1. 2 | Caderno3 DIÁRIODONORDESTE
FORTALEZA, CEARÁ-SÁBADOEDOMINGO, 8 E 9 DE OUTUBRO DE 2016
EDITORA VERDES MARES LTDA. -PRAÇADAIMPRENSACHANCELER EDSONQUEIROZ- DIONÍSIO TORRES - CEP: 60135.690 - FORTALEZA - CEARÁ - TELEFONE: (085) 3266-9774 -EMAIL: CADERNO3@DIARIODONORDESTE.COM.BR - EDITOR DE ÁREA: DELLANO RIOS - EDITORA ASSISTENTE: ADRIANA
MARTINS-REPÓRTERES:BEATRIZJUCÁ,FELIPEGURGEL,IRACEMASALESEROBERTASOUZA-ESTAGIÁRIOS:ANTÔNIOLAUDENIREDIEGOBARBOSA-DIAGRAMAÇÃO/DESIGNEDITORIAL:BRUNOBARBOSA-CAPA:LINCOLNSOUZACaderno3
ENTREVISTA COM CHARLESWATSON *EDUCADOREPALESTRANTE
DIEGOBENEVIDES
Repórter
Comooworkshopsobrecriatividade
direcionaodesenvolvimentocriati-
vodosparticipantes?
O curso é dividido por enquan-
to em quatro masterclasses. Is-
so é uma tentativa de viabilizar
um assunto que é vasto. Cada
módulo consiste entre 12 e 14
palestras das quais eu escolho
três ou quatro de acordo com a
leitura da plateia. Encaro isso
como um problema criativo
também. Preciso saber a natu-
reza do problema antes de sair
especulando sobre soluções.
Eu quero saber qual é a compo-
sição. Acabei de vir de outra
palestra, com outro tipo de pú-
blico, e a palestra é diferente
porqueasexpectativaseospro-
blemas são um pouco diferen-
tes de um grupo para o outro.
Aqui é uma galeria de arte, en-
tãovaiterinevitavelmentepes-
soas ligadas à arte, enquanto
onde eu estava agora eram em-
presários.
Reunirprofissionaisdediversosseto-
resdáflexibilidadedeabordagem?
A base de tudo que faço parte
do princípio que a semelhança
entre processos de inovação é
maior do que a diferença entre
linguagens. Eu não vou dizer
que a diferença entre discipli-
naséilusória.Nãoé.Aomesmo
tempo, quando você faz uma
avaliaçãodos tiposde persona-
lidadesdequemfazadiferença
dentro dos seus campos de
atuação, você acaba vendo que
tem muitas semelhanças entre
o que faz um cientista Prêmio
Nobeleumartistaque éimpor-
tante na sua área. Se você isola
só as características e atitudes
de ambos, você vai ver que é
muito semelhante.
Ocursoacabamisturandoprofissio-
naisdeváriasáreas.Esseintercâm-
bioéprodutivo?
Isso não é uma estratégia pro-
posital. É algo que foi aconte-
cendo porque, ao mesmo tem-
poquemeutrabalhoparaalgu-
mas pessoas foi mais associado
com arte. Mas desde faculdade
investi tanto na área de ciência
quanto na área de arte. Vou
para onde for. Tenho conheci-
mento tanto de biologia con-
temporânea quanto ecologia,
as descobertas feitas nessa
área que têm repercussão, a
maneira como a gente pensa
criatividade. Esse tipo de flui-
dez faz parte e acabou sendo
importanteparaplateiasmulti-
disciplinares.
Atéquepontoodomeainspiração
sãoessenciaisparaodesenvolvimen-
tocriativodeumartista?
Parto de um princípio que isso
é uma grande fantasia. Não es-
tou dizendo que talento não
existe, mas se é que existe é
irrelevante numa vida de con-
tribuição criativa. É irrelevan-
te! E quando você analisa, você
vai dando conta que, de uma
maneira até surpreendente pa-
ra muitos, a pessoa que faz
umacontribuiçãocriativasigni-
ficativa de vez em quando está
lutando contra dificuldades,
ao invés de estar aprimorando
facilidades. Estou incluindo
criatividade e o que a gente
chamadedesempenhootimiza-
do, que inclui esporte. Temos,
no Brasil, muitas fantasias en-
graçadas sobre criatividade.
Tudo aqui “baixa santo”. Não é
uma cultura que valoriza o tra-
balho. Nós temos um enorme
exemplo disso no momento de
crise que estamos passando.
Trabalho tem um certo estig-
ma.Levandoissoemconsidera-
çãoelevantandooque fazreal-
mente superar o que é norma
na sua área, a gente não fala só
sobre questões culturais, mas
também sobre questões neuro-
científicas. Grandes avanços
na neurociência ao longo dos
últimos 10 anos, só. Todo neu-
rocientistaafirmaque,nosúlti-
mos10 anos,se descobriumais
sobreofuncionamentodocére-
bro do que em toda a nossa
história.Nãohámuitasdiscipli-
nas sobre o qual você pode di-
zer isso. Mas nós sabemos, por
exemplo, que enfrentando
constantes problemáticas em
umabasediáriaéquenóstrans-
formamos fisicamente a arqui-
tetura do cérebro. Isso não se
sabia30anosatrás,porquenão
tivemos acesso à tecnologia
que mostra isso. Quando Eins-
teinmorreuedeixouoseucére-
bro para a ciência e descobri-
ram de fato quando, finalmen-
te, tocaram no cérebro dele
que realmente haviam diferen-
ças.Naquelaépoca,seinterpre-
tava isso como sendo “Einstein
pensoudiferenteporqueocére-
bro dele era diferente”. Hoje,
nós sabemos que o cérebro de-
leera diferenteporqueele ado-
tou certas atitudes no pensa-
mento.
Entãorealmentenãoéumaquestão
relativaapenasadom….
Não é nada relativo a dom. Eu
não quero ser radical, mas eu
souprofessorementordeartis-
tas há décadas. Alguns desses
artistas já são muito conheci-
dos no circuito internacional e,
com exceção de uma, eu sabia
que isso ia acontecer em algum
momento ou outro. Não tem
nada a ver com dom. Tem a ver
com postura, capacidade de
aceitar sacrifícios, de tolerar
trabalhos, de tolerar ambigui-
dades, de dizer “pode ser sim e
não”. Nem todo mundo aguen-
ta isso. Tolerância a trabalho
intenso ao longo de estendidos
períodos, disciplina mais do
quetreinamento.Temosumpa-
pel mínimo na história, basta
encorajaraoinvésdedarobstá-
culos no caminho. Essas são as
coisas que fazem a diferença.
Inteligência também até um
certo ponto. Além desse ponto,
é contraprodutivo.
Essasorientaçõesquebuscamestimu-
laracriatividadenãocastramaliber-
dadecriativa?
Liberdade é uma das últimas
palavras que eu associo com
criatividade. Primeiro, as pes-
soas associam liberdade com
falta de limites. Liberdade só
acontece quando você tem al-
godo qualvocêpodeseliberar.
Pensar fora da caixa só existe
quando tem uma caixa. O pro-
blema vai achando que pensa
fora da caixa, mas nunca cons-
truiu nenhuma caixa. Esse tipo
deposturaachaqueimprovisa-
ção é riscar a parede, comer
grama e beber um café com
leite. Isso não tem nada a ver
com criação. Essas questões de
liberdade existem somente em
contraste com as condições de
vez em quando muito restritas.
Liberdadeéumaquestãorelati-
va.Afantasiapopulardenãose
ter limite é bobagem. Há mui-
tos limites. E quando não tem,
opapeldoartista,ousejaquem
for, vai inventá-los. Você vai
ouvir sempre designers dizen-
do “se eu fosse livre, você ia ver
oquãocriativo eusou”.Efalam
para mim “você trabalha com
artista? Artista não tem limi-
te”. Artista tem sim limite. Po-
de ser que ele escolha quais
são, mas, uma vez escolhidos,
o rigor é tanto quanto – ou até
mais – pela necessidade dele
de fazer isso.
Entãooworkshopentraparaestimu-
lareesclareceroslimiteserigoresde
cadauniverso...
Não é nem esclarecer, é ofere-
cer, fruto de um estudo ao lon-
go de muitos anos (desde
1979). Eu invisto muito nisso.
Faço entrevistas – na Europa,
EUA e América Latina – com
pessoas“criativas”fazendoper-
guntas minuciosas sobre o pro-
cesso deles, os momentos de
dúvida,seelessabemadiferen-
ça entre encher linguiça e real-
mente estar na zona que as
coisas acontecem, milhões de
perguntas. Já fizemos 54 via-
gens até hoje com o foco só em
fazer essas entrevistas.
Vocêfalouem“pessoascriativas”.
Comoseidentificaalguémassim?
Antigamente, eram só artistas.
Pessoas criativas são aquelas
que evidentemente modificam
os paradigmas da sua área de
atuação. Tem a coragem de le-
vantar algo que nem sempre é
bem visto. Envolve provocação
também, mas não é o suficien-
te. Se você fala que criança não
é criativa, as pessoas questio-
nam. Mas criança é espontâ-
nea, não tem medo de errar, é
apaixonadapeloquefaz,élúdi-
ca e pensa divergentemente. O
que falta para uma criança?
Falta o longo tempo, cerca de
10 anos, para internalizar as
regras do jogo. Você não vai
inovar na arte se você não co-
nhece profundamente a arte.
Todo esse sistema é um siste-
ma, e toda pessoa que contri-
bui para um sistema, conhece
profundamente o sistema.
Uma criança não tem tempo
para isso.
Amultidisciplinaridadeéessencialno
mundoempresarial?
Multidisciplinaridade é co-
mum em pessoas que fazem a
diferença nas suas áreas. Até
porque uma das muitas defini-
çõesde‘criatividade’éacapaci-
dade de ver novos laços de sig-
nificados entre assuntos dife-
rentes. Se você não estiver as-
sunto diferentes, não vai rolar.
É muito importante distinguir
entre isso e uma doença quase
contemporânea de jovem sem
conseguir focar (em um objeti-
vo). É a multidisciplinaridade
levada à patologia porque não
consegue criar o contexto que
possibilita a percepção signifi-
cantedeumeventoqueaconte-
ce, um acaso.
Oworkshoptemumrecorteespecífi-
cosobreVisualização.Noqueconsis-
teessemétodo?
Visualização é literalmente a
tendência de pensar através de
imagens no lugar de palavras.
A maioria da ênfase do nosso
sistema educacional é verbal,
matemático, que é ótimo, mas
acabou de acontecer de novo.
Eliminaram a aula de arte co-
mo parte do currículo. Isso é
loucura. Os pequenos burocra-
tas que fazem essas decisões
nem entendem as
consequências disso. O argu-
mento comum é que a pessoa
não vai ser artista, como se fos-
se essa a questão. A questão é
que você está desenvolvendo
alternativas de pensar e ocu-
pando mais território cogniti-
voquetedáumagrande vanta-
gemnaspossibilidadesdeabor-
dar problemas, incluindo vi-
sualmente. O que vou dar para
osalunoséumasériedeproble-
mas que são camuflados como
problemas absolutamente ra-
cionais, mas que não o são. E
quemabordaoproblemaracio-
nalmente, simplesmente não
vai resolver. Enquanto quem
pensamaisvisualmente,vaire-
solver com mais facilidade. E
vou saber até pela linguagem
corporal quem vai resolver o
problema ou não. É uma delí-
cia ver quando eles dão conta
do poder que a capacidade de
manipular imagens dá.
Especialistaem
processoscriativos
conduzworkshopna
galeriaMultiArteefala
sobreotema
“Criatividadenãotem
nadaavercomdom”
CWatson:
“quandonãohá
limites,opapeldo
artistaéinventá-los”
FOTO: HELENE SANTOS
363862442363918173