1. CONTRIBUIÇÃO PARA O ENTENDIMENTO DA ZONA
PERTURBADA NA PERIFERIA DE UM TÚNEL
José Pinto
Engenheiro Geotécnico, ex-diretor de obra da EXPLO, LDA.
1. INTRODUÇÃO.
As sobrescavações originadas pela abertura de túneis em rocha com recurso a
explosivos sempre foram, e ainda são, motivo de forte controvérsia. Se situações há
em que a abordagem desta temática resulta num consenso pacífico, noutras esse
consenso não é possível obter fruto de diferentes pontos de vista tomados pelos vários
intervenientes na obra.
Porque o assunto merece uma análise atenta e cuidada, pretende-se com o presente
artigo contribuir para um entendimento mais esclarecedor, de forma simples e concisa,
sobre o comportamento de um túnel na vizinhança da frente de escavação.
2. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES.
Normalmente a argumentação que prevalece dentro desta temática refere-se à má
execução técnica da furação, à quantidade de explosivo aplicado, ao processo de
iniciação da pega de fogo ou a despreendimentos imediatos devido ao facto do
suporte provisório não se encontrar próximo da frente de escavação.
A fenomenologia do túnel na vizinhança da frente de escavação apresenta duas
vertentes: uma que diz respeito ao comportamento periférico do maciço na zona
perturbada pelo efeito do desmonte com recurso a explosivos, outra relacionada com a
deformação da matriz rochosa devido aos movimentos de translação e rotação que
ocorrem nas superfícies de descontinuidades, tornadas cinematicamente viáveis pela
abertura de um vazio (Cunha, 1989).
Se a primeira vertente está intimamente ligada com os desprendimentos imediatos
após a detonação das pegas de fogo, a segunda relaciona-se com o tipo de suporte a
aplicar para fazer face a eventuais deslocamentos das descontinuidades.
3. FORMAÇÃO PERIFÉRICA DE UMA ZONA PERTURBADA PELO DESMONTE.
Com o decorrer do avanço da escavação de um túnel pode-se verificar
sobrescavações de considerável importância. São vários os fatores que, combinados,
podem contribuir para a formação da zona sobrescavada na periferia do túnel: a
estrutura da rocha, a perfuração, as técnicas de desmonte, o método de escavação e
o estado da tensão inicial do maciço rochoso.
2. Contribuição para o entendimento da zona perturbada na periferia de um túnel
3.1 Efeito do desmonte com explosivos.
É do conhecimento de todos aqueles que estão familiarizados com as técnicas de
desmonte a fogo, que o recurso a explosivos para efetuar uma escavação
subterrânea, afeta principalmente a estrutura da rocha devido ao processo de
detonação em redor dos furos do contorno. Os maiores efeitos são:
Produção de fraturas radiais ao longo do furo e agrupamento mais concentrado
de fraturas na zona da carga de fundo;
Expansão e propagação, pelas fraturas do próprio maciço, dos gases do
explosivo e ondas de choque;
Incremento momentâneo da tensão do interior até à periferia do túnel (Pusch,
1993).
Como consequência da aplicação da energia do explosivo ao material rochoso “in
situ”, as descontinuidades pré-existentes são ativadas dentro de uma certa distância
formando-se fraturas radiais em torno do furo, propagando-se a poucos decímetros de
profundidade (fig.1a e b). Esta energia é uma ação complementar da energia elástica
armazenada no terreno capaz de desencadear roturas inesperadas, introduz vibrações
no terreno cujos efeitos frequentemente escapam às mais cuidadosas previsões,
graças às anisotropias, heterogeneidades e descontinuidades do meio onde se
propagam (Gomes, 1989).
Fig. 1 – Fraturas hipotéticas e a influência da detonação. a) Estado inicial do maciço, b) momento da
detonação (Pusch et al, 1993)
3.2 Efeitos do posicionamento dos furos de contorno.
A localização e a direção dos furos, relativamente ao plano das fraturas, têm uma
grande importância prática visto que determina a influência da pressão dos gases e
das ondas sísmicas nos blocos superficiais. A figura 2 mostra um desenho
esquemático da perturbação da rocha causada pelo desmonte e pela tensão de
desprendimento.
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3. Contribuição para o entendimento da zona perturbada na periferia de um túnel
Fig. 2 - Bloco-diagrama do maciço xistento do A. H. de Penacova
Para além dos fatores anteriormente referidos há a considerar, para o agravamento da
zona perturbada os seguintes:
A imprecisão no emboquilhamento da furação, devido à irregularidade da
superfície da frente de escavação;
A necessidade técnica de divergir a furação de contorno para o exterior do
perfil de modo a permitir o emboquilhamento dos furos da pega seguinte (fig.
3);
Os desvios dos furos ocasionados pela intersecção das várias
descontinuidades e heterogeneidades.
Fig.3 – Afastamento do topo do furo em relação ao perfil teórico de escavação
3.3 O avanço das pegas de fogo.
O método de escavação, o dimensionamento do diagrama de fogo e o comprimento
das pegas devem ser estabelecidos de acordo com a qualidade do maciço rochoso a
atravessar (fig. 4). A execução sistemática de pegas com comprimento de avanço
reduzido resulta num maior número de cargas de fundo, induzindo um efeito de
“stress” mais localizado no maciço, por via das ações dinâmicas das ondas vibratórias
provenientes do desmonte. Assim, deve ser ponderado um comprimento de avanço de
maneira a diminuir esse efeito, por via de uma redução total do número de cargas de
fundo.
3
4. Contribuição para o entendimento da zona perturbada na periferia de um túnel
Fig. 4 - Túnel de adução do A. H. Penacova. Abertura da galeria piloto.
4. DEFORMABILIDADE DO MACIÇO ROCHOSO.
A cedência do maciço rochoso depende da posição das juntas em relação ao avanço
do túnel. Se durante um certo período de tempo o maciço rochoso teve um
comportamento claramente orientado e estável, mesmo quando cortado por outras
descontinuidades, pode-se afirmar que, uma eventual redistribuição de tensões
operada pela escavação não acarretou nenhum escorregamento ao longo das
superfícies de descontinuidade (fig. 5). Sendo nulos os escorregamentos nas fraturas,
pode-se supor que a rigidez das juntas é equivalente à deformabilidade da matriz
rochosa (Rocha, 1981).
Fig. 5 - Túnel de desvio da Barragem de Odeleite.
De forma antagónica, quando o maciço rochoso apresenta-se tectonizado, com
presença de falha(s) intersectada(s) por outras diaclases com superfícies argilosas, e
se ainda somarmos a presença de xistosidades com inclinações a favor do
deslizamento, estas condições podem, ser margem para dúvida, originar ruína(s) por
efeito de cedência (fig. 6 e 7). Neste caso a capacidade resistente das juntas é
claramente ultrapassada.
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5. Contribuição para o entendimento da zona perturbada na periferia de um túnel
Fig. 6 – Restituição do túnel de desvio da Fig. 7 – Abóbada do túnel de adução A. H.
Barragem de Odeleite Penacova
5. CONCLUSÃO.
O aparecimento de sobrescavações ao longo da superfície escavada tem várias
origens. Pelo atrás exposto, pode-se concluir que as operações de desmonte de rocha
subterrânea com recurso a explosivos produzem sobrescavações, ditas inevitáveis,
por consequência das limitações técnicas incontornáveis de execução da furação e do
uso de explosivos. Elas são mais gravosas consoante a menor qualidade do maciço
rochoso, a compartimentação associada e os métodos de desmonte e escavação.
Mesmo em maciços de razoável, ou mesmo, de boa qualidade, os despreendimentos
imediatos são resultado da zona perturbada pelo efeito do desmonte.
No caso do maciço rochoso com características menos resistentes, os
despreendimentos são os inerentes à sua qualidade. Eles serão mais gravosos se o
tempo para o tratamento da superfície exposta for superior ao tempo da sua auto-
sustentação. É importante que a instalação de suportes com a intenção de controlar as
deformações do terreno esteja próxima da frente de escavação ou mesmo efetuar uma
pré-consolidação do maciço antes da abertura do vazio.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CUNHA, A. P. (1989) – Acerca do comportamento de túneis na vizinhança da frente de
escavação. Revista Geotecnia, nº 57, Lisboa: pp. 49 – 70.
CUNHA, A. P. (1989) – Análise do comportamento de túneis em maciços rochosos
fracturados. Revista Geotecnia, nº 55, Lisboa: pp. 49 – 70.
GOMES, M. J. L. (1989) – A acumulação de energia na vizinhança das escavações
subterrâneas e a sua estabilidade. Revista Geotecnia, nº 56, Lisboa: pp. 57 – 69.
PUSCH, R., STANFORS, R., (1993) – Disturbance of rock around blasted tunnels. 4th
Int. Symp. Rock Fragmentation by Blasting – FRAGBLAST – 4, Vienna. Hans – Peter
Rossmanith, Editor, pp. 153 – 159.
ROCHA, M. (1981) – Mecânica das rochas. LNEC, Lisboa.
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