão sustentação, coerência,
lógica ao sistema jurídico. É nesse sentido que se
fala que os princípios têm caráter de fundamenta-
lidade, porque são eles estruturantes;
d) pela proximidade da ideia de direito: essa pro-
ximidade da ideia de direito está relacionada com
o fato de que os princípios estão radicados na
concepção de justiça, quer dizer, eles têm, na fi-
nalidade, de ser aplicados em favor da justiça. Por
serem abstratos, permitem uma ponderação que,
em última análise, significa a aplicação de valores
de justiça;
e) pela natureza normogenética: é essa natureza,
justamente, o fato de que os princípios consti-
tuem a base do sistema jurídico, possuindo várias
finalidades, como: dar harmonia ao sistema; ser-
vem na solução do conflito aparente entre nor-
mas constitucionais, ou seja, são mediadores na
solução desses conflitos; servem, também, como
informadores da produção jurídica. As leis, então,
vão ser produzidas com fundamento nos princí-
pios que estão estabelecidos na Constituição. Já as
regras estão, normalmente, radicadas num deter-
minado princípio; são elas especificações de um
determinado princípio.10
Contudo, há de se destacar que nem todos os prin-
cípios estão expressos na Constituição, existindo ou-
tros tantos que nela estão diluídos, implicitamente;
são decorrências lógicas de outros princípios, e da
própria ideia de Constituição, por serem fundamen-
tais para sua aplicação, como, dentre outros: o prin-
cípio da supremacia da Lex Mater – construção lógica
que se estabeleceu para preservá-la; o princípio da
razoabilidade/proporcionalidade – aquele implícito
decorrente do devido processo legal; o princípio da
segurança fiscal – um desdobramento que evoluiu do
princípio da segurança jurídica, que é voltado prin-
cipalmente à segurança da propriedade e ao respeito
às cláusulas contratuais; o princípio da interpretação
conforme a Constituição – ligado a outro, também
implícito, que é o princípio da presunção de constitu-
cionalidade das leis; isto é, havendo normas com vá-
rias interpretações possíveis, umas compatíveis e ou-
tras não com o Texto Maior, dar-se-á a interpretação
que for compatível a ele, para preservar a constitu-
cionalidade da norma; trata-se de princípios que es-
tão implícitos na lei, são normas principiológicas que
não necessitam estar expressamente nela escritos para
existirem, bastando, apenas, serem identificados pela
doutrina dominante, assim afirmando Joaquim Castro
Aguiar: “Os princípios não necessitam ser formulados
positivamente para que tenham existência como cate-
goria jurídica. Quando positivados chamam-se nor-
mas princípios.”11
Ocorre que, por ter o vocábulo princípio diferentes
significados, apesar de todos estarem interligados, sem-
pre relacionados a ponto de partida (origem, começo,
postulado, base, teorema, dogma etc.), a uma proposi-
ção diretiva, eles podem ser classificados sob vários cri-
térios, dos quais o mais comum é quanto ao seu grau de
abrangência, pautado na hierarquização de princípios,
assim o fazendo doutrinadores como J.J. Canotilho, que
os classifica em quatro categorias:
a) princípios jurídicos fundamentais: são aplicados
antes mesmo de se aplicar a Constituição; identi-
fica-se com o que chamamos de princípios gerais
do Direito, dando-se como exemplo o princípio
da segurança jurídica;
b) princípios políticos constitucionalmente confor-
madores: seriam as opções políticas nucleares, as
mais importantes que estão consagradas na Cons-
tituição, como, por exemplo, a forma e sistema
de governo, princípio democrático, princípio do
pluralismo político, que, se suprimidos da Cons-
tituição, na verdade, aniquilariam o texto consti-
tucional, descaracterizando-o;
c) princípios constitucionais impositivos: são aqueles
que determinam tarefas e estabelecem finalidades;
são programáticos e estabelecem ações do Estado,
ligados à ideia da Constituição dirigente;
10
Na visão de Canotilho: “Princípios são normas que exigem a realização de algo, da melhor forma possível, de acordo com as possibili-
dades fáticas e jurídicas. Os princípios não proíbem, permitem ou exigem algo em termos de ‘tudo ou nada’; impõem a optimização de um
direito ou de um bem jurídico, tendo em conta a ‘reserva do possível’, fática ou jurídica” (CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional.
Coimbra: Almedina, 2006, p. 545). No mesmo sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello adverte: “Violar um princípio é muito mais grave
que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo
o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque
representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e
corrosão de sua estrutura mestra” (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 15a
ed. refundida, ampl. e atual. até
a Emenda Constitucional no
45, de 19/12/2002, São Paulo: Malheiros, 2005, p. 818).
11
AGUIAR, Joaquim Castro. Competência e autonomia dos Municípios na nova Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 27.
16. 7
ELSEVIER Capítulo 1 | Princípios da Administração Pública
d) princípios de garantia: dentro da ideia de maior ou
menor abstração, são os que têm maior densidade
do que, por exemplo, os princípios políticos cons-
titucionalmente conformadores. São eles que esta-
belecem, diretamente, certas garantias e direitos,
não necessitando de intermediação legislativa para
lograrem concretização, dando-se como exemplo:
o princípio da presunção de inocência; o princípio
da legalidade estrita, em matéria penal e tributária;
o princípio do juiz natural; as garantias processuais
gerais estabelecidas na Constituição, como o con-
traditório e o devido processo legal.
Deixando sua contribuição, Luís Roberto Barroso
também classifica os princípios com base na sua ampli-
tude, de acordo com a esfera de sua aplicação, pois, para
este autor, não existe hierarquia jurídica em princípios
constitucionais e normas constitucionais, embora possa
se falar que existe certa hierarquia axiológica, valorativa;
quer dizer, certos princípios têm um poder de penetra-
ção, de aplicação, na ordem jurídica, maior do que ou-
tros, como, por exemplo, o princípio republicano, que
é aquele que vai permear toda a ordem jurídica; ele é
bem amplo. Outros, porém, são princípios restritos a
determinados setores da ordem jurídica, como o da livre
iniciativa, que é setorial, e está restrito à ordem econô-
mica. E é com base nessa amplitude que o autor faz a
seguinte classificação:
a) Princípios fundamentais: constituem as decisões
políticas estruturais do Estado; são as matrizes
de todas as outras normas constitucionais. Então,
seria de acordo com esses princípios que se faz a
opção política, como, por exemplo, entre Estado
unitário e federação, entre república e monarquia,
cabendo observar que a classificação de Barroso
está mais ligada ao grau de abrangência, ao pas-
so que a classificação de Canotilho faz referência
também ao grau de conteúdo.
Exemplo, diz o art. 1o
da Constituição que a “a Repú-
blica Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel
dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se
em Estado Democrático de Direito e tem como fundamento
[...]”, nele podem ser identificados o princípio republica-
no, que seria fundamental; o princípio do Estado Demo-
crático de Direito; o princípio da separação dos poderes
(art. 2o
); o princípio presidencialista (art. 73); o princípio
do trabalho e da livre iniciativa (art. 1o
, IV).
Observa-se que a noção de Estado Democrático de
Direito é uma especificação, em perspectiva histórica, da
noção de Estado de Direito, que significa, em linhas bem
gerais, a submissão de todos à ordem jurídica, inclusi-
ve do próprio Estado, ou seja, mesmo o Estado, que é
produtor das normas jurídicas, está submetido à ordem
jurídica.
Contudo, essa noção de Estado de Direito traz, em
si, um caráter de limitação à atuação estatal, mas ela não
é suficiente. O Estado nazista, por exemplo, era um Es-
tado de Direito, onde existia uma ordem jurídica a ser
observada. A partir daí é que se evoluiu para a noção
de Estado Democrático de Direito, que está relacionado
à submissão à ordem jurídica, mas que tem, em si, a
ideia de um requisito para a produção dessas normas
jurídicas, que seria o estabelecimento de procedimentos
democráticos para a elaboração dessas normas, também
democráticas quanto ao conteúdo, que permitam a efe-
tivação e continuidade da democracia.
b) Princípios gerais: embora não integrem esse nú-
cleo de opção política fundamental do Estado,eles
dão importantes especificações desses princípios
fundamentais; isto é, têm um menor grau de abs-
tração, são decorrências lógicas dos princípios fun-
damentais, como, por exemplo, o princípio da le-
galidade, que é o geral que radica a ideia de Estado
Democrático de Direito.
Os princípios gerais são normas que veiculam pro-
posições um pouco menos abstratas do que os fun-
damentais, mas que estão diretamente ligados a eles,
do ponto de vista lógico; são normas que detalham os
princípios fundamentais, mas que ainda são bastante
abstratas, por isso são chamadas de princípios.
Cotejando-se a classificação adotada por Barroso
com a de Canotilho, verifica-se que os princípios gerais
equivaleriam aos princípios de garantia. Exemplos: o
princípio da legalidade (art. 5o
, II); o princípio da isono-
mia (art. 5o
, caput); o princípio da autonomia estadual e
municipal (art. 18); acesso ao Judiciário (art. 5o
, XXXV);
irretroatividade das leis (art. 5o
, XXXVI), dentre outros.
c) Princípios setoriais: estão restritos a certos se-
tores da Constituição, a exemplo dos princípios
da ordem econômica (art. 170), da ordem social
(art. 193), e a certas esferas normativas, como
os princípios da Administração Pública (art. 37).
São informadores de certas esferas constitucio-
nais, como o princípio da legalidade estrita em
matéria tributária, que é uma especificação do
princípio da legalidade que tem aplicação na
esfera tributária; o princípio da anterioridade
que, na verdade, é uma forma de irretroativida-
de qualificada, uma especificação do princípio
geral da irretroatividade das leis, mas trazida à
esfera tributária com uma conotação específica;
17. 8
ELSEVIER
Administração Pública | José Maria Pinheiro Madeira
o princípio do concurso público; o princípio da
imparcialidade dos juízes, dentre outros.
2.OsprincípiosconstitucionaisdaAdministraçãoPública
A interpretação dos princípios constitucionais pela auto-
ridade administrativa deve ser feita com a maior precisão
possível, sem que ela seja desintegrada do contexto legal
[...], pois o legislador constituinte exprime a sua vontade
através das normas e princípios contidos na Lex Legum. A
Constituição vale como um todo lógico e não apenas por
algumas das suas componentes, permitindo construções
completas e não de meros conceitos individualizados.
Mauro Roberto Gomes de Mattos
A maior parte dos princípios do Direito Administra-
tivo encontra-se positivado, explícita ou implicitamente,
na Constituição Federal. Possuem eficácia jurídica direta
e imediata e exercem a função de diretrizes superiores
do sistema, vinculando a atuação dos operadores jurí-
dicos na aplicação das normas ao respeito dos mesmos.
Funcionam como diretrizes superiores do sistema, ob-
jetivando a correção das graves distorções que ocorrem
no âmbito da Administração Pública, que impedem o
efetivo exercício da cidadania.
O sistema constitucional do Direito Administrativo
funciona como uma rede hierarquizada de princípios,
regras e valores, que exige não mais o mero respeito à
legalidade estrita, mas vincula a interpretação de todos os
atos administrativos a respeito desses princípios. A fun-
ção administrativa encontra-se subordinada às finalidades
constitucionais e deve pautar as suas tarefas administra-
tivas no sentido de conferir uma maior concretude aos
princípios e regras constitucionais, uma vez que estes não
figuram como enunciados meramente retóricos e distan-
tes da realidade, mas possuem plena juridicidade.
Antes de procedermos à análise de cada um dos prin-
cípios que regem o Direito Administrativo, cabe nova-
mente acentuar que tais princípios se constituem mutu-
amente e não se excluem, não sendo jamais eliminados
do ordenamento jurídico, destacando-se, ainda, que sua
função programática é que fornece as diretrizes situadas
no ápice do sistema a serem seguidas por todos os aplica-
dores do Direito.
Convém observar, contudo, que, por ser o Direito Ad-
ministrativo um ramo relativamente novo e de elaboração
pretoriana, é auxiliado pelas bem qualificadas interpreta-
ções doutrinárias, que não só procuram consolidar seus
institutos, mas também contribuir, didaticamente, ao
classificar seus princípios informadores, como assim o faz
Diogenes Gasparini,12
para quem os princípios podem ser
onivalentes, plurivalentes e monovalentes.
Os princípios onivalentes são os que valem para qual-
quer ciência, a exemplo do princípio de não contradição,
ou seja, duas proposições não podem ser, simultaneamente,
verdadeiras e falsas. Os plurivalentes, por sua vez, são aque-
les comuns a um grupo de ciências, como, por exemplo, o
princípio da causalidade, que informa as ciências naturais: à
causa corresponde um dado efeito. Já os monovalentes são
aqueles aplicáveis a uma única ciência, a exemplo do princí-
pio da legalidade para o Direito. Seguindo essa classificação,
Gasparini ainda divide os princípios monovalentes em gerais
e específicos: os gerais seriam aqueles que só valem para um
ramo de uma determinada ciência, como é o princípio da
supremacia do interesse público (no embate entre o interesse
público e o privado há de prevalecer o público), que só é
aplicável ao Direito Público; os específicos são os que valem
só para uma parte de um ramo de certa ciência, nos moldes
do princípio da continuidade do serviço público, só válido
para o Direito Administrativo.
Embora essa classificação apresente variações, há uni-
cidade para o fato de que “não se pode encontrar qual-
quer instituto do Direito Administrativo que não seja in-
formado pelos respectivos princípios”, 13
como observa
José dos Santos Carvalho Filho, citando Cretella Júnior,
uma vez que os princípios se revelam as diretrizes fun-
damentais da Administração, cuja conduta só poderá ser
considerada válida se estiver com eles compatível.
Para Edmir Netto de Araújo,14
por exemplo, os dois
princípios fundamentais que decorrem da bipolaridade
do Direito Administrativo – liberdade do indivíduo e
autoridade da Administração – são os princípios da le-
galidade (expressamente mencionado na Constituição,
art. 5o
, II) e da supremacia do interesse público sobre o
particular (relaciona-se com a noção de potestade públi-
ca), de onde se construiriam todos os demais.
Convém repisar que o fato de a Constituição Federal
ter dedicado um capítulo exclusivo à Administração Pú-
blica – Capítulo VII do Título III –, nele deixando expres-
sos, no caput do art. 37, alguns princípios básicos a serem
12
GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo.10. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 6.
13
CRETELLA JÚNIOR considera os princípios aplicados ao Direito Administrativo como setoriais, para distingui-los dos gerais. Apud
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 17. ed., rev. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 12.
14
ARAÚJO, Edmir Netto de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 49.
18. 9
ELSEVIER Capítulo 1 | Princípios da Administração Pública
observados por todos os seus agentes de qualquer dos en-
tes federativos, isso não significa que outros não estejam
implícitos, reconhecidos e aceitos pelos publicistas.15
Será a partir desses entendimentos e tomando como su-
porte a Lei no
9.784, em seu art. 2o
– que regula o processo
administrativo no âmbito da Administração Pública federal
e traz os seguintes princípios do Direito Administrativo –,
que passamos a analisar, em seguida: legalidade, finalidade,
motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade,
ampla defesa, contraditório, interesse público, eficiência,
segurança jurídica (está altamente em moda).
2.1. Princípio da legalidade e da submissão da
Administração Pública ao Direito
Devemos ser escravos das leis, a fim de que possamos
ser livres.
Cícero
Dada a velocidade de transformação da sociedade,
sobretudo nesse tempo em que vivemos, os conceitos
clássicos do Direito são constantemente questionados.
Esse contexto de mudanças torna-se propício ao surgi-
mento de questões, tais como, o enfraquecimento do
princípio da legalidade e o surgimento do lobby.
Estaremos, nesse item, discorrendo acerca do prin-
cípio da legalidade, desde sua origem histórica, seu
conceito, sua situação atual e sua posição em relação ao
lobby, expondo, assim, os efeitos positivos e negativos
que este pode causar ao princípio da legalidade – nascido
com o Estado de Direito e uma das principais garantias
de respeito aos direitos individuais.
2.1.1. Histórico
O princípio da legalidade é fruto da separação clás-
sica de funções elaborada pelo filósofo francês Mon-
tesquieu.16
Essa divisão institui três poderes distintos,
cabendo a cada um deles uma das funções do Estado,
isto é, a Administração fica a cargo do Poder Executivo,
poder incumbido de executar as leis; a legislação é atri-
buição do Poder Legislativo, que deve elaborar as nor-
mas; e, por fim, cabe ao Poder Judiciário zelar para o
cumprimento da ordem jurídica, a jurisdição.
A origem do princípio remonta à Magna Carta de 1215,
documento imposto pelos barões ingleses que se preocu-
param em limitar o poder do rei João Sem Terra. Seu sen-
tido histórico decorreu da necessidade de se subordinar o
governante, irresponsável no auge do Absolutismo, ao or-
denamento jurídico, eliminando-se favoritismos e desejos
pessoais. Substituiu-se a vontade individual do monarca
pela geral, materializada na lei, elaborada pelos represen-
tantes do povo, na condução dos negócios públicos.
Na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão,
de 1789, o princípio da legalidade aparece expressamen-
te enunciado, sendo visto não mais como um meio de
limitar o arbítrio do monarca, mas sim como um meio
de eliminá-lo, uma vez que este deveria se submeter tão
somente às normas elaboradas pelo Legislativo, o que
eliminaria a obrigatoriedade de suas ordens (do Chefe
do Executivo) enquanto não amparadas na lei.
No século XVIII, acreditava-se que os legisladores,
por meio da “reta razão”,17
descobririam os fundamen-
tos do Direito Natural18
e, a partir destes, elaborariam
as leis positivas (Pufendorf). Assim, obrigatoriamente,
15
Com o mesmo pensamento, MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. 28a
ed., atualizada por Eurico Andrade Azevedo,
Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. São Paulo: Malheiros Editores, 2007, p. 85-86. Os princípios básicos da Administração
Pública estão consubstanciados em doze regras de observância permanente e obrigatória para o bom administrador: legalidade, moralidade,
impessoalidade ou finalidade, publicidade, eficiência, razoabilidade, proporcionalidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica,
motivação e supremacia do interesse público. As cinco primeiras estão expressamente previstas no art. 37, caput, da CF de 1988; e as de-
mais, embora não mencionadas, decorrem do nosso regime político, tanto que, ao lado daqueles, foram textualmente enumeradas pelo art.
2o
da Lei federal no
9.784, de 29/12/1999. Essa mesma norma diz que a Administração Pública deve obedecer aos princípios acima referidos.
16
MONTESQUIEU, Charles de Secondant, Baron de. O espírito das leis. Apresentação Renato Janine Ribeiro; tradução Cristina Murachco.
São Paulo: Martins Fontes, 2003.
17
JOLIVET, op. cit., p. 389. “A ordem da reta razão. Todo dever concreto, isto é, que concerne a um caso particular, é um juízo prático mo-
ral, formulado como conclusão de um raciocínio baseado num princípio geral da lei natural ou positiva e que impõe uma obrigação. Este
raciocínio pode ser simplesmente implícito, e ele o é, normalmente, nos casos em que a aplicação da lei moral ao caso concreto se faz sem
dificuldade. Pode-se, por conseguinte, definir o dever como a obrigação moral de fazer ou não fazer alguma coisa.”
18
JAPIASSU, Hilton. Dicionário básico de filosofia. 2a
ed., rev. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004, p. 74. “Direito Natural: aquele que
resulta da natureza mesma do homem, superior a toda convenção ou legislação positiva, sendo inalienável. “Aquilo que se convencionou
chamar de teoria do direito natural, ao lado do direito real, isto é, positivo, criado pelos homens e, por conseguinte, variável, um direito ideal,
natural, imutável, que ela identifica como justiça [...]; ela considera a natureza como fonte de onde emanam as normas do direito ideal e
justo. A natureza, a saber, a natureza em geral ou a natureza do homem em particular, desempenha o papel de autoridade normativa, isto
é, formadora de normas” (Hans Kelsen). Assim, para os teóricos do Direito Natural, o Direito é o conjunto das leis necessárias, universais e
imutáveis, deduzidas pela razão das coisas e que serviria de fundamento do Direito Positivo.
19. 10
ELSEVIER
Administração Pública | José Maria Pinheiro Madeira
a legislação estaria de acordo com a natureza das coisas
e, consequentemente, se confundiria com a justiça, ou
seja, com o bem comum.
2.1.2. Conceito
O princípio da legalidade representa noção capital do
Estado de Direito, sendo bússola norteadora da Adminis-
tração Pública. Agasalha-o a nossa lei básica em vários
dispositivos. Primeiramente, no art. 5o
, II, ao dizer que
ninguém pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer
algo senão em virtude de lei. Noutro passo, eleva-o como
ponto cardeal da Administração Pública no art. 37, caput,
estando igualmente presente no art. 84, IV, in fine, ao con-
dicionar o atributo regulamentar do Poder Executivo.19
Para que possamos entender esse princípio, devemos
saber o significado de lei, já que ela é posta como ele-
mento determinante da conduta humana. Entretanto,
uma definição cabal do que seja lei é uma tarefa impos-
sível, uma vez que depende de uma pergunta anterior,
também sem resposta: O que é o direito? A matéria é
inexaurível, dada a limitação do homem, mas é possí-
vel nos aproximarmos muito de um conceito razoável
para compreendermos melhor essa importante realida-
de, quando diz Japiassu que, “em sentido geral, lei é a
expressão de uma relação causal de caráter necessário,
que se estabelece entre dois eventos ou fenômenos”.20
De Miguel Seabra Fagundes obtém-se que lei, no sen-
tido formal, é “o ato jurídico emanado do Estado com
caráter de norma geral, abstrata e obrigatória, tendo como
finalidade o ordenamento da vida coletiva”.21
Para José Afonso da Silva, lei é a “expressão da vonta-
de geral que só se materializa num regime de divisão de
poderes em que ela seja o ato formalmente criado pelos
órgãos de representação popular, de acordo com o pro-
cesso legislativo estabelecido na Constituição”.22
Já a definição clássica de Montesquieu diz que “as
leis, em seu sentido mais amplo, são relações necessá-
rias, derivadas da natureza das coisas; e, nesse sentido,
todos os seres têm suas leis”.
Podemos dizer, ainda, que a lei é um instrumento da
busca do bem comum, sendo este entendido, como ensi-
na Miguel Reale, um processo incessante de composição
de valores e interesses, tendo como base ou como fulcro
o valor condicionante da liberdade espiritual, a pessoa
como fonte constitutiva da experiência ético-jurídica.23
A legalidade, como princípio da Administração
(art. 37, caput, da CF), está sujeita aos mandamentos da
lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode
afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e
expor-se à responsabilidade disciplinar, civil e criminal,
conforme o caso.24
A Administração Pública está adstrita
ao cumprimento do princípio da legalidade, e não à sua
vontade pessoal, não podendo, por exemplo, conceder
benefícios e vantagens aos servidores senão na forma pre-
vista em lei. Em contrapartida, em nível estadual, pelo
simples fato de um funcionário público ter se aposentado,
sem ter uma licença-prêmio não gozada, nem contada em
dobro e averbada ao seu tempo de serviço para fins de
aposentadoria, não lhe tira o direito de vê-la convertida
em pecúnia, só assim ocorrendo em caso de falecimen-
to do próprio – hipótese em que o valor é creditado em
favor dos beneficiários da pensão, encontrando-se essa
matéria já pacificada em nossos tribunais, até porque a
Administração Pública é que não pode usufruir os recur-
sos que são pertencentes aos seus servidores.
As leis administrativas são, normalmente, de ordem
pública, e seus preceitos não podem ser descumpridos,
nem mesmo por acordo ou vontade conjunta de seus
aplicadores e destinatários, uma vez que contêm verda-
deiros poderes-deveres, irrevogáveis pelos agentes pú-
19
JAPIASSU, ibidem, p. 148, a respeito do tema, temos o seguinte conceito: Legalidade (lat. Medieval legalitas) 1. Característica daquilo
que está de acordo com a lei, ou que é regido por leis. 2. Observância exterior às leis, sem que isso corresponda a uma convicção ou a
um respeito interno às mesmas. “Se a vontade se determina conforme a lei moral, mas não por respeito à lei, o ato terá legalidade, mas
não moralidade” (Kant).
20
JAPIASSU, op. cit., p. 148.
21
Apud SANTO, Leonardo Motta Espírito. Direito Administrativo. In: MOTTA, Carlos Pinto Coelho (coord.). Curso prático de Direito Adminis-
trativo. 32. ed., rev., atual e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 13.
22
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19. ed., rev. e atual. nos termos da Reforma Constitucional (até a Emenda
Constitucional no
52). São Paulo: Malheiros Editores, 2007.
23
REALE, Miguel. Teoria tridimensional do Direito. 6. ed., rev. e aum. São Paulo: Saraiva, 2004.
24
A EC 3201 permite ao Presidente da República expedir decretos autônomos somente nas hipóteses previstas no art. 84, VI, da Constituição.
Pela dicção do aludido artigo, compete privativamente ao Chefe do Executivo dispor sobre organização e funcionamento da administração
federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos, bem como extinção de funções ou cargos
públicos, quando vagos.
20. 11
ELSEVIER Capítulo 1 | Princípios da Administração Pública
blicos. Além de atender à legalidade, o ato do adminis-
trador público deve conformar-se com a moralidade e
a finalidade administrativas para dar plena legitimidade
a sua atuação. Administração legítima só é aquela que
se reveste de legalidade e probidade administrativa no
sentido de que tanto atende às exigências da lei como se
conforma com os preceitos da instituição pública.
2.1.3. Situação atual
Aquele ato normativo que se enquadrasse na defi-
nição anterior não só seria uma lei, como também se-
ria uma lei perfeita, uma vez que tanto materialmente,
como expressão da vontade geral, quanto formalmente,
enquanto elaborado dentro do devido procedimento le-
gislativo, se caracterizaria como lei. No entanto, nós sa-
bemos que essas “leis perfeitas” são uma “espécie rara”,
uma das razões para o enfraquecimento do princípio da
legalidade. Dentre as razões responsáveis por tal fenô-
meno, podemos destacar três, como veremos a seguir.
A primeira razão se deve ao aumento da atividade nor-
mativa por parte do Poder Executivo. O mundo moderno
apresenta situações que exigem soluções demasiadamente
rápidas da administração, impedindo que estas questões
fiquem sujeitas ao procedimento legislativo ordinário, dada
a morosidade natural e necessária deste. Isso faz com que,
no caso brasileiro, o governo use e abuse das medidas pro-
visórias e de suas constantes reedições (art. 62 da CF).
Ocorre que o princípio da legalidade não se coaduna
com a edição de medidas provisórias com inobservância
dos pressupostos constitucionais (relevância e urgência –
art. 62 da CF). Há, por parte do governo, uma abusivida-
de em relação à edição dessas medidas, o que gera uma
hiperinflação normativa, que viola o próprio princípio da
legalidade. Por isso a atividade da Administração Pública
ser uma atividade apolítica, cuja carga política é prevista
na própria lei que o Poder Legislativo elaborou para sua
atividade. E é isso o princípio da legalidade.
No que tange à matéria, cabe um pequeno apêndice,
acrescido com base na palestra do ministro Moreira Al-
ves para os integrantes do Grupo de Direito Privado (em
19/10/1996): o instituto foi extraído do Direito italiano
– provvedimenti provvisori – com o intuito de substituir
o decreto-lei. Na Itália, entretanto, dado o regime par-
lamentarista, o gabinete tem responsabilidade política
sobre o ato. Assim, quando este é derrubado pelo par-
lamento, geralmente cai também o gabinete. No Brasil,
como temos o presidencialismo, o presidente pode edi-
tar quantas medidas quiser e, caso elas sejam derruba-
das, ele não é diretamente responsabilizado.
A segunda razão reflete o distanciamento entre os par-
lamentares e a população, fruto de um descrédito gene-
ralizado em relação à classe política brasileira, que nunca
foi vista com bons olhos pela população, pelo contrário,
sempre foi identificada como um conjunto de senhores que,
para não dizer outra coisa, são, no mínimo, de honesti-
dade duvidosa. Uma piada do século XIX ilustra bem tal
visão. Quando a corte portuguesa veio para o Brasil, em
1808, trazendo mais de mil pessoas, havia a necessidade
de casas e prédios para a instalação da nobreza, o que levou
D. João VI a desapropriar diversas construções no Rio de
Janeiro. Os prédios desapropriados eram identificados com
as iniciais “PR” pintadas à sua entrada. Oficialmente “PR”
significava “Príncipe Regente”, mas, no dizer popular, e nos
jornais da época, existiam pelo menos dois significados di-
ferentes: Prédio Roubado, ou ainda Ponha-se na Rua.
O desinteresse pela política que o descrédito causa
na população faz com que os cidadãos pouco se impor-
tem com a atividade política e, de certa forma, que a
atividade política pouco se importe com os cidadãos, a
não ser, é claro, no período eleitoral. Como as pessoas
não pressionam seus representantes, esses não se pre-
ocupam em fazer valer seu poder legiferante perante o
Executivo, que passa a ser o verdadeiro órgão legislador.
A terceira razão trata da questão “legalidade versus
legitimidade”. Não tardou para que a identificação do
justo com o legal acabasse, e se percebesse quão facil-
mente as leis podem ser injustas. As ditaduras têm suas
leis, têm o chamado princípio da legalidade extraordiná-
ria, em que o último elemento que pode ser vislumbrado
é o da justiça. A legalidade e a legitimidade não podem
identificar-se senão quando a legalidade seja a garantia
do livre desenvolvimento da personalidade humana.
2.1.4. Lobby e sua relação com o princípio da legalidade 25
Antes de relacionarmos o lobby com o princípio da
legalidade, convém esclarecermos o sentido da expres-
são, que deve ser entendida como a legítima defesa de
interesses legítimos, perante os poderes públicos, de for-
ma lícita e transparente, pelos mais variados grupos de
interesse da sociedade. Essa defesa pode se dar das mais
diversas maneiras, dentre as quais:
• reuniões com autoridades públicas a fim de di-
vulgar informações necessárias ao correto enten-
dimento das diversas matérias;
25
Apud RODRIGUES, Augusto César Silva. O enfraquecimento do princípio da legalidade. Disponível em: http://www.members.tripod.com/
mbulgueroni.
21. 12
ELSEVIER
Administração Pública | José Maria Pinheiro Madeira
• participação em audiências públicas perante co-
missões do Legislativo e agências governamentais;
• auxílio aos parlamentares e demais autoridades
públicas na redação de projetos de lei e regula-
mentos, além de lhes oferecer assistência e con-
sultoria em matérias técnicas e jurídicas;
• apresentação de pareceres jurídicos ao Poder Ju-
diciário, destacando argumentos que auxiliem nas
decisões judiciais em casos particulares sobre a
análise dos tribunais.
• Praticado dessa forma, o lobby é saudável para o
fortalecimento do Estado de Direito e do princípio
da legalidade, uma vez que, com a aproximação da
sociedade civil à elaboração legislativa, levará a um
maior comprometimento da mesma com as leis, e
vice-versa, de tal forma que o descrédito popular em
relação aos políticos diminuiria, assim como a legi-
timidade das normas aumentaria, uma vez que estas
estariam mais intimamente ligadas ao bem comum.
Inegavelmente, para que a coletividade pudesse usar,
gozar e dispor de sua propriedade, com absoluta seguran-
ça e paz, um instrumento mais potentado que possuíam,
eram estabelecidas pela sociedade a que pertenciam.
Entretanto, o lobby no Brasil não é regulamentado
e a sociedade civil brasileira ainda está a caminho da
organização. Assim, não vivemos o lobby, propriamente
dito, mas um jogo de pressões por parte de setores da
sociedade, desde a Fiesp ao MST, que buscam colocar
seus desejos particulares sobre os reais interesses da
sociedade, levando-nos a um círculo vicioso em que o
descrédito para com a classe política aumenta, e a legi-
timidade das leis diminui, já que estas não refletem os
interesses da população.
Dessa forma, o princípio da legalidade, como tantos
outros expressos no art. 5o
da CF
, está enfraquecido e
precisa ser revitalizado. Isso, no entanto, não é tarefa
fácil, pelo contrário, é um difícil trabalho que envolve
vontade política e participação popular, bem como o es-
tudo das dimensões dos enunciados estruturadores dos
sistemas constitucionais.
Lobbying is the skill of communicating your views to those
who make decisions. The Parliamentarians are the decision
makers for a country or state and they are lobbied by people
all the time. Mostly those who lobby governments are those
who make money out of government decisions.26
Apesar de não haver regulamentação para o lobby, há
um dispositivo no Regimento da Câmara que admite o
registro de representação corporativa de nível superior,
ou seja, confederações, havendo 62 registradas. Há tam-
bém quatro projetos em tramitação, dentre eles o mais
importante, do ex-deputado, ex-senador, ex-vice-presi-
dente Marco Maciel, que tramita desde 1990.
A vontade política diz respeito à necessidade dos par-
lamentares em fazer valer o seu poder legiferante e, entre
outras coisas, na regulamentação do lobby, como forma
de realçar a legitimidade das leis. A participação popular
está intimamente ligada às cobranças que a população
pode e deve fazer de seus representantes, exigindo do
Legislativo o cumprimento de sua missão legiferante, e
por meio da organização da sociedade, da formação de
grupos de pressão, realmente legítimos, algo que ainda
é incipiente em nosso país.
Sobre o princípio da legalidade, então, podemos con-
cluir que ele nasceu com o Estado de Direito e constitui
uma das principais garantias de respeito aos direitos indivi-
duais, uma vez que a lei, ao mesmo tempo em que os defi-
ne, estabelece também os limites da atuação administrativa
que tenha por objeto a restrição ao exercício dos mesmos.
O princípio da legalidade é, portanto, o princípio
capital no Direito Administrativo, o mais importante do
regime jurídico-administrativo, porque a lei é sua única
fonte primária, ficando toda a atividade administrativa
sujeita aos seus mandamentos, deles não se podendo
afastar, sob pena de ofensa ao próprio princípio da legali-
dade. Ele representa, para a Administração Pública, exa-
tamente o inverso do que diz o art. 5o
, II, da Constituição
Federal, em relação ao direito de liberdade dos indivíduos
em face do Estado, ou seja, a Administração só pode fazer
ou deixar de fazer algo se houver expressa previsão legal,
e dentro de seu limite, resguardando, assim, a segurança
jurídica, a isonomia e o princípio democrático.
Recentemente, por ofensa ao art. 61, § 1o
, II, da
Constituição Federal, o STF declarou a inconstituciona-
lidade da Lei Estadual do Rio Grande do Sul, de inicia-
tiva parlamentar, que instituía o Museu Gaúcho, por ser
uma norma exclusiva de iniciativa do Chefe do Executi-
vo, sendo, inclusive, indelegável.27
Destarte, qualquer ação estatal, sem o correspondente
amparo legal, ou que exceda ao âmbito demarcado pela
lei, é injurídica e expõe-se a anulação, pois a eficácia de
26
“Lobby é a habilidade de comunicar opiniões àqueles que tomam decisões. Os parlamentares são aqueles que tomam decisões em nome
de um país, ou estado, e são alvo de lobby contínuo. A maior parte daqueles que fazem lobby junto ao governo são aqueles que lucram com
as decisões governamentais.” Trecho do texto “Getting the government you want through lobbyng”. Disponível em: http://www.essere.com.br.
27
STF, ADI 2302, INF. 416.
22. 13
ELSEVIER Capítulo 1 | Princípios da Administração Pública
toda atividade administrativa está condicionada ao aten-
dimento da lei, o que significa dizer que, na Administra-
ção Pública, não há liberdade nem vontade pessoal, e só
é permitido fazer o que a lei autoriza. Assim sendo, desde
que haja previsão legal, pode a Administração Pública,
por exemplo, recolher todos os loucos que estão andando
na rua e interná-los em hospitais públicos.
Entretanto, em outras situações, como aquela em
que certa Secretaria de Estado resolve renovar sua frota
de veículos usados, dando-os como parte de pagamento
dos automóveis zero quilômetro, o administrador não
pode desempenhar o papel de empresário, ou seja, está
ele impedido de fazer esse tipo de negócio. Isso porque
a Administração, obrigatoriamente, terá que realizar o
procedimento licitatório, visando a vender os veícu-
los velhos, até porque não há, na lei de licitação (Lei
no
8.666/1993), artigo algum autorizando a junção da
venda e compra simultaneamente, nela não prescreven-
do esse tipo de jogada (princípio da legalidade estrita).
Como o administrador só pode fazer aquilo que estiver
previsto em lei, logo, estará ele se desviando do princí-
pio da legalidade, caso assim proceda.
Observamos, também, que o princípio da legalidade
tem conteúdo objetivo e subjetivo, ou seja, na legalida-
de objetiva a Administração Pública tem obrigação de
ser coerente com a lei, o que implica sentido objetivo,
independentemente de lesão a outro direito para que
seja considerado ilegal. Apenas pelo fato de desatender
a lei, já é ilegal, ferindo o interesse público, mesmo que
não lese direito de alguém. Por exemplo, um excelente
promotor de justiça, mas cujo diploma de bacharel seja
falsificado, será afastado, independentemente de sem-
pre ter exercido corretamente a função. Em relação a
seus atos, tais como prender criminosos, estes não serão
soltos devido ao interesse público. Nesse caso, será no-
meado outro promotor para ratificar (ou não) seus atos.
Então, pela legalidade objetiva, a Administração Pública
independe de qualquer lesão subjetiva a direito ou in-
teresse para desfazer o ato. A simples desconformidade
desse ato com o texto legal já faz o ato perder interesse
público, mesmo que o ato não esteja causando lesão.
Já a legalidade subjetiva é o que a Administração Pú-
blica exerce quando há lesão de um direito individual.
Nesse caso, o indivíduo se dirige à Administração Públi-
ca, provocando a autotutela. A vantagem é que não pre-
cisa ir ao Judiciário. Esse indivíduo estará exercendo seu
direito de petição, garantido pelo art. 5o
, XXXIV, do texto
constitucional. Trata-se, então, do controle subjetivo da
ilegalidade que, além de estar em desconformidade com
a lei, ainda causa lesão a direito.
A submissão da Administração Pública não é ape-
nas à lei em sentido estrito, mas à legalidade entendida
também como um conjunto de princípios em sintonia
com a teleologia constitucional. Segundo Juarez Freitas,
pensar o Direito simplesmente como um conjunto de
normas seria subestimar, de forma danosa, a comple-
xidade e riqueza do fenômeno jurídico-administrativo.
Em nossa Constituição encontramos o princípio da
legalidade estabelecido nos seguintes artigos:
• art. 5o
, II: “ninguém será obrigado a fazer ou dei-
xar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” –
onde se exige do administrador público fazer apenas
o que a lei e o Direito permitirem ou obrigarem;
• art. 5o
, IX e XI: estão relacionados ao princípio da li-
berdade democrática e ao da proteção da dignidade da
pessoa humana, e impõem limites à atividade estatal;
• art. 5o
, LXIX: refere-se ao mandado de segurança;
• art. 37, caput: estabelece os princípios aos quais a
Administração Pública deve obediência – legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência;
• art. 37, VII: no caso da definição dos limites do direito
de greve a ser exercitado pelo servidor público civil;
• art. 37, XIX e XX: impõem uma restrição à discri-
cionariedade, através da exigência constitucional
de que somente por lei específica possam ser cria-
das empresas públicas, sociedades de economia
mista, autarquias ou fundações públicas, assim
como a criação de subsidiárias;
• art. 70: disciplina sobre a fiscalização contábil, fi-
nanceira, orçamentária, operacional e patrimonial
da União e das entidades da Administração direta e
indireta, mediante controle externo e por intermé-
dio do sistema de controle interno de cada poder;
• art. 84, IV: quando trata da competência do Pre-
sidente da República para sancionar, promulgar e
fazer publicar as leis e expedir decretos e regula-
mentos para sua fiel execução;
• art. 186: ao tratar de dar eficácia plena a dispo-
sitivos, como os que definem a função social da
propriedade.
Nesse sentido, a Administração necessita de lei para
atuar, ela não pode emitir um ato e dizer, concretamente,
que o interesse público está sendo ferido. Se não há lei,
não vai poder atuar. O Poder Judiciário vai proibir isso
por ilegalidade, por inexistência de lei que o permita.
Não passa disso o princípio da legalidade; ele se sub-
mete à Administração de ofício, não sendo necessária a
provocação de qualquer interessado para mostrar a ela
a inexistência de lei, posto que ela tem a obrigação de
conhecê-la. E, exatamente pela atuação fora do limite da
lei, é que veremos casos de abuso de autoridade, vício
do elemento competência.
Nesse caso, é importante darmos uma lida – com
olhos de Direito Administrativo – na Lei no
4.898/1965,
23. 14
ELSEVIER
Administração Pública | José Maria Pinheiro Madeira
nos tipos de abuso de autoridade. Seu art. 4o
configura,
diante do princípio da legalidade, o extravasamento do
elemento competência de determinados agentes públi-
cos, claro que não em todos os tipos, mas em geral os
tipos mostram isso, tanto que o art. 9o
diz que o lesa-
do pelo crime de abuso de autoridade pode promover a
responsabilidade administrativa de quem praticou esse
crime, independente da responsabilidade penal, que
também constituirá um ilícito administrativo.
Por fim, é importante frisar que o Estado de Direito
está ligado à legalidade e o Estado democrático, à legiti-
midade, ou seja, deve-se respeitar o limite do razoável.
Hipoteticamente, o prefeito resolve desapropriar visan-
do a construir aeroporto para discos voadores a fim de
incentivar o turismo. A Lei Geral da Desapropriação
prevê a desapropriação para construção de pista de pou-
so. Mas, no caso hipotético, o ato é legal, não sendo le-
gítimo, por ter ferido a razoabilidade.
O Brasil adotou o princípio da jurisdição una ou úni-
ca, de acordo com o art. 5o
, XXXV, da Constituição Fede-
ral e, sendo assim, não há falar em coisa julgada adminis-
trativamente. A denominada coisa julgada administrativa,
na verdade, é apenas uma preclusão de efeitos entre as
partes, sem o alcance da coisa julgada judicial. Por isso
não atinge nem afeta situações ou direito de terceiros que
não participaram do procedimento administrativo, limi-
tando os seus efeitos ao caso apreciado. Logo, coisa julga-
da só se faz materialmente e formalmente no judiciário.
Os institutos diferenciam-se pois a coisa julgada ad-
ministrativa assume sentido diferente da coisa julgada
judicial, primeiramente porque a coisa julgada é a pró-
pria função jurisdicional do Estado, através da qual sua
prestação torna-se irretratável quando definitivamente
entregue.
O Poder Judiciário, quando no exercício de sua fun-
ção, atua como terceiro estranho à lide, formando uma
relação de três lados, na qual envolve, ainda, o autor e o
réu. O Juiz, assim, não é parte na relação a ser decidida.
A função é imparcial e, quando da produção da coisa
julgada, é definitiva.
Conforme lição de Hely Lopes Meirelles, a denomi-
nada coisa julgada administrativa é, na verdade, apenas
uma preclusão de efeitos internos, não tendo o alcance
da coisa julgada judicial pois o ato jurisdicional da Ad-
ministração não deixa de ser um simples ato administra-
tivo decisório, sem a força conclusiva do ato jurisdicio-
nal do Poder Judiciário.28
Sendo assim, a coisa julgada administrativa significa
a situação jurídica pela qual determinada decisão firma-
da pela Administração não pode mais sofrer alteração na
via administrativa.
Há algumas discussões interessantes que tangem o
tema, como a possibilidade de a Fazenda Pública acio-
nar o Poder Judiciário para reverter decisões administra-
tivas que lhe foram desfavoráveis.
Grande parte da doutrina defende posição no senti-
do de que as decisões administrativas em matéria tribu-
tária vinculam a Administração Pública quando opostas
aos interesses da Fazenda, por esta ter se dado através de
seus instrumentos institucionais.29
Eduardo Botallo, argumenta que:
“as decisões administrativas em matéria tributária se apre-
sentam, assim, em relação aos contribuintes, com feições
distintas daquelas de que se revestem perante a própria
Administração. No que diz respeito aos primeiros, tais
decisões são sempre passíveis de revisão perante o Judi-
ciário, quanto a esta, ao contrário (...), tais decisões são
definitivas na medida em que geram, em benefício dos
contribuintes, direitos subjetivos”.
28
O autor acrescenta ainda que falta ao ato administrativo aquilo que os publicistas norte-americanos chamam the final enforcing power
e que pode ser traduzido como poder conclusivo da justiça comum. É importante que não se confunda ato jurisdicional com ato judicial.
Jurisdição é a atividade de dizer o direito, de decidir sua esfera de competência. Tanto decide o Judiciário como o Executivo e até o Legis-
lativo, quando interpretam a lei. Portanto, todos os Poderes e órgãos exercem jurisdição, mas somente o Poder Judiciário tem o monopólio
da jurisdição judicial, isto é, de decidir com força de coisa julgada, definitiva e irreformável por via recursal ou por lei subsequente. Há,
desta forma, coisa julgada administrativa e judicial, inconfundíveis entre si.
Citando Araújo Falcão, o autor faz a seguinte observação: “mesmo aqueles que sustentam a teoria chamada coisa julgada administrativa
reconhecem que, efetivamente, não se trata, quer pela sua natureza, quer pela intensidade de seus efeitos, de res judicata propriamente
dita, senão de um efeito semelhante ao da preclusão, e que se conceituaria, quando ocorresse, sob o nome da irretratabilidade”.
De fato, como explica o professor, o que acontece nas decisões administrativas finais é, apenas, preclusão administrativa, ou a irretratabi-
lidade do ato perante a própria Administração. É sua imodificabilidade na via administrativa com fim de estabilidade das relações entre as
partes. Por isso, não atinge nem afeta situações ou direitos de terceiros, mas permanece imodificável entre a Administração e o administrado
destinatário da decisão interna do Poder Público. Essa imodificabilidade não é efeito da coisa julgada administrativa, mas é consequência da
preclusão das vias de impugnação interna ( recursos administrativos) dos atos decisórios da própria Administração. Exauridos os meios de
impugnação administrativa, torna-se irretratável, administrativamente, a última decisão, mas nem por isso deixa de ser atacável por via judicial.
29
Dados extraídos do site www.receita.fazenda.gov.br.
24. 15
ELSEVIER Capítulo 1 | Princípios da Administração Pública
Desta forma, esta corrente admite para tais casos a
chamada coisa julgada administrativa em matéria fiscal.
Este posicionamento é, porém, questionado por aqueles
que entendem que a Carta Magna autoriza a postulação
ao Poder Judiciário contra qualquer ato jurídico pratica-
do por autoridade administrativa.
Fundamentam-se, ainda, tais doutrinadores em que
a posterior apreciação pelo Poder Judiciário das decisões
tomadas pela Administração é uma decorrência lógica
da separação dos Poderes, cabendo à função jurisdicio-
nal controlar e revisar, em caráter definitivo, os atos e
decisões da Administração, independentemente de te-
rem estes sido favoráveis ou não à Fazenda Pública. Os
órgãos administrativos julgadores decidem conforme a
legalidade, mas no Ordenamento Jurídico brasileiro não
há qualquer hipótese concreta de coisa julgada no âm-
bito administrativo.
Assim é que, para Rubens Gomes de Souza, cabe ao
Poder Executivo reabrir o debate na esfera judicial, “a
quem compete a última palavra na preservação da ple-
nitude da Ordem Jurídica”, fazendo-se necessário, para
tal, apresentar o erro de direito na decisão da Adminis-
tração.
Em contrapartida, o entendimento de José Eduardo
Soares de Melo é de que não pode ir a Fazenda à juízo
requerer a anulação da decisão que lhe foi contrária vez
que se trata de matéria vinculada que não pode ficar
adstrita à conveniência do Poder Executivo, constituin-
do-se violação ao princípio da moralidade, previsto no
art. 37 da Constituição Federal, pelo fato de que des-
prestigiaria a legitimidade do Processo Administrativo.
Na mesma linha, Sacha Calmon Navarro Coelho en-
tende que ninguém pode ir a juízo contra ato próprio
por falta de interesse de agir. Afirma, assim, que “a de-
cisão administrativa definitiva, contra a Fazenda Públi-
ca extingue a obrigação tributária. Argumenta, por fim,
que “inexiste no direito brasileiro ação anulatória de ato
administrativo formalmente válido praticado pela Ad-
ministração sendo ela própria autora”.
Plínio José Marafon defende a impossibilidade, ale-
gando que, a contrário senso, estar-se-ia atribuindo ao
Judiciário o poder de lançar o tributo, posto que o lan-
çamento original já teria sido cancelado pela autoridade
administrativa competente para tal, segundo art. 142 do
CTN.
Favorável à possibilidade de a Fazenda Pública ir à
juízo para requerer anulação de decisão administrativa,
Dirceu Antonio Pastorello entende que o recurso é váli-
do quando: houver manifesta ilegalidade no julgamento;
for proferida decisão contra orientação uniforme, mansa
e pacífica do Plenário do Supremo Tribunal Federal ou
do Superior Tribunal de Justiça; houver prova robusta
de desvios éticos de comportamento dos julgadores que
tenham influído na desoneração do contribuinte (Fer-
nando Facury Scaff e Helenilson Cunha Pontes também
possuem tal entendimento).
Marco Aurélio Greco e Oswaldo Othon de Pontes Sa-
raiva Filho entendem que se houver total independência
e desvinculação entre os órgãos da Administração Públi-
ca e as chefias dos órgãos públicos, com a impossibili-
dade ou falta de previsão legal de recursos hierárquicos,
nesse caso poderia a Fazenda Pública ingressar no Poder
Judiciário para pleitear a anulaçao da decisão adminis-
trativa contra ela proferida. Caso contrário, quando de-
cisões de órgãos administrativos estão sujeitas à revisão
das altas autoridade do Poder Executivo (Presidente da
República, Governador, Prefeito, Ministro ou Secretário
de Estado etc.) por via de recurso hierárquico ou avo-
catória, não estaria presente o interesse processual de a
Fazenda ir a juízo.
Esquema:
2.2. Princípio da impessoalidade
Por outro lado, para que haja a verdadeira impessoalida-
de, deve a Administração voltar-se exclusivamente para o
interesse público, e não para o privado, vedando-se, em
consequência, sejam favorecidos alguns indivíduos em
detrimento de outros e prejudicados alguns para favore-
cimento de outros. Aqui reflete a aplicação do conhecido
princípio da finalidade, segundo o qual o alvo a ser alcan-
çado pela Administração é somente o interesse público,
e não se alcança o interesse público se for perseguido o
interesse particular, porquanto haverá nesse caso sempre
uma atuação discriminatória.
José dos Santos Carvalho Filho