Este documento discute quais conteúdos de fisiologia do exercício devem ser ensinados em aulas de educação física no ensino médio. Professores universitários e do ensino médio foram entrevistados e sugeriram vários temas, como os sistemas cardiovascular e respiratório, resistência aeróbia e anaeróbia, nutrição e controle de peso. No entanto, esses temas precisam ser detalhados para permitir a sistematização adequada dos conteúdos para os alunos.
Educação física no ensino médio e fisiologia do exercício
1. Educação Física no ensino médio e fisiologiado
exercício: o que os alunos devem aprender?
Resumo
Dentre os conteúdos conceituais a serem disseminados na educação física escolar, o
ensino da fisiologia do exercício pode proporcionar ao aluno o conhecimento necessário para
promoção da qualidade de vida e saúde. Em função disto, o objetivo desta pesquisa foi o de
identificar, na perspectiva dos professores, quais os conteúdos da fisiologia do exercício devem
ser aprendidos pelos alunos durante as aulas de Educação Física no Ensino Médio. Foram
entrevistados três professores universitários que ministram a disciplina de fisiologia do exercício
e três professores do ensino médio que ensinam conteúdos de fisiologia em suas aulas. A partir
das entrevistas realizadas, foi possível identificar inúmeros temas ligados à Fisiologia do
Exercício que podem ser ensinados na Educação Física durante o Ensino Médio. Entretanto, os
temas apresentados, genéricos e abrangentes, devem ser detalhados para permitir a
sistematização dos conteúdos.
Unitermos: Educação Física. Ensino médio. Fisiologia do exercício.
Introdução
Vários estudos realizados identificaram a necessidade de repensar a organização do currículo
da Educação Física no Ensino Médio, relacionando as aulas com o cotidiano dos alunos. Entre
esses estudos, destacamos os de Lorenz e Tibeau (2003), Darido (2004), Mattos e Neira (2000)
e Correia (1996). De forma geral, os autores defendem que as aulas sejam espaço de
aprendizagem de saberes significantes e que levem os estudantes à compreensão sobre o
movimento humano e/ou à construção de autonomia para a utilização de seu potencial motor.
Entre os saberes a serem aprendidos, estão aqueles originados na Fisiologia do Exercício,
como sugerem Mattos e Neira (2000), Lorenz e Tibeau, (2008), Antunes (2006) e Pereira
(2006). Para esses autores, a aprendizagem de tais conteúdos é relevante por possibilitar a
compreensão sobre o papel da educação física escolar e do exercício físico em seu próprio
organismo. Assim, o professor pode ensinar sobre os benefícios do exercício físico, seus efeitos
a longo prazo e enfatizar a ação positiva para a saúde, bem como os malefícios causados pelo
sedentarismo.
Segundo Guyton e Hall (2002, p. 2) “o objetivo de toda a fisiologia é explicar os fatores físico
e químicos que são responsáveis pela origem, pelo desenvolvimento e pela progressão da vida”.
Quando a fisiologia é direcionada especificamente ao estudo do comportamento do organismo
durante a prática do exercício físico, é denominada como fisiologia do exercício. Dessa forma,
para Barbanti (2003) p. 269:
2. Fisiologia do Exercício compete ao estudo das funções do organismo relacionados ao
esporte, treinamento e exercício físico, seus principais objetivos são estudar as diferentes
formas de exercícios, visando melhora da capacidade de rendimento físico, buscando melhora
da saúde através da continuidade da Atividade Física. Ela busca compreender todas as ações
que ocorrem no corpo humano durante o exercício físico, bem como o efeito obtido por sua
prática constante (ou seja, efeito crônico promovido pelo exercício). De maneira geral, envolve
o estudo dos músculos envolvidos no movimento, hormônios liberados, estado emocional,
ativação neuromuscular e uma série de mecanismos que estão ativados no organismo durante
a atividade física; também é possível estudar o gasto energético e como esse gasto é reposto
(por meio do repouso e da alimentação correta e equilibrada).
O conhecimento básico da fisiologia do exercício pode proporcionar uma consciência sobre a
necessidade da atividade física/exercício físico para o bem-estar físico, social e mental. Com
isso, também é possível desenvolver uma visão crítica dos acontecimentos sobre os problemas
de saúde que tanto afligem a sociedade atual, como obesidade, bulimia, anorexia e doenças
cardiorrespiratórias (PEREIRA, 2006; MATTOS e NEIRA, 2000).
A partir dessa visão, o ensino da fisiologia do exercício, na educação física escolar
proporciona ao aluno o conhecimento necessário para promoção da qualidade de vida e saúde
por meio da atividade física/exercício físico, sendo, portanto, promotora de “uma atmosfera de
vivências; vivências de poder fazer; processos de aprendizagem, de ação de desenvolvimento;
auto condução do aluno; interação e comunicação” (MATTOS e NEIRA, 2000 p. 88).
Em síntese, entendemos que a educação física deve aplicar e ampliar seus conteúdos
discutindo aspectos da educação para a saúde a fim de incentivar a criação de comportamentos
fisicamente ativos, que sejam saudáveis e prazerosos para os alunos. Para isso, é fundamental
que os eles compreendam as consequências da prática do exercício físico e consigam relacionar
esses conhecimentos com o seu cotidiano. Por conseguinte, o professor, para viabilizar essa
aprendizagem, deve recorrer a diversas áreas do conhecimento, incluindo a fisiologia do
exercício.
Embora se reconheça que conhecimentos da Fisiologia do Exercício devam ser ensinados nas
aulas de Educação Física, poucos autores se dedicaram a explicitar quais são esses
conhecimentos. Dessa forma, o presente estudo foi realizado com o objetivo de identificar, na
perspectiva dos professores, quais os conteúdos da fisiologia do exercício devem ser aprendidos
pelos alunos durante as aulas de Educação Física no Ensino Médio.
Método
3. A abordagem qualitativa de pesquisa foi utilizada para fundamentar a realização dessa
pesquisa descritiva (Thomas e Nelson, 2002). A amostra intencional foi composta por 6
professores de Educação Física, sendo: 3 professores da disciplina responsável pelo ensino de
conhecimentos da Fisiologia do Exercício em Cursos de Licenciatura em Educação Física,
identificados como D1, D2 e D3, e 3 professores que lecionam Educação Física no Ensino Médio
e que, em suas aulas, ensinam conhecimentos da Fisiologia do Exercício, identificados como P1,
P2, P3.
Para a coleta de dados foram realizadas entrevistas estruturadas, com utilização de um
roteiro composto por perguntas abertas com o objetivo de investigar os entrevistados sobre a
importância de se conhecer a Fisiologia do Exercício e sobre quais conteúdos originados nessa
subdisciplina devem ser aprendidos pelos estudantes durante as aulas de Educação Física na
escola.
Todos os entrevistados receberam a carta de informação ao sujeito e após a leitura da
mesma, assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. As entrevistas foram gravadas
e transcritas, sendo os dados analisados com a aplicação da técnica de análise de conteúdo.
Apresentação e discussão dos resultados
Perguntamos aos sujeitos qual a importância dos conhecimentos da fisiologia do exercício
para os professores de Educação Física Escolar. Respondendo a pergunta, cinco deles
afirmaram que os professores devem dominar esses conhecimentos para que compreendam o
que acontece com seu aluno durante o exercício e possam adequar as atividades propostas às
suas características. Esses resultados podem ser observados no quadro 1. Nesse argumento, se
enfatiza um valor instrumental da Fisiologia do Exercício no curso de Licenciatura em Educação
física, que parece ser relevante apenas para o futuro professor, como se as aulas de Educação
Física na escola se resumissem à aplicação de um programa de exercícios para o
desenvolvimento da aptidão física dos alunos.
Quadro 1. Justificativas para o ensino da Fisiologia do Exercício aos licenciados em Educação Física
4. Contudo, outra justificativa foi apresentada por dois entrevistados, ambos professores do
ensino médio. Eles destacaram que a fisiologia do exercício é importante, pois o professor de
Educação Física deve ensinar conhecimentos oriundos dessa área científica para seus alunos,
ideia que pode ser identificada no discurso de P2,
é importante saber porque ele está se movendo, o que acontece no corpo dele na questão
fisiológica para seu próprio conhecimento, para ele saber o que está acontecendo com o seu
corpo, proporcionando que ele seja capaz de realizar algumas tarefas motoras com autonomia
...
Nesse discurso, o professor apresenta um entendimento semelhante ao defendido por
Correa (1996), Darido (2004) e Lorenz e Tibeau (2003), que acreditam ser papel da educação
física no ensino médio ensinar conhecimentos que preparem os alunos para analisar
criticamente as práticas motoras em seu cotidiano, construindo indivíduos autônomos para a
utilização de seu potencial motor. Essa ideia também é apresentada por Mariz de Oliveira
(1991), ao propor que a Educação Física ensine conhecimentos sobre o movimento humano.
Um dos blocos de conteúdos proposto pelo autor, que envolve a análise da estrutura e
potencialidades relacionadas ao mover-se, apresenta temas relacionados à fisiologia entre os
conhecimentos a serem aprendidos.
Perguntamos aos entrevistados quais conteúdos relacionados à Fisiologia do Exercício
poderiam ser ensinados nas aulas de Educação Física do Ensino Médio. Os professores
indicaram 36 unidades de significado que foram reunidas em cinco categorias, apresentadas
Quadro 2.
5. Quadro 2. Relação e Classificação dos Conteúdos Propostos para as aulas de Educação Física no Ensino médio
6.
7. Os temas citados pelos sujeitos, no quadro acima, têm relação com tópicos propostos por
alguns autores, como Lorenz e Tibeau (2003), Hoffman e Harris (2002) e Mattos e Neira
(2000), nos quais destacam-se: o funcionamento dos principais órgãos e aparelhos envolvidos
na atividade física; doenças relacionadas ao sedentarismo; nutrição e controle de peso,
conceitos de aptidão física, saúde e qualidade de vida; princípios do exercício físico;
funcionamento dos principais sistemas envolvidos no exercício físico (cardiovascular,
respiratório, endócrino, ósteo-muscular e nervoso); resistência aeróbia e anaeróbia, seus
benefícios, suas característica, e justificativas para a sua prática; força muscular; flexibilidade;
conceitos básicos de nutrição e controle de peso, hidratação; e patologias como: obesidade,
hipertensão.
O tema “emagrecimento” foi citado por todos os professores do ensino médio, mas por
nenhum dos docentes universitários. Talvez, esse tema não seja considerado como específico
da área da Fisiologia do Exercício, já que envolve conhecimentos de outras áreas. Pereira
(2000) destaca que os jovens se interessam em saber sobre o corpo, principalmente quando
relacionado com a estética corporal. Portanto, a Educação Física deve esclarecer sobre os
benefícios da atividade física, os mitos e verdades sobre os exercícios, os males causados por
uma atividade física realizada de forma exagerada.
Matos e Neira (2000) também afirmam que o controle de peso é um tema relevante para o
ensino médio. Além disso, os autores citam outros temas que se relacionam com as propostas
dos professores entrevistados, como o funcionamento dos principais órgãos e aparelhos
envolvidos na atividade física, doenças relacionadas ao sedentarismo, entre outros temas.
Outros temas relacionados aparecem na pesquisa que foi realizada com alunos por Lorenz e
Tibeau, (2003) que destacaram o condicionamento físico e promoção da saúde; alimentação e
atividade física; benefícios da atividade física; atualidades, flexibilidade; definição de exercício
físico; hidratação; estética.
Importante também é notar que alguns entrevistados destacam a dificuldade para selecionar
os conteúdos que serão ensinados em aula. Por exemplo, D3 afirma acreditar que devem ser
ensinados “conteúdos que são peculiares da Educação Física e que, talvez, tenham origem na
Fisiologia. Então, deve-se fazer um recorte”. Dessa forma, para esse professor, nem todo
conhecimento originado disseminados nas disciplinas que tratam da Fisiologia do Exercídio
devem ser tema de aulas na Educação Física Escolar, sendo que o tema a ser tratado pelo
professor não é a Fisiologia do Exercício em si, mas as consequências fisiológicas do exercício
físico.
Seguindo a mesma idéia, P1 afirma que “ o que se aprende na faculdade é algo mais
específico para quem está fazendo graduação em Educação Física, então deve-se fazer um
8. recorte dessa matéria para passar para os alunos na escola o que é interessante saber, sobre o
que eles devem saber”. A partir das declarações desses dois sujeitos se evidencia a necessidade
de identificar as necessidades e interesse dos alunos antes de selecionar os conhecimentos pois
não basta a transposição do conhecimento academicamente produzido para a aula de Educação
Física. É preciso que esse conhecimento seja aplicado à realidade e característica dos alunos.
Ao analisar os temas propostos pelos entrevistados, é possível perceber que muitos deles
são temas gerais, abrangentes. Para que esses temas sejam tratados como conteúdo das aulas,
ou seja, sejam sistematizados, será necessário que eles sejam detalhados, com a identificação
dos conteúdos de natureza conceitual, procedimental e atitudinal a serem aprendidos pelos
alunos. Assim, D3 e P1 defendem que sejam discutidas nas aulas de Educação Física na escola
as reações que ocorrem no organismo durante o exercício. Mas, quais reações devem ser
ensinadas? Existe uma ordem na discussão sobre tais reações a serem seguidas pelos
professores?
Geralmente, a responsabilidade por construir formas de sistematizar esses conteúdos tem
sido atribuída apenas aos professores em sua intervenção na escola. Entendemos que também
é papel da Universidade produzir conhecimentos e propostas que possam ajudar o professor
em sua tarefa de organizar o currículo da Educação Física na escola. Os docentes universitários
que trabalham com a disciplina Fisiologia do Exercício, assim como aqueles que atuam com
outras disciplinas de orientação acadêmica (Verenguer, 2007) têm papel fundamental em sua
intervenção com os futuros licenciados, discutindo como os conhecimentos construídos na
disciplina podem ser tratados como conteúdo de suas aulas na escola. Partindo desse
pressuposto, tais disciplinas podem se tornar mais significantes entre futuros licenciados que
possuem dificuldade em aplicar os conhecimentos científicos aprendidos nessas disciplinas em
sua intervenção profissional no ambiente escolar, dificuldade essa evidenciada nos resultados
de pesquisa obtidos por Darido (1995).
Considerações finais
O presente estudo se propôs a identificar, na perspectiva dos professores de Educação
Física, os conhecimentos originados na Fisiologia do Exercício que devem ser aprendidos pelos
estudantes do Ensino Médio nas aulas desse componente curricular, realizadas na escola. A
partir das entrevistas realizadas, foi possível identificar inúmeros temas ligados à Fisiologia do
Exercício que podem ser ensinados na Educação Física durante o Ensino Médio. Entretanto, os
temas apresentados, genéricos e abrangentes, devem ser detalhados para permitir a
sistematização dos conteúdos.
Ensinar esses conhecimentos identificados poderá contribuir para a formação de pessoas
autônomas, que compreendam a importância e valorizem a adoção de um estilo de vida ativo.
9. Obviamente, a Fisiologia do Exercício não deve ser o único conteúdo a ser ensinado nas aulas
de Educação Física, mas é um desses conteúdos, e contribui muito para a construção do
conhecimento na escola, permitindo uma aplicabilidade nas aulas e no dia-a-dia.
Cabe à Universidade estudar formas de estabelecer uma organização curricular da Educação
Física Escolar e discutir o tema com os graduandos. Aos docentes universitários, responsáveis
pela aprendizagem de conhecimentos sobre a fisiologia do exercício (ou por outras áreas do
conhecimento) fica a responsabilidade de auxiliar o estudante universitário que se prepara para
a educação escolarizada a relacionar Fisiologia do Exercício com educação física escolar.
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