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CENTRO UNIVERSITÁRIO DO ESTADO DO PARÁ
ÁREA DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
BACHARELADO EM COMUNICAÇÃO SOCIAL COM HABILITAÇÃO EM
PUBLICIDADE E PROPAGANDA
ADRIANE CAROLINE RAIOL RODRIGUES
GABRIELA SOUSA DO CARMO
FEMVERTISING: CONSUMO E EMPODERAMENTO FEMININO NA MARCA
LOLA COSMETICS
Monografia apresentada em cumprimento parcial para às
exigências do curso de Comunicação Social – Publicidade e
Propaganda do Centro Universitário do Pará (CESUPA), para
obtenção do título de Bacharel em Comunicação Social –
Habilitação em Publicidade e Propaganda.
Orientado pelo Prof. Msc. Gleidson Gomes.
BELÉM – PA
2016
INTRODUÇÃO
As utilizações de estereótipos que envolvem o corpo e o comportamento da mulher
contribuem para a imposição de padrões e sexualização na comunicação e venda de produtos
e serviços, tendo a representação da imagem da mesma na publicidade passado por mudanças
de acordo com o contexto social no qual ela está inserida. Diversas marcas utilizam esses
tipos de estratégia , porém é preciso atentar-se para o fato de que usar mensagens que tratem
1
determinados grupos sociais como inferiores e que estejam baseadas em ideias sexistas não é
mais o que o público deseja encontrar em campanhas publicitárias.
Desde o lançamento da “Campanha pela Real Beleza”, da Dove em 2005, foi
percebida a tendência das marcas em investirem em uma comunicação mais humana e que
não pensa só e, especificamente, no lucro, sem considerar o indivíduo como sujeito particular.
Levando em consideração a atividade publicitária como algo além da venda apenas de
produtos, mas sim de conceitos, estereótipos e padrões, surge a necessidade de pesquisa sobre
essa nova realidade chamada de “​Femvertising​”, que começa a abrir novos caminhos para
uma publicidade cada vez mais representativa para as mulheres.
O termo é uma junção de ​feminism ​e ​advertising​, sendo ​Feminism ​referência ao
movimento feminista e os conceitos defendidos por ele, enquanto que ​advertising está ligado
à publicidade em geral. Em suma, é uma tática de marketing em que anúncios publicitários
tratam da autonomia e do empoderamento da mulher, trazendo discursos e ideias que
representem de maneira mais real e positiva as pessoas do gênero feminino, acompanhando o
desenvolvimento do lugar da mulher na sociedade e deixando de lado a manutenção de
estereótipos e padrões que culminem na insegurança pessoal por parte dessas potenciais
consumidoras (THINK EVA, 2015).
A partir disso, utilizaremos a marca Lola Cosmetics ​como objeto de estudo para
melhor analisar e compreender a atuação do ​femvertising no cenário nacional e seu impacto
sobre a representação da mulher na publicidade.
1
​No cenário nacional, temos a marca de cervejas “Itaipava”, que em 2015 lançou a campanha “Vai Verão”, personificando o
“verão” em uma figura feminina e mantendo a repetição da mulher seminua e hipersexualizada para comunicar com o
público masculino (DIP, 2015).
RELEVÂNCIA DO ESTUDO
A segunda metade do século XX trouxe consigo a “libertação” da mulher e do corpo
feminino do modelo tradicional, quando as mesmas tinham sua liberdade de expressão ainda
mais reprimida pelo julgamento da sociedade. Com o início dessa mudança, principalmente
nos padrões de beleza, o mercado observou a oportunidade de inserir o ideal de valorização e
investimento na aparência voltado para o público feminino (ROMÃO, 2010).
A publicidade, se aproveitando do momento, criou a ideia de corpo em que, segundo
Hoff (2005 apud SAMARÃO, 2007, p. 51) “mutila-se, modifica-se, transforma-se e
estetiza-se para servir como aporte de mercadorias/produtos e de conceitos/ideias”. A
sociedade observou a imagem da mulher se transformar em objeto de consumo, seja
sexualizada para atrair o público masculino, ou “perfeita”, gerando um modelo de idealização
de ser para o público feminino.
Mesmo tendo o “estereótipo do perfeito” como fator característico na maior parte do
século XX, a comunicação do mercado de beleza se expandiu e viu, no crescimento e
evolução do pensamento feminista e tecnologia da internet do século XXI, a chance de criar
novos conceitos de consumo e de relacionamento com o consumidor. A marca que mais
causou impacto ao se afastar da imagem sexista e limitada da mulher e investir no feminismo
foi a Dove, pertencente à empresa Unilever, que realizou uma pesquisa mundial para poder
criar em 2005 a “Campanha pela Real Beleza”, que foi protagonizada por mulheres que não
se encaixavam no estereótipo disseminado durante o século XX.
A campanha, que ainda tem seu conceito aplicado em várias publicidades da Dove
atualmente, ganhou (e ganha) maior visibilidade principalmente no ciberespaço , devido ao
2
grande compartilhamento da mesma nos sites de rede social, como o Facebook.
O Facebook se tornou uma das maiores redes sociais de interação e discussão
mundial, se tornando também destino para procura, partilha e aprendizado sobre determinado
assunto (PATRÍCIO; GONÇALVES, 2010). De acordo com a pesquisadora Raquel Recuero
(2014), a ação de compartilhar no Facebook é, de modo geral, considerada positiva, uma
2
​O termo ciberespaço foi criado pelo escritor de ficção científica William Gibson, sendo projetado em seu livro
Neuromancer​, de 1984. Em suma, o ciberespaço é um ambiente virtual que se utiliza da comunicação à distância via
informática para o estabelecimento de relações virtuais (GONTIJO ​et al​, 2007).
forma de apoio à determinada ideia/mensagem, aonde o usuário “agrega” outro valor a sua
face diante de seus seguidores.
3
Assim, movimentos sociais como o feminismo viram a oportunidade de debate e
recrutamento de pessoas que não pertenciam ao movimento, sem a interferência de mídias
monopolizadoras de informações e poder. Com isso, o espaço virtual passa a ser palco para
debate desses movimentos sociais representantes de minorias e, tendo em vista a
efervescência do feminismo no ciberespaço, surge a oportunidade das marcas se apropriarem
desse conceito em sua comunicação.
O mercado de beleza é o que mais investe na adesão do ​femvertising ​em seu
posicionamento e suas publicidades, como a marca de produtos capilares Lola Cosmetics​,
servindo de inspiração para outros segmentos de mercado que incorporam o conceito
cautelosamente e, em alguns casos, aplicando erroneamente os argumentos defendidos pela
tática.
A partir dessas reflexões, surge o seguinte questionamento: ​de que forma a Lola
Cosmetics constrói seu discurso publicitário focado no empoderamento feminino e qual a
percepção do público sobre esse discurso?
OBJETIVOS GERAL E ESPECÍFICOS
O principal objetivo da pesquisa é analisar como ​a Lola Cosmetics constrói seu
discurso publicitário focado no ​femvertising e qual a percepção do público sobre esse
discurso.
Para tanto, definimos os seguintes objetivos específicos:
a) Compreender de que forma a ​Lola Cosmetics está investindo em uma comunicação
empoderadora;
b) Entender quais estereótipos e arquétipos são desconstruídos a partir da utilização do
femvertising​ pela marca;
c) Analisar a importância de aliar a diversidade e a representatividade feminina ao
discurso da marca.
3
“​‘A face é uma imagem do self delineada em termos de atributos sociais aprovados’ (GOFFMAN, 1967, p. 5), ou seja, uma
imagem positiva constituída por um ator diante dos demais em determinado grupo no ciberespaço (RECUERO, 2014)”.
METODOLOGIA DA PESQUISA
De acordo com Antônio Gil (2010), os tipos de pesquisa variam de acordo com o
propósito da pesquisa e os meios de investigação que serão feitos para a coleta de dados e
desenvolvimento do projeto. Este trabalho é classificado como monografia que, segundo Cruz
e Lins (2005, p.4): “é o resultado de pesquisa e de estudos aprofundados sobre determinado
tema”.
Assim, para desenvolver a pesquisa, utilizamos as técnicas de pesquisa bibliográfica,
netnografia, grupo focal e pesquisa quantitativa online. A utilização destes quatro tipos
diferentes de pesquisa foi necessária para a construção de uma metodologia complementar
que pudesse trazer os resultados necessários para este trabalho. No que se refere à pesquisa
bibliográfica, que serviu de base para o desenvolvimento do aporte teórico, o material
consultado é constituído, pincipalmente, por livros e artigos científicos.
Entre alguns dos principais autores utilizados no aporte teórico da pesquisa, estão
Armando Sant’anna (2011) para falar sobre publicidade e propaganda e Manuel Castells
(2006) para contextualizar sobre os usos que a sociedade faz da tecnologia. Stuart Hall (2011)
e Walter Lippmann (2010) servindo de suporte para compreender a relação que há entre o
discurso publicitário e o contexto social. Vera França (2002) e Dominique Wolton (2006)
como bibliografia principal para tratar do processo comunicativo e da forma com a qual ele
acontece.
Sobre feminismo, Branca Alves e Jacqueline Pitanguy (1985), Simone de Beauvoir
(1949) e Flávia Biroli (2014) sustentam a apresentação e compreensão dos conceitos
abordados pelo movimento. Raquel Recuero (2009) e Pierre Levy (1999) são utilizados como
autores fundamentais para falar sobre cibercultura e fazer a análise das redes sociais do objeto
de estudo. Por fim, Hall (2011) e Canclini (1999) contribuem significativamente para o
entendimento de identidade do sujeito e a relação entre consumo e cidadania destes, para que
assim fosse possível explorar de forma clara o ​femvertising​.
Como material documental, houve a utilização e o levantamento de informações e
imagens utilizadas na comunicação da Lola Cosmetics em seu site e suas páginas nas redes
sociais (Facebook, Instagram e Twitter), selecionando as consideradas principais para a
análise do comportamento ​online​ da marca.
Para o desenvolvimento deste trabalho também foi utilizado o método de pesquisa
netnográfica, que é classificado como um método de pesquisa focado na interpretação e
investigação do comportamento de comunidades ​online​, tornando possível estudar diferentes
contextos sociais virtuais e servindo para analisar grupos de consumo e os vínculos
emocionais que os seguidores possuem com a marca (PAULA; TAVARES, 2014).
O grupo focal se caracteriza como pesquisa qualitativa e, de acordo com Patton
(2002 ​apud ​FLICK, 2009), é um método de pesquisa altamente eficaz que acontece por meio
da entrevista com um pequeno grupo de pessoas sobre um tópico específico, tendo como
vantagens o baixo custo e a riqueza de dados coletados. Por se classificar como
semiestruturado, as entrevistadoras realizaram perguntas abertas e fechadas para que as
entrevistadas pudessem dissertar sobre o assunto sem se atar completamente a pergunta feita
(MINAYO, 2013). O grupo focal tinha como finalidade proporcionar uma maior
familiaridade e proximidade com o tema que está sendo utilizado como objeto para o estudo,
além de auxiliar na construção da pesquisa quantitativa online.
A pesquisa quantitativa online foi realizada em formulário do ​Google, ​com os
gráficos de resultados gerados pela própria plataforma. De acordo com Fonseca (2002, p.20
apud GERHARDT; SILVEIRA, 2009, p. 33):
Diferentemente da pesquisa qualitativa, os resultados da pesquisa quantitativa
podem ser quantificados. [...] A pesquisa quantitativa recorre à linguagem
matemática para descrever as causas de um fenômeno, as relações entre variáveis,
etc. A utilização conjunta da pesquisa qualitativa e quantitativa permite recolher
mais informações do que se poderia conseguir isoladamente.
Com base nas respostas obtidas na pesquisa qualitativa, foram formuladas 12
perguntas que tinham como objetivo verificar se o empoderamento feminino e diversidade da
mulher, em suas formas e cabelo, como trabalhados pela Lola Cosmetics, são notados pelas
consumidoras da marca.
Assim, a monografia é composta por três capítulos. O capítulo I trará os
levantamentos teóricos sobre a comunicação e a publicidade e propaganda, analisando a
influência do contexto social no discurso publicitário e vice-versa, e como acontece o
processo comunicativo e as características de como o mesmo é construído.
O capítulo II inicia contando a história do movimento feminista e um apanhado das
suas principais características, analisa como o mercado de beleza utilizou e utiliza a imagem
da mulher na publicidade, e em como o ​femvertising ​surge, funciona e se destaca nesse
segmento, trazendo o conceito de empoderamento feminino como tática de venda.
Por fim, o capítulo III apresenta o objeto da pesquisa, a marca Lola Cosmetics,
analisando o uso do empoderamento feminino e a aplicação dos conceitos de ​femvertising na
sua comunicação nas redes sociais, finalizando com a análise dos resultados do grupo focal e
pesquisa quantitativa online.
Por fim, as considerações finais nos farão retomar os principais pontos tratados ao
longo do estudo, apresentando junto a isso as conclusões percebidas pertinentes para o tema.
CAPÍTULO I – Primeira Onda: A Comunicação e Seus Conceitos
1.1. A Comunicação e a Publicidade e Propaganda
Ao falarmos de publicidade e propaganda, é frequente a dúvida da diferença entre os
termos, que têm como sentido original, respectivamente, tornar público e difundir/propagar.
Em sentido mercadológico, a publicidade e a propaganda não significam
rigorosamente a mesma coisa, por mais que sejam usadas como sinônimos, e assim “a
publicidade é um meio de tornar conhecido um produto, um serviço ou marca; seu é despertar,
nos consumidores, o desejo pela coisa [...] (SANT’ANNA; JÚNIOR; GARCIA, 2011, p. 60).
Já a propaganda, para Jowett e O‘Donnell (2012, p. 6-7, tradução nossa), é “[...] uma
subcategoria de persuasão e informação. [...] propaganda é a tentativa deliberada e sistemática
de modelar percepções, manipular cognições, e direcionar comportamento para atingir uma
resposta que favorece a intenção desejada pelo propagandista.”.
Apesar das diversas definições disponíveis, as duas relacionam publicidade e
propaganda à persuasão, ou seja, têm como objetivo influenciar o público a qual se deseja
alcançar a partir de sua comunicação com o mesmo (KAMLOT, 2012). Assim, a
comunicação de massa, em um primeiro momento, foi concebida como uma mensagem
transmitida do emissor para o receptor, tendo como elemento mais importante até meados da
segunda metade do século XX, do ponto de vista mercadológico, o canal que garante o
contato entre os dois.
Para Mattelart e Mattelart (2010), ainda dentro de uma concepção funcionalista, que
analisava a sociedade como um organismo em que cada órgão tem suas funções determinadas,
[...] o XIX viu nascer noções fundadores de uma visão da comunicação como fator
de integração das sociedades humanas. Centrada de início na questão das redes
físicas, e projetada no núcleo da ideologia do progresso, a noção de comunicação
englobou, no final do século XIX, a gestão das multidões (MATTELART;
MATTELART, 2010, p. 13).
Kawano e Trindade (2007), ao tratar sobre as pesquisas em comunicação
desenvolvidas nos Estados Unidos no início do século XX, destacam a Escola de Chicago
como uma referência importante para a publicidade e propaganda, na medida em que seus
estudos de cunho sociológico e antropológico no contexto urbano antecedem a visão mais
prática e voltada para a política dos estudos subsequentes.
[...] é desse cenário que emerge uma das principais preocupações que orientam os
fundamentos de marketing e publicidade. Trata-se de considerar a relação
ambivalente entre os processos nos quais se manifestam a individualidade e
nivelamento/homogeneização do indivíduo à sociedade (KAWANO; TRINDADE,
2007, p. 166).
Posteriormente, os canais mais populares e estudados, tendo como referência de
pesquisa a “Escola Americana” e a “Teoria da bala mágica” , são os meios de comunicação
4 5
em massa, que se iniciaram com a popularização dos jornais, ganhando força, e se tornando
mais influenciadores no século XX com a criação e difusão do cinema, rádio e televisão
(MARSHALL, 2008).
Os meios de comunicação são comparáveis a “agulhas” ou “revólveres” que
injectam os seus conteúdos ou disparam as suas balas – as suas mensagens –, de
forma directa e imediata, nos indivíduos; os indivíduos são uma massa mais ou
menos moldável que recebe, de forma passiva, e é influenciada, de maneira
uniforme, pelas mensagens dos ​mass media​ (SERRA, 2008, p. 151).
Um exemplo da influência desses meios foi a comunicação organizada por Joseph
Goebbels utilizada pela Alemanha Nazista durante a Segunda Guerra Mundial, na qual
explorou os meios de comunicação de massa disponíveis, principalmente o rádio, para
disseminar suas ideologias, formar opiniões e induzir para que a opinião pública ficasse a seu
lado.
Nas décadas seguintes, tendo como incentivo a agilidade e influência do
conhecimento e informações proporcionados pelos meios de comunicações disponíveis, foram
realizadas pesquisas e experimentos, inicialmente para fins militares no fim da década de
1950, que culminaram no advento da ​Internet e a criação dos computadores (PERLES, 2007).
Por terem sido em seu começo benefícios dos que possuíam maior poder financeiro, são
considerados inovações da globalização que abriram o caminho para um mundo virtual de
6
comunicação e informação aceleradas e relações à distância.
O conceito de “aldeia global” do autor Marshall McLuhan se torna, com o advento
dessas novas tecnologias, cada vez mais presente, já que trata do mundo como se fosse uma
4
Trata-se de estudos, iniciados na década de 1930, que tinham como objetivo analisar as funções dos meios de
comunicação em massa e como eles afetavam e quais os efeitos que causavam nos receptores (FRANÇA, 2001,
p. 19).
5
​Teoria emergida entre 1920 e 1930 que estuda a propaganda veiculada pelos meios de comunicação de massa
(SERRA, 2007, p. 151).
6
​Para definir o que é globalização, Stuart Hall (2011, p. 67) utiliza Anthony Mcgrew (1992) para argumentar
que a globalização “se refere àqueles processos, atuantes numa escala global, que atravessam fronteiras
nacionais, integrando e conectando comunidades e organizações em novas combinações de espaço-tempo,
tornando o mundo, em realidade e em experiência, mais interconectado.
aldeia, onde tudo está interligado e onde ocorrem aproximação e trocas culturais entre os
povos (LIMA; FILHO, 2009). Mesmo tendo como forte característica a questão da
acessibilidade e agregação, há críticas que apontam que a partir das novas redes de
comunicação foram originadas novas formas de exclusões e agrupamentos, ou seja, quem
detém de poder, principalmente econômico e político, é que decide como essa globalização
será enxergada ou vivida pelos demais (VIEIRA, 2012).
Os sociólogos Manuel Castells e Gustavo Cardoso (2006) apontam que o termo
globalização é uma das formas de se referir à sociedade em rede e concordam que a mesma
exclui grande parte da humanidade, porém a afeta com sua lógica e relações de poder. A
sociedade em rede é uma estrutura social da dimensão virtual que acontece por meio das
novas tecnologias emergidas no início do século XXI e que afetou a sociabilidade das pessoas
que, ao integrar a realidade virtual com a real, sentem a emergência do individualismo
(CASTELLS; CARDOSO, 2006).
Uma característica central da sociedade em rede é a transformação da área da
comunicação, incluindo os media. A comunicação constitui o espaço público, ou
seja, o espaço cognitivo em que as mentes das pessoas recebem informação e
formam os seus pontos de vista através do processamento de sinais da sociedade no
seu conjunto. [...] Os sistemas de comunicação mediáticos criam os relacionamentos
entre instituições e organizações da sociedade e as pessoas no seu conjunto, não
enquanto indivíduos, mas como receptores colectivos de informação, mesmo quando
a informação final é processada por cada indivíduo de acordo com as suas próprias
características pessoais. É por isso que a estrutura e a dinâmica da comunicação
social é essencial na formação da consciência e da opinião (CASTELLS;
CARDOSO, 2006, p. 23).
Segundo Turkle (1989), citado por Oliveira (1999, p.3) “a tecnologia catalisa
alterações não só naquilo que fazemos, mas também na forma como pensamos. Modifica a
percepção que as pessoas têm de si mesmas, umas das outras, e da sua relação com o
mundo.”. Essas modificações afetam também a forma de consumo, que abandona mais a
questão da fidelidade e se torna fugaz e seletiva, passando a focar no que é mais novo,
tecnológico, alcance um status desejado e/ou esteja de acordo com as crenças e ideologias do
consumidor.
Além dos sites e o ​e-commerce , as ferramentas que mais auxiliaram na
7
transformação na forma de consumo da comunicação das marcas, principalmente entre jovens
e jovens adultos, foram as redes sociais, como ​Orkut​, Facebook ​e Linkedin​, que devem seu
7
“O e-commerce pode assim ser definido como o conjunto das transacções comerciais de produtos e serviços
efectuadas através da Internet ou de outros meios digitais. Portanto, trata-se de um processo equivalente ao
comércio tradicional, mas utilizando diferentes meios” (HORTINHA, 2001, p. 189).
sucesso graças a variedade que essas plataformas oferecem, como o compartilhamento de
conteúdos e a facilidade em criar e manter relacionamentos, e a forma como possibilitam a
construção ou experimentação de novas identidades para si próprio e para os outros (VIEIRA,
2012).
Com essa gama de público e possibilidades diferentes de ​merchandising ​e divulgação
de produtos/serviços, as redes sociais passam a se tornar plataformas essenciais para o
mercado, sendo percebidas também como forma de agregar valores à marca já que, segundo
Vieira (2012, p.8) “quando a publicidade anuncia um novo produto no mercado não está
apenas querendo vendê-lo, ela está, ao mesmo tempo, propondo mudanças de hábitos e de
conceitos de uma sociedade”.
1.2. Comunicação e o Processo Comunicativo
Nesse sentido, existem dois caminhos essenciais para falar sobre o processo de
comunicação: o primeiro diz respeito à execução básica de como a comunicação acontece, a
partir do argumento mais voltado à técnica, apresentado e defendido por Claude Shannon em
1948; o segundo possui um caráter mais subjetivo sobre o processo pelo qual a comunicação
passa, levando em consideração o sujeito, suas peculiaridades e todo o contexto desse
indivíduo.
O conceito defendido por Shannon é a Teoria Matemática da Comunicação, que
propõe o sistema da comunicação de maneira linear, considerando muito mais a técnica do
que as subjetividades de cada sujeito no momento em que receber e interpretar a mensagem
transmitida. De acordo Armand e Michéle Mattelart (2005, p. 59-60):
[...] o processo de comunicação responde a esse esquema linear que faz da
comunicação um processo estocástico, ou seja, afetado por fenômenos aleatórios,
entre um emissor que tem liberdade para escolher a mensagem que envia e um
destinatário que recebe essa informação com suas exigências [...].
Com isso, o autor também considera a existência de ruídos que podem afetar a
transmissão de tal mensagem e consequentemente afetar o conteúdo final e o que será
entendido pelo receptor. Nesse esquema de comunicação de Shannon ele foca apenas no
mecanismo do processo, sem levar em conta a significação dos sinais (MATTELART e
MATTELART, 2005). Apesar disso, compreender a parte mecânica da comunicação é
essencial para que seja possível entender que para além disso há muito mais para ser levado
em consideração no momento de analisar o processo comunicativo, e que considerar apenas
os meios não é suficiente para o contexto pós-moderno.
No momento de fazer a comunicação acontecer, é preciso lembrar que os ruídos
podem estar presentes e que o receptor não necessariamente vai compreender a mensagem da
forma que o emissor deseja. Tudo estará ligado ao contexto e repertório de cada indivíduo no
momento de recepção da mensagem.
Quando se trata do ambiente online (levando em consideração o contexto da marca
aqui analisada) as possibilidades de interpretações e mudança de contexto de uma mensagem
são ainda maiores.
Apresentado o primeiro caminho para falar sobre esse processo, surge o segundo,
que considera o processo comunicativo de maneira menos mecânica e mais subjetiva, levando
em conta as particularidades dos sujeitos e a significação dos sinais, pontos estes não
considerados pela Teoria Matemática.
Para Vera França (2002), a discussão sobre a comunicação e a forma como esta é
tratada parece colocar suas questões como solucionadas e resolvidas há tempos, porém é
possível perceber que essas questões envolvendo o objeto da comunicação se tornam cada vez
mais complexos à medida em que o sujeito se torna mais autônomo e esclarecido do poder de
decisão e influência que ele possui.
Para a autora, o processo comunicativo é um dos objetos da comunicação, que nada
mais é do que o processo de produção e circulação das informações, sendo este um objeto da
comunicação com maior amplitude e complexidade. A autora também aponta os meios de
comunicação de massa como um primeiro objeto, porém este restringe muito mais o potencial
da comunicação, estando alinhado ao conceito menos subjetivo apresentado anteriormente por
Shannon.
Um recorte dentro deste recorte, buscando refinar o objeto, vai circunscrever e
ater-se aos processos humanos e sociais de produção, circulação e interpretação de
sentidos, fundados no simbólico e na linguagem. Ainda assim, é um recorte por
demais amplo, e que pode se confundir com o estudo das relações sociais -
necessariamente fundadas no terreno da cultura, dos sentidos (FRANÇA, 2002, p.
6).
Isso permite entender a amplitude e complexidade do processo comunicativo, mas
também atentar para a importância de considerar aspectos sociais, humanos e simbólicos,
compreendendo a comunicação como um meio e a responsável pela construção de sentidos e
compartilhamento de ideias a partir do contato com o outro.
O processo comunicativo passa a ser elemento imprescindível para que o contato e a
relação entre os sujeitos (e até mesmo entre marcas e sujeitos) aconteça, pois é através dele
que as relações serão instituídas, os sentidos serão criados, e este torna-se o lugar onde os
sujeitos não apenas falam e se expressam, mas também se constroem socialmente, assumindo
papéis e ocupando seu espaço em sociedade (FRANÇA, 2002).
Aqui importa tratar da comunicação como de fato um ponto de vista, a partir do qual
é possível analisar e até mesmo compreender a realidade na qual cada sujeito vive, e esse
processo comunicativo se mostra essencial para legitimar essa relação com o outro, baseado
na troca de informações e realidades que influenciam a construção de novas identidades e
novos sentidos dentro de cada contexto.
Nesse aspecto, Dominique Wolton é o responsável por discutir sobre a
responsabilidade que há na comunicação no momento de construir as relações entre os
sujeitos. Para ele, “comunicar não é só produzir e distribuir informação, é também ser sensível
às condições nas quais o receptor a recebe, aceita-a, recusa-a, remodela-a, em função de suas
escolhas filosóficas, políticas, culturais” (WOLTON, 2006, p. 227).
Isso porque comunicar é muito mais complexo do que se imagina, e por mais que as
teorias ajudem a entender, ainda assim elas não conseguem dar conta de toda a amplitude que
é o processo que faz a comunicação acontecer e ser o que é. As reflexões de Wolton colocam
a comunicação no centro das preocupações sobre diversos assuntos, incluindo a relação entre
os povos e sujeitos.
É preciso lembrar também que a globalidade do processo comunicativo permite
uma busca maior pela liberdade e até mesmo individualidade de cada sujeito, afastando uns
dos outros, e por mais que isso se mostre como uma “ameaça” para o processo de construção
de sentido e de relações entre os indivíduos, esse lado negativo logo se torna inválido pois
junto com a liberdade surge também a necessidade de se estar conectado.
Livre, mas sozinho, numa sociedade em que os laços familiares, corporativistas,
socioculturais são muito menos fortes do que outrora. O risco da solidão é o preço a
pagar por essa liberdade de ser e de conexão. O indivíduo é ainda mais “interativo”
porque os contatos ​reais são difíceis. É então que encontramos as duas dimensões
contraditórias da comunicação: a da liberdade, mas também a da dificuldade da
relação autêntica com o outro (WOLTON, 2006, p. 31).
Assim, ao mesmo tempo que comunicar traz a liberdade para os indivíduos, também
exige que estes se conectem entre si para que haja a troca de informações e assim nasça de
fato a construção da esperada e necessária relação com o outro. Segundo Wolton (2006), a
comunicação acontece em 3 campos: o técnico, o que diz respeito à economia, e por último e
maior importância para o contexto deste trabalho, o que diz respeito ao social e cultural, sendo
também o menos visível.
Considerando a complexidade do processo comunicativo, o campo cultural e social
se mostra com uma carga de importância muito maior que o do campo técnico, pois as
ferramentas podem ser idênticas, mas o modo de comunicar mudará de acordo com esse
terceiro campo. Isso está diretamente ligado ao que influencia a construção do discurso
publicitário. Entretanto, aqui cabe tratar como se dá e para que serve o processo
comunicativo.
Nesse processo o receptor permanece como parte importante e necessária para a
comunicação acontecer, bem como para que a complexidade desse processo seja observada. É
preciso lembrar que os receptores continuam livres e críticos, como apontado por Wolton
(2006), e para que a comunicação não se torne banal e meramente técnica, é preciso sair do
campo focado apenas em transmitir informação e buscar a densidade por trás de cada
informação e história contada.
Essa análise e características do processo comunicativo servem tanto para
compreender seu exercício entre os indivíduos como também para estabelecer relações entre
marcas e o público. É preciso lembrar que a construção de sentido e de relações nem sempre é
feita apenas de sujeito para sujeito, mas em qualquer âmbito, baseado no conceito de que não
se pode não comunicar, sendo também essencial para compreender as possibilidades que a
comunicação e todo o estudo sobre seus objetos e características se interligam com a
comunicação para venda e com o público.
1.3. O Discurso Publicitário junto ao Contexto Social
Seja nos meios tradicionais como televisão e jornais, ou nos mais modernos, como as
redes sociais e sites, a publicidade, desde o século XX, estabeleceu a tendência de criar
estereótipos para estimular a venda dos produtos e serviços, sejam eles estéticos ou de
personalidade.
A publicidade lida com a beleza mercantil, ou seja, com a beleza direcionada à
promoção de marcas e ao faturamento das indústrias. Explora imagens que povoam
a imaginação da sociedade, e que podem não ser verossímeis, mas, talvez, sejam
parte da fantasia convencional dos indivíduos. A publicidade se tornou a cultura da
sociedade de consumo (SAMARÃO, 2007, p. 51).
A beleza mercantil “objetificou” os corpos de ambos os gêneros, sendo, porém, mais
severo e amplamente utilizado com o público feminino. Esse processo de estereotipação e
objetificação foi e é amplamente utilizado pela mídia, em especial pela publicidade e
propaganda. Por esse motivo, faz-se necessário compreender como se dá a construção do
discurso publicitário a partir do contexto social, para entendermos como se tornou possível
disseminar a imagem da mulher de forma apenas como objeto de venda e como um ser que
deveria estar de acordo com determinados padrões, ao invés de representá-la como humana e
considerando suas particularidades.
Muito é discutido sobre a influência que o contexto social tem sobre a construção do
discurso publicitário, e paralelo a isso também se discute o inverso: o impacto e influência
que os discursos tratados pela publicidade trazem para o social, seja ele no contexto
econômico, político ou individual.
[...] a comunicação com o mercado não pode ser entendida como separada do
universo, e que não influencia toda a sociedade nem sofre dela influência - ela é um
galho da árvore “mercado”, que necessariamente se nutre e se desenvolve de acordo
com as características e os comportamentos da sociedade. Por isso é necessário
entender melhor a sociedade contemporânea, além das causas e dos efeitos da
publicidade nesse cenário (SANT’ANNA; JÚNIOR; GARCIA, 2009, p. 70-71).
A partir disso, a proposta de pesquisa foca-se na relação entre a construção dos
discursos para consumo e o contexto social, considerando o indivíduo e suas particularidades,
bem como os grupos sociais e suas pautas majoritárias, já que é preciso lembrar que a base
para o ​femvertising​, que norteia este trabalho, é o feminismo enquanto movimento
político-social.
A publicidade é, acima de tudo, um meio de comunicação com pessoas e grupos de
pessoas, especificamente, e, portanto, seu discurso precisa se ajustar ao perfil do público alvo,
do grupo compreendido como principal potencial consumidor de um produto ou serviço
(SANT’ANNA; JÚNIOR; GARCIA, 2009). Em uma análise mais ampla, é possível
considerar que a construção do discurso publicitário dentro de um contexto social possui
caráter político e evidencia as relações de poder entre os indivíduos e a sociedade como um
todo.
Para o sociólogo John B. Thompson (2009, p. 21), “a posição que um indivíduo ocupa
dentro de um campo ou instituição é muito estreitamente ligada ao poder que ele ou ela
possui”. Quando se refere ao campo da mídia, em sua relação com a sociedade, o autor
considera como “poder simbólico” “[...] a capacidade de intervir no curso dos
acontecimentos, de influenciar as ações dos outros e produzir eventos por meio da produção e
da transmissão de formas simbólicas (THOMPSON, 2009, p. 24).
A partir disso, é possível perceber a ação que as relações de poder têm na construção
e seleção do que será tratado na publicidade. Ora, se determinado grupo social não exerce seu
direito ao poder e à representação simbólica na sociedade, logo a publicidade, e a mídia de
forma geral, não considerará necessário abrir espaço para tal discussão. Isso porque a
publicidade carrega o aspecto mercadológico que está diretamente ligado ao consumo. Com
isso queremos dizer que o fato de uma marca investir em um discurso menos objetificado e
mais humano está diretamente ligado ao retorno financeiro e de imagem que isso trará para si.
Nesse sentido, uma das questões que faz com que a comunicação passe por
mudanças é a resistência ou aceitação do receptor, pois é ele quem considera se uma
mensagem é relevante e aceitável para si ou não​. ​Quando isso acontece em grande escala, ou
seja, por um número considerável de indivíduos, a estratégia é moldada mais efetivamente por
parte das marcas. Ele é uma peça fundamental para a comunicação acontecer.
Na realidade, o receptor complica tudo, raramente está onde o esperamos,
compreendendo, em geral, algo diferente do que lhe dizemos ou gostaríamos que
compreendesse pelo som, pela imagem, pelo texto ou pelo dado. [...] mas a liberdade
do receptor consiste justamente em aceitar, repensar, negociar a mensagem recebida.
(WOLTON, 2006, p. 32)
E aqui precisamos pontuar que o receptor não é apenas aquele ao qual a mensagem
está sendo diretamente encaminhada, mas é preciso considerar os receptores secundários,
aqueles que serão atingidos por determinada mensagem mesmo não sendo o foco primário.
Exemplo disso são campanhas direcionadas ao público masculino, mas que utilizam de forma
indevida a imagem feminina. Por mais que o público feminino não seja o foco daquela
mensagem, ele se sentirá diretamente atingido por ela.
Abordar esses aspectos é necessário para que possamos compreender de que forma a
comunicação, e mais especificamente, a publicidade e propaganda vai atuar na construção da
imagem dos sujeitos. E para a eficácia desse processo, [...] é necessário entender as mudanças
que surgem a cada dia na dinâmica da publicidade mundial, em que não mais existem
barreiras. As ideias são propagadas, não importando como, onde ou quando, desde que
impactem de maneira efetiva o consumidor (SANT’ANNA; JÚNIOR; GARCIA, 2009, p. 64),
e mais do que isso, considerar que apesar do tradicionalismo permanecer em diversos
aspectos da sociedade contemporânea, as mudanças no comportamento dos indivíduos são
cada vez mais latentes, e isso se reflete diretamente na criação publicitária e no modo de se
fazer comunicação.
1.4. Opinião Pública e Cibercultura
Considerando o foco deste trabalho, torna-se imprescindível falar sobre o papel da
opinião pública na construção desses discursos publicitários. A opinião pública é uma área
que consegue envolver um estudo interdisciplinar, de forma complexa como base para
analisar diversos temas presentes em nossa sociedade. Walter Lippmann (2010) é um dos
principais estudiosos sobre o assunto, e nos apresenta dois temas fundamentais para
desenvolver a análise desta pesquisa.
O primeiro trata-se de imagens mentais, que estão diretamente ligadas ao sentimento
que se tem sobre determinado assunto, mesmo sem tê-lo vivido (LIPPMANN, 2010). Ou seja,
as imagens mentais são os conceitos e as imagens que são construídas em nosso
subconsciente sobre os mais variados tipos de assuntos, que envolvem acontecimentos,
lugares e até mesmo pessoas. Os impactos desse conceito estão diretamente ligados ao
segundo tema fundamental para a análise deste trabalho: os estereótipos.
É possível perceber que os estereótipos são, em parte, consequência das imagens
mentais que os indivíduos possuem sobre cada assunto.
Na maior parte dos casos nós não vemos em primeiro lugar, para então definir, nós
definimos primeiro e então vemos. Na confusão brilhante, ruidosa do mundo
exterior, pegamos o que nossa cultura já definiu para nós, e tendemos a perceber
aquilo que captamos na forma estereotipada para nós por nossa cultura
(LIPPMANN, 2010, p. 85).
Consequentemente, as mensagens propagadas pela comunicação também são de fato
estereotipadas. Por exemplo, construiu-se a imagem da mulher “perfeita”, que cuidava do lar
e estava de acordo com a moral e os bons costumes defendidos em determinada época. Assim,
a publicidade passa a retratar a imagem feminina do jeito que a sociedade de cada período
(seja da antiguidade, modernidade ou da pós-modernidade) desejava ver, independente do
grau de fidelidade à realidade que aquilo possuía.
É preciso considerar que a necessidade maior era de representar a sociedade e os
grupos específicos (por gênero e classe) de acordo com os interesses dos que possuíam poder
social no momento, em uma época em que a mulher ainda não era emancipada e não tinha
despertado para lutar por seu lugar na política e na sociedade como um todo, para além do
cuidado do lar. Por mais que ainda seja possível identificar tais características na
comunicação atual, o período aqui citado refere-se às décadas anteriores a primeira metade do
século XX.
Assim é aceitável afirmar que a publicidade possui o “poder simbólico”
(THOMPSON, 2009) e certa responsabilidade na criação e perpetuação de estereótipos na
sociedade. É ainda mais viável observar que a publicidade não necessariamente refletiu por
décadas os gêneros e classes da forma que estes eram, mas sim impuseram ideias e ideais
sobre estes que com o processo de repetição se tornaram verdade dentro de um contexto
delimitado.
Os meios de comunicação são os principais responsáveis pela troca de informação e
para a influência que as mudanças de contexto podem trazer para a mensagem em si.
Thompson (2009) considera alguns aspectos dos meios técnicos, dentre eles a forma com a
qual estes permitem “um certo grau de distanciamento espaço-temporal” (p. 28).
Todo processo de intercâmbio simbólico geralmente implica um distanciamento da
forma simbólica do seu contexto de produção: ela é afastada de seu contexto, tanto
no espaço quanto no tempo, e reimplantada em novos contextos que podem estar
situados em tempos e lugares diferentes [...]. No caso de uma interação face a face,
há um distanciamento relativamente pequeno. Uma conversa acontece num contexto
de co-presença: os participantes estão fisicamente presentes e partilham o mesmo
conjunto referencial de espaço e tempo (THOMPSON, 2009, p. 28).
A formulação de Thompson (2009) torna nítido a influência que o contexto, seja
social ou temporal, possui sobre a mensagem e a troca simbólica de informações. E para além
disso, outro fator de extrema importância é o sujeito e suas particularidades, em especial o
sujeito pós-moderno.
Com o processo de emancipação e cada vez maior autonomia do sujeito (ou
indivíduo) para se auto afirmar (HALL, 2011) e impor seus desejos e sua necessidade de
representação na mídia como um todo, a criação publicitária foi uma das que sofreram
precisando mudar seus posicionamentos e a forma com a qual entendiam esses indivíduos.
Mais do que isso, podemos observar que a publicidade precisou compreender seu público para
então oferecer uma comunicação que estivesse de acordo com o que este queria ver, e não
somente do jeito que a mídia insistia em representá-lo.
Nesse contexto, é importante considerar como a identidade se caracteriza no
contexto da pós-modernidade (HALL, 2011). O sujeito pós-moderno não tem mais sua
identidade centrada e focada em um único argumento; agora ele sofre modificações de acordo
com as experiências em sociedade e o contexto no qual ele está inserido. Com os sujeitos
compreendendo sua identidade de forma homogeneizada, isso consequentemente aconteceria
com a forma com a qual estes receberiam e aceitariam as mensagens midiáticas, atentando-se
para o fato de que a identidade é algo formado e adquirido ao longo do tempo e das
experiências do sujeito, como afirma o autor:
Assim, a identidade é realmente algo formado, ao longo do tempo, através de
processos inconscientes, e não algo inato, existente na consciência no momento do
nascimento. Existe sempre algo “imaginário” ou fantasiado sobre sua unidade. Ela
permanece sempre incompleta, está sempre “em processo”, sempre “sendo
formada”. As partes “femininas” do eu masculino, por exemplo, permanecem com
ele e encontram expressão inconsciente em muitas formas não reconhecidas, na vida
adulta (HALL, 2011, p. 38-39).
Com isso, é possível pontuar o papel que a comunicação e o discurso defendido e
disseminado por ela podem ter na construção das identidades dos sujeitos. Ora, se a
identidade desse indivíduo pós-moderno está em constante mudança, e assim esteve desde o
início da modernidade, quando o sujeito do iluminismo passou a dar lugar ao sujeito
sociológico (HALL, 2011), logo sua forma de consumir será um reflexo dessa identidade,
assim como o contrário também pode acontecer.
Essa autonomia do sujeito e sensação de confiança para expor suas ideias foi (e
continua sendo) cada vez mais intensificado a partir da cibercultura, que permitiu a chamada
“inclusão digital” e passou a dar voz às mais diversas pessoas, e aos poucos esse território
precisou ser ocupado, em partes, pelas marcas. Isso porque se a internet é o local onde o
público está, a comunicação será mais eficaz se a marca estiver próxima dele.
Por mais que existam diversos questionamentos sobre o processo de inclusão que o
mundo digital proporciona, afirmando-se que em muitos pontos trata-se de uma exclusão, não
se pode negar o fator de influência que a cibercultura trouxe para a atualidade, principalmente
considerando sua ligação com o poder de decisão dos indivíduos nas marcas.
Em resumo, a cibercultura pode ser entendida de diversas formas (e assim o é),
porém o conceito mais aceito a coloca como uma forma de comunicação e troca de
informações entre a sociedade, a cultura e as novas tecnologias que se tornaram possíveis
graças ao advento da convergência entre o modo tradicional de comunicação e a informática.
Também podemos caracterizá-la como um novo “dilúvio” surgido a partir dos avanços
tecnológicos, especialmente da internet (LÉVY, 1999).
Ela traz consigo (e assim existe) dentro do ciberespaço. Para Lévy (1999, p. 17):
O termo [ciberespaço] especifica não apenas a infraestrutura material da
comunicação digital, mas também o universo oceânico de informação que ela abriga,
assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo. Quanto ao
neologismo ‘cibercultura’, especifica aqui o conjunto de técnicas (materiais e
intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se
desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço.
O conceito de cibercultura e ciberespaço apresentado por Lévy (1999) são de
extrema importância para compreendermos a maneira com a qual esse universo digital
contribui e dá lugar e espaço para que os indivíduos se apropriem cada vez mais de seus
territórios e estejam próximos uns dos outros (para além do aspecto geográfico) para trocar
informações, permitindo que isso inclua a troca de ideias sobre as marcas e sua comunicação
como um todo. Ou seja, não é apenas o computador, ​smartphone, tablet, ​ou qualquer outro
aparelho conectado à internet que promove o nascimento e a permanência do ciberespaço,
mas sim a presença de cada sujeito e sua participação na troca de informações e disseminação
de conteúdo nesse meio.
A partir disso, cada indivíduo passa a ter o poder de decisão ainda maior e não
somente relacionado à compra de produtos e serviços, mas também no consumo dos
conteúdos produzidos por essas marcas. As chances de fracasso de uma campanha se tornam
ainda maiores no espaço virtual, onde o público pode interagir com a marca, compartilhar seu
conteúdo também de forma negativa e assim atingir um número ainda maior de pessoas que
talvez sequer teriam acesso àquilo em uma mídia tradicional que está longe das mãos do
público.
Essa compreensão da cibercultura e o ciberespaço é essencial para o andamento deste
trabalho, pois o espaço virtual é o principal território da marca aqui analisada e de seu
público, pois a Lola Cosmetics é uma loja que iniciou no ambiente online e possui grande
representação e interação com o público neste espaço.
CAPÍTULO II – Segunda Onda: Mulher, ​Femvertising​ e Identidade
2.1. O Feminismo
Antes de falar em ​femvertising é preciso entender sobre uma das bases para a
construção desse termo: o feminismo. Ele é um movimento político-social protagonizado por
mulheres e que teve sua ascensão primeira e principal durante a luta pelo direito ao voto
feminino, como tratado por Flávia Biroli e Luis Felipe Miguel (2014, p. 93):
A conquista do direito ao voto foi, por muitas décadas, o ponto focal do movimento
de mulheres. Da metade do século XIX até as primeiras décadas do século XX, o
sufragismo foi a face pública das reivindicações feministas. O acesso à franquia
eleitoral representava o reconhecimento, pela sociedade e pelo Estado, de que as
mulheres tinham condições iguais às dos homens para gerir a vida coletiva e também
que elas possuíam visões de mundo e interesses próprio, irredutíveis aos de seus
familiares.
Esse é o ponto inicial para pensar o feminismo e começar a compreender sua
importância para a representação social da mulher, que irá influenciar diretamente na forma
como o coletivo, a mídia e o individual compreenderá e tratará da imagem feminina.
O feminismo, em sua origem, tem seus princípios baseados de que todas as pessoas
nascem iguais, independente do gênero, e merecem os mesmos direitos por isso. A sociedade,
comandada por homens, é a culpada de corromper essa “a ordem natural” e criar um modelo
feminino a ser seguido, que fomenta a relação hierárquica do homem sobre a mulher e ao
mesmo tempo naturaliza a desigualdade de gênero (VIEIRO, 2005).
O feminismo procurou, em sua prática enquanto movimento, superar as formas de
organizações tradicionais, permeadas pela assimetria e pelo autoritarismo. [...] O
feminismo busca repensar e recriar a identidade de sexo sob uma ótica em que o
indivíduo, [...] não tenha que adaptar-se a modelos hierarquizados, e onde as
qualidades "femininas" ou "masculinas" sejam atributos do ser humano em sua
globalidade (ALVES; PITANGUY, 1985, p. 8-9).
Datado por se iniciar no século XVIII, no cenário da Revolução Francesa em que
mulheres lutavam pela plena cidadania, principalmente em questões políticas, o feminismo só
foi constatado como movimento social de cunho internacional no século XIX, iniciando o
movimento sufragista/ primeira onda do feminismo, porém sendo dividido, até o presente
momento, em três ondas.
Essas ondas, segundo Scott (1986 apud NARVAZ e KOLLER, 2006, p. 649)
“ocorreram em épocas distintas, historicamente construídas conforme as necessidades
políticas, o contexto material e social e as possibilidades pré discursivas de cada tempo”. A
primeira onda/sufragismo, diferente das outras ondas, tinha suas lutas bem “pontuadas”, ou
seja, os objetivos eram claros e diretos.
De acordo com Glória Vieiro (2005, p.78), “as mulheres em casa se tornaram cada
vez mais símbolo do status do êxito profissional do marido. Nesse contexto, as mulheres se
organizaram em torno da luta pelo status civil autônomo”. Essas mulheres lutaram,
principalmente, pelo direito ao voto, reivindicando também a igualdade nos estudos,
reivindicação de salários iguais e acesso igual a todos os níveis de uma profissão.
Dentro do movimento feminista, uma das maiores influenciadoras e autoras que
tratam sobre o assunto é a autora Simone Beauvoir e seus livros “O Segundo Sexo” (volume I
e II), lançados respectivamente em 1949 e 1967, sendo este primeiro considerado como base
para as mulheres na segunda onda.
No segundo volume, cita a famosa frase ​“ninguém nasce mulher, torna-se mulher”,
sendo esta considerada como uma espécie de slogan do feminismo. Tendo como base para
esta afirmação o seu livro “O segundo sexo”, ela analisa, através de diversas áreas do
conhecimento, como a mulher é um produto elaborado pela civilização, considerada como
“segundo sexo” por razões sociais e históricas, e como a mesma passou gerações sendo um
sujeito passivo as vontades e regras da sociedade que era comandada pelos homens.
Ao final dos anos de 1960 começou a surgir o que posteriormente seria chamado de
“a segunda onda” do movimento feminista. Aqui, o foco principal não era a luta somente por
direitos sociais básicos e de participação política, mas somado a isso veio o questionamento e
a tentativa de desconstrução do conceito de gênero. As provocações trazidas por Beauvior
passaram a ser aproveitas muito mais na construção de argumentos para essa segunda fase do
movimento. Nesse contexto, defendia-se que o “feminino” e o “masculino” não estavam
ligados às características biológicas, mas sim a algo cultural.
O “masculino” e o “feminino” são criações culturais e, como tal, são
comportamentos apreendidos através do processo de socialização que condiciona
diferentemente os sexos para cumprirem funções sociais específicas e diversas. Essa
aprendizagem é um processo social. Aprendemos a ser homens e mulheres e a
aceitar como “naturais” as relações de poder entre os sexos (ALVES e PITANGUY,
1985, p. 55).
Ou seja, tudo o que conhecemos ou entendemos como sendo “masculino” e
“feminino” nada tem a ver com características definitivas e diretamente ligadas ao sexo
biológico dos indivíduos, mas são coisas apreendidas em sociedade a partir do que a cultura
na qual estamos inseridos classifica e segrega como referente a cada gênero. Assim, a segunda
fase do feminismo inicia e abre as portas para que o conceito de gênero seja revisto e
ressignificado, permitindo assim a liberdade feminina no que diz respeito a sua representação
na sociedade.
É necessário demonstrar que não são propriamente as características sexuais, mas é a
forma como essas características são representadas ou valorizadas, aquilo que se diz
ou se pensa sobre elas que vai constituir, efetivamente, o que é feminino ou
masculino em uma dada sociedade e em um momento histórico. Para que se
compreenda o lugar e as relações de homens e mulheres numa sociedade importa
observar não exatamente seus sexos, mas sim tudo o que socialmente se construiu
sobre os sexos (LOURO, 2007, p. 21 apud LEVATTI, 2011, p. 4).
Entretanto, é preciso esclarecer que o movimento não pretendia invisibilizar as
características ligadas ao biológico, mas sim deixar claro que isso não é o ponto chave para se
definir o gênero e falar sobre ele.
A terceira onda se iniciou em 1980 e nela se destaca a intersecção do movimento
feminista, de acordo com Negrão (2002 apud NARVAZ e KOLLER, 2006 p. 649) “não há, na
atualidade, um só feminismo unívoco e totalizante, mas vários feminismos.”. É nesse
momento que as mulheres reconhecem ter o mesmo objetivo geral, porém enfatizam a
diversidade e singularidade dos “grupos” que podem se formar no movimento. A luta da
mulher branca é bem diferente da luta da mulher negra, que é diferente da luta da mulher
trans.
Desde suas origens, o feminismo não representa um bloco monolítico. A partir de
contextos distintos, e de questões diversificadas, eclodiram múltiplas vozes, que
tecem distintos discursos e práticas voltados ao mesmo tempo para a emancipação e
libertação das mulheres, e para uma mudança global na sociedade e na cultura
(VIEIRO, 2005, p. 86).
O grande desafio desta onda é lutar pela igualdade entre gêneros e, simultaneamente,
equiparar a igualdade entre os “grupos” do movimento, que sofrem de preconceito e falta de
informação na sociedade.
A terceira onda é considerada a onda do século XXI, e tem como um de seus
principais focos a diversidade do movimento, ou seja, a proposta de inclusão de mulheres de
diversas classes e raças, e nesse contexto dá origem e espaço para o conceito de
empoderamento feminino, que de acordo com Aithal (1999 apud SANDENBERG, 2006, p. 1)
“surgiu da “praxis” para a “teoria”, sendo utilizado primeiro por ativistas feministas e por
movimentos de base para depois se tornar objeto de teorização”, ou seja, mostra-se mais forte
e presente nas discussões, tanto dentro quanto fora do movimento.
O conceito, trabalhado durante todo o movimento na prática, retrata a mulher
independente, que tem poder absoluto sobre si na sociedade e que afronta a ideologia
patriarcal na qual foi inserida, tendo ainda como foco a erradicação da discriminação de
gênero e desigualdade social vivida pelas mulheres.
Existem duas perspectivas para se considerar o empoderamento (ROMANO, 2002).
A primeira é a abordagem de empoderamento, que coloca as pessoas e o poder no
centro dos processos de desenvolvimento, ou seja, parte-se da premissa de que a
ação social leva à transformação. E a segunda é o processo pelo qual as pessoas, as
organizações e as comunidades percebem sua competência para produzir, criar e
gerir e assumem o controle sobre seus próprios assuntos, sobre sua própria vida,
agindo em prol de uma mudança nas relações de poder existentes
(CKAGNAZAROFF; MAGESTE; MELO, 2008, p. 2).
Esta onda ganha força com a internet, que permite que a troca de informações e
diversas pautas sejam colocadas em discussão de forma quase simultânea. A terceira onda
também traz à tona a necessidade de uma comunicação pensada no público feminino de forma
a representar essas mulheres, que começam a questionar ainda mais campanhas que insistem
em permanecer utilizando a imagem feminina de maneira deturpada e objetificada. Nesse
contexto é possível perceber uma preocupação maior com a responsabilidade social, pois o
cliente/consumidor não é e nem deve mais ser visto de forma passiva, pois ele passa a ser
parte importante na decisão de conteúdo publicitário.
Hoje, a sociedade cobra das empresas uma atuação responsável e o consumidor tem
consciência da efetividade de seus direitos. Portanto, exige-se das empresas uma
nova postura que explicite suas preocupações com questões sociais
(responsabilidade social) e com a ética (FORMENTINI; OLIVEIRA, s/a, p. 1-2).
Assim, preocupar-se com questões sociais começou sendo um diferencial no
mercado, mas com o passar do tempo e a aceitação e cobrança por parte do público, essa
representatividade e atenção à forma com a qual a publicidade interpreta essas pessoas se
torna algo necessário para que a manutenção da empresa no mercado, pois se o público não se
enxerga em determinada marca, consequentemente ele não se tornará cliente.
Nesse contexto nasce o conceito de ​Femvertising​, que nada mais é do que a junção
das palavras ​Feminism (feminismo) e ​Advertising (publicidade) que vem dar nome à
publicidade feita de maneira consciente, na qual a mulher é a protagonista e é representada de
maneira livre e mais próxima do real, buscando assim mostrar que não é necessário a ideia de
que é preciso a objetificação e sexualização da figura feminina para o sucesso de uma
campanha.
Em pesquisa realizada pelo instituto Think Olga descobrimos que a mulher brasileira
gostaria de ser retratada com inteligência e independência. Uma propaganda
feminista, segundo critérios estabelecidos pela consultoria Plano Feminino,
idealmente coloca a mulher como protagonista da sua vida, traz o produto como
parceiro da mulher, e não como seu salvador, reconhece a mulher
incondicionalmente por seus talentos e promove o conceito de sororidade, isto é, a
parceria e apoio entre mulheres (FONTENELE, 2015, s/p).
Utilizar pautas defendidas dentro do feminismo para fazer publicidade é algo
necessário, mas que precisa ser feito com cautela. É preciso que a marca esteja realmente
engajada com o assunto, e transmita para seu público que sua preocupação com o tema possui
caráter social e não apenas comercial e com o objetivo de seguir uma tendência, sem antes
entender o feminismo.
[...] embora toda essa agitação do mercado tenha dado voz à causa feminista e
popularizado o termo que por muito tempo foi tabu entre mulheres e homens, não se
pode esquecer que o feminismo trata-se de um movimento social, político e
econômico sério. Marcas que não contemplam o real significado da causa estão
sujeitas à rejeições ainda maiores por parte do público (NASCIMENTO; DANTAS,
2015, p. 4).
Com isso, é possível perceber que apostar no ​femvertising não é garantia de sucesso
mercadológico, pois muito precisa ser entendido e estudado para que a comunicação fale de
forma clara e crível com as potenciais consumidoras, que interpretam e exigem melhor
representação publicitária.
O trabalho do ​femvertising nos leva diretamente ao uso do empoderamento feminino,
que ganha visibilidade na terceira onda do feminismo, na prática. Isso porque quando a
publicidade e propaganda se permite enxergar as mulheres de forma humana e não
objetificada, levando em consideração sua influência na mídia e na sociedade, a imagem da
mulher nos grandes e pequenos meios passa a ser menos estereotipada e mais empoderadora
para a população que se vê representada ali.
A ideia de representação nos remete diretamente ao uso de imagens pela mídia, aqui
em especial, pela publicidade. As imagens disseminadas pela publicidade são parte
da cultura da sociedade contemporânea brasileira. Essas imagens se tornaram
onipresentes e importantes meios para a difusão de signos, símbolos, culturas e
informações (SAMARÃO, 2007, p.47).
Durante séculos a imagem feminina estava diretamente ligada a algo frágil e com
tarefas e “habilidades” específicas, exclusivas ao cuidado do lar, o que fomentava o poder
entre os gêneros, mantendo o masculino como dominante ao feminino.
A verdade é que a especialização de tipo físico e moral da mulher, em criatura
franzina, neurótica, sensual, religiosa, romântica, ou então, gorda, prática e caseira,
nas sociedades patriarcais e escravocráticas, resulta, em grande parte dos fatores
econômicos, ou antes, sociais e culturais, que a comprimem, amolecem, alargam-lhe
as ancas, estreitam-lhe a cintura, acentuam-lhe o arredondado das formas, para
melhor ajustamento de sua figura aos interesses do sexo dominante e da sociedade
organizada sobre o domínio exclusivo de uma classe, uma raça e de um sexo
(FREYRE, 2006, p. 210).
Com o passar das décadas, a representação feminina na publicidade foi sendo
alterada, entretanto a ideia de utilizar a mulher de forma objetificada e sexista em campanhas
publicitárias se tornou cada vez mais presente, e atualmente, com a ascensão do ​femvertising a
visão negativa desse tipo de conteúdo passa a ganhar voz e visibilidade, e as empresas
começam a entender que as mulheres querem uma comunicação pensada para elas e por elas.
Considerando o contexto atual sobre a percepção do movimento, muito é afirmado
que ele começa a partir da discussão sobre a questão do aborto, porém apesar de ser um
argumento usual, ele está incorreto (HIRATA ​et al.​, 2009), e como foi possível observar ao
longo da apresentação sobre o movimento feminista e suas principais ondas, essa luta possui
diversas pautas que buscam a emancipação cada vez maior da mulher sobre si mesma e sobre
seu corpo, bem como sobre sua inclusão na sociedade de forma igualitária. A partir daqui,
após discutir e compreender o conceito de ​femvertising​, é necessário analisar sua utilização na
prática mercadológica, considerando as teorias de luta por trás de sua base.
2.2. Cenário de Beleza e o ​Femvertising
Apresentado anteriormente, o termo ​femvertising ​se refere ​a tática de marketing de
anúncios publicitários que reafirmam a autonomia e o empoderamento feminino, se
desfazendo do uso e disseminação de padrões e estereótipos da imagem da mulher. A criação
do mesmo se mostrou necessária dentro de um mercado acomodado e mal acostumado, que
precisa aprender a se comunicar com a diversidade e necessidades reais do público feminino.
Ao se pensar em publicidade, principalmente voltada para o público feminino,
surgem as ideias de sedução, manipulação, onde é apresentado um mundo diferente da
realidade das consumidoras que as convida a fazer parte do mesmo a partir da aquisição do
produto ou serviço, ou seja, passa a vender não só o que a marca oferta de fato, mas também
conceitos/padrões de estéticos e de vida (ARAÚJO, 2004).
Seja para o público feminino quanto masculino, a figura da mulher se tornou um
objeto na publicidade, utilizada para criar um “modelo perfeito” a ser alcançado ou o que se
faz/usa para atrair a mesma (VERÍSSIMO, 2005). Seu corpo é moldado de acordo com os
padrões da cultura de cada povo, sendo constantemente “aperfeiçoado” com o passar das
décadas.
Um dos mais conhecidos “mantras” de marketing, utilizado para atrair a atenção e
interesse do público feminino, é o “​skrink it and pink it​”, em tradução livre seria “diminua e
faça rosa”, que é quando uma empresa cria um produto específico “para elas”, enfatizando o
conceito de mulher delicada.
Essa reafirmação de gêneros do “mantra”, sendo a mulher representada pela cor rosa
e o homem pela cor azul, sendo muito utilizada principalmente pelo marketing esportivo, é
considerada antiquada atualmente, visto que as mulheres devem ser tratadas como um
segmento específico, que têm necessidades e preferenciais diferentes.
Mulheres sentem que o marketing esportivo as vê de forma errada. Elas querem ter
uma voz individual. Elas não querem ser homens. Elas querem ser mulheres, e
querem ser observadas por sua própria voz e individualismo. Querem programas que
as visem e se comuniquem com elas, ao invés de serem embrulhadas em um grupo
competitivo com os homens (SOAT, 2013, p. 34).
Entre os segmentos do mercado, o que mais persuade e impõe padrões à mulher é o
mercado de beleza, que sobreexcede o uso do conceito de perfeição. Seja dando enfoque na
feminilidade, sedução ou poder da mulher, as campanhas de beleza são conhecidas por utilizar
celebridades para simbolizar a superioridade do produto, com o objetivo de que o mesmo
elevará a consumidora ao mesmo nível da garota propaganda escolhida.
Figura 1​ - Campanha Monange
(Fonte: ​Site​ Uol) 
A campanha de 2012 da marca Monange (Figura 1), que incluía todas as linhas de
hidratantes, desodorantes e cuidados capilares, tinha como objetivo associar a imagem dos
produtos a modelos populares, explorando a ideia de que as mesmas são consumidoras
também e que a “mulher Monange” inspira aos que estão em sua volta. O problema na
campanha está na utilização de modelos para representar o ideal de beleza estética e
comportamental, porém não condiz com a diversidade da mulher brasileira consumidora da
marca. Segundo Azêredo (2007, p. 20-21 apud FALQUETO, 2014, n.p.):
Parece realmente haver um receituário que define a mulher “de verdade” como
sendo bonita, de acordo com regras bem específicas, que devem ser estritamente
cumpridas. [...] Cumprir tais regras, no entanto implica um alto consumo para cuidar
da aparência, do “físico” – frequentar academias de ginásticas (ou ter um ​personal
trainer​) – ou fazer operação plástica, lipoaspiração etc. para ter a pele sem rugas,
determinadas medidas do corpo, ter dentes perfeitos, cabelos sedosos e bem
pintados, e estar em dia com a moda, de preferência usando as grifes famosas do
primeiro mundo.
Tal representação da mulher não intensifica só o mercado de cosméticos, mas
também o de estética, por ressaltar que mulheres mais jovens são mais atraentes e com corpo
mais firme, como a campanha de 2012 da marca AVON sobre a linha ​Renew Genics​, que
utilizou a famosa modelo tcheca Paulina Porizkova como garota propaganda (Figura 2).
Segundo dados do SEBRAE (2015), de 2010 a 2015, o aumento nos números de salão de
beleza e clínicas especializadas em estética cresceu mais de 567%, colocando o país no
terceiro lugar mundial em beleza. Alves e Vanti (s/a, p. 3) afirmam “Atualmente o mercado
de beleza desconhece a crise econômica. Existe uma série de produtos e serviços que além de
embelezar, aumentam a autoestima das pessoas”.
Figura 2​ - Campanha AVON
(Fonte: Site Diário do Nordeste)
Outras características fortes na publicidade do mercado de beleza são a de se tornar
desejável para os homens, criando cenas em que a utilização de um produto ou serviço faça
com que todos ao redor notem e apreciem a consumidora, e a de utilizar de estratégias que
chamam a atenção do público masculino para campanhas voltadas exclusivamente para
mulheres, tal como a campanha da Pantene de 2008 (Figura 3) que utiliza do corpo da mulher
de forma sexualizada para vender shampoo. Além destas características, é possível perceber
que a publicidade voltada para o público feminino está diretamente ligada à aspectos estéticos
e comportamentais, utilizando-os como forma de definições de padrões para este público.
Figura 3​ - Campanha Pantene
(Fonte: AdWomen.org)
Mesmo sendo um segmento que ainda perpetua muito estereótipos, a publicidade do
mercado de beleza do século XXI viu, no crescimento de movimentos sociais em plataformas
digitais e discussões que os mesmos trouxeram, a oportunidade de criar e explorar novos
conceitos, conquistar a fidelidade e estreitar o relacionamento com a consumidora feminina,
que se tornou mais exigente, individualista e informada. Como citado previamente, a primeira
marca grande a quebrar com os estereótipos da “mulher perfeita” disseminados desde o século
XX foi a Dove, que em 2005 divulgou a campanha institucional ‘Campanha pela Real Beleza’
(Figura 4).
Figura 4​ - Campanha Dove
(Fonte: The
Inspiration
Room)
Protagonizada por mulheres de diversas idades e formas, felizes com sua aparência,
sem se importar com o julgamento dos que podem observá-las, a Dove provou ao mercado
que vender o conceito de valorização do bem-estar do consumidor, e não um padrão estético
inatingível ou produto/serviço torna a imagem e presença da marca mais positiva, não só para
seu público alvo, mas também para a vida das pessoas que veem a campanha (FREDERICO,
2007).
O furor causado pela campanha fez com que o mercado percebesse a importância de
valorizar a mulher pelo que ela é, ao contrário do que “impor” o que deveria ser. A mudança
também fez com novas oportunidades surgissem no mercado, como foi o caso da empresa
Plano Feminino​®, plataforma criada em 2010 que funciona como blog, criando e
compartilhando conteúdo de interesse das mulheres, como “escola”, atuando com cursos
sobre branding e representatividade, e como consultoria, para marcas que desejam conectar
suas estratégias de forma relevante junto ao público feminino .
8
A mais impactante mudança da relação entre mercado e empoderamento feminino
ocorreu a partir de 2013, quando o movimento feminista ganhou força nas redes sociais,
principalmente Facebook. No Brasil, pode-se dizer que o grande impulsionador para o
aumento sobre a discussão e entendimento do movimento foi a campanha contra o assédio
sexual em espaços públicos ‘Chega de Fiu Fiu’, da página Think Olga (Figura 5).
Figura 5​ - Campanha “Chega de Fiu Fiu”
(Fonte:Think Olga​)
A página e blog Think Olga foi criado em 2013 pela jornalista Juliana de Faria, um
projeto feminista que tem como objetivo criar e divulgar conteúdo que reflita sobre a
complexidade e diversidade das mulheres e empodere-as por meio da informação. A
8
​Site disponível em​: <​https://goo.gl/3RuJ6a​>​. Acesso em: 20 out 2016.
campanha ‘Chega de Fiu Fiu’ nasceu em 24 de julho do mesmo ano, sendo inicialmente
tratada através de ilustrações repudiando a assédio em espaços públicos, porém, ao receber
milhares de curtidas e compartilhamentos, Julia percebeu a necessidade de criar uma pesquisa
para provar os argumentos defendidos pela campanha (THINK OLGA, 2013).
A pesquisa tinha como objetivo saber a opinião das mulheres em relação às cantadas
que recebiam na rua e, em duas semanas, teve 7762 participantes, obtendo o resultado que
98% delas já haviam sofrido assédio, 83% não achavam legal, 90% já trocaram de roupa antes
de sair de casa pensando aonde iam por causa de assédio e 81% já haviam deixado de fazer
algo (ir a algum lugar, passar na frente de uma obra, sair a pé) por esse motivo (THINK
OLGA, 2013).
A divulgação desses dados nas redes sociais fez com que a repercussão se movesse
da internet para revistas e jornais, fazendo a página se tornar popular, o que resultou na
criação do ‘Mapa Chega de Fiu Fiu’, uma “​ferramenta para tornar as cidades mais seguras
para as mulheres​ ​ao relacionar geograficamente os locais e motivos que aumentam a
incidência de casos de assédio em determinadas áreas em busca de soluções que mudem essa
realidade” (THINK OLGA, 2013).
Outro projeto que criou um espaço digital para as mulheres e obteve resultados que
transpassaram o virtual, foi a empresa ​Sheknows , que em 2014 cunhou o termo ​femvertising e
9
que, atualmente, possui diversas plataformas, sendo considerada a empresa digital número 1
sobre estilo de vida feminino, tendo mais de 309 milhões de seguidores em suas redes sociais
.
10
Uma pesquisa de 2014 da empresa sobre ​femvertising​, que foi divulgada no evento
Advertising Week XI, contou com 628 participantes e mostrou que 52% das mulheres
admitiram comprar um produto porque gostaram a publicidade do produto representou a
mulher, 43% disseram se sentir bem em apoiar a marca e apenas 25% disseram que
continuaram usando um produto mesmo que não gostassem da forma que as propagandas do
mesmo retratam as mulheres (SHEKNOWS LIVING EDITORS​, 2014).
9
Fundada em 1999, plataforma ​SheKnows​.com foi criada para “mães do século XXI”, compartilhando blogs,
vídeos e artigos sobre entretenimento, estilo de vida e parentalidade escritos por experts da indústria, jornalistas e
autores publicados. Disponível em: <​https://goo.gl/jLQCU1​>. Acesso em: 20 out 2016.
10
​Em sua página de ​Facebook​, a empresa destaca comerciais que tratam sobre as mulheres de forma positiva e
empoderadora e em seu site reúne iniciativas e estudos em prol da igualdade de gênero, além de realizar, desde
2015, o #​Femvertising Awards​, onde premia marcas que desafiam as normas de gênero ao construir publicidades
que se comunicam positivamente com as mulheres.
Além desses projetos, outra grande iniciativa para impulsionar a mudança do
mercado publicitário em relação à igualdade dos gêneros foi a criação do prêmio ​Glass Lion
do Festival Internacional de Criatividade de Cannes, que premia “trabalhos que
implicitamente ou explicitamente endereça problemas de desigualdade de gêneros ou
injustiça, através de representação consciente de gênero na propaganda” .
11
Desde 2013 até hoje, o debate cresceu e tomou força, abordando outros problemas e
encontrando soluções relacionadas à mulher, seu empoderamento e liberdade. No mercado
publicitário brasileiro, as marcas que mais ousaram e abraçaram o ​femvertising ​fazem parte do
mercado de beleza, como a empresa de produtos capilares Lola Cosmetics, que perceberam
que ao manter um relacionamento mais estreito e “íntimo” com suas consumidoras, puderam
identificar quais mudanças realizar para fidelizar e aumentar ainda mais seu público.
2.3. O Empoderamento Feminino como Argumento de Venda
A partir da proposta que o ​femvertising traz para o mercado publicitário, o
empoderamento feminino passa a ser parte do argumento de venda que é construído para
compor o posicionamento de comunicação das empresas que compreendem as
particularidades e necessidade de melhor representação do público feminino. Isso porque, por
mais que haja um caráter positivo que propõe uma melhoria na maneira de se fazer
comunicação, não se pode esquecer que o ​femvertising​, ainda assim, se apresenta como uma
estratégia de marketing no mercado.
Mais do que qualquer outra coisa, falar sobre este assunto está diretamente ligado a
tratar sobre consumo e, sobretudo, sobre consumidores. É preciso compreender que o
consumidor não é mais o mesmo, e isso se deve às mudanças pelas quais o sujeito
pós-moderno passou, tendo sua identidade descentrada (ou fragmenta), como tratada por Hall
(2011).
O conceito de identidade está atrelado ao processo de identificação dos indivíduos,
que acontece e é construída a partir do reconhecimento de algo semelhante a si ou de
características apresentadas e compartilhadas por um grupo de pessoas, ou até mesmo
partindo de um ideal em comum (HALL, 2011), tendo essa definição de acordo com o senso
11
Site disponível e​m: <​https://goo.gl/706O8l>​. Acesso em: 20 out 2016.
comum. Essa identificação está sempre em processo, e é possível afirmar que ela nunca está
determinada completamente (não se pode perdê-la ou ganhá-la):
Assim, em vez de falar em identidade como uma coisa acabada, deveríamos falar em
identificação, e vê-la como um processo em andamento. A identidade surge não
tanto da plenitude da identidade que já está dentro de nós como indivíduos, mas de
uma falta de inteireza que é “preenchida” a partir de nosso exterior, pelas formas
através das quais nós imaginamos ser vistos por outros. Psicanaliticamente, nós
continuamos buscando a “identidade” e construindo biografias que tecem as
diferentes partes dos nossos eus divididos numa unidade porque procuramos
recapturar esse prazer fantasiado da plenitude (HALL, 2011, p. 39).
Com isso, percebe-se que a identidade passa a ser uma questão de “tornar-se” e não
apenas de “ser”. Isso será fator chave para as trocas e relações dos indivíduos em sociedade,
pois suas identidades irão posicioná-los e tornar possível que estes possam reconstruir e
transformar outras identidades também. A compreensão do conceito de identidade como algo
em constante processo é essencial para perceber os principais pontos que fazem os sujeitos da
atualidade ser quem são e como isso influencia nas relações de consumo desses indivíduos.
Falar dessa relação é ter em conta as articulações e tensões entre o mercado, as
identidades culturais locais e regionais e os processos comunicativos que estão presentes
nessas relações sociais. Isso porque esse encadeamento e trocas entre os indivíduos é fator de
extrema importância quando se trata de compreender o público e suas particularidades, para
então iniciar o processo de adaptação da comunicação e da publicidade para esses novos
consumidores. O consumo é uma forma de resposta ao mercado, sobre o que está funcionando
ou não para o consumidor, e para assimilar isso é preciso antes falar sobre o que é consumo.
Embora haja o entendimento de que estão todos sendo levados pelo senso comum,
agindo e consumindo de uma mesma maneira, também é verdade que os sujeitos são
diferentemente posicionados, de acordo com seus papéis sociais (HALL, 2005) e isso irá
impactar diretamente nessas relações com o outro, e consequentemente, com as marcas. A
relação com o outro é um fator importante para entender o empoderamento feminino como
algo além de uma luta e passando a ser um argumento de venda de produtos e serviços. Isso
porque a comunicação empoderada não diz somente a necessidade de cada mulher se perceber
na publicidade, mas também de como ela consegue identificar as outras mulheres, cada uma
com sua particularidade.
O consumo é interpretado de maneira negativa e considerado até mesmo fútil por
parte do senso comum. Mas o antropólogo Néstor García Canclini define o consumo como
algo muito além disso. O autor busca entender como as mudanças na forma de consumir
alteraram as possibilidades e as formas de exercer a cidadania. Para ele:
O consumo é o conjunto de processos socioculturais em que se realizam a
apropriação e os usos dos produtos. Esta caracterização ajuda a enxergar os atos
pelos quais consumimos como algo mais do que simples exercícios de gostos,
caprichos e compras irrefletidas, segundo os julgamentos moralistas, ou atitudes
individuais, tal como costumam ser explorados pelas pesquisas de mercado
(GARCÍA CANCLINI, 1999, p. 77).
Com essa nova realidade das identidades, os indivíduos passam a perceber que seus
posicionamentos são mais representados pelo consumo de bens e através dos meios de
comunicação do que estando de acordo com as regras da democracia. Ora, se os cidadãos
passam a compreender o valor e o poder que o seu consumo possui, logo ele passará a
assimilar que o “não-consumir” pode funcionar como forma de protesto. A partir deste
argumento, utilizar o empoderamento feminino e trabalhar de forma diferenciada a imagem da
mulher na publicidade passa a se mostrar como uma estratégia de mercado para atingir esses
indivíduos que compreender o nível de importância e posicionamento de seu consumo.
Aqui, o consumidor se torna mais do que um ser que troca valor monetário por
produtos ou serviços. Ele passa a exercer sua cidadania através do consumo, e isso se explica
a partir das transformações que a vida cotidiana sofreu nas grandes cidades através dos
séculos (GARCÍA CANCLINI, 1999). Dentro das propostas de entendimento de Canclini está
a de averiguar como as identidades se reestruturam “quando a participação segmentada no
consumo - que se torna o principal procedimento de identificação - solidariza as elites de cada
país [...]” (GARCÍA CANCLINI, 1999, p.87), pois essas formas de relações influenciam no
comportamento de consumo dos sujeitos. A questão da participação segmentada é importante
para entender as transformações pelas quais a publicidade passa, e do porquê o consumo ser
fator decisivo no momento de ratificação da diferenciação entre os indivíduos.
A partir daqui é necessário captar a ideia de que o público nunca foi homogêneo,
mesmo quando as primeiras teorias da comunicação tentavam classificá-lo desta forma. “Nem
mesmo os espectadores dos eventos chamados populares formam um conjunto homogêneo”
(GARCÍA CANCLINI, 1999, p. 105).
É preciso lembrar que antes de tudo, o consumidor também é um cidadão, e por esse
motivo a publicidade precisa parar de tratá-lo apenas como um ser que irá comprar e passar a
identificá-lo como um ser humano que precisa ser respeitado, mesmo quando sua classe não é
o público alvo da mensagem. Nesse ponto, torna-se a falar sobre a importância do contexto
social ligado às particularidades de cada região, pois o multiculturalismo permanece mesmo
(GARCÍA CANCLINI, 1999) quando se trata da estratégia de grandes grupos empresariais
que estão inseridas em diversos países.
Com isso, o empoderamento feminino se mostra como uma saída estratégica para
que a publicidade e as mídias possam se comunicar de outras formas com as mulheres
consumidoras e cidadãs do século XXI. Apesar do termo “empoderamento” ter se tornado
parte dos discursos atuais, principalmente no ambiente online, pouco se sabe de forma
específica e definitiva sobre o significado deste. A palavra vem do inglês ​empowerment​, que
em interpretação livre pode ser compreendido como “dar poder”, seja a algo ou alguém.
Assim, o empoderamento passou a dar nome e iniciar posicionamentos que visam enaltecer
e/ou dar visibilidade para causas de minorias.
Nesse sentido, é possível observar que o empoderamento feminino é necessário para
benefício não apenas de uma classe da sociedade, mas para ela como um todo. Se durante o
século XX muito se consumia pela necessidade dos produtos e serviços, atualmente o
argumento sobre o ato de consumir muda e passa a se dar a partir da identificação que os
indivíduos possuem com a marca e o discurso que ela defende. Dar autonomia para as
mulheres e mostrar na publicidade que o poder delas é real e algo necessário, excluindo o
antigo discurso que as enxergava como objetos e não como pessoas é fator decisivo para a
imagem de uma marca no mercado atual.
Estudar o modo como estão sendo produzidas as relações de continuidade, ruptura e
hibridização entre sistemas locais e globais, tradicionais e ultramodernos, do
desenvolvimento cultural é, hoje. um dos maiores desafios para se repensar a
identidade e a cidadania [...]. Ao se levarem em conta os conflitos sociais que
acompanham a globalização e as mudanças multiculturais, fica implícito que o que
ocorre com as indústrias é bem mais do que aquilo que vemos nos espetáculos da
mídia (GARCÍA CANCLINI, 1999, p. 175).
O empoderamento está diretamente ligado a isso. Consumir o empoderamento
feminino nada mais é do que consumir e se posicionar a favor daquilo que tanto faltou durante
décadas na propaganda para o público feminino: a representatividade da diversidade da
mulher e de suas capacidades e limites, que vão muito além do “ser bonita”, agradar o público
masculino ou cuidar do lar. Esse empoderamento só se torna um argumento de venda a partir
do momento em que as marcas começam a perceber e acompanhar as mudanças dessa nova
consumidora, com a publicidade pensando o público de forma mais humanizada, e por mais
que isto seja uma estratégia de marketing, não perde seu caráter positivo para as relações
sociais do indivíduo e sua forma de consumir.
Mais do que isso, empoderar é um meio de diminuir as desigualdades que existem no
campo da política e da economia no que diz respeito às mulheres, dando a elas autonomia,
voz e espaço nas diversas esferas da sociedade. A partir daqui é preciso parar de pensar o
indivíduo como um ser diluído na massa e no anonimato da metrópole e lembrar que tratar de
temas como cultura e identidade implica em analisar as interfaces com o mercado, já que é
dessa forma interligada que estas temáticas se apresentam no cotidiano das sociedades
contemporânea e moderna.
CAPÍTULO III – Terceira Onda: Lola e o Consumo Empoderado
3.1. A Marca Lola Cosmetics
A marca Lola Cosmetics (Figura 6) surgiu em 2010 e foi a primeira criada pelo
grupo Farmativa que, antes, apenas terceirizava cosméticos para marcas nacionais e
internacionais, focando em tratamentos e cuidados de alta qualidade para cabelos e corpo.
Figura 6​ - Avatar da ​fanpage​ da Lola
(Fonte: ​Fanpage ​da marca)
No começo, com apenas doze produtos, a marca era voltada para o público
profissional, porém alterou seu foco devido à demanda do consumidor final, seguindo para o
varejo e mantendo a qualidade de tratamento profissional. A Lola Cosmetics é conhecida pelo
apelo visual e textual em suas embalagens, com muito humor, cores vibrantes, inspiração
retrô e por ser uma empresa vegana e ​cruelty free , com formulação de seus produtos que
12 13 14
não possuem ingredientes nocivos como silicones insolúveis, óleo mineral, sulfatos, parafina,
corantes sintéticos, ftalatos e glúten, que são comumente utilizados por ter baixo custo,
15
barateando os produtos e aumentando os lucros das empresas.
12
Termo utilizado para denominar algo que está relacionado ao passado, a características especificas de
determinada época da história que voltam a ser utilizadas na atualidade.
13
De acordo com a Sociedade Vegetariana Brasileira, uma empresa vegana não utiliza nenhum produto de
origem animal, nem na sua composição, nem no seu processo de fabricação e nem no seu desenvolvimento.
(Disponível em: <​https://goo.gl/9lCFAW​>. Acesso em: 06 out 2016).
14
Se trata de produtos que não são testados em animais.
15
Os ftalatos são um conjunto de substâncias nocivas a saúde comumente utilizadas em cosméticos, já que são os
responsáveis pelo brilho e fixação de determinados produtos, como esmaltes, perfumes, shampoos e
condicionadores. Eles causam uma extensa série de problemas à saúde, que vão desde danos ao fígado até
anormalidades no sistema reprodutivo.
Em constante crescimento, de produtos e reconhecimento nacional, a marca não
possui loja própria, fazendo a venda de seus produtos através de lojas, salões, sites e
revendedores. Atualmente conta com oitenta produtos e com mais de 5.000 pontos varejistas
pelo Brasil, tendo crescido 200% em vendas em 2016 . Mantendo sua comunicação
16
essencialmente nas redes sociais, a Lola possui conta no Instagram e Twitter, e página no
Facebook, sendo esta a rede que mais tem seguidores, ultrapassando os 670 mil seguidores,
porém tendo no ​Instagram o maior número de ​likes​, que se mantém em média acima de 500
curtidas por publicação.
De maneira um pouco amadora, a Lola Cosmetics tinha sua comunicação pautada na
representação da mulher inspirada nas ​pin-ups dos anos 40 a 60, mantendo a linguagem
17
divertida que é marca registrada da empresa (Figuras 7 e 8). Seja com as embalagens (Figura
9) ou com sua comunicação online, a marca sempre se destacava pelas cores vibrantes e bom
humor, porém, a partir de junho de 2015, resolveu se reestruturar visualmente com o intuito
de ter, em geral, uma identidade própria.
Figura 7​ - Publicação anterior à reestruturação visual
(Fonte: ​Fanpage​ Lola Cosmetics)
16
De acordo com matéria publicada no site VejaRio. Disponível em: <​https://goo.gl/bFDrUp​>. Acesso em 06
nov 2016.
17
Modelos da beleza ideal, as pin-ups foram, originalmente, garotas propagandas de bens, serviços e ideais
norte-americanos do segundo terço do século XX (MIRANDA, 2014, p.148).
Figura 8​ - Publicação que faz parte da embalagem de um dos produtos da marca
(Fonte: ​Fanpage​ da Lola)
Figura 9​ - Primeiras embalagens da Lola Cosmetics
(Fonte: Leti Saraiva)
Essa restruturação foi marcada pela remodelagem dos produtos que já faziam parte
do catálogo marca, a inclusão de várias linhas novas, como os óleos Pinga, linha Rapunzel e
Volumão, e o início do novo segmento da empresa, a linha de maquiagem ‘Oh!Maria’, que
contou com a criação de oito ilustrações de mulheres (Figura 10) de diferentes raças, tipos de
cabelo e formas, ainda seguindo uma estética mais leve de ​pin up​, mas trazendo uma proposta
mais inclusiva para todos os tipos de mulheres se reconhecerem na marca. Estas novas
personagens possuem características que representam a diversidade das mulheres, além de
serem retratadas de forma imponente que reflete atitude e personalidade em cada uma.
Figura 10​ - 5 das 8 personagens da marca
(Fonte:​ Fanpage​ da Lola Cosmetics)
As novas linhas da marca se destacaram também por inovarem nos nomes, elevando
o bom humor, como no caso dos produtos de tratamento ‘Loira de Farmácia’ e ‘Eu Sei O Que
Você Fez Na Química Passada’ (Figura 11) e os que têm seus nomes inspirados em filmes
clássicos, como os cremes ‘O Poderoso Cremão’ e ‘O Exterminador de Frizz’ e o bálsamo de
styling ‘Oleosos e Furiosos’ (Figura 12).
18
Figura 11​ - Exemplo de nomes dos produtos Lola
(Fonte: Site Lola)
18
Produtos capilares que têm como função fixar a finalização/penteado, para que dure e segure por mais tempo.
Figura 12​ - Exemplos de produtos Lola Cosmetics com nomes parodiando filmes famosos
(Fonte: Site Lola Cosmetics)
Com isso, ao unir a análise da reestruturação visual com os princípios da marca,
percebe-se que a proposta principal é representar e falar com mulheres que consomem
produtos de beleza. Além de quebrar o tabu de que a beleza é para poucas, a Lola reforça o
discurso sobre a beleza da diversidade e diferença de cabelos de todos os tipos como forma de
propagar o amor próprio, engradecendo a autoestima de suas consumidoras.
3.2. Análise da Comunicação e das Redes Sociais da Lola Cosmetics
Como apresentado anteriormente, a Lola Cosmetics nasceu tendo sua comunicação
concentrada e exclusiva nas redes sociais, e essa estratégia se mantém atualmente, se
mostrando como meio de relevância para a divulgação da marca e seu relacionamento com os
clientes e com seu público como um todo. Esse tipo de estratégia se mostra eficaz para a
marca, que consegue desenvolver interações com os seguidores, que podem ser classificadas
de tal forma:
A interação social, no âmbito do ciberespaço, pode dar-se de forma síncrona ou
assíncrona, segundo Reid (1991). Essa diferença remonta à diferença de construção
temporal causada pela mediação, atuando na expectativa de resposta de uma
mensagem. Uma comunicação síncrona é aquela que simula uma interação em
tempo real. Deste modo, os agentes envolvidos têm uma expectativa de resposta
imediata ou quase imediata, estão ambos presentes (on-line, através da mediação do
computador) no mesmo momento temporal (RECUERO, 2009, p. 32).
Na análise realizada das redes sociais da Lola Cosmetics, foi possível perceber o
grau de engajamento que as publicações alcançam e o nível de interação com o público que a
marca possui é significativo, sendo importante notar o alcance e retorno que os conteúdos
impulsionados possuem. O advento da Internet trouxe diversas mudanças para a sociedade.
19
Entre essas mudanças, temos algumas fundamentais. A mais significativa, para este trabalho,
é a possibilidade de expressão e sociabilização através das ferramentas de comunicação
mediada pelo computador (RECUERO, 2009, p. 24).
3.2.1. SITE
O site da Lola Cosmetics pode ser entendido como uma ferramenta de apresentação
20
dos produtos de maneira mais detalhada, e apesar da marca ter sua comunicação focada no
digital, o site não possui e-commerce e os produtos são vendidos em outros sites, como
assinalado anteriormente. A ​home page apresenta quatro ​banners sobre produtos, uma área
institucional e comercial, e atualizações do Facebook e do Twitter na parte inferior do site.
Figura 13​ - Home page do site da Lola Cosmetics
(Fonte: Site da marca)
19
O “impulsionamento” é um dos recursos do Facebook para empresas que permite que uma publicação ou uma
página sejam anunciadas no ​feed de notícias de uma quantidade de pessoas definida a partir do valor pago pela
empresa.
20
Disponível em: <lola.ind.br>. Acesso em: 06 nov. 2016.
Figura 14​ - Aba “Onde Comprar”
(Fonte: Site da Lola)
No site ainda é possível ter acesso a informações de todos os produtos da marca, e as
divisões e classificações seguem a linha divertida e descontraída proposta pela comunicação
da marca. As abas principais são: ​Home​, Por Produto, Por Drama, Lolapédia, Instalola, Quiz e
Contato.
Figura 15​ - Aba que classifica os produtos “Por Drama”
(Fonte: Site da Lola Cosmetics)
De maneira geral, a organização do site está acessível e as informações bem
distribuídas, sendo possível encontrar produtos específicos de acordo com as necessidades das
consumidoras e de forma rápida e prática (ver Figura 15). O ponto negativo são as
informações sobre a marca, pois estas são vagas e pouco dizem sobre a proposta que a mesma
defende. Ademais, mesmo não possuindo e-commerce, logo na ​home page está disponível a
seção com os locais em cada estado onde os produtos são vendidos.
3.2.2. FACEBOOK, INSTAGRAM E TWITTER
Os conteúdos compartilhados pela Lola Cosmetics não são personalizados para cada
rede social, sendo possível encontrar as publicações do Facebook também no Instagram. A
marca possui 368 mil seguidores no Instagram , contando com 1.979 mil publicações e
21
seguindo 230 perfis , e sua relação com público se mantém positiva e ativa nesta rede social
22
também.
Figura 16​ - Fanpage da Lola no Facebook
(Fonte: ​Fanpage​ da Lola)
21
Disponível em: instagram.com/lolacosmetics
22
Os dados coletados e aqui apresentado dizem respeito à situação das redes sociais da Lola até o da 08 de
novembro de 2016, quando o levantamento foi encerrado.
Figura 17​ - Perfil da Lola no Instagram
(Fonte: Perfil da marca no Instagram)
Em sua ​fanpage ​no Facebook, a Lola possui aproximadamente 675 mil
curtidores/seguidores que acompanham diariamente as publicações da página. O conteúdo
compartilhado é todo produzido pela marca, sempre muito colorido e utilizando a imagem das
suas personagens próprias. Ao analisar as peças publicadas nas redes sociais, é possível
perceber as influências visuais que a marca carrega. Uma das principais é a da famosa
campanha ​“We can do it ”, que traz a imagem de uma mulher mostrando que pode fazer
23
qualquer tipo de trabalho e não ficar restrita ao trabalho doméstico.
Figura 18​ - Exemplo de publicação no Instagram, ressaltando a beleza feminina
(Fonte: Perfil da marca no Instagram)
23
A campanha “foi parte de um processo que visava movimentar as mulheres e mobilizar todos os esforços
possíveis para sustentar a Segunda Guerra Mundial” (BAKKER; RIBEIRO, 2014), e que posteriormente passou
a ser usada como ícone do movimento Feminista.
Já no Twitter, a marca possui 2.657 seguidores, 4.926 ​tweets , e seu perfil está ativo
24
desde 2011. As publicações da marca também se limitam ao mesmo conteúdo que é
produzido para as outras redes sociais. As imagens são publicadas poucas vezes, aparecendo
como ​links ​para o Facebook, sendo uma estratégia positiva para incentivar a migração de fãs e
seguidores de uma rede social para outra, aumentando assim o seu alcance e sua propagação
nas redes das consumidoras. Entretanto, ao testar os ​links​, eles redirecionavam para o
Facebook, porém as páginas estavam fora do ar.
Figura 19​ - Perfil da Lola no Twitter
(Fonte: Perfil da Lola no Twitter)
Figura 20​ - Exemplo de publicação da Lola no Twitter
(Fonte: Twitter da Lola)
O discurso da marca não coloca a Lola como única responsável pela beleza da
mulher, mas como uma auxiliadora para que isso aconteça, empoderando as mulheres de
forma a reafirmar que sua beleza já existe e está presente, tendo a Lola apenas para ajudar a
24
Nome dado às publicações feitas no Twitter.
deixá-las ainda melhor, com ênfase na beleza capilar. Importante ressaltar que a qualidade dos
produtos é um ponto relevante para as consumidoras, porém a maneira como esses produtos
são vendidos e apresentados ao cliente é que diferencia a marca de outras do mesmo
segmento. As interações por comentários são maiores no Facebook, e por curtidas são maiores
no Instagram.
Figura 20​ - Exemplo de publicação que promove interação com o público
(Fonte: ​Fanpage ​da Lola)
Figura 21​ - Peça de divulgação da Lola (à esquerda) e imagem utilizada como um dos ícones do movimento
feminista (à direita)
(Fonte: ​Fanpage ​da marca)
Mesmo inspirada na campanha “We can do it”, a personagem ganha traços e detalhes
incomuns ao padrão europeu que costuma ser utilizado em diversas estratégias midiáticas.
Aqui, a personagem é negra, possui tatuagens e usa roupas que a traduzem como “estilosa”,
passando longe da sexualização, mesmo usando parte do sutiã à mostra e uma camiseta curta.
Fica nítido que a comunicação é feita diretamente para as mulheres, para que elas possam se
ver bonitas e autossuficientes, não mais colocando produtos de beleza como parte essencial
para conseguir agradar os homens. A proposta da marca é a de que a mulher não precisa se
arrumar ou se cuidar para sair com o namorado, ou para ficar bonita para o homem, mas sim
para se sentir ainda mais bonita para si mesma.
Figura 22​ - Publicação das redes sociais da Lola, enfatizando a importância de usar os produtos da marca
(Fonte: ​Fanpage​ da Lola)
No discurso adotado pela Lola, os produtos da marca passam a atuar como
companheiros das clientes. Assim, para estar feliz e completa elas não precisam de outra
pessoa, mas sim do seu “​lola” preferido. Uma das principais caraterísticas que enfatiza a
proximidade que a marca busca ter com as consumidoras é a através do modo com o qual ela
as trata. “Lolete” é o termo adotado para se referir a suas consumidoras, seguidoras e fãs,
sendo sempre utilizado nas mensagens e legendas das postagens realizadas nas redes sociais.
Essa estratégia revela o cuidado com esse público que está sempre online e com as
ferramentas necessárias para interagir positiva ou negativamente com as marcas. Pautado na
discussão sobre as interações na internet, Recuero (2009) diz que a comunicação mediada por
computador (e atualmente é possível incluir aqui os ​smartphones​) permitiu aos indivíduos
mais do que se comunicar, mas ampliou a capacidade de conexão, possibilitando que novas
redes fossem criadas e se expressassem nesse espaço online. Assim, cada seguidor da marca
passa a ser um nó nessa rede estabelecida, se conectando com outros e assim permitindo que
cada vez mais a rede principal da Lola se estenda e atinja um público maior.
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Femvertising e empoderamento na Lola Cosmetics

  • 1. CENTRO UNIVERSITÁRIO DO ESTADO DO PARÁ ÁREA DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS BACHARELADO EM COMUNICAÇÃO SOCIAL COM HABILITAÇÃO EM PUBLICIDADE E PROPAGANDA ADRIANE CAROLINE RAIOL RODRIGUES GABRIELA SOUSA DO CARMO FEMVERTISING: CONSUMO E EMPODERAMENTO FEMININO NA MARCA LOLA COSMETICS Monografia apresentada em cumprimento parcial para às exigências do curso de Comunicação Social – Publicidade e Propaganda do Centro Universitário do Pará (CESUPA), para obtenção do título de Bacharel em Comunicação Social – Habilitação em Publicidade e Propaganda. Orientado pelo Prof. Msc. Gleidson Gomes. BELÉM – PA 2016
  • 2. INTRODUÇÃO As utilizações de estereótipos que envolvem o corpo e o comportamento da mulher contribuem para a imposição de padrões e sexualização na comunicação e venda de produtos e serviços, tendo a representação da imagem da mesma na publicidade passado por mudanças de acordo com o contexto social no qual ela está inserida. Diversas marcas utilizam esses tipos de estratégia , porém é preciso atentar-se para o fato de que usar mensagens que tratem 1 determinados grupos sociais como inferiores e que estejam baseadas em ideias sexistas não é mais o que o público deseja encontrar em campanhas publicitárias. Desde o lançamento da “Campanha pela Real Beleza”, da Dove em 2005, foi percebida a tendência das marcas em investirem em uma comunicação mais humana e que não pensa só e, especificamente, no lucro, sem considerar o indivíduo como sujeito particular. Levando em consideração a atividade publicitária como algo além da venda apenas de produtos, mas sim de conceitos, estereótipos e padrões, surge a necessidade de pesquisa sobre essa nova realidade chamada de “​Femvertising​”, que começa a abrir novos caminhos para uma publicidade cada vez mais representativa para as mulheres. O termo é uma junção de ​feminism ​e ​advertising​, sendo ​Feminism ​referência ao movimento feminista e os conceitos defendidos por ele, enquanto que ​advertising está ligado à publicidade em geral. Em suma, é uma tática de marketing em que anúncios publicitários tratam da autonomia e do empoderamento da mulher, trazendo discursos e ideias que representem de maneira mais real e positiva as pessoas do gênero feminino, acompanhando o desenvolvimento do lugar da mulher na sociedade e deixando de lado a manutenção de estereótipos e padrões que culminem na insegurança pessoal por parte dessas potenciais consumidoras (THINK EVA, 2015). A partir disso, utilizaremos a marca Lola Cosmetics ​como objeto de estudo para melhor analisar e compreender a atuação do ​femvertising no cenário nacional e seu impacto sobre a representação da mulher na publicidade. 1 ​No cenário nacional, temos a marca de cervejas “Itaipava”, que em 2015 lançou a campanha “Vai Verão”, personificando o “verão” em uma figura feminina e mantendo a repetição da mulher seminua e hipersexualizada para comunicar com o público masculino (DIP, 2015).
  • 3. RELEVÂNCIA DO ESTUDO A segunda metade do século XX trouxe consigo a “libertação” da mulher e do corpo feminino do modelo tradicional, quando as mesmas tinham sua liberdade de expressão ainda mais reprimida pelo julgamento da sociedade. Com o início dessa mudança, principalmente nos padrões de beleza, o mercado observou a oportunidade de inserir o ideal de valorização e investimento na aparência voltado para o público feminino (ROMÃO, 2010). A publicidade, se aproveitando do momento, criou a ideia de corpo em que, segundo Hoff (2005 apud SAMARÃO, 2007, p. 51) “mutila-se, modifica-se, transforma-se e estetiza-se para servir como aporte de mercadorias/produtos e de conceitos/ideias”. A sociedade observou a imagem da mulher se transformar em objeto de consumo, seja sexualizada para atrair o público masculino, ou “perfeita”, gerando um modelo de idealização de ser para o público feminino. Mesmo tendo o “estereótipo do perfeito” como fator característico na maior parte do século XX, a comunicação do mercado de beleza se expandiu e viu, no crescimento e evolução do pensamento feminista e tecnologia da internet do século XXI, a chance de criar novos conceitos de consumo e de relacionamento com o consumidor. A marca que mais causou impacto ao se afastar da imagem sexista e limitada da mulher e investir no feminismo foi a Dove, pertencente à empresa Unilever, que realizou uma pesquisa mundial para poder criar em 2005 a “Campanha pela Real Beleza”, que foi protagonizada por mulheres que não se encaixavam no estereótipo disseminado durante o século XX. A campanha, que ainda tem seu conceito aplicado em várias publicidades da Dove atualmente, ganhou (e ganha) maior visibilidade principalmente no ciberespaço , devido ao 2 grande compartilhamento da mesma nos sites de rede social, como o Facebook. O Facebook se tornou uma das maiores redes sociais de interação e discussão mundial, se tornando também destino para procura, partilha e aprendizado sobre determinado assunto (PATRÍCIO; GONÇALVES, 2010). De acordo com a pesquisadora Raquel Recuero (2014), a ação de compartilhar no Facebook é, de modo geral, considerada positiva, uma 2 ​O termo ciberespaço foi criado pelo escritor de ficção científica William Gibson, sendo projetado em seu livro Neuromancer​, de 1984. Em suma, o ciberespaço é um ambiente virtual que se utiliza da comunicação à distância via informática para o estabelecimento de relações virtuais (GONTIJO ​et al​, 2007).
  • 4. forma de apoio à determinada ideia/mensagem, aonde o usuário “agrega” outro valor a sua face diante de seus seguidores. 3 Assim, movimentos sociais como o feminismo viram a oportunidade de debate e recrutamento de pessoas que não pertenciam ao movimento, sem a interferência de mídias monopolizadoras de informações e poder. Com isso, o espaço virtual passa a ser palco para debate desses movimentos sociais representantes de minorias e, tendo em vista a efervescência do feminismo no ciberespaço, surge a oportunidade das marcas se apropriarem desse conceito em sua comunicação. O mercado de beleza é o que mais investe na adesão do ​femvertising ​em seu posicionamento e suas publicidades, como a marca de produtos capilares Lola Cosmetics​, servindo de inspiração para outros segmentos de mercado que incorporam o conceito cautelosamente e, em alguns casos, aplicando erroneamente os argumentos defendidos pela tática. A partir dessas reflexões, surge o seguinte questionamento: ​de que forma a Lola Cosmetics constrói seu discurso publicitário focado no empoderamento feminino e qual a percepção do público sobre esse discurso? OBJETIVOS GERAL E ESPECÍFICOS O principal objetivo da pesquisa é analisar como ​a Lola Cosmetics constrói seu discurso publicitário focado no ​femvertising e qual a percepção do público sobre esse discurso. Para tanto, definimos os seguintes objetivos específicos: a) Compreender de que forma a ​Lola Cosmetics está investindo em uma comunicação empoderadora; b) Entender quais estereótipos e arquétipos são desconstruídos a partir da utilização do femvertising​ pela marca; c) Analisar a importância de aliar a diversidade e a representatividade feminina ao discurso da marca. 3 “​‘A face é uma imagem do self delineada em termos de atributos sociais aprovados’ (GOFFMAN, 1967, p. 5), ou seja, uma imagem positiva constituída por um ator diante dos demais em determinado grupo no ciberespaço (RECUERO, 2014)”.
  • 5. METODOLOGIA DA PESQUISA De acordo com Antônio Gil (2010), os tipos de pesquisa variam de acordo com o propósito da pesquisa e os meios de investigação que serão feitos para a coleta de dados e desenvolvimento do projeto. Este trabalho é classificado como monografia que, segundo Cruz e Lins (2005, p.4): “é o resultado de pesquisa e de estudos aprofundados sobre determinado tema”. Assim, para desenvolver a pesquisa, utilizamos as técnicas de pesquisa bibliográfica, netnografia, grupo focal e pesquisa quantitativa online. A utilização destes quatro tipos diferentes de pesquisa foi necessária para a construção de uma metodologia complementar que pudesse trazer os resultados necessários para este trabalho. No que se refere à pesquisa bibliográfica, que serviu de base para o desenvolvimento do aporte teórico, o material consultado é constituído, pincipalmente, por livros e artigos científicos. Entre alguns dos principais autores utilizados no aporte teórico da pesquisa, estão Armando Sant’anna (2011) para falar sobre publicidade e propaganda e Manuel Castells (2006) para contextualizar sobre os usos que a sociedade faz da tecnologia. Stuart Hall (2011) e Walter Lippmann (2010) servindo de suporte para compreender a relação que há entre o discurso publicitário e o contexto social. Vera França (2002) e Dominique Wolton (2006) como bibliografia principal para tratar do processo comunicativo e da forma com a qual ele acontece. Sobre feminismo, Branca Alves e Jacqueline Pitanguy (1985), Simone de Beauvoir (1949) e Flávia Biroli (2014) sustentam a apresentação e compreensão dos conceitos abordados pelo movimento. Raquel Recuero (2009) e Pierre Levy (1999) são utilizados como autores fundamentais para falar sobre cibercultura e fazer a análise das redes sociais do objeto de estudo. Por fim, Hall (2011) e Canclini (1999) contribuem significativamente para o entendimento de identidade do sujeito e a relação entre consumo e cidadania destes, para que assim fosse possível explorar de forma clara o ​femvertising​. Como material documental, houve a utilização e o levantamento de informações e imagens utilizadas na comunicação da Lola Cosmetics em seu site e suas páginas nas redes sociais (Facebook, Instagram e Twitter), selecionando as consideradas principais para a análise do comportamento ​online​ da marca.
  • 6. Para o desenvolvimento deste trabalho também foi utilizado o método de pesquisa netnográfica, que é classificado como um método de pesquisa focado na interpretação e investigação do comportamento de comunidades ​online​, tornando possível estudar diferentes contextos sociais virtuais e servindo para analisar grupos de consumo e os vínculos emocionais que os seguidores possuem com a marca (PAULA; TAVARES, 2014). O grupo focal se caracteriza como pesquisa qualitativa e, de acordo com Patton (2002 ​apud ​FLICK, 2009), é um método de pesquisa altamente eficaz que acontece por meio da entrevista com um pequeno grupo de pessoas sobre um tópico específico, tendo como vantagens o baixo custo e a riqueza de dados coletados. Por se classificar como semiestruturado, as entrevistadoras realizaram perguntas abertas e fechadas para que as entrevistadas pudessem dissertar sobre o assunto sem se atar completamente a pergunta feita (MINAYO, 2013). O grupo focal tinha como finalidade proporcionar uma maior familiaridade e proximidade com o tema que está sendo utilizado como objeto para o estudo, além de auxiliar na construção da pesquisa quantitativa online. A pesquisa quantitativa online foi realizada em formulário do ​Google, ​com os gráficos de resultados gerados pela própria plataforma. De acordo com Fonseca (2002, p.20 apud GERHARDT; SILVEIRA, 2009, p. 33): Diferentemente da pesquisa qualitativa, os resultados da pesquisa quantitativa podem ser quantificados. [...] A pesquisa quantitativa recorre à linguagem matemática para descrever as causas de um fenômeno, as relações entre variáveis, etc. A utilização conjunta da pesquisa qualitativa e quantitativa permite recolher mais informações do que se poderia conseguir isoladamente. Com base nas respostas obtidas na pesquisa qualitativa, foram formuladas 12 perguntas que tinham como objetivo verificar se o empoderamento feminino e diversidade da mulher, em suas formas e cabelo, como trabalhados pela Lola Cosmetics, são notados pelas consumidoras da marca. Assim, a monografia é composta por três capítulos. O capítulo I trará os levantamentos teóricos sobre a comunicação e a publicidade e propaganda, analisando a influência do contexto social no discurso publicitário e vice-versa, e como acontece o processo comunicativo e as características de como o mesmo é construído. O capítulo II inicia contando a história do movimento feminista e um apanhado das suas principais características, analisa como o mercado de beleza utilizou e utiliza a imagem
  • 7. da mulher na publicidade, e em como o ​femvertising ​surge, funciona e se destaca nesse segmento, trazendo o conceito de empoderamento feminino como tática de venda. Por fim, o capítulo III apresenta o objeto da pesquisa, a marca Lola Cosmetics, analisando o uso do empoderamento feminino e a aplicação dos conceitos de ​femvertising na sua comunicação nas redes sociais, finalizando com a análise dos resultados do grupo focal e pesquisa quantitativa online. Por fim, as considerações finais nos farão retomar os principais pontos tratados ao longo do estudo, apresentando junto a isso as conclusões percebidas pertinentes para o tema.
  • 8. CAPÍTULO I – Primeira Onda: A Comunicação e Seus Conceitos 1.1. A Comunicação e a Publicidade e Propaganda Ao falarmos de publicidade e propaganda, é frequente a dúvida da diferença entre os termos, que têm como sentido original, respectivamente, tornar público e difundir/propagar. Em sentido mercadológico, a publicidade e a propaganda não significam rigorosamente a mesma coisa, por mais que sejam usadas como sinônimos, e assim “a publicidade é um meio de tornar conhecido um produto, um serviço ou marca; seu é despertar, nos consumidores, o desejo pela coisa [...] (SANT’ANNA; JÚNIOR; GARCIA, 2011, p. 60). Já a propaganda, para Jowett e O‘Donnell (2012, p. 6-7, tradução nossa), é “[...] uma subcategoria de persuasão e informação. [...] propaganda é a tentativa deliberada e sistemática de modelar percepções, manipular cognições, e direcionar comportamento para atingir uma resposta que favorece a intenção desejada pelo propagandista.”. Apesar das diversas definições disponíveis, as duas relacionam publicidade e propaganda à persuasão, ou seja, têm como objetivo influenciar o público a qual se deseja alcançar a partir de sua comunicação com o mesmo (KAMLOT, 2012). Assim, a comunicação de massa, em um primeiro momento, foi concebida como uma mensagem transmitida do emissor para o receptor, tendo como elemento mais importante até meados da segunda metade do século XX, do ponto de vista mercadológico, o canal que garante o contato entre os dois. Para Mattelart e Mattelart (2010), ainda dentro de uma concepção funcionalista, que analisava a sociedade como um organismo em que cada órgão tem suas funções determinadas, [...] o XIX viu nascer noções fundadores de uma visão da comunicação como fator de integração das sociedades humanas. Centrada de início na questão das redes físicas, e projetada no núcleo da ideologia do progresso, a noção de comunicação englobou, no final do século XIX, a gestão das multidões (MATTELART; MATTELART, 2010, p. 13). Kawano e Trindade (2007), ao tratar sobre as pesquisas em comunicação desenvolvidas nos Estados Unidos no início do século XX, destacam a Escola de Chicago como uma referência importante para a publicidade e propaganda, na medida em que seus estudos de cunho sociológico e antropológico no contexto urbano antecedem a visão mais prática e voltada para a política dos estudos subsequentes.
  • 9. [...] é desse cenário que emerge uma das principais preocupações que orientam os fundamentos de marketing e publicidade. Trata-se de considerar a relação ambivalente entre os processos nos quais se manifestam a individualidade e nivelamento/homogeneização do indivíduo à sociedade (KAWANO; TRINDADE, 2007, p. 166). Posteriormente, os canais mais populares e estudados, tendo como referência de pesquisa a “Escola Americana” e a “Teoria da bala mágica” , são os meios de comunicação 4 5 em massa, que se iniciaram com a popularização dos jornais, ganhando força, e se tornando mais influenciadores no século XX com a criação e difusão do cinema, rádio e televisão (MARSHALL, 2008). Os meios de comunicação são comparáveis a “agulhas” ou “revólveres” que injectam os seus conteúdos ou disparam as suas balas – as suas mensagens –, de forma directa e imediata, nos indivíduos; os indivíduos são uma massa mais ou menos moldável que recebe, de forma passiva, e é influenciada, de maneira uniforme, pelas mensagens dos ​mass media​ (SERRA, 2008, p. 151). Um exemplo da influência desses meios foi a comunicação organizada por Joseph Goebbels utilizada pela Alemanha Nazista durante a Segunda Guerra Mundial, na qual explorou os meios de comunicação de massa disponíveis, principalmente o rádio, para disseminar suas ideologias, formar opiniões e induzir para que a opinião pública ficasse a seu lado. Nas décadas seguintes, tendo como incentivo a agilidade e influência do conhecimento e informações proporcionados pelos meios de comunicações disponíveis, foram realizadas pesquisas e experimentos, inicialmente para fins militares no fim da década de 1950, que culminaram no advento da ​Internet e a criação dos computadores (PERLES, 2007). Por terem sido em seu começo benefícios dos que possuíam maior poder financeiro, são considerados inovações da globalização que abriram o caminho para um mundo virtual de 6 comunicação e informação aceleradas e relações à distância. O conceito de “aldeia global” do autor Marshall McLuhan se torna, com o advento dessas novas tecnologias, cada vez mais presente, já que trata do mundo como se fosse uma 4 Trata-se de estudos, iniciados na década de 1930, que tinham como objetivo analisar as funções dos meios de comunicação em massa e como eles afetavam e quais os efeitos que causavam nos receptores (FRANÇA, 2001, p. 19). 5 ​Teoria emergida entre 1920 e 1930 que estuda a propaganda veiculada pelos meios de comunicação de massa (SERRA, 2007, p. 151). 6 ​Para definir o que é globalização, Stuart Hall (2011, p. 67) utiliza Anthony Mcgrew (1992) para argumentar que a globalização “se refere àqueles processos, atuantes numa escala global, que atravessam fronteiras nacionais, integrando e conectando comunidades e organizações em novas combinações de espaço-tempo, tornando o mundo, em realidade e em experiência, mais interconectado.
  • 10. aldeia, onde tudo está interligado e onde ocorrem aproximação e trocas culturais entre os povos (LIMA; FILHO, 2009). Mesmo tendo como forte característica a questão da acessibilidade e agregação, há críticas que apontam que a partir das novas redes de comunicação foram originadas novas formas de exclusões e agrupamentos, ou seja, quem detém de poder, principalmente econômico e político, é que decide como essa globalização será enxergada ou vivida pelos demais (VIEIRA, 2012). Os sociólogos Manuel Castells e Gustavo Cardoso (2006) apontam que o termo globalização é uma das formas de se referir à sociedade em rede e concordam que a mesma exclui grande parte da humanidade, porém a afeta com sua lógica e relações de poder. A sociedade em rede é uma estrutura social da dimensão virtual que acontece por meio das novas tecnologias emergidas no início do século XXI e que afetou a sociabilidade das pessoas que, ao integrar a realidade virtual com a real, sentem a emergência do individualismo (CASTELLS; CARDOSO, 2006). Uma característica central da sociedade em rede é a transformação da área da comunicação, incluindo os media. A comunicação constitui o espaço público, ou seja, o espaço cognitivo em que as mentes das pessoas recebem informação e formam os seus pontos de vista através do processamento de sinais da sociedade no seu conjunto. [...] Os sistemas de comunicação mediáticos criam os relacionamentos entre instituições e organizações da sociedade e as pessoas no seu conjunto, não enquanto indivíduos, mas como receptores colectivos de informação, mesmo quando a informação final é processada por cada indivíduo de acordo com as suas próprias características pessoais. É por isso que a estrutura e a dinâmica da comunicação social é essencial na formação da consciência e da opinião (CASTELLS; CARDOSO, 2006, p. 23). Segundo Turkle (1989), citado por Oliveira (1999, p.3) “a tecnologia catalisa alterações não só naquilo que fazemos, mas também na forma como pensamos. Modifica a percepção que as pessoas têm de si mesmas, umas das outras, e da sua relação com o mundo.”. Essas modificações afetam também a forma de consumo, que abandona mais a questão da fidelidade e se torna fugaz e seletiva, passando a focar no que é mais novo, tecnológico, alcance um status desejado e/ou esteja de acordo com as crenças e ideologias do consumidor. Além dos sites e o ​e-commerce , as ferramentas que mais auxiliaram na 7 transformação na forma de consumo da comunicação das marcas, principalmente entre jovens e jovens adultos, foram as redes sociais, como ​Orkut​, Facebook ​e Linkedin​, que devem seu 7 “O e-commerce pode assim ser definido como o conjunto das transacções comerciais de produtos e serviços efectuadas através da Internet ou de outros meios digitais. Portanto, trata-se de um processo equivalente ao comércio tradicional, mas utilizando diferentes meios” (HORTINHA, 2001, p. 189).
  • 11. sucesso graças a variedade que essas plataformas oferecem, como o compartilhamento de conteúdos e a facilidade em criar e manter relacionamentos, e a forma como possibilitam a construção ou experimentação de novas identidades para si próprio e para os outros (VIEIRA, 2012). Com essa gama de público e possibilidades diferentes de ​merchandising ​e divulgação de produtos/serviços, as redes sociais passam a se tornar plataformas essenciais para o mercado, sendo percebidas também como forma de agregar valores à marca já que, segundo Vieira (2012, p.8) “quando a publicidade anuncia um novo produto no mercado não está apenas querendo vendê-lo, ela está, ao mesmo tempo, propondo mudanças de hábitos e de conceitos de uma sociedade”. 1.2. Comunicação e o Processo Comunicativo Nesse sentido, existem dois caminhos essenciais para falar sobre o processo de comunicação: o primeiro diz respeito à execução básica de como a comunicação acontece, a partir do argumento mais voltado à técnica, apresentado e defendido por Claude Shannon em 1948; o segundo possui um caráter mais subjetivo sobre o processo pelo qual a comunicação passa, levando em consideração o sujeito, suas peculiaridades e todo o contexto desse indivíduo. O conceito defendido por Shannon é a Teoria Matemática da Comunicação, que propõe o sistema da comunicação de maneira linear, considerando muito mais a técnica do que as subjetividades de cada sujeito no momento em que receber e interpretar a mensagem transmitida. De acordo Armand e Michéle Mattelart (2005, p. 59-60): [...] o processo de comunicação responde a esse esquema linear que faz da comunicação um processo estocástico, ou seja, afetado por fenômenos aleatórios, entre um emissor que tem liberdade para escolher a mensagem que envia e um destinatário que recebe essa informação com suas exigências [...]. Com isso, o autor também considera a existência de ruídos que podem afetar a transmissão de tal mensagem e consequentemente afetar o conteúdo final e o que será entendido pelo receptor. Nesse esquema de comunicação de Shannon ele foca apenas no mecanismo do processo, sem levar em conta a significação dos sinais (MATTELART e MATTELART, 2005). Apesar disso, compreender a parte mecânica da comunicação é essencial para que seja possível entender que para além disso há muito mais para ser levado
  • 12. em consideração no momento de analisar o processo comunicativo, e que considerar apenas os meios não é suficiente para o contexto pós-moderno. No momento de fazer a comunicação acontecer, é preciso lembrar que os ruídos podem estar presentes e que o receptor não necessariamente vai compreender a mensagem da forma que o emissor deseja. Tudo estará ligado ao contexto e repertório de cada indivíduo no momento de recepção da mensagem. Quando se trata do ambiente online (levando em consideração o contexto da marca aqui analisada) as possibilidades de interpretações e mudança de contexto de uma mensagem são ainda maiores. Apresentado o primeiro caminho para falar sobre esse processo, surge o segundo, que considera o processo comunicativo de maneira menos mecânica e mais subjetiva, levando em conta as particularidades dos sujeitos e a significação dos sinais, pontos estes não considerados pela Teoria Matemática. Para Vera França (2002), a discussão sobre a comunicação e a forma como esta é tratada parece colocar suas questões como solucionadas e resolvidas há tempos, porém é possível perceber que essas questões envolvendo o objeto da comunicação se tornam cada vez mais complexos à medida em que o sujeito se torna mais autônomo e esclarecido do poder de decisão e influência que ele possui. Para a autora, o processo comunicativo é um dos objetos da comunicação, que nada mais é do que o processo de produção e circulação das informações, sendo este um objeto da comunicação com maior amplitude e complexidade. A autora também aponta os meios de comunicação de massa como um primeiro objeto, porém este restringe muito mais o potencial da comunicação, estando alinhado ao conceito menos subjetivo apresentado anteriormente por Shannon. Um recorte dentro deste recorte, buscando refinar o objeto, vai circunscrever e ater-se aos processos humanos e sociais de produção, circulação e interpretação de sentidos, fundados no simbólico e na linguagem. Ainda assim, é um recorte por demais amplo, e que pode se confundir com o estudo das relações sociais - necessariamente fundadas no terreno da cultura, dos sentidos (FRANÇA, 2002, p. 6). Isso permite entender a amplitude e complexidade do processo comunicativo, mas também atentar para a importância de considerar aspectos sociais, humanos e simbólicos,
  • 13. compreendendo a comunicação como um meio e a responsável pela construção de sentidos e compartilhamento de ideias a partir do contato com o outro. O processo comunicativo passa a ser elemento imprescindível para que o contato e a relação entre os sujeitos (e até mesmo entre marcas e sujeitos) aconteça, pois é através dele que as relações serão instituídas, os sentidos serão criados, e este torna-se o lugar onde os sujeitos não apenas falam e se expressam, mas também se constroem socialmente, assumindo papéis e ocupando seu espaço em sociedade (FRANÇA, 2002). Aqui importa tratar da comunicação como de fato um ponto de vista, a partir do qual é possível analisar e até mesmo compreender a realidade na qual cada sujeito vive, e esse processo comunicativo se mostra essencial para legitimar essa relação com o outro, baseado na troca de informações e realidades que influenciam a construção de novas identidades e novos sentidos dentro de cada contexto. Nesse aspecto, Dominique Wolton é o responsável por discutir sobre a responsabilidade que há na comunicação no momento de construir as relações entre os sujeitos. Para ele, “comunicar não é só produzir e distribuir informação, é também ser sensível às condições nas quais o receptor a recebe, aceita-a, recusa-a, remodela-a, em função de suas escolhas filosóficas, políticas, culturais” (WOLTON, 2006, p. 227). Isso porque comunicar é muito mais complexo do que se imagina, e por mais que as teorias ajudem a entender, ainda assim elas não conseguem dar conta de toda a amplitude que é o processo que faz a comunicação acontecer e ser o que é. As reflexões de Wolton colocam a comunicação no centro das preocupações sobre diversos assuntos, incluindo a relação entre os povos e sujeitos. É preciso lembrar também que a globalidade do processo comunicativo permite uma busca maior pela liberdade e até mesmo individualidade de cada sujeito, afastando uns dos outros, e por mais que isso se mostre como uma “ameaça” para o processo de construção de sentido e de relações entre os indivíduos, esse lado negativo logo se torna inválido pois junto com a liberdade surge também a necessidade de se estar conectado. Livre, mas sozinho, numa sociedade em que os laços familiares, corporativistas, socioculturais são muito menos fortes do que outrora. O risco da solidão é o preço a pagar por essa liberdade de ser e de conexão. O indivíduo é ainda mais “interativo” porque os contatos ​reais são difíceis. É então que encontramos as duas dimensões contraditórias da comunicação: a da liberdade, mas também a da dificuldade da relação autêntica com o outro (WOLTON, 2006, p. 31).
  • 14. Assim, ao mesmo tempo que comunicar traz a liberdade para os indivíduos, também exige que estes se conectem entre si para que haja a troca de informações e assim nasça de fato a construção da esperada e necessária relação com o outro. Segundo Wolton (2006), a comunicação acontece em 3 campos: o técnico, o que diz respeito à economia, e por último e maior importância para o contexto deste trabalho, o que diz respeito ao social e cultural, sendo também o menos visível. Considerando a complexidade do processo comunicativo, o campo cultural e social se mostra com uma carga de importância muito maior que o do campo técnico, pois as ferramentas podem ser idênticas, mas o modo de comunicar mudará de acordo com esse terceiro campo. Isso está diretamente ligado ao que influencia a construção do discurso publicitário. Entretanto, aqui cabe tratar como se dá e para que serve o processo comunicativo. Nesse processo o receptor permanece como parte importante e necessária para a comunicação acontecer, bem como para que a complexidade desse processo seja observada. É preciso lembrar que os receptores continuam livres e críticos, como apontado por Wolton (2006), e para que a comunicação não se torne banal e meramente técnica, é preciso sair do campo focado apenas em transmitir informação e buscar a densidade por trás de cada informação e história contada. Essa análise e características do processo comunicativo servem tanto para compreender seu exercício entre os indivíduos como também para estabelecer relações entre marcas e o público. É preciso lembrar que a construção de sentido e de relações nem sempre é feita apenas de sujeito para sujeito, mas em qualquer âmbito, baseado no conceito de que não se pode não comunicar, sendo também essencial para compreender as possibilidades que a comunicação e todo o estudo sobre seus objetos e características se interligam com a comunicação para venda e com o público. 1.3. O Discurso Publicitário junto ao Contexto Social Seja nos meios tradicionais como televisão e jornais, ou nos mais modernos, como as redes sociais e sites, a publicidade, desde o século XX, estabeleceu a tendência de criar estereótipos para estimular a venda dos produtos e serviços, sejam eles estéticos ou de personalidade.
  • 15. A publicidade lida com a beleza mercantil, ou seja, com a beleza direcionada à promoção de marcas e ao faturamento das indústrias. Explora imagens que povoam a imaginação da sociedade, e que podem não ser verossímeis, mas, talvez, sejam parte da fantasia convencional dos indivíduos. A publicidade se tornou a cultura da sociedade de consumo (SAMARÃO, 2007, p. 51). A beleza mercantil “objetificou” os corpos de ambos os gêneros, sendo, porém, mais severo e amplamente utilizado com o público feminino. Esse processo de estereotipação e objetificação foi e é amplamente utilizado pela mídia, em especial pela publicidade e propaganda. Por esse motivo, faz-se necessário compreender como se dá a construção do discurso publicitário a partir do contexto social, para entendermos como se tornou possível disseminar a imagem da mulher de forma apenas como objeto de venda e como um ser que deveria estar de acordo com determinados padrões, ao invés de representá-la como humana e considerando suas particularidades. Muito é discutido sobre a influência que o contexto social tem sobre a construção do discurso publicitário, e paralelo a isso também se discute o inverso: o impacto e influência que os discursos tratados pela publicidade trazem para o social, seja ele no contexto econômico, político ou individual. [...] a comunicação com o mercado não pode ser entendida como separada do universo, e que não influencia toda a sociedade nem sofre dela influência - ela é um galho da árvore “mercado”, que necessariamente se nutre e se desenvolve de acordo com as características e os comportamentos da sociedade. Por isso é necessário entender melhor a sociedade contemporânea, além das causas e dos efeitos da publicidade nesse cenário (SANT’ANNA; JÚNIOR; GARCIA, 2009, p. 70-71). A partir disso, a proposta de pesquisa foca-se na relação entre a construção dos discursos para consumo e o contexto social, considerando o indivíduo e suas particularidades, bem como os grupos sociais e suas pautas majoritárias, já que é preciso lembrar que a base para o ​femvertising​, que norteia este trabalho, é o feminismo enquanto movimento político-social. A publicidade é, acima de tudo, um meio de comunicação com pessoas e grupos de pessoas, especificamente, e, portanto, seu discurso precisa se ajustar ao perfil do público alvo, do grupo compreendido como principal potencial consumidor de um produto ou serviço (SANT’ANNA; JÚNIOR; GARCIA, 2009). Em uma análise mais ampla, é possível considerar que a construção do discurso publicitário dentro de um contexto social possui caráter político e evidencia as relações de poder entre os indivíduos e a sociedade como um todo.
  • 16. Para o sociólogo John B. Thompson (2009, p. 21), “a posição que um indivíduo ocupa dentro de um campo ou instituição é muito estreitamente ligada ao poder que ele ou ela possui”. Quando se refere ao campo da mídia, em sua relação com a sociedade, o autor considera como “poder simbólico” “[...] a capacidade de intervir no curso dos acontecimentos, de influenciar as ações dos outros e produzir eventos por meio da produção e da transmissão de formas simbólicas (THOMPSON, 2009, p. 24). A partir disso, é possível perceber a ação que as relações de poder têm na construção e seleção do que será tratado na publicidade. Ora, se determinado grupo social não exerce seu direito ao poder e à representação simbólica na sociedade, logo a publicidade, e a mídia de forma geral, não considerará necessário abrir espaço para tal discussão. Isso porque a publicidade carrega o aspecto mercadológico que está diretamente ligado ao consumo. Com isso queremos dizer que o fato de uma marca investir em um discurso menos objetificado e mais humano está diretamente ligado ao retorno financeiro e de imagem que isso trará para si. Nesse sentido, uma das questões que faz com que a comunicação passe por mudanças é a resistência ou aceitação do receptor, pois é ele quem considera se uma mensagem é relevante e aceitável para si ou não​. ​Quando isso acontece em grande escala, ou seja, por um número considerável de indivíduos, a estratégia é moldada mais efetivamente por parte das marcas. Ele é uma peça fundamental para a comunicação acontecer. Na realidade, o receptor complica tudo, raramente está onde o esperamos, compreendendo, em geral, algo diferente do que lhe dizemos ou gostaríamos que compreendesse pelo som, pela imagem, pelo texto ou pelo dado. [...] mas a liberdade do receptor consiste justamente em aceitar, repensar, negociar a mensagem recebida. (WOLTON, 2006, p. 32) E aqui precisamos pontuar que o receptor não é apenas aquele ao qual a mensagem está sendo diretamente encaminhada, mas é preciso considerar os receptores secundários, aqueles que serão atingidos por determinada mensagem mesmo não sendo o foco primário. Exemplo disso são campanhas direcionadas ao público masculino, mas que utilizam de forma indevida a imagem feminina. Por mais que o público feminino não seja o foco daquela mensagem, ele se sentirá diretamente atingido por ela. Abordar esses aspectos é necessário para que possamos compreender de que forma a comunicação, e mais especificamente, a publicidade e propaganda vai atuar na construção da imagem dos sujeitos. E para a eficácia desse processo, [...] é necessário entender as mudanças que surgem a cada dia na dinâmica da publicidade mundial, em que não mais existem
  • 17. barreiras. As ideias são propagadas, não importando como, onde ou quando, desde que impactem de maneira efetiva o consumidor (SANT’ANNA; JÚNIOR; GARCIA, 2009, p. 64), e mais do que isso, considerar que apesar do tradicionalismo permanecer em diversos aspectos da sociedade contemporânea, as mudanças no comportamento dos indivíduos são cada vez mais latentes, e isso se reflete diretamente na criação publicitária e no modo de se fazer comunicação. 1.4. Opinião Pública e Cibercultura Considerando o foco deste trabalho, torna-se imprescindível falar sobre o papel da opinião pública na construção desses discursos publicitários. A opinião pública é uma área que consegue envolver um estudo interdisciplinar, de forma complexa como base para analisar diversos temas presentes em nossa sociedade. Walter Lippmann (2010) é um dos principais estudiosos sobre o assunto, e nos apresenta dois temas fundamentais para desenvolver a análise desta pesquisa. O primeiro trata-se de imagens mentais, que estão diretamente ligadas ao sentimento que se tem sobre determinado assunto, mesmo sem tê-lo vivido (LIPPMANN, 2010). Ou seja, as imagens mentais são os conceitos e as imagens que são construídas em nosso subconsciente sobre os mais variados tipos de assuntos, que envolvem acontecimentos, lugares e até mesmo pessoas. Os impactos desse conceito estão diretamente ligados ao segundo tema fundamental para a análise deste trabalho: os estereótipos. É possível perceber que os estereótipos são, em parte, consequência das imagens mentais que os indivíduos possuem sobre cada assunto. Na maior parte dos casos nós não vemos em primeiro lugar, para então definir, nós definimos primeiro e então vemos. Na confusão brilhante, ruidosa do mundo exterior, pegamos o que nossa cultura já definiu para nós, e tendemos a perceber aquilo que captamos na forma estereotipada para nós por nossa cultura (LIPPMANN, 2010, p. 85). Consequentemente, as mensagens propagadas pela comunicação também são de fato estereotipadas. Por exemplo, construiu-se a imagem da mulher “perfeita”, que cuidava do lar e estava de acordo com a moral e os bons costumes defendidos em determinada época. Assim, a publicidade passa a retratar a imagem feminina do jeito que a sociedade de cada período (seja da antiguidade, modernidade ou da pós-modernidade) desejava ver, independente do grau de fidelidade à realidade que aquilo possuía.
  • 18. É preciso considerar que a necessidade maior era de representar a sociedade e os grupos específicos (por gênero e classe) de acordo com os interesses dos que possuíam poder social no momento, em uma época em que a mulher ainda não era emancipada e não tinha despertado para lutar por seu lugar na política e na sociedade como um todo, para além do cuidado do lar. Por mais que ainda seja possível identificar tais características na comunicação atual, o período aqui citado refere-se às décadas anteriores a primeira metade do século XX. Assim é aceitável afirmar que a publicidade possui o “poder simbólico” (THOMPSON, 2009) e certa responsabilidade na criação e perpetuação de estereótipos na sociedade. É ainda mais viável observar que a publicidade não necessariamente refletiu por décadas os gêneros e classes da forma que estes eram, mas sim impuseram ideias e ideais sobre estes que com o processo de repetição se tornaram verdade dentro de um contexto delimitado. Os meios de comunicação são os principais responsáveis pela troca de informação e para a influência que as mudanças de contexto podem trazer para a mensagem em si. Thompson (2009) considera alguns aspectos dos meios técnicos, dentre eles a forma com a qual estes permitem “um certo grau de distanciamento espaço-temporal” (p. 28). Todo processo de intercâmbio simbólico geralmente implica um distanciamento da forma simbólica do seu contexto de produção: ela é afastada de seu contexto, tanto no espaço quanto no tempo, e reimplantada em novos contextos que podem estar situados em tempos e lugares diferentes [...]. No caso de uma interação face a face, há um distanciamento relativamente pequeno. Uma conversa acontece num contexto de co-presença: os participantes estão fisicamente presentes e partilham o mesmo conjunto referencial de espaço e tempo (THOMPSON, 2009, p. 28). A formulação de Thompson (2009) torna nítido a influência que o contexto, seja social ou temporal, possui sobre a mensagem e a troca simbólica de informações. E para além disso, outro fator de extrema importância é o sujeito e suas particularidades, em especial o sujeito pós-moderno. Com o processo de emancipação e cada vez maior autonomia do sujeito (ou indivíduo) para se auto afirmar (HALL, 2011) e impor seus desejos e sua necessidade de representação na mídia como um todo, a criação publicitária foi uma das que sofreram precisando mudar seus posicionamentos e a forma com a qual entendiam esses indivíduos. Mais do que isso, podemos observar que a publicidade precisou compreender seu público para
  • 19. então oferecer uma comunicação que estivesse de acordo com o que este queria ver, e não somente do jeito que a mídia insistia em representá-lo. Nesse contexto, é importante considerar como a identidade se caracteriza no contexto da pós-modernidade (HALL, 2011). O sujeito pós-moderno não tem mais sua identidade centrada e focada em um único argumento; agora ele sofre modificações de acordo com as experiências em sociedade e o contexto no qual ele está inserido. Com os sujeitos compreendendo sua identidade de forma homogeneizada, isso consequentemente aconteceria com a forma com a qual estes receberiam e aceitariam as mensagens midiáticas, atentando-se para o fato de que a identidade é algo formado e adquirido ao longo do tempo e das experiências do sujeito, como afirma o autor: Assim, a identidade é realmente algo formado, ao longo do tempo, através de processos inconscientes, e não algo inato, existente na consciência no momento do nascimento. Existe sempre algo “imaginário” ou fantasiado sobre sua unidade. Ela permanece sempre incompleta, está sempre “em processo”, sempre “sendo formada”. As partes “femininas” do eu masculino, por exemplo, permanecem com ele e encontram expressão inconsciente em muitas formas não reconhecidas, na vida adulta (HALL, 2011, p. 38-39). Com isso, é possível pontuar o papel que a comunicação e o discurso defendido e disseminado por ela podem ter na construção das identidades dos sujeitos. Ora, se a identidade desse indivíduo pós-moderno está em constante mudança, e assim esteve desde o início da modernidade, quando o sujeito do iluminismo passou a dar lugar ao sujeito sociológico (HALL, 2011), logo sua forma de consumir será um reflexo dessa identidade, assim como o contrário também pode acontecer. Essa autonomia do sujeito e sensação de confiança para expor suas ideias foi (e continua sendo) cada vez mais intensificado a partir da cibercultura, que permitiu a chamada “inclusão digital” e passou a dar voz às mais diversas pessoas, e aos poucos esse território precisou ser ocupado, em partes, pelas marcas. Isso porque se a internet é o local onde o público está, a comunicação será mais eficaz se a marca estiver próxima dele. Por mais que existam diversos questionamentos sobre o processo de inclusão que o mundo digital proporciona, afirmando-se que em muitos pontos trata-se de uma exclusão, não se pode negar o fator de influência que a cibercultura trouxe para a atualidade, principalmente considerando sua ligação com o poder de decisão dos indivíduos nas marcas. Em resumo, a cibercultura pode ser entendida de diversas formas (e assim o é), porém o conceito mais aceito a coloca como uma forma de comunicação e troca de
  • 20. informações entre a sociedade, a cultura e as novas tecnologias que se tornaram possíveis graças ao advento da convergência entre o modo tradicional de comunicação e a informática. Também podemos caracterizá-la como um novo “dilúvio” surgido a partir dos avanços tecnológicos, especialmente da internet (LÉVY, 1999). Ela traz consigo (e assim existe) dentro do ciberespaço. Para Lévy (1999, p. 17): O termo [ciberespaço] especifica não apenas a infraestrutura material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de informação que ela abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo. Quanto ao neologismo ‘cibercultura’, especifica aqui o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço. O conceito de cibercultura e ciberespaço apresentado por Lévy (1999) são de extrema importância para compreendermos a maneira com a qual esse universo digital contribui e dá lugar e espaço para que os indivíduos se apropriem cada vez mais de seus territórios e estejam próximos uns dos outros (para além do aspecto geográfico) para trocar informações, permitindo que isso inclua a troca de ideias sobre as marcas e sua comunicação como um todo. Ou seja, não é apenas o computador, ​smartphone, tablet, ​ou qualquer outro aparelho conectado à internet que promove o nascimento e a permanência do ciberespaço, mas sim a presença de cada sujeito e sua participação na troca de informações e disseminação de conteúdo nesse meio. A partir disso, cada indivíduo passa a ter o poder de decisão ainda maior e não somente relacionado à compra de produtos e serviços, mas também no consumo dos conteúdos produzidos por essas marcas. As chances de fracasso de uma campanha se tornam ainda maiores no espaço virtual, onde o público pode interagir com a marca, compartilhar seu conteúdo também de forma negativa e assim atingir um número ainda maior de pessoas que talvez sequer teriam acesso àquilo em uma mídia tradicional que está longe das mãos do público. Essa compreensão da cibercultura e o ciberespaço é essencial para o andamento deste trabalho, pois o espaço virtual é o principal território da marca aqui analisada e de seu público, pois a Lola Cosmetics é uma loja que iniciou no ambiente online e possui grande representação e interação com o público neste espaço.
  • 21. CAPÍTULO II – Segunda Onda: Mulher, ​Femvertising​ e Identidade 2.1. O Feminismo Antes de falar em ​femvertising é preciso entender sobre uma das bases para a construção desse termo: o feminismo. Ele é um movimento político-social protagonizado por mulheres e que teve sua ascensão primeira e principal durante a luta pelo direito ao voto feminino, como tratado por Flávia Biroli e Luis Felipe Miguel (2014, p. 93): A conquista do direito ao voto foi, por muitas décadas, o ponto focal do movimento de mulheres. Da metade do século XIX até as primeiras décadas do século XX, o sufragismo foi a face pública das reivindicações feministas. O acesso à franquia eleitoral representava o reconhecimento, pela sociedade e pelo Estado, de que as mulheres tinham condições iguais às dos homens para gerir a vida coletiva e também que elas possuíam visões de mundo e interesses próprio, irredutíveis aos de seus familiares. Esse é o ponto inicial para pensar o feminismo e começar a compreender sua importância para a representação social da mulher, que irá influenciar diretamente na forma como o coletivo, a mídia e o individual compreenderá e tratará da imagem feminina. O feminismo, em sua origem, tem seus princípios baseados de que todas as pessoas nascem iguais, independente do gênero, e merecem os mesmos direitos por isso. A sociedade, comandada por homens, é a culpada de corromper essa “a ordem natural” e criar um modelo feminino a ser seguido, que fomenta a relação hierárquica do homem sobre a mulher e ao mesmo tempo naturaliza a desigualdade de gênero (VIEIRO, 2005). O feminismo procurou, em sua prática enquanto movimento, superar as formas de organizações tradicionais, permeadas pela assimetria e pelo autoritarismo. [...] O feminismo busca repensar e recriar a identidade de sexo sob uma ótica em que o indivíduo, [...] não tenha que adaptar-se a modelos hierarquizados, e onde as qualidades "femininas" ou "masculinas" sejam atributos do ser humano em sua globalidade (ALVES; PITANGUY, 1985, p. 8-9). Datado por se iniciar no século XVIII, no cenário da Revolução Francesa em que mulheres lutavam pela plena cidadania, principalmente em questões políticas, o feminismo só foi constatado como movimento social de cunho internacional no século XIX, iniciando o movimento sufragista/ primeira onda do feminismo, porém sendo dividido, até o presente momento, em três ondas. Essas ondas, segundo Scott (1986 apud NARVAZ e KOLLER, 2006, p. 649) “ocorreram em épocas distintas, historicamente construídas conforme as necessidades políticas, o contexto material e social e as possibilidades pré discursivas de cada tempo”. A
  • 22. primeira onda/sufragismo, diferente das outras ondas, tinha suas lutas bem “pontuadas”, ou seja, os objetivos eram claros e diretos. De acordo com Glória Vieiro (2005, p.78), “as mulheres em casa se tornaram cada vez mais símbolo do status do êxito profissional do marido. Nesse contexto, as mulheres se organizaram em torno da luta pelo status civil autônomo”. Essas mulheres lutaram, principalmente, pelo direito ao voto, reivindicando também a igualdade nos estudos, reivindicação de salários iguais e acesso igual a todos os níveis de uma profissão. Dentro do movimento feminista, uma das maiores influenciadoras e autoras que tratam sobre o assunto é a autora Simone Beauvoir e seus livros “O Segundo Sexo” (volume I e II), lançados respectivamente em 1949 e 1967, sendo este primeiro considerado como base para as mulheres na segunda onda. No segundo volume, cita a famosa frase ​“ninguém nasce mulher, torna-se mulher”, sendo esta considerada como uma espécie de slogan do feminismo. Tendo como base para esta afirmação o seu livro “O segundo sexo”, ela analisa, através de diversas áreas do conhecimento, como a mulher é um produto elaborado pela civilização, considerada como “segundo sexo” por razões sociais e históricas, e como a mesma passou gerações sendo um sujeito passivo as vontades e regras da sociedade que era comandada pelos homens. Ao final dos anos de 1960 começou a surgir o que posteriormente seria chamado de “a segunda onda” do movimento feminista. Aqui, o foco principal não era a luta somente por direitos sociais básicos e de participação política, mas somado a isso veio o questionamento e a tentativa de desconstrução do conceito de gênero. As provocações trazidas por Beauvior passaram a ser aproveitas muito mais na construção de argumentos para essa segunda fase do movimento. Nesse contexto, defendia-se que o “feminino” e o “masculino” não estavam ligados às características biológicas, mas sim a algo cultural. O “masculino” e o “feminino” são criações culturais e, como tal, são comportamentos apreendidos através do processo de socialização que condiciona diferentemente os sexos para cumprirem funções sociais específicas e diversas. Essa aprendizagem é um processo social. Aprendemos a ser homens e mulheres e a aceitar como “naturais” as relações de poder entre os sexos (ALVES e PITANGUY, 1985, p. 55). Ou seja, tudo o que conhecemos ou entendemos como sendo “masculino” e “feminino” nada tem a ver com características definitivas e diretamente ligadas ao sexo biológico dos indivíduos, mas são coisas apreendidas em sociedade a partir do que a cultura
  • 23. na qual estamos inseridos classifica e segrega como referente a cada gênero. Assim, a segunda fase do feminismo inicia e abre as portas para que o conceito de gênero seja revisto e ressignificado, permitindo assim a liberdade feminina no que diz respeito a sua representação na sociedade. É necessário demonstrar que não são propriamente as características sexuais, mas é a forma como essas características são representadas ou valorizadas, aquilo que se diz ou se pensa sobre elas que vai constituir, efetivamente, o que é feminino ou masculino em uma dada sociedade e em um momento histórico. Para que se compreenda o lugar e as relações de homens e mulheres numa sociedade importa observar não exatamente seus sexos, mas sim tudo o que socialmente se construiu sobre os sexos (LOURO, 2007, p. 21 apud LEVATTI, 2011, p. 4). Entretanto, é preciso esclarecer que o movimento não pretendia invisibilizar as características ligadas ao biológico, mas sim deixar claro que isso não é o ponto chave para se definir o gênero e falar sobre ele. A terceira onda se iniciou em 1980 e nela se destaca a intersecção do movimento feminista, de acordo com Negrão (2002 apud NARVAZ e KOLLER, 2006 p. 649) “não há, na atualidade, um só feminismo unívoco e totalizante, mas vários feminismos.”. É nesse momento que as mulheres reconhecem ter o mesmo objetivo geral, porém enfatizam a diversidade e singularidade dos “grupos” que podem se formar no movimento. A luta da mulher branca é bem diferente da luta da mulher negra, que é diferente da luta da mulher trans. Desde suas origens, o feminismo não representa um bloco monolítico. A partir de contextos distintos, e de questões diversificadas, eclodiram múltiplas vozes, que tecem distintos discursos e práticas voltados ao mesmo tempo para a emancipação e libertação das mulheres, e para uma mudança global na sociedade e na cultura (VIEIRO, 2005, p. 86). O grande desafio desta onda é lutar pela igualdade entre gêneros e, simultaneamente, equiparar a igualdade entre os “grupos” do movimento, que sofrem de preconceito e falta de informação na sociedade. A terceira onda é considerada a onda do século XXI, e tem como um de seus principais focos a diversidade do movimento, ou seja, a proposta de inclusão de mulheres de diversas classes e raças, e nesse contexto dá origem e espaço para o conceito de empoderamento feminino, que de acordo com Aithal (1999 apud SANDENBERG, 2006, p. 1) “surgiu da “praxis” para a “teoria”, sendo utilizado primeiro por ativistas feministas e por
  • 24. movimentos de base para depois se tornar objeto de teorização”, ou seja, mostra-se mais forte e presente nas discussões, tanto dentro quanto fora do movimento. O conceito, trabalhado durante todo o movimento na prática, retrata a mulher independente, que tem poder absoluto sobre si na sociedade e que afronta a ideologia patriarcal na qual foi inserida, tendo ainda como foco a erradicação da discriminação de gênero e desigualdade social vivida pelas mulheres. Existem duas perspectivas para se considerar o empoderamento (ROMANO, 2002). A primeira é a abordagem de empoderamento, que coloca as pessoas e o poder no centro dos processos de desenvolvimento, ou seja, parte-se da premissa de que a ação social leva à transformação. E a segunda é o processo pelo qual as pessoas, as organizações e as comunidades percebem sua competência para produzir, criar e gerir e assumem o controle sobre seus próprios assuntos, sobre sua própria vida, agindo em prol de uma mudança nas relações de poder existentes (CKAGNAZAROFF; MAGESTE; MELO, 2008, p. 2). Esta onda ganha força com a internet, que permite que a troca de informações e diversas pautas sejam colocadas em discussão de forma quase simultânea. A terceira onda também traz à tona a necessidade de uma comunicação pensada no público feminino de forma a representar essas mulheres, que começam a questionar ainda mais campanhas que insistem em permanecer utilizando a imagem feminina de maneira deturpada e objetificada. Nesse contexto é possível perceber uma preocupação maior com a responsabilidade social, pois o cliente/consumidor não é e nem deve mais ser visto de forma passiva, pois ele passa a ser parte importante na decisão de conteúdo publicitário. Hoje, a sociedade cobra das empresas uma atuação responsável e o consumidor tem consciência da efetividade de seus direitos. Portanto, exige-se das empresas uma nova postura que explicite suas preocupações com questões sociais (responsabilidade social) e com a ética (FORMENTINI; OLIVEIRA, s/a, p. 1-2). Assim, preocupar-se com questões sociais começou sendo um diferencial no mercado, mas com o passar do tempo e a aceitação e cobrança por parte do público, essa representatividade e atenção à forma com a qual a publicidade interpreta essas pessoas se torna algo necessário para que a manutenção da empresa no mercado, pois se o público não se enxerga em determinada marca, consequentemente ele não se tornará cliente. Nesse contexto nasce o conceito de ​Femvertising​, que nada mais é do que a junção das palavras ​Feminism (feminismo) e ​Advertising (publicidade) que vem dar nome à publicidade feita de maneira consciente, na qual a mulher é a protagonista e é representada de maneira livre e mais próxima do real, buscando assim mostrar que não é necessário a ideia de
  • 25. que é preciso a objetificação e sexualização da figura feminina para o sucesso de uma campanha. Em pesquisa realizada pelo instituto Think Olga descobrimos que a mulher brasileira gostaria de ser retratada com inteligência e independência. Uma propaganda feminista, segundo critérios estabelecidos pela consultoria Plano Feminino, idealmente coloca a mulher como protagonista da sua vida, traz o produto como parceiro da mulher, e não como seu salvador, reconhece a mulher incondicionalmente por seus talentos e promove o conceito de sororidade, isto é, a parceria e apoio entre mulheres (FONTENELE, 2015, s/p). Utilizar pautas defendidas dentro do feminismo para fazer publicidade é algo necessário, mas que precisa ser feito com cautela. É preciso que a marca esteja realmente engajada com o assunto, e transmita para seu público que sua preocupação com o tema possui caráter social e não apenas comercial e com o objetivo de seguir uma tendência, sem antes entender o feminismo. [...] embora toda essa agitação do mercado tenha dado voz à causa feminista e popularizado o termo que por muito tempo foi tabu entre mulheres e homens, não se pode esquecer que o feminismo trata-se de um movimento social, político e econômico sério. Marcas que não contemplam o real significado da causa estão sujeitas à rejeições ainda maiores por parte do público (NASCIMENTO; DANTAS, 2015, p. 4). Com isso, é possível perceber que apostar no ​femvertising não é garantia de sucesso mercadológico, pois muito precisa ser entendido e estudado para que a comunicação fale de forma clara e crível com as potenciais consumidoras, que interpretam e exigem melhor representação publicitária. O trabalho do ​femvertising nos leva diretamente ao uso do empoderamento feminino, que ganha visibilidade na terceira onda do feminismo, na prática. Isso porque quando a publicidade e propaganda se permite enxergar as mulheres de forma humana e não objetificada, levando em consideração sua influência na mídia e na sociedade, a imagem da mulher nos grandes e pequenos meios passa a ser menos estereotipada e mais empoderadora para a população que se vê representada ali. A ideia de representação nos remete diretamente ao uso de imagens pela mídia, aqui em especial, pela publicidade. As imagens disseminadas pela publicidade são parte da cultura da sociedade contemporânea brasileira. Essas imagens se tornaram onipresentes e importantes meios para a difusão de signos, símbolos, culturas e informações (SAMARÃO, 2007, p.47). Durante séculos a imagem feminina estava diretamente ligada a algo frágil e com tarefas e “habilidades” específicas, exclusivas ao cuidado do lar, o que fomentava o poder
  • 26. entre os gêneros, mantendo o masculino como dominante ao feminino. A verdade é que a especialização de tipo físico e moral da mulher, em criatura franzina, neurótica, sensual, religiosa, romântica, ou então, gorda, prática e caseira, nas sociedades patriarcais e escravocráticas, resulta, em grande parte dos fatores econômicos, ou antes, sociais e culturais, que a comprimem, amolecem, alargam-lhe as ancas, estreitam-lhe a cintura, acentuam-lhe o arredondado das formas, para melhor ajustamento de sua figura aos interesses do sexo dominante e da sociedade organizada sobre o domínio exclusivo de uma classe, uma raça e de um sexo (FREYRE, 2006, p. 210). Com o passar das décadas, a representação feminina na publicidade foi sendo alterada, entretanto a ideia de utilizar a mulher de forma objetificada e sexista em campanhas publicitárias se tornou cada vez mais presente, e atualmente, com a ascensão do ​femvertising a visão negativa desse tipo de conteúdo passa a ganhar voz e visibilidade, e as empresas começam a entender que as mulheres querem uma comunicação pensada para elas e por elas. Considerando o contexto atual sobre a percepção do movimento, muito é afirmado que ele começa a partir da discussão sobre a questão do aborto, porém apesar de ser um argumento usual, ele está incorreto (HIRATA ​et al.​, 2009), e como foi possível observar ao longo da apresentação sobre o movimento feminista e suas principais ondas, essa luta possui diversas pautas que buscam a emancipação cada vez maior da mulher sobre si mesma e sobre seu corpo, bem como sobre sua inclusão na sociedade de forma igualitária. A partir daqui, após discutir e compreender o conceito de ​femvertising​, é necessário analisar sua utilização na prática mercadológica, considerando as teorias de luta por trás de sua base. 2.2. Cenário de Beleza e o ​Femvertising Apresentado anteriormente, o termo ​femvertising ​se refere ​a tática de marketing de anúncios publicitários que reafirmam a autonomia e o empoderamento feminino, se desfazendo do uso e disseminação de padrões e estereótipos da imagem da mulher. A criação do mesmo se mostrou necessária dentro de um mercado acomodado e mal acostumado, que precisa aprender a se comunicar com a diversidade e necessidades reais do público feminino. Ao se pensar em publicidade, principalmente voltada para o público feminino, surgem as ideias de sedução, manipulação, onde é apresentado um mundo diferente da realidade das consumidoras que as convida a fazer parte do mesmo a partir da aquisição do produto ou serviço, ou seja, passa a vender não só o que a marca oferta de fato, mas também conceitos/padrões de estéticos e de vida (ARAÚJO, 2004).
  • 27. Seja para o público feminino quanto masculino, a figura da mulher se tornou um objeto na publicidade, utilizada para criar um “modelo perfeito” a ser alcançado ou o que se faz/usa para atrair a mesma (VERÍSSIMO, 2005). Seu corpo é moldado de acordo com os padrões da cultura de cada povo, sendo constantemente “aperfeiçoado” com o passar das décadas. Um dos mais conhecidos “mantras” de marketing, utilizado para atrair a atenção e interesse do público feminino, é o “​skrink it and pink it​”, em tradução livre seria “diminua e faça rosa”, que é quando uma empresa cria um produto específico “para elas”, enfatizando o conceito de mulher delicada. Essa reafirmação de gêneros do “mantra”, sendo a mulher representada pela cor rosa e o homem pela cor azul, sendo muito utilizada principalmente pelo marketing esportivo, é considerada antiquada atualmente, visto que as mulheres devem ser tratadas como um segmento específico, que têm necessidades e preferenciais diferentes. Mulheres sentem que o marketing esportivo as vê de forma errada. Elas querem ter uma voz individual. Elas não querem ser homens. Elas querem ser mulheres, e querem ser observadas por sua própria voz e individualismo. Querem programas que as visem e se comuniquem com elas, ao invés de serem embrulhadas em um grupo competitivo com os homens (SOAT, 2013, p. 34). Entre os segmentos do mercado, o que mais persuade e impõe padrões à mulher é o mercado de beleza, que sobreexcede o uso do conceito de perfeição. Seja dando enfoque na feminilidade, sedução ou poder da mulher, as campanhas de beleza são conhecidas por utilizar celebridades para simbolizar a superioridade do produto, com o objetivo de que o mesmo elevará a consumidora ao mesmo nível da garota propaganda escolhida. Figura 1​ - Campanha Monange
  • 28. (Fonte: ​Site​ Uol)  A campanha de 2012 da marca Monange (Figura 1), que incluía todas as linhas de hidratantes, desodorantes e cuidados capilares, tinha como objetivo associar a imagem dos produtos a modelos populares, explorando a ideia de que as mesmas são consumidoras também e que a “mulher Monange” inspira aos que estão em sua volta. O problema na campanha está na utilização de modelos para representar o ideal de beleza estética e comportamental, porém não condiz com a diversidade da mulher brasileira consumidora da marca. Segundo Azêredo (2007, p. 20-21 apud FALQUETO, 2014, n.p.): Parece realmente haver um receituário que define a mulher “de verdade” como sendo bonita, de acordo com regras bem específicas, que devem ser estritamente cumpridas. [...] Cumprir tais regras, no entanto implica um alto consumo para cuidar da aparência, do “físico” – frequentar academias de ginásticas (ou ter um ​personal trainer​) – ou fazer operação plástica, lipoaspiração etc. para ter a pele sem rugas, determinadas medidas do corpo, ter dentes perfeitos, cabelos sedosos e bem pintados, e estar em dia com a moda, de preferência usando as grifes famosas do primeiro mundo. Tal representação da mulher não intensifica só o mercado de cosméticos, mas também o de estética, por ressaltar que mulheres mais jovens são mais atraentes e com corpo mais firme, como a campanha de 2012 da marca AVON sobre a linha ​Renew Genics​, que utilizou a famosa modelo tcheca Paulina Porizkova como garota propaganda (Figura 2). Segundo dados do SEBRAE (2015), de 2010 a 2015, o aumento nos números de salão de beleza e clínicas especializadas em estética cresceu mais de 567%, colocando o país no terceiro lugar mundial em beleza. Alves e Vanti (s/a, p. 3) afirmam “Atualmente o mercado
  • 29. de beleza desconhece a crise econômica. Existe uma série de produtos e serviços que além de embelezar, aumentam a autoestima das pessoas”. Figura 2​ - Campanha AVON (Fonte: Site Diário do Nordeste) Outras características fortes na publicidade do mercado de beleza são a de se tornar desejável para os homens, criando cenas em que a utilização de um produto ou serviço faça com que todos ao redor notem e apreciem a consumidora, e a de utilizar de estratégias que chamam a atenção do público masculino para campanhas voltadas exclusivamente para mulheres, tal como a campanha da Pantene de 2008 (Figura 3) que utiliza do corpo da mulher de forma sexualizada para vender shampoo. Além destas características, é possível perceber que a publicidade voltada para o público feminino está diretamente ligada à aspectos estéticos e comportamentais, utilizando-os como forma de definições de padrões para este público.
  • 30. Figura 3​ - Campanha Pantene (Fonte: AdWomen.org) Mesmo sendo um segmento que ainda perpetua muito estereótipos, a publicidade do mercado de beleza do século XXI viu, no crescimento de movimentos sociais em plataformas digitais e discussões que os mesmos trouxeram, a oportunidade de criar e explorar novos conceitos, conquistar a fidelidade e estreitar o relacionamento com a consumidora feminina, que se tornou mais exigente, individualista e informada. Como citado previamente, a primeira marca grande a quebrar com os estereótipos da “mulher perfeita” disseminados desde o século XX foi a Dove, que em 2005 divulgou a campanha institucional ‘Campanha pela Real Beleza’ (Figura 4). Figura 4​ - Campanha Dove (Fonte: The Inspiration Room) Protagonizada por mulheres de diversas idades e formas, felizes com sua aparência, sem se importar com o julgamento dos que podem observá-las, a Dove provou ao mercado que vender o conceito de valorização do bem-estar do consumidor, e não um padrão estético
  • 31. inatingível ou produto/serviço torna a imagem e presença da marca mais positiva, não só para seu público alvo, mas também para a vida das pessoas que veem a campanha (FREDERICO, 2007). O furor causado pela campanha fez com que o mercado percebesse a importância de valorizar a mulher pelo que ela é, ao contrário do que “impor” o que deveria ser. A mudança também fez com novas oportunidades surgissem no mercado, como foi o caso da empresa Plano Feminino​®, plataforma criada em 2010 que funciona como blog, criando e compartilhando conteúdo de interesse das mulheres, como “escola”, atuando com cursos sobre branding e representatividade, e como consultoria, para marcas que desejam conectar suas estratégias de forma relevante junto ao público feminino . 8 A mais impactante mudança da relação entre mercado e empoderamento feminino ocorreu a partir de 2013, quando o movimento feminista ganhou força nas redes sociais, principalmente Facebook. No Brasil, pode-se dizer que o grande impulsionador para o aumento sobre a discussão e entendimento do movimento foi a campanha contra o assédio sexual em espaços públicos ‘Chega de Fiu Fiu’, da página Think Olga (Figura 5). Figura 5​ - Campanha “Chega de Fiu Fiu” (Fonte:Think Olga​) A página e blog Think Olga foi criado em 2013 pela jornalista Juliana de Faria, um projeto feminista que tem como objetivo criar e divulgar conteúdo que reflita sobre a complexidade e diversidade das mulheres e empodere-as por meio da informação. A 8 ​Site disponível em​: <​https://goo.gl/3RuJ6a​>​. Acesso em: 20 out 2016.
  • 32. campanha ‘Chega de Fiu Fiu’ nasceu em 24 de julho do mesmo ano, sendo inicialmente tratada através de ilustrações repudiando a assédio em espaços públicos, porém, ao receber milhares de curtidas e compartilhamentos, Julia percebeu a necessidade de criar uma pesquisa para provar os argumentos defendidos pela campanha (THINK OLGA, 2013). A pesquisa tinha como objetivo saber a opinião das mulheres em relação às cantadas que recebiam na rua e, em duas semanas, teve 7762 participantes, obtendo o resultado que 98% delas já haviam sofrido assédio, 83% não achavam legal, 90% já trocaram de roupa antes de sair de casa pensando aonde iam por causa de assédio e 81% já haviam deixado de fazer algo (ir a algum lugar, passar na frente de uma obra, sair a pé) por esse motivo (THINK OLGA, 2013). A divulgação desses dados nas redes sociais fez com que a repercussão se movesse da internet para revistas e jornais, fazendo a página se tornar popular, o que resultou na criação do ‘Mapa Chega de Fiu Fiu’, uma “​ferramenta para tornar as cidades mais seguras para as mulheres​ ​ao relacionar geograficamente os locais e motivos que aumentam a incidência de casos de assédio em determinadas áreas em busca de soluções que mudem essa realidade” (THINK OLGA, 2013). Outro projeto que criou um espaço digital para as mulheres e obteve resultados que transpassaram o virtual, foi a empresa ​Sheknows , que em 2014 cunhou o termo ​femvertising e 9 que, atualmente, possui diversas plataformas, sendo considerada a empresa digital número 1 sobre estilo de vida feminino, tendo mais de 309 milhões de seguidores em suas redes sociais . 10 Uma pesquisa de 2014 da empresa sobre ​femvertising​, que foi divulgada no evento Advertising Week XI, contou com 628 participantes e mostrou que 52% das mulheres admitiram comprar um produto porque gostaram a publicidade do produto representou a mulher, 43% disseram se sentir bem em apoiar a marca e apenas 25% disseram que continuaram usando um produto mesmo que não gostassem da forma que as propagandas do mesmo retratam as mulheres (SHEKNOWS LIVING EDITORS​, 2014). 9 Fundada em 1999, plataforma ​SheKnows​.com foi criada para “mães do século XXI”, compartilhando blogs, vídeos e artigos sobre entretenimento, estilo de vida e parentalidade escritos por experts da indústria, jornalistas e autores publicados. Disponível em: <​https://goo.gl/jLQCU1​>. Acesso em: 20 out 2016. 10 ​Em sua página de ​Facebook​, a empresa destaca comerciais que tratam sobre as mulheres de forma positiva e empoderadora e em seu site reúne iniciativas e estudos em prol da igualdade de gênero, além de realizar, desde 2015, o #​Femvertising Awards​, onde premia marcas que desafiam as normas de gênero ao construir publicidades que se comunicam positivamente com as mulheres.
  • 33. Além desses projetos, outra grande iniciativa para impulsionar a mudança do mercado publicitário em relação à igualdade dos gêneros foi a criação do prêmio ​Glass Lion do Festival Internacional de Criatividade de Cannes, que premia “trabalhos que implicitamente ou explicitamente endereça problemas de desigualdade de gêneros ou injustiça, através de representação consciente de gênero na propaganda” . 11 Desde 2013 até hoje, o debate cresceu e tomou força, abordando outros problemas e encontrando soluções relacionadas à mulher, seu empoderamento e liberdade. No mercado publicitário brasileiro, as marcas que mais ousaram e abraçaram o ​femvertising ​fazem parte do mercado de beleza, como a empresa de produtos capilares Lola Cosmetics, que perceberam que ao manter um relacionamento mais estreito e “íntimo” com suas consumidoras, puderam identificar quais mudanças realizar para fidelizar e aumentar ainda mais seu público. 2.3. O Empoderamento Feminino como Argumento de Venda A partir da proposta que o ​femvertising traz para o mercado publicitário, o empoderamento feminino passa a ser parte do argumento de venda que é construído para compor o posicionamento de comunicação das empresas que compreendem as particularidades e necessidade de melhor representação do público feminino. Isso porque, por mais que haja um caráter positivo que propõe uma melhoria na maneira de se fazer comunicação, não se pode esquecer que o ​femvertising​, ainda assim, se apresenta como uma estratégia de marketing no mercado. Mais do que qualquer outra coisa, falar sobre este assunto está diretamente ligado a tratar sobre consumo e, sobretudo, sobre consumidores. É preciso compreender que o consumidor não é mais o mesmo, e isso se deve às mudanças pelas quais o sujeito pós-moderno passou, tendo sua identidade descentrada (ou fragmenta), como tratada por Hall (2011). O conceito de identidade está atrelado ao processo de identificação dos indivíduos, que acontece e é construída a partir do reconhecimento de algo semelhante a si ou de características apresentadas e compartilhadas por um grupo de pessoas, ou até mesmo partindo de um ideal em comum (HALL, 2011), tendo essa definição de acordo com o senso 11 Site disponível e​m: <​https://goo.gl/706O8l>​. Acesso em: 20 out 2016.
  • 34. comum. Essa identificação está sempre em processo, e é possível afirmar que ela nunca está determinada completamente (não se pode perdê-la ou ganhá-la): Assim, em vez de falar em identidade como uma coisa acabada, deveríamos falar em identificação, e vê-la como um processo em andamento. A identidade surge não tanto da plenitude da identidade que já está dentro de nós como indivíduos, mas de uma falta de inteireza que é “preenchida” a partir de nosso exterior, pelas formas através das quais nós imaginamos ser vistos por outros. Psicanaliticamente, nós continuamos buscando a “identidade” e construindo biografias que tecem as diferentes partes dos nossos eus divididos numa unidade porque procuramos recapturar esse prazer fantasiado da plenitude (HALL, 2011, p. 39). Com isso, percebe-se que a identidade passa a ser uma questão de “tornar-se” e não apenas de “ser”. Isso será fator chave para as trocas e relações dos indivíduos em sociedade, pois suas identidades irão posicioná-los e tornar possível que estes possam reconstruir e transformar outras identidades também. A compreensão do conceito de identidade como algo em constante processo é essencial para perceber os principais pontos que fazem os sujeitos da atualidade ser quem são e como isso influencia nas relações de consumo desses indivíduos. Falar dessa relação é ter em conta as articulações e tensões entre o mercado, as identidades culturais locais e regionais e os processos comunicativos que estão presentes nessas relações sociais. Isso porque esse encadeamento e trocas entre os indivíduos é fator de extrema importância quando se trata de compreender o público e suas particularidades, para então iniciar o processo de adaptação da comunicação e da publicidade para esses novos consumidores. O consumo é uma forma de resposta ao mercado, sobre o que está funcionando ou não para o consumidor, e para assimilar isso é preciso antes falar sobre o que é consumo. Embora haja o entendimento de que estão todos sendo levados pelo senso comum, agindo e consumindo de uma mesma maneira, também é verdade que os sujeitos são diferentemente posicionados, de acordo com seus papéis sociais (HALL, 2005) e isso irá impactar diretamente nessas relações com o outro, e consequentemente, com as marcas. A relação com o outro é um fator importante para entender o empoderamento feminino como algo além de uma luta e passando a ser um argumento de venda de produtos e serviços. Isso porque a comunicação empoderada não diz somente a necessidade de cada mulher se perceber na publicidade, mas também de como ela consegue identificar as outras mulheres, cada uma com sua particularidade. O consumo é interpretado de maneira negativa e considerado até mesmo fútil por parte do senso comum. Mas o antropólogo Néstor García Canclini define o consumo como
  • 35. algo muito além disso. O autor busca entender como as mudanças na forma de consumir alteraram as possibilidades e as formas de exercer a cidadania. Para ele: O consumo é o conjunto de processos socioculturais em que se realizam a apropriação e os usos dos produtos. Esta caracterização ajuda a enxergar os atos pelos quais consumimos como algo mais do que simples exercícios de gostos, caprichos e compras irrefletidas, segundo os julgamentos moralistas, ou atitudes individuais, tal como costumam ser explorados pelas pesquisas de mercado (GARCÍA CANCLINI, 1999, p. 77). Com essa nova realidade das identidades, os indivíduos passam a perceber que seus posicionamentos são mais representados pelo consumo de bens e através dos meios de comunicação do que estando de acordo com as regras da democracia. Ora, se os cidadãos passam a compreender o valor e o poder que o seu consumo possui, logo ele passará a assimilar que o “não-consumir” pode funcionar como forma de protesto. A partir deste argumento, utilizar o empoderamento feminino e trabalhar de forma diferenciada a imagem da mulher na publicidade passa a se mostrar como uma estratégia de mercado para atingir esses indivíduos que compreender o nível de importância e posicionamento de seu consumo. Aqui, o consumidor se torna mais do que um ser que troca valor monetário por produtos ou serviços. Ele passa a exercer sua cidadania através do consumo, e isso se explica a partir das transformações que a vida cotidiana sofreu nas grandes cidades através dos séculos (GARCÍA CANCLINI, 1999). Dentro das propostas de entendimento de Canclini está a de averiguar como as identidades se reestruturam “quando a participação segmentada no consumo - que se torna o principal procedimento de identificação - solidariza as elites de cada país [...]” (GARCÍA CANCLINI, 1999, p.87), pois essas formas de relações influenciam no comportamento de consumo dos sujeitos. A questão da participação segmentada é importante para entender as transformações pelas quais a publicidade passa, e do porquê o consumo ser fator decisivo no momento de ratificação da diferenciação entre os indivíduos. A partir daqui é necessário captar a ideia de que o público nunca foi homogêneo, mesmo quando as primeiras teorias da comunicação tentavam classificá-lo desta forma. “Nem mesmo os espectadores dos eventos chamados populares formam um conjunto homogêneo” (GARCÍA CANCLINI, 1999, p. 105). É preciso lembrar que antes de tudo, o consumidor também é um cidadão, e por esse motivo a publicidade precisa parar de tratá-lo apenas como um ser que irá comprar e passar a identificá-lo como um ser humano que precisa ser respeitado, mesmo quando sua classe não é
  • 36. o público alvo da mensagem. Nesse ponto, torna-se a falar sobre a importância do contexto social ligado às particularidades de cada região, pois o multiculturalismo permanece mesmo (GARCÍA CANCLINI, 1999) quando se trata da estratégia de grandes grupos empresariais que estão inseridas em diversos países. Com isso, o empoderamento feminino se mostra como uma saída estratégica para que a publicidade e as mídias possam se comunicar de outras formas com as mulheres consumidoras e cidadãs do século XXI. Apesar do termo “empoderamento” ter se tornado parte dos discursos atuais, principalmente no ambiente online, pouco se sabe de forma específica e definitiva sobre o significado deste. A palavra vem do inglês ​empowerment​, que em interpretação livre pode ser compreendido como “dar poder”, seja a algo ou alguém. Assim, o empoderamento passou a dar nome e iniciar posicionamentos que visam enaltecer e/ou dar visibilidade para causas de minorias. Nesse sentido, é possível observar que o empoderamento feminino é necessário para benefício não apenas de uma classe da sociedade, mas para ela como um todo. Se durante o século XX muito se consumia pela necessidade dos produtos e serviços, atualmente o argumento sobre o ato de consumir muda e passa a se dar a partir da identificação que os indivíduos possuem com a marca e o discurso que ela defende. Dar autonomia para as mulheres e mostrar na publicidade que o poder delas é real e algo necessário, excluindo o antigo discurso que as enxergava como objetos e não como pessoas é fator decisivo para a imagem de uma marca no mercado atual. Estudar o modo como estão sendo produzidas as relações de continuidade, ruptura e hibridização entre sistemas locais e globais, tradicionais e ultramodernos, do desenvolvimento cultural é, hoje. um dos maiores desafios para se repensar a identidade e a cidadania [...]. Ao se levarem em conta os conflitos sociais que acompanham a globalização e as mudanças multiculturais, fica implícito que o que ocorre com as indústrias é bem mais do que aquilo que vemos nos espetáculos da mídia (GARCÍA CANCLINI, 1999, p. 175). O empoderamento está diretamente ligado a isso. Consumir o empoderamento feminino nada mais é do que consumir e se posicionar a favor daquilo que tanto faltou durante décadas na propaganda para o público feminino: a representatividade da diversidade da mulher e de suas capacidades e limites, que vão muito além do “ser bonita”, agradar o público masculino ou cuidar do lar. Esse empoderamento só se torna um argumento de venda a partir do momento em que as marcas começam a perceber e acompanhar as mudanças dessa nova consumidora, com a publicidade pensando o público de forma mais humanizada, e por mais
  • 37. que isto seja uma estratégia de marketing, não perde seu caráter positivo para as relações sociais do indivíduo e sua forma de consumir. Mais do que isso, empoderar é um meio de diminuir as desigualdades que existem no campo da política e da economia no que diz respeito às mulheres, dando a elas autonomia, voz e espaço nas diversas esferas da sociedade. A partir daqui é preciso parar de pensar o indivíduo como um ser diluído na massa e no anonimato da metrópole e lembrar que tratar de temas como cultura e identidade implica em analisar as interfaces com o mercado, já que é dessa forma interligada que estas temáticas se apresentam no cotidiano das sociedades contemporânea e moderna.
  • 38. CAPÍTULO III – Terceira Onda: Lola e o Consumo Empoderado 3.1. A Marca Lola Cosmetics A marca Lola Cosmetics (Figura 6) surgiu em 2010 e foi a primeira criada pelo grupo Farmativa que, antes, apenas terceirizava cosméticos para marcas nacionais e internacionais, focando em tratamentos e cuidados de alta qualidade para cabelos e corpo. Figura 6​ - Avatar da ​fanpage​ da Lola (Fonte: ​Fanpage ​da marca) No começo, com apenas doze produtos, a marca era voltada para o público profissional, porém alterou seu foco devido à demanda do consumidor final, seguindo para o varejo e mantendo a qualidade de tratamento profissional. A Lola Cosmetics é conhecida pelo apelo visual e textual em suas embalagens, com muito humor, cores vibrantes, inspiração retrô e por ser uma empresa vegana e ​cruelty free , com formulação de seus produtos que 12 13 14 não possuem ingredientes nocivos como silicones insolúveis, óleo mineral, sulfatos, parafina, corantes sintéticos, ftalatos e glúten, que são comumente utilizados por ter baixo custo, 15 barateando os produtos e aumentando os lucros das empresas. 12 Termo utilizado para denominar algo que está relacionado ao passado, a características especificas de determinada época da história que voltam a ser utilizadas na atualidade. 13 De acordo com a Sociedade Vegetariana Brasileira, uma empresa vegana não utiliza nenhum produto de origem animal, nem na sua composição, nem no seu processo de fabricação e nem no seu desenvolvimento. (Disponível em: <​https://goo.gl/9lCFAW​>. Acesso em: 06 out 2016). 14 Se trata de produtos que não são testados em animais. 15 Os ftalatos são um conjunto de substâncias nocivas a saúde comumente utilizadas em cosméticos, já que são os responsáveis pelo brilho e fixação de determinados produtos, como esmaltes, perfumes, shampoos e condicionadores. Eles causam uma extensa série de problemas à saúde, que vão desde danos ao fígado até anormalidades no sistema reprodutivo.
  • 39. Em constante crescimento, de produtos e reconhecimento nacional, a marca não possui loja própria, fazendo a venda de seus produtos através de lojas, salões, sites e revendedores. Atualmente conta com oitenta produtos e com mais de 5.000 pontos varejistas pelo Brasil, tendo crescido 200% em vendas em 2016 . Mantendo sua comunicação 16 essencialmente nas redes sociais, a Lola possui conta no Instagram e Twitter, e página no Facebook, sendo esta a rede que mais tem seguidores, ultrapassando os 670 mil seguidores, porém tendo no ​Instagram o maior número de ​likes​, que se mantém em média acima de 500 curtidas por publicação. De maneira um pouco amadora, a Lola Cosmetics tinha sua comunicação pautada na representação da mulher inspirada nas ​pin-ups dos anos 40 a 60, mantendo a linguagem 17 divertida que é marca registrada da empresa (Figuras 7 e 8). Seja com as embalagens (Figura 9) ou com sua comunicação online, a marca sempre se destacava pelas cores vibrantes e bom humor, porém, a partir de junho de 2015, resolveu se reestruturar visualmente com o intuito de ter, em geral, uma identidade própria. Figura 7​ - Publicação anterior à reestruturação visual (Fonte: ​Fanpage​ Lola Cosmetics) 16 De acordo com matéria publicada no site VejaRio. Disponível em: <​https://goo.gl/bFDrUp​>. Acesso em 06 nov 2016. 17 Modelos da beleza ideal, as pin-ups foram, originalmente, garotas propagandas de bens, serviços e ideais norte-americanos do segundo terço do século XX (MIRANDA, 2014, p.148).
  • 40. Figura 8​ - Publicação que faz parte da embalagem de um dos produtos da marca (Fonte: ​Fanpage​ da Lola) Figura 9​ - Primeiras embalagens da Lola Cosmetics (Fonte: Leti Saraiva) Essa restruturação foi marcada pela remodelagem dos produtos que já faziam parte do catálogo marca, a inclusão de várias linhas novas, como os óleos Pinga, linha Rapunzel e Volumão, e o início do novo segmento da empresa, a linha de maquiagem ‘Oh!Maria’, que contou com a criação de oito ilustrações de mulheres (Figura 10) de diferentes raças, tipos de cabelo e formas, ainda seguindo uma estética mais leve de ​pin up​, mas trazendo uma proposta mais inclusiva para todos os tipos de mulheres se reconhecerem na marca. Estas novas personagens possuem características que representam a diversidade das mulheres, além de serem retratadas de forma imponente que reflete atitude e personalidade em cada uma.
  • 41. Figura 10​ - 5 das 8 personagens da marca (Fonte:​ Fanpage​ da Lola Cosmetics) As novas linhas da marca se destacaram também por inovarem nos nomes, elevando o bom humor, como no caso dos produtos de tratamento ‘Loira de Farmácia’ e ‘Eu Sei O Que Você Fez Na Química Passada’ (Figura 11) e os que têm seus nomes inspirados em filmes clássicos, como os cremes ‘O Poderoso Cremão’ e ‘O Exterminador de Frizz’ e o bálsamo de styling ‘Oleosos e Furiosos’ (Figura 12). 18 Figura 11​ - Exemplo de nomes dos produtos Lola (Fonte: Site Lola) 18 Produtos capilares que têm como função fixar a finalização/penteado, para que dure e segure por mais tempo.
  • 42. Figura 12​ - Exemplos de produtos Lola Cosmetics com nomes parodiando filmes famosos (Fonte: Site Lola Cosmetics) Com isso, ao unir a análise da reestruturação visual com os princípios da marca, percebe-se que a proposta principal é representar e falar com mulheres que consomem produtos de beleza. Além de quebrar o tabu de que a beleza é para poucas, a Lola reforça o discurso sobre a beleza da diversidade e diferença de cabelos de todos os tipos como forma de propagar o amor próprio, engradecendo a autoestima de suas consumidoras. 3.2. Análise da Comunicação e das Redes Sociais da Lola Cosmetics Como apresentado anteriormente, a Lola Cosmetics nasceu tendo sua comunicação concentrada e exclusiva nas redes sociais, e essa estratégia se mantém atualmente, se mostrando como meio de relevância para a divulgação da marca e seu relacionamento com os clientes e com seu público como um todo. Esse tipo de estratégia se mostra eficaz para a marca, que consegue desenvolver interações com os seguidores, que podem ser classificadas de tal forma: A interação social, no âmbito do ciberespaço, pode dar-se de forma síncrona ou assíncrona, segundo Reid (1991). Essa diferença remonta à diferença de construção temporal causada pela mediação, atuando na expectativa de resposta de uma mensagem. Uma comunicação síncrona é aquela que simula uma interação em tempo real. Deste modo, os agentes envolvidos têm uma expectativa de resposta imediata ou quase imediata, estão ambos presentes (on-line, através da mediação do computador) no mesmo momento temporal (RECUERO, 2009, p. 32). Na análise realizada das redes sociais da Lola Cosmetics, foi possível perceber o grau de engajamento que as publicações alcançam e o nível de interação com o público que a marca possui é significativo, sendo importante notar o alcance e retorno que os conteúdos
  • 43. impulsionados possuem. O advento da Internet trouxe diversas mudanças para a sociedade. 19 Entre essas mudanças, temos algumas fundamentais. A mais significativa, para este trabalho, é a possibilidade de expressão e sociabilização através das ferramentas de comunicação mediada pelo computador (RECUERO, 2009, p. 24). 3.2.1. SITE O site da Lola Cosmetics pode ser entendido como uma ferramenta de apresentação 20 dos produtos de maneira mais detalhada, e apesar da marca ter sua comunicação focada no digital, o site não possui e-commerce e os produtos são vendidos em outros sites, como assinalado anteriormente. A ​home page apresenta quatro ​banners sobre produtos, uma área institucional e comercial, e atualizações do Facebook e do Twitter na parte inferior do site. Figura 13​ - Home page do site da Lola Cosmetics (Fonte: Site da marca) 19 O “impulsionamento” é um dos recursos do Facebook para empresas que permite que uma publicação ou uma página sejam anunciadas no ​feed de notícias de uma quantidade de pessoas definida a partir do valor pago pela empresa. 20 Disponível em: <lola.ind.br>. Acesso em: 06 nov. 2016.
  • 44. Figura 14​ - Aba “Onde Comprar” (Fonte: Site da Lola) No site ainda é possível ter acesso a informações de todos os produtos da marca, e as divisões e classificações seguem a linha divertida e descontraída proposta pela comunicação da marca. As abas principais são: ​Home​, Por Produto, Por Drama, Lolapédia, Instalola, Quiz e Contato. Figura 15​ - Aba que classifica os produtos “Por Drama” (Fonte: Site da Lola Cosmetics)
  • 45. De maneira geral, a organização do site está acessível e as informações bem distribuídas, sendo possível encontrar produtos específicos de acordo com as necessidades das consumidoras e de forma rápida e prática (ver Figura 15). O ponto negativo são as informações sobre a marca, pois estas são vagas e pouco dizem sobre a proposta que a mesma defende. Ademais, mesmo não possuindo e-commerce, logo na ​home page está disponível a seção com os locais em cada estado onde os produtos são vendidos. 3.2.2. FACEBOOK, INSTAGRAM E TWITTER Os conteúdos compartilhados pela Lola Cosmetics não são personalizados para cada rede social, sendo possível encontrar as publicações do Facebook também no Instagram. A marca possui 368 mil seguidores no Instagram , contando com 1.979 mil publicações e 21 seguindo 230 perfis , e sua relação com público se mantém positiva e ativa nesta rede social 22 também. Figura 16​ - Fanpage da Lola no Facebook (Fonte: ​Fanpage​ da Lola) 21 Disponível em: instagram.com/lolacosmetics 22 Os dados coletados e aqui apresentado dizem respeito à situação das redes sociais da Lola até o da 08 de novembro de 2016, quando o levantamento foi encerrado.
  • 46. Figura 17​ - Perfil da Lola no Instagram (Fonte: Perfil da marca no Instagram) Em sua ​fanpage ​no Facebook, a Lola possui aproximadamente 675 mil curtidores/seguidores que acompanham diariamente as publicações da página. O conteúdo compartilhado é todo produzido pela marca, sempre muito colorido e utilizando a imagem das suas personagens próprias. Ao analisar as peças publicadas nas redes sociais, é possível perceber as influências visuais que a marca carrega. Uma das principais é a da famosa campanha ​“We can do it ”, que traz a imagem de uma mulher mostrando que pode fazer 23 qualquer tipo de trabalho e não ficar restrita ao trabalho doméstico. Figura 18​ - Exemplo de publicação no Instagram, ressaltando a beleza feminina (Fonte: Perfil da marca no Instagram) 23 A campanha “foi parte de um processo que visava movimentar as mulheres e mobilizar todos os esforços possíveis para sustentar a Segunda Guerra Mundial” (BAKKER; RIBEIRO, 2014), e que posteriormente passou a ser usada como ícone do movimento Feminista.
  • 47. Já no Twitter, a marca possui 2.657 seguidores, 4.926 ​tweets , e seu perfil está ativo 24 desde 2011. As publicações da marca também se limitam ao mesmo conteúdo que é produzido para as outras redes sociais. As imagens são publicadas poucas vezes, aparecendo como ​links ​para o Facebook, sendo uma estratégia positiva para incentivar a migração de fãs e seguidores de uma rede social para outra, aumentando assim o seu alcance e sua propagação nas redes das consumidoras. Entretanto, ao testar os ​links​, eles redirecionavam para o Facebook, porém as páginas estavam fora do ar. Figura 19​ - Perfil da Lola no Twitter (Fonte: Perfil da Lola no Twitter) Figura 20​ - Exemplo de publicação da Lola no Twitter (Fonte: Twitter da Lola) O discurso da marca não coloca a Lola como única responsável pela beleza da mulher, mas como uma auxiliadora para que isso aconteça, empoderando as mulheres de forma a reafirmar que sua beleza já existe e está presente, tendo a Lola apenas para ajudar a 24 Nome dado às publicações feitas no Twitter.
  • 48. deixá-las ainda melhor, com ênfase na beleza capilar. Importante ressaltar que a qualidade dos produtos é um ponto relevante para as consumidoras, porém a maneira como esses produtos são vendidos e apresentados ao cliente é que diferencia a marca de outras do mesmo segmento. As interações por comentários são maiores no Facebook, e por curtidas são maiores no Instagram. Figura 20​ - Exemplo de publicação que promove interação com o público (Fonte: ​Fanpage ​da Lola) Figura 21​ - Peça de divulgação da Lola (à esquerda) e imagem utilizada como um dos ícones do movimento feminista (à direita) (Fonte: ​Fanpage ​da marca) Mesmo inspirada na campanha “We can do it”, a personagem ganha traços e detalhes incomuns ao padrão europeu que costuma ser utilizado em diversas estratégias midiáticas. Aqui, a personagem é negra, possui tatuagens e usa roupas que a traduzem como “estilosa”, passando longe da sexualização, mesmo usando parte do sutiã à mostra e uma camiseta curta.
  • 49. Fica nítido que a comunicação é feita diretamente para as mulheres, para que elas possam se ver bonitas e autossuficientes, não mais colocando produtos de beleza como parte essencial para conseguir agradar os homens. A proposta da marca é a de que a mulher não precisa se arrumar ou se cuidar para sair com o namorado, ou para ficar bonita para o homem, mas sim para se sentir ainda mais bonita para si mesma. Figura 22​ - Publicação das redes sociais da Lola, enfatizando a importância de usar os produtos da marca (Fonte: ​Fanpage​ da Lola) No discurso adotado pela Lola, os produtos da marca passam a atuar como companheiros das clientes. Assim, para estar feliz e completa elas não precisam de outra pessoa, mas sim do seu “​lola” preferido. Uma das principais caraterísticas que enfatiza a proximidade que a marca busca ter com as consumidoras é a através do modo com o qual ela as trata. “Lolete” é o termo adotado para se referir a suas consumidoras, seguidoras e fãs, sendo sempre utilizado nas mensagens e legendas das postagens realizadas nas redes sociais. Essa estratégia revela o cuidado com esse público que está sempre online e com as ferramentas necessárias para interagir positiva ou negativamente com as marcas. Pautado na discussão sobre as interações na internet, Recuero (2009) diz que a comunicação mediada por computador (e atualmente é possível incluir aqui os ​smartphones​) permitiu aos indivíduos mais do que se comunicar, mas ampliou a capacidade de conexão, possibilitando que novas redes fossem criadas e se expressassem nesse espaço online. Assim, cada seguidor da marca passa a ser um nó nessa rede estabelecida, se conectando com outros e assim permitindo que cada vez mais a rede principal da Lola se estenda e atinja um público maior.