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O NATAL
NA VOZ DO POVO DE
PROENÇA-A-NOVA V
Dezembro 2012
Natalinovas
O Presépio na vida e voz do Povo de Proença-a-Nova
O NATAL
NA VOZ DO POVO DE
PROENÇA-A-NOVA IV
Dezembro 2012
Natalinovas
O Presépio na vida e voz do Povo de Proença-a-Nova
O NATAL
FICHATÉCNICA
Título
ONatal na Voz doPovo deProença-a-NovaV–Natalinovas:
OPresépiona vidaevoz doPovo deProença-a-Nova
Coordenação
João CrisóstomoManso (VereadordoPelouro daEducação)
Autores
Mari Mandes (Maria Rosa Morgado Fernandes da Silva); El
Rosaezequi (José Emílio Sequeira Ribeiro); Maria do Pinhal
(Idalina de Juseus da Silva Cardoso), Vila Lobos (José Ribeiro
Farinha); Nabuco ( José Ribeiro Farinha); Fátima Lopes (Maria
Inês Cardoso); Belchior (Virgílio Dias Moreira); Estrela
Cadente (Mónica Serrano); A Vanguarda (Vanessa Sofia
Gonçalves Marques); A Capisciente (Raquel Valério Afonso);
Marta Penedo (Maria João do Nascimento Bairrada);
Rimamare (Ricardo Mendes, Madalena Mendes, Margarida
AlveseRenata Fragoso)
Ilustradores
Alfredo Cavalheiro, Francisco José Simões Cabral, Sílvia
Mathys, José Ribeiro Farinha, Mónica Serrano, Lúcia Ribeiro,
Carla Gonçalves,Maria Cardoso, Ana LuísaRibeiro
Colaboradores: Gabinete de Comunicação da Câmara
Municipal de Proença-a-Nova, Carla Gaspar - Biblioteca
Municipal de Proença-a-Nova, Prof. António Gil Martins Dias,
Prof. Alfredo Bernardo Serra, Prof. Maria Helena Ferreira
Nunes
Edição
Câmara Municipal deProença-a-Nova
1ª Edição,Dezembro 2012
Tiragem
500exemplares
Impressão
GráficaProencense
DepósitoLegal
NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA IV
O NATAL
NOTA DE ABERTURA
Os preparativos para a noite de Natal, uma das mais
mágicas do ano, antecipam e acabam por ser já parte
da festa. Escolher e decorar o pinheiro ou preparar o
presépio são gestos que se repetem ano após ano, mas
não deixam de ter, sobretudo para os mais novos, o
sabor de novidade e de prenúncio da quadra que se
aproxima.
Decorados com elementos naturais como o musgo ou
casca de pinheiro, os presépios são a expressão
simples da fé das nossas populações e presença
obrigatória na maioria das casas. Escolhido como
tema para esta última edição do concurso
Natalinovas, o presépio é, à semelhança do que tem
acontecido em edições anteriores, ponte ou pretexto
para o desfiar de muitos episódios e imagens que
convocam tradições associadas ao Natal.
Nos últimos cinco anos, memórias de natais de
outros tempos foram partilhadas em textos que,
independentemente da marca de cada autor,
puseram em comum um património cultural que é de
todos. Além de vivências específicas da quadra
natalícia, foram evocadas temáticas variadas, das
relações de vizinhança às brincadeiras e jogos
tradicionais, da gastronomia à agricultura, das
migrações às trocas sociais com outras regiões e
concelhos.
Esta edição encerra um ciclo de recolha – e com ele a
certeza de que este projeto nos enriqueceu. A porta
para o trabalho de preservação da nossa cultura
mantém-se, contudo, aberta. Outros projetos já em
andamento confirmam a prioridade que damos à
divulgação desse património. Não por querermos
ficar presos ao passado, mas porque quem tem raízes
sólidas mais facilmente consegue construir um futuro
criativo.
João Paulo Catarino, Presidente da Câmara
NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA V
7
O NATAL
8
PREFÁCIO
«Em vão te ressuscitam nos presépios/Perante olhos adultos e
meninos», assim começa Geir Campos o seu “Poema para o
Menino Jesusentrepalhas”.
Os textos poéticos e os contos alusivos ao presépio que
enformam esta V colectânea de Natalinovas também nos
trazem ao espírito o santo nascimento de Jesus na gruta de
Belém e em cada lar, escola ou igreja no presépio arquitectado e
por habilidosas mãos construído ou na encenação teatral do
actoúnico e misterioso em que «O Verbo eterno, gerado nos
esplendores da eternidade e da glória, toma natureza humana e começa
a habitar e a viver no meio de nós (…) um Deus feito Homem por amor
dos homens, e que por eles se oferece para os restituir à amizade
divina…”
No reconhecimento de que «o presépio da vida ainda continua
vivo» em cada presépio cantado in memoriam pelos autores de
Natalinovas V, celebra-se o renovar do nascimento carnal de
cada ser humano, reforçam-se os laços da família, encontra-se o
alimento espiritual que busca cada um dos obreiros na
construção do presépio feito de /pequenas estatuetas, tal como
se engrandece no corpo e na alma o actor ou simples assistente
curioso do presépio vivo,por se sentir mais próximo de Deus no
espírito natalício dos «natais inesquecíveis, onde para além do
presente recebido sobrepunha-se a alegria, o amor, a fraternidade e a
solidariedadeentretodos osmembrosdaminhafamília.»
O presépio perfeito do passado vivido é enaltecido de forma
sublime pelos autores que nos presenteiam nas poesias e contos
com recuperação de histórias memoriáveis vividas pelas suas
famílias e na lembrança de factos ora contados que marcaram
as comunidadesao longo daquadra natalícia.
Esta antologia em torno do “Presépio” traduz-se em letra com
renovada esperança numa vida humana feliz, de fraternidade,
bonança e concórdia na catedral do mundo onde reine a
justiça, o amor e a paz. Este volume Natalinovas «O
PRESÉPIO»é mais uma expressão concreta da capacidade
literata dos proencenses e sobretudo constitui-se inegável
perpetuação da memória das gentes e da cultura cristã na vida e
na voz dopovo deProença-a-Nova.
Presépiodesempre,porumNatal continuado!
Proença-a-Nova, 28 de Outubro de 2012
Alfredo Bernardo Serra
NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA V
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O NATAL
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PERENIDADES
Opresépiotemmagia
Transversalàs gerações:
No altartemliturgia
Ena rua temcanções;
Na pobreza,fidalguia
Ena aridez,emoções.
Eeuqueviexposições,
Coleçõesmeticulosas,
Milhentas figurações
Todastão maravilhosas,
Não possodizer, seguro,
Sea magiadopresépio
Émagiadasfiguras,
Detomclaro ou tomescuro
Das modeladasesculturas,
SedaFévivavivida,
Sedafésimplesesculpida.
Na cascata natalícia
Hácampinas,serrania,
Quadrando rusticidade;
Aridezepudicícia
Na choupana nua efria
Queabrigaa benta trindade.
Eo bafo doruminante
Eo dosábio asinino
São alia só razão
Do conforto doMenino,
Quesorrina perfeição
Do Seulábio purpurino.
Temtal graça quearrepia
Estequadro ternurento
Para quemdelongeespia,
Ansiandopelomomento
Deumósculo espremidinho
No Seuerguidopezinho.
NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA V
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PERENIDADES
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Decerto que pode haver
Liturgias paralelas
No mistério do presépio.
Mas por mais razões que houver,
Por mais feias ou mais belas,
Uma fica por obséquio
De Quem do Alto nos rege,
Seja crente ou seja herege:
Seu Filho feito nós,
Preso à nossa condição,
Vindo ao mundo num palheiro,
Desatando os nossos nós,
Deitado na manjedoira,
Parecendo acomodado,
Tal a graça imorredoira
Do Seu sorriso fagueiro
E o pezinho alevantado.
Gil – dezembro de 2012
O NATAL
PERENIDADES
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NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA V
O NATAL
NA VOZ DO POVO DE
PROENÇA-A-NOVA V
Natalinovas
O Presépio na vida e voz do Povo de Proença-a-Nova
O NATAL
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OSNATAISDAMINHAINFÂNCIA
O sapatinhonoPresépio
Foram temposfelizes…
Foram tempos vividos intensamente, numa ainda «Província
Ultramarina», Angola, que todos sentiam como sendo seu, e de
seusfilhos,aquelechão abençoado.
Daminha família, a família Nandes, foi meu pai, Quim
Nandes,o primeiro membro a rumaràquelaterra.
Quim Nandes nasceu numa aldeia mesmo ao lado de Proença-
a-Nova, o Galisteu Cimeiro. Filho de gente humilde e com
muitas dificuldades, cedo rumou a Lisboa, onde trabalhou
vários anos mas sempre sonhando com uma vida melhor. Foi
então que recebeu de um primo abastado, a carta de chamada
para África,Angola.
Atrás dele, seu irmão, cunhado, sobrinhos e outros parentes
foram chegandotambém.
Deixaram para trás, a aldeia, a família e tudo o que de certa
forma os fazia reunir forças para continuar longe, a vida com
quesonhavam.
Vários lares se foram formando, mas uma só família…e muito
unida.
Meu pai, Quim Nandes, o «mais velho», como carinhosamente
era tratado, tudo fazia para que os laços familiares, as tradições
e os costumes da santa terrinha não se perdessem e passassem
para os mais novos,para que estes soubessem que a vida não
tinha sido sempre rosas. Faziam questão de frisar aos filhos
quão dura tinha sido a vida na aldeia e como ainda o era para os
que lá continuavam…As dificuldades passadas tinham os
tornado fortesebatalhadores!
Era uma festa quando todos se reuniam e ali recordavam as
amargurasedoçuras daterra mãedistante.
Num desses encontros, o «mais velho» decretou que,a partir
daquele ano, os Natais seriam passados em sua casa, com toda a
famíliareunida,entrevintea trinta pessoas.
Quando chegava a véspera de Natal tudo era uma correria e
uma agitação. Todoscolaboravamdeuma maneira ou deoutra.
Apesar de se estar em África, naqueles dias todas as conversas,
todos os sabores e odores faziam-nos viajar e recordar a terra
mãe, a santa terrinha, a aldeia pequenina, mesmo ali ao lado de
Proença-a-Nova. Até os mais novos a imaginavam e já parecia
queconheciamaquelaterra distante!
O calor apertava, mas até parecia que se sentia o frio da Beira
Baixa, só de ouvir os relatos dos mais velhos. Ali, o ambiente da
aldeiadistanterenascia…
Por toda a casa o cheiro das filhós misturava-se com os odores
própriosdoscozinhadosdosdiasdefesta.
Era uma azáfama...
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NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA V
OS NATAIS
DA MINHA
INFÂNCIA
O NATAL
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A casa não era grande, mas a boa vontade era enorme. Minha
mãe tudo fazia para acomodar o melhor possível todos os
familiares. Tiravam-se das malas e arcas os lençóis e toalhas que
cheiravam a maçãs, ali colocadas para amadurecerem mais
depressa.
Na hora de deitar, tudo estava programado: num quarto, onde
colchões improvisados apareciam no chão, dormiam as
meninas; no quarto ao lado, as mães acomodavam-se o melhor
que podiam. Os homens faziam de um monte de milho a sua
cama, no armazém ao lado da casa. Os rapazes mais velhinhos
tudo faziam para lhes fazer companhia, era assim como que
uma aventura. Os mais novos ficavam instalados noutro quarto
maisperto dasmães.
Era uma festa e um deslumbramento viver aquela noite num
ambientetão familiar, harmoniosoeaconchegante.
O Natal em África é quente, por isso, qualquer canto servia
para esperar o Menino Jesus!
Todos nós acreditávamos nele, nem que fosse pelo
extraordinário facto de ser Ele que nos trazia os presentes, pelo
Natal.
Era hábito, as crianças colocarem junto ao presépioo seu
sapato, para que assim o Menino Jesus soubesse onde colocar o
presente de cada um. Não eram presentes caros, pois as
dificuldades da vida eram grandes, mas por mais pequenos e
insignificantes que fossem, eram os melhores do mundo, pois
eram oferecidospeloMenino Jesus!
Minha mãe sempre montava o presépio no canto da sala. Era
uma magia imensa olhar para aquelas figurinhas e tentar dar-
lhes vida…Havia pastores com as suas ovelhas e cães espalhados
por montes e vales, feitos de musgo. Aqui e ali um campo de
trigo, trigo verdadeiro, que a minha mãe plantava em latinhas
de conserva, a fazer de searas. Pelos caminhos feitos de
serradura, caminhavam mulheres da aldeia com as suas
oferendas. Um anjo baloiçava pendurado na trave da cabana de
madeira, toda coberta de neve. Lá dentro, as figuras principais:
S. José, Nossa Senhora e os animais que aqueceriam o Menino,
quando elenascesse;no meio,a manjedoura vazia!!!
Bem no alto, por cima da cabana, a estrela indicava o local a
toda a gentequeprocuravao FilhodeDeus…
Até havia neve, muita neve, nos montes e vales. Os flocos eram
algodão em rama e a neve propriamente dita, era farinhatriga,
quedavamassimo efeito desejado!
Nós, crianças, ali nos postávamos a observar todas as
figurinhas. Todas, menos o Menino Jesus que ainda não tinha
nascido, só nasceriaà meia-noite,dessanoitedeNatal!
Pouco antes da meia-noite, as criançaseram levadas para as suas
camas improvisadas, pois tinham que dormir, para o Menino
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O NATAL
OS NATAIS
DA MINHA
INFÂNCIA
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NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA V
Jesus chegar e trazer os presentes. Tudo era surpresa! Todos
estávamos na expectativa do que iríamos receber…Então, antes
de ir para a cama, cada um ia colocar um dos seus sapatinhos
junto ao presépio, para aí o Menino Jesus deixar o
presente…depoisrezava-sea oração danoite…
Custava a adormecer, tal era a ansiedade que se apoderava de
nós, mas o cansaço de um dia de brincadeiras era maior e,
passadopouco tempo, todosdormiam.
A manhã do dia de Natal começava cedo. Uma a uma, todas
nós íamos acordando ou éramos acordadas pelos outros e,
loucas de curiosidade, corríamos para a sala onde o nosso
sapatinhoseencontrava!!!
Era uma alegria!!!Era umdeslumbramento!!!
Ali estava o presente desejado, por muito pequenino que
fosse…sempre havia qualquer coisa… E melhor que tudo, tinha
sido dado pelo Menino Jesus que já se encontrava na
manjedoura dopresépio!
Essa manhã era passada a brincar com os novos presentes e…era
uma alegria só! Os rapazes juntavam-se para brincar com os seus
brinquedos; as raparigas, noutro grupo, brincavam também
com as bonecas, o fogão, as chávenas e pires recebidos, numa
partilha desinteressada; mas de repente lá aparecia um dos
rapazes a estragar a brincadeira das meninas e, claro está, lá
vinha o choro e o coro de queixas. Mas tudo serenava
rapidamente.
As brincadeiras naqueles dias eram sempre muito especiais,
talvez pelo ambiente misterioso que se vivia…e também pelo
facto de não ser todos os dias que se juntavam trinta e tal
pessoas!
Os anos foram passando, as crianças crescendo e a curiosidade
foiaumentando!
De entre as crianças mais velhas, os rapazes, já surgia a
desconfiança ea dúvidadequeméquetrazia os presentes!
Os Natais passaram a ser um ano na casa do Quim Nandes,
outro ano na casa do seu irmão o Zé da Banda, para não
sobrecarregarem sempre o mesmo, já que a família era cada vez
maior.
Naqueleano o Natal era passadona casa dotioZédaBanda.
Ospreparativos foram organizadoscomo nos anos anteriores.
Láestavao presépio,no canto dasala.
No entanto, no ar, algo de diferente se sentia. Principalmente
os rapazes mais velhos sussurravam entre si algo que nós não
conseguíamos intercetar.
Chegou a hora da consoada… e lá estávamos todos
apertadinhos à volta da grande mesa, na sala de jantar, a
saborear as ditas couves com bacalhau!!! Estas não podiam
faltar, eram tradição!
As conversas deambulavam entre a vida de cada um, no
11111111
OS NATAIS
DA MINHA
INFÂNCIA
O NATAL
18
dia-a-dia, e as saudades da terra e dos que lá tinham ficado… Os
termos regionais e as vivências da aldeia iam entrando no
ouvidoeno vocabulário dosmaisnovos.
Eram recordados os natais das suas meninices, onde apenas
umas filhós mal albardadas faziam a diferença para os outros
dias, tal era a pobreza! Mas na véspera de natal, os que podiam,
iam à missa do galo, à vila, o que já era uma proeza. Bastava-lhes
beijaro Menino, na igreja!
As risadas apareciam frequentemente ao contarem cenas da
aldeiadistante…
- Lembram-se do Ti Manel dos bois? E da Tia Joaquina das
cabras? Eo Zédospatos?
Era sempre assim…as recordações sobrepunham-se às vivências
dodia-a-dia…
Terminada a consoada, os homens saíram para a rua e sentados
nos degraus dacasa continuaram as conversaserecordações…
As senhoras arrumaram a loiça e começaram a tratar de deitar
os filhosmaispequenos.
Perto da meia-noite, chamaram os restantes filhos e mandaram-
nos para a cama. Todos nos apressámos a pôr os sapatos junto
ao presépio, embora houvesse alguma relutância da parte dos
rapazes maisvelhos.
Eu teriaseis a sete anos, lá me dirigi sem muita vontade para o
quarto, com as primas. Dormíamos todas juntas, no quarto ao
lado da sala. Não havia porta, apenas uma cortina de pano às
flores,a separar.
A seguir ao quarto das meninas, um corredor levava-nos à loja
onde os rapazes iriam dormir. Era fácil a comunicação entre os
doisaposentos:umcorredoreuma porta.
Por volta da meia-noite, ouvimos os rapazes a chamarem-nos.
Demos um pulo! Pensámos que já era manhã…mas não, era
noitecerrada.
- Psiu! Psiu! - Murmuravam eles com o dedo sobre os lábios. -
Oiçam!!!
Entraram no quarto eapontaram para a cortina.
Não percebíamos nada; apenas ouvíamos uns barulhos
indistintos, na sala ao lado
O meu irmão Luís, o mais velho do grupo, logo nos elucidou
quedeviasero Menino Jesusa entregaros presentes…
Houve risos abafados por parte dos rapazes, mas nós
estremunhadas pelo sono ou pela nossa ingenuidade, de nada
nos apercebemos.
Ficámos eufóricos!!! Íamos conhecer o Menino Jesus!!!
Saltámos em direção à cortina do quarto e espreitámos, e
eisque da nossa boca escancarada, apenas saíram uns AH! AH!
AH!AH!
Do outro lado, as mães, de embrulhos nas mãos, procuravam
os sapatos dosseusmeninos…
O NATAL
OS NATAIS
DA MINHA
INFÂNCIA
Nós, boquiabertos, não entendíamos grande coisa, mas os mais
velhos perceberam logo o que já suspeitavam: - O Menino Jesus
éstu afinal, mãe!!!
Tal como pequenos índios, investimos então sobre as mães que
ficaram desconcertadas, sem saber o que dizer. Os mais velhos
faziam perguntas e pediam explicações, os mais novos queriam
as prendas.
Foi tal a algazarra que toda a gente acordou e veio ver o que se
estava a passar. Houve várias explicações, conforme as idades de
cada um. Não podiam quebrar a magia àqueles que ainda
podiamsonharcomo Menino Jesus!!!
Não sei se houve desilusões!!! Ou apenas a descoberta de que o
Menino Jesusestá emtoda a gentequenos ama equerbem!!!
Ainda hoje me lembro do meu presente: um guarda-chuva
amarelo com bonecas pintadas a toda a volta. Era pequenino,
próprio para o meu tamanho! Foi uma felicidade imensa!!!
Nessedia,pergunteivezessemconta quando équechovia!
Essa manhã de natal foi diferente das outras que já tínhamos
vivido. Havia um misto de encantamento misturado com
desilusão, mas no nosso entendimento infantil o que
importavamesmo,era termosrecebidoos presentes.
Nos anos seguintes e até sermos jovens, isto é, enquanto se
fizeram natais com a família toda, sempre colocámos o sapato
junto ao presépio, pois embora já soubéssemos quem nos dava
os presentes,haviaummisto demagiaenostalgia.
Como a família estava muito aumentada e não era possível
alojar toda a gente, como se fazia quando todos eram crianças, e
porque todos viviam já na cidade onde as casas não permitiam
ajuntamentos tão numerosos, dividiram-se em dois grupos que
se juntavam à hora das refeições, para assim dar continuidade
aos nataisdeantigamente.
Estes foram os natais da minha infância, natais inesquecíveis,
onde para além do presente recebido sobrepunha-se a alegria, o
amor, a fraternidade e a solidariedade entre todos os membros
da minha família e que ainda hoje ao recordá-los, me enchem a
alma denostalgia esaudadesimensas!!!
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NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA V
OS NATAIS
DA MINHA
INFÂNCIA
O NATAL
20
O PRESÉPIO
OPresépio?
Presépio…
Claro quelembro!
Eram aqueles deditos pequenos arrancando o musgo às
paredes de pedra na ribeira de Santa Margarida, era saltar
de pedra em pedra para não molhar as botas de cardas,
que já é Dezembro e a ribeira corre bem, era a cesta de
vime nova, que fora “roubada” à mãe às escondidas onde
íamos pondo os nacos de musgo que a nossa pequena
mão ia conseguindo arrancar, era já o sonho do “meu”
presépio feito na sala de jantar, no canto, perto daquela
janela que raramente se abria. Apenas me lembro de ela
se abrir quando havia procissões, para dela se pendurar
maisuma colchadeseda.
Na verdade, nunca consegui perceber o porquê das
colchas. Seria para agradar ou saudar ao Senhor ou era
antes uma feira de vaidades onde cada um expunha as
melhores colchas que tinha como forma de ostentar a sua
riqueza? Não sei, nunca consegui ter uma resposta cabal
às minhas perguntas, mas também não interessa, no
Natal não háprocissões.
Omeupresépioiaficarlindo.
Em casa estavam guardadas, naquela caixa de sapatos que
tinha debaixo da cama, as figuras para o presépio. Este
ano tinha um novo São José, mais duas ovelhas e um
moinho novo todo pintado de branco, em que até os
panos giravam, tudo comprado na feira de Agosto com o
dinheiro que economizara nas férias passadas na Nazaré.
Comera menos uns gelados, mas as figuras eram lindas e
iam brilhar no “meu” presépio, feito naquele canto da
sala.
Para o ano vou comprar os reis Magos novos, que estes já
todostêmas cabeçascoladas detantos tombos levarem.
Como irá ficar bonito! Aquela cabana feita em madeira
pelos “caixeiros” cá da casa ficou uma maravilha. Ah,
como me lembro do entusiasmo com que eles a fizeram!
Não é para admirar, todos eles são novos e gostam do
presépio.
Na verdade, na hora de abrir os presentes, eu disse
presentes, mas na maioria das vezes era apenas um, uma
pequena lembrança, como nos diziam, só para manter a
tradição, umas meias para os mais velhos, um brinquedo
de folha ou já de plástico para os mais novos, quando não
1
21
NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA V
O PRESÉPIO
O NATAL
uma simples corneta, como nós ficávamos tão contentes
com tão pouco. Mas dizia eu que, na hora de abrir os
presentes, o presépio era esquecido com a euforia das
prendas, mas era apenas um esquecimento momentâneo,
a paixão porelevoltavalogo.
Bem, toca a apanhar mais musgo, tenho de apanhar
muito, tenho de dar algum para o presépio da igreja, pois
o Garcia diz que este ano o presépio vai ser uma coisa em
grande, vai ter luzes e tudo, talvez até um moinho com
água a correr que irá fazer andar a roda do moinho e as
velasdovento.
Como é lindo o presépio da igreja! Ali, do lado direito da
igreja, ocupa um grande espaço, os nossos olhitos de
crianças percorrem-no ávidos de descobrir as diferenças
entre cada ano. É que todos os anos há algo de novo, não
que isso seja necessário para captar a nossa atenção, mas é
umgosto dequemestá encarregadodeo elaborar.
As figuras são grandes, todas coloridas com tintas
brilhantes, a Nossa Senhora é linda, o S. José com aquelas
barbas mete respeito, o menino Jesus é o mesmo que o Sr.
Padre dá a beijar na igreja no fim da missa, mas a figura
que mais me fascina é a do pastor que leva às costas um
borreguinho para oferecer ao Menino Jesus. É uma figura
que nunca vou esquecer, não sei porque magia mas
sempre tive uma certa fixação nesta figura. Apenas se lhe
aproxima a figura imponente do rei mago Baltazar, o
Mouro, de barba serrada, que montado no seu camelo,
com um farto turbante pintado de ouro e vestes pintadas
de púrpura, ostentando na mão a caixa do incenso, se
dirigelá delongepara a cabana ondenasceu Jesus.
A caixa das esmolas lá está, se calhar não é caixa das
esmolas que se deve chamar, mas isso não interessa, para
nós até é a caixa das moedas. O que nos importa mesmo é
aquela luz que acende na frente daquela pequena caixa e
iluminaas letras “Obrigado”e“BoasFestas”.
Como gostávamos de ver aquela luz acender! Mas… e
moedas? Aqui é que está a pior questão, as moedas. Para a
maioria de nós as moedas eram poucas lá em casa para
comprar o que fazia falta, muitas das vezes até para
comprar a comida que sempre escasseia. Bem, a solução
sabíamo-la nós, o Ti Diogo, um dos latoeiros cá da terra
tem a solução e é já um fornecedor habitual deste
materialpara a pequenada.
O Ti Diogo fazia umas latas que os emigrantes em África
11
22
O PRESÉPIO
ou no Brasil usavam para levar daqui azeite, o que sempre
faziam pois era bem escasso nas terras onde labutavam
por uma vida melhor. Estas latas, geralmente com uma
capacidade para cinco litros, levavam de um dos lados
uma abertura em redondo, feita com um vazadoiro
próprio, do tamanho aproximado de uma moeda de dez
tostões, de modo a facilitar a sua abertura no destino. O
bocado de folha de zinco que saía era guardado pelo ti
Diogo, para no Natal ir distribuindo pela “malta” nova,
para meter na tal caixa das moedas no presépio da igreja e
acendera luz.
O espírito de Natal do ti Diogo era dar-nos as moedas, o
espírito de Natal do padre Beato era desculpar-nos por
esta “malandrice”. Creio mesmo que chegou a haver
entre estes dois tal conivência, que o padre Beato, volta e
meia, abria a caixa para tirar as latas, sempre que o
stockdo Ti Diogo se esgotava e reabastecia-o deste
material. O espírito de Natal do Garcia era aquele sorriso
nos lábios, que o riso do nosso contentamento lhe
provocava, mesmo sabendo que nem reparávamos no
lago que fizera com aquele grande espelho, a cascata feita
de prata que parecia mesmo água a correr, o que ele
gostavadevereouvirera o nosso risodecontentamento.
Presépio…
Calma aí, meninas, o papá já ajeita o presépio. Cuidado,
é preciso pôr um plástico aí por cima da mala de cânfora
que trouxe de Angola, para que não se estrague, é uma
recordação dos meus tempos de juventude, depois vamos
pôr esse pano verde que imita o musgo que eu punha em
pequeno no “meu” presépio quando era da vossa idade,
depois pomos o pinheiro que eu fui agora cortar à serra,
as luzes de pisca-pisca, os ornamentos de plástico
pintados, as fitas de várias cores e por fim o presépio de
plástico,jácomtodasas figuras lá dentro.
É fácil, não é preciso andar ao musgo aí pela ribeira,
saltando de pedra em pedra para não molhar as botas que
agora já não têm cardas, com o cesto de verga novo que
tínhamos levado sem a mãe saber, por causa disso não nos
livramos de ouvir das boas, mas era por uma boa causa.
Aquilo nem era ralhar, era mais uma forma de ficar
tambémligadaà feitura dopresépio.
Afinal é sempre a mesma coisa, fica sempre algo
esquecido em casa, um dia não volto mesmo para trás e
depois que se arranjem. Não gosto de chegar atrasado,
111
23
NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA V
O PRESÉPIO
O NATAL
24
muito menospara comer, masdesta vezainda volto.
Mal entro em casa sinto o cheiro a queimado, no sítio do
presépio tudo arde, o presépio de plástico já não existe,
tudo ardeu. Por sorte voltámos atrás para pegar algo
esquecido,senão toda a casa tinhaardido.
Como foi possíveltudoisto, como équeisto aconteceu?
-Pai, fomos nós que acendemos uma vela, não queríamos
que o presépio ficasse às escuras enquanto íamos jantar a
casa do avô à Sertã, disseram com voz triste e medrosa as
miúdas.
-Bem, por sorte a desgraça não foi maior, mas acabaram-se
os presépios cá em casa. Nunca mais, que a sorte não dura
sempre.
Natal, mais Natal, outra vez Natal, ainda outra vez Natal,
quantos passaram?
Presépio…
-Atenção pequenada chegou o avô Zé, venham daí esses
beijos que são a melhor prenda de Natal, meu já se sabe o
que vos reservo, a história de Natal do costume para cada
um.
Então, mas não estou a ver aqui presépio nenhum… não
fazem?!ÓPatrícia,não hápresépiopara os teusfilhos?
-Olha, pai, aproveita, abre essa caixa comprida que aí está,
é uma árvore de Natal, já traz fitas, ornamentos e luzes, se
sacudires bem no fundo aparece um presépio, comprei-a
ontem no chinês, é mais prático assim, depois de usar
deita-sefora.
Olhei as minhas mãos, olhei as mãos dos meus netos,
aquelasmãos já não apanham musgo, seráqueainda o há?
Eo presépio,ainda épresépio?
O presépio agora é a vida, a vida é um presépio onde os
figurantes somos nós. Umas vezes somos santos, outras
somos pastores, noutras somos meninos, algumas vezes
atéburros, na maioriadasvezesovelhasdeumrebanho.
Presépio?Sim,o presépiodavidaainda continua vivo…
El Rosaezequi
O PRESÉPIO
25
NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA V
O NATAL
26
“PRESÉPIO...SímbolodeNatal”
ONatal épara as crianças
Umafesta semigual;
Àvolta doPresépio
Elasesperam o PaiNatal!
Noutros temposera o Menino Jesus
Quedesciapelachaminé,
EmProença, logo demadrugada
Já todosos meninosestavama pé;
Para vero caderno,o lápisou a filhó
Queo Jesustinhadeixado, vejamsó!
Numsapatinhojunto dachaminé.
Opresépioemcasa...nempensar!
Muitas dascrianças deProença
Só na Igrejao podiamadmirar.
Coma evolução dotempotudomudou,
Hojequaseemtodasas casas
Opodemosencontrar.
Eas crianças a quema sortebafejou
Saltamatéqueéchegadaa hora
Quealguémdiga,venhamdepressa!
Vamos abriros presentesagora...
Era bomqueesta fosse
Arealidadedetodos os meninos.
Mas enquanto uns têmtudo
Outros nemsequerouvem“os sinos”.
Osquetudotêm,nempensam
Quando para o presépioestão a olhar,
QueJesusnasceu numa manjedoura,
Talvezpara nos fazerlembrar
Quehátanta genteno mundo
Quenemsequertemumlar.
Àvolta dopresépio
Tudo seriamaisbonito, bonito a valer,
Sehouvessemaispartilha
Enquanto o menino“está a nascer”
Queseaquecessemtodos os corações,
PRESÉPIO...
Símbolo de Natal
27
NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA V
O NATAL
Que todos cantassem hinos de Natal,
Felizes porque “estava a nascer Jesus”.
E que as mesas fossem preparadas
Para toda a família se reunir,
Gozando das alegrias
Que o Natal lhes faz sentir.
Será um Natal perfeito
Quando à volta do presépio
Todos estão em harmonia.
Mas lembrando as famílias
Que passam o Natal em agonia!
Natal deve ser festa dos simples,
Ser verdade, justiça e amor.
Vamos olhar para o presépio nesse dia
Querendo construir a paz semeando alegria.
E que Proença seja um bom semeador!
Maria do Pinhal
Nesta noite de paz e luz!
28
PRESÉPIO...
Símbolo de Natal
ONATALREVISITADO
Fogueira, Missa doGalo,
Opresépioiluminado…
Asfigurinhassagradas
Jesus,JoséeMaria
Mais os anjos ea estrela,
Ospastoreseos ReisMagos…
Eiso Natal revisitado!
Ocasal JoséeMaria
Lugarpra ficar, buscavam.
Pra pernoitar, encontraram
Oaconchegodeumestábulo,
Manjedoura como berço,
Aspalhascomo lençol
Eanimaisporcompanhia!
Ressurgeano após ano
Vindadosconfinsdotempo
Adata maiscelebrada
Pelacristandadeno mundo
- Onascimento deCristo
EmBelémna pazdossimples–
Portodo o semprelembrada!
Asnatalíciaslembranças
Apontamà terra-berço,
Avivamo calor dotempofrio
Quedalareira irradia
Comumcheirinhoa filhós
Eaos “sonhos”quea mãefazia…
Porissoestecalor nunca seapaga!
Denovo a Festa daFamília
Do convívioedaharmonia
Marca o espírito desta quadra
Espera-se, emtons daalegria…
Equeumclarão deesperança
Saia doquentinhodalareira
Para anunciar melhoresdias!
Setembro de2012
Vila Lobos-pseudónimo
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NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA V
O NATAL
REVISITADO
O NATAL
30
TÓZÉEOPRESÉPIO
Muito cedo Tó Zé, o mais velho de três irmãos, se revelou
um menino curioso e criativo. Era vê-lo a inventar
engenhocas com os parcos recursos de que dispunha
num pequeno arsenal onde ia juntando pedrinhas,
pauzinhos, caixas de fósforos vazias, cordéis, caricas - tudo
o que servia para os brinquedos que partilhava com os
irmãos e amigos: carrinhos de linhas vazios e tampas de
garrafa davam para as rodas dos seus minicarros; com
ripaserestos decontraplacado que lhedava o carpinteiro,
fazia, com os amigos, carros que desafiavam as ladeiras da
aldeia onde muitos se estatelavam. Hábil de mãos exibia
já, aos 10 anos, a postura de um artista: um preguinho
aqui, um pouco de cola ali, lixa acolá, um afagamento
final e o trabalho lá se aproximava do que havia
imaginado… O tema para este ano é “o presépio”, bem
sei. Tentarei desenvolvê-lo adiante, não sem antes situar
no tempo e no espaço o nosso protagonista e a sua veia
inventiva.
Diabinho irreverente com coração dócil, Tó Zé era uma
dor de cabeça para a mãe, receosa das constantes
escapadelas e dos delírios imaginativos do filho que não
deixavam ninguém indiferente. Ele sabia como “levar a
água ao seu moinho” conseguindo, com seu jeito de
comediante, levá-la quase sempre à certa. Vestido “às três
pancadas”, às vezes descalço como a maioria da malta
nesses tempos difíceisda década de 40 - os sinais da guerra
que não tardaria a trazerem já as marcas da miséria a
muitos lares - seguia os que como ele acabavam a
primária: brincando às escondidas pelas estreitas quelhas
da aldeia; jogando à bola de trapos e à bilharda no largo;
percorrendo os campos pelos primeiros frutos, restolho
adentro a fustigar-lhes os pés calejados – ah, o brilho
rubro das cerejas ou o apelativo dourado das uvas a
desafiar! A um sinal lá ia a “canalha” costa afora, uma
caterva de “galopetes” com Tó Zé e Luís à frente, a
embrenharem-sena vinha!
A malta escalava muros e trepava às árvores sempre num
frenesim. Ao sabor do tempo e das estações aproveitavam
de cada dia os bons momentos, de cada época os
melhores frutos, alheados das graves carências que
atingiam as famílias. Para grande desgosto da mãe, as
coisas do sagrado não atraíam muito o Tó Zé. Se podia,
escapava-se ao que ela considerava deveres de um bom
cristão: cumprir religiosamente os preceitos da igreja e ser
educado nos princípios que herdara. O respeito pela mãe
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31
NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA V
TÓ ZÉ E O
PRESÉPIO
O NATAL
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levava-o a cumprir alguns dos ensinamentos: ia à missa
aos domingos, confessava-se uma vez por ano, ia à
catequese aprender a doutrina cristã, mas não mais do
que isso. Exigir-se de uma criança a pensar na
brincadeira, que acompanhe sossegada os pais numa
longa cerimónia religiosa é rigor demasiado que pode
resultarao invésdopretendido.
Além disso o filho via que a maior parte dos amigos nem
isso fazia. Não admira que corresse atrás de coisas mais
apelativas sem por isso se sentir culpado. O pai era boa
pessoa mas não alinhava nos desvelos dedicados pela
esposa às causas da religião: ia com ela à missa e a outros
eventos, mais por hábito que por devoção mas, em
relação aos filhos, era mais tolerante. De modo que, por
força das circunstâncias também a mãe aos poucos foi
cedendo e encurtando a distância entre o seu excessivo
rigor e a brandura do marido para com os filhos. Os anos
passavam, os miúdos cresciam. O grupo do Tó Zé tinha
deixado para trás a primária, alguns já trabalhavam no
duro, poucos puderam prosseguir os estudos. Alargavam-
se os interesses próprios da idade sem obedecer já a
horários tão rígidos, muitos corriam já as aldeias atrás de
romariasebailaricos.
Tó Zé, agora com13 anos, dava-se com todos mas o Luís,
de 14, era o companheiro de todas as aventuras. Eram
“unha com carne” ou, no dizer das mães, “a corda e o
caldeiro”, onde ia um estava o outro. Ambos bons a
armar aos pássaros, artistas na pesca furtiva trocando as
voltas ao guarda-rios, volta e meia sumiam e lá iam a
caminho da ribeira, uma pequena marreta ao ombro e
duas ou três bombitas de carnaval no bolso que
conseguiam a tostão numa loja da vila: com a marreta
batiam forte nas pedras onde sabiam haver peixes
escondidos, deixando-os atordoados; as bombitas, atadas
a uma pedra, eram lançadas nas lapas mais fundas.
Depois era só apanhá-los, pequenos e grandes, sem
consciência da razia que provocavam! Outros tempos,
outras preocupações, muitas carências. Interessava era
chegar a casa com uma boa refeição de peixe que ajudasse
a mitigar a fome e atenuasse os “sermões” e raspanetes
queos esperavamà chegada.
Antes de entrar no tema vou ainda referir outra faceta da
“canalha”, em que me incluo também, de tempos já
distantes mas bem presentes na memória! A dada altura -
com 14, 15 e 16 anos – a maior paixão da malta ia para os
1
TÓ ZÉ E O
PRESÉPIO
encontros no barracão, onde os pais do Luís tinham o
carro de bois, lenha e utensílios agrícolas - um cantinho
mesmo à sua escala para cada um dar livre curso às suas
fantasias. Com restrições, Tó Zé podia usar as
ferramentas do pai desde que desse ajuda à mãe se
necessário e deixasse tudo no lugar. Sem nada fazer por
isso viu-se leader do grupo, ou assim o viam os que dele
esperavam a última palavra e o atiravam para as situações
maisdifíceis.
Dos artefactos que ali criavam, sobressaíam os carros de
madeira com rodas a partir do corte de toros de eucalipto,
melhoradas depois com velhos carretos rolantes da
oficina de mecânica e bate-chapas da vila. Carros que, nos
dias de descanso e aos domingos, faziam as delícias da
malta da terra e arredores nas corridas da rampa da
Eirinha, famosas pelas cabeças partidas dos ousados
“pilotos”, de onde os carros não saíam inteiros! Mais
haveria para recordar das loucas aventuras do “grupo do
barracão”! Paciência. Ficará para futura “romagem” da
memóriaaos roteiros sentimentaisdainfância.
Recuemos então à “pós-primária” do Tó Zé, de quem já
sabemos algo sobre a sua vocação para trabalhos manuais.
Como já foi dito, frequentava a catequese e outras
ocupações da paróquia com gosto, afinal um encontro de
amigos. Cumpria os deveres que a mãe e a igreja
impunham e, como outros, ajudava o Sr. Padre Zé em
tarefas como, por exemplo, a montagem do presépio:
buscava musgo e outros materiais, sem nunca se mostrar
entusiasmado… Até que, pouco antes do Natal de 44,
acompanhou a mãe à cidade para uma consulta ao
médico e viu, exposto na montra da farmácia, um belo
presépio que o fascinou. A proximidade do Natal, aquela
espécie de aparição mais as preocupações pela doença da
mãe, envolveram-no num clima deveras emocional. Ao
ponto de pedir-lhe para ver de novo o presépio, antes de
apanharem a carreira de regresso. Tudo na cidade lhe
agradara, mas aquele lindo presépio tocou-o
profundamente!
Na viagem pouco falou. A mãe estranhava o seu silêncio e
ele, decidido, ali garantiu que faria um presépio bonito
como aquele, ainda que tivesse de desenhar as peças em
cartão e recortá-las depois – as figuras que viram eram
modeladas e policromadas. Naquele dia cresceu nele uma
grande curiosidade pelas incontáveis formas de
representação da Natividade, da simples miniatura ao
111
33
NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA V
TÓ ZÉ E O
PRESÉPIO
tamanho natural, passando pelas recriações mais
sofisticadas esculpidas ou pintadas até às representações
teatrais com figuras ao vivo. Ao chegar, sem se interessar
pela ceia, correu ao seu arsenal de bugigangas e remexeu
tudo, enquanto ia pondo à mãe questões que nunca
pusera antes, sobre as figuras do presépio. Embaraçava a
mãe ao pedir que lhe falasse do que sabia sobre o tema,
exigindo: - “sem me vir com histórias da carochinha nem
com tretas de milagres”. Sem saber que responder a mãe
dizia apenas: - “pareces mesmo o teu pai a falar. Dá-te um
bom exemplo, não haja dúvida” - e, com tristeza, deixava-
o semrespostas.
O pai entretanto ao ver que a coisa era séria, tentou
conciliar sugerindo que o assunto, devia ser
encaminhado para quem sabe dessas coisas, o Sr. Padre
Zé. Assim foi. No dia seguinte, enquanto o filho
vasculhava as gavetas à procura dos lápis de cor e de novo
remexia o seu arsenal à cata de algo que lhe servisse, a mãe
fora falar com o Sr. Padre Zé sobre o assunto, para ela
muito preocupante: a obsessão do filho que insistia na
ideia do presépio e queria saber mais acerca das figuras
que nele iriam figurar, do destaque que cada uma delas
devia ter, etc. Era céptico em relação a certas versões da
tradição, talvez por influência do pai e dos mais velhos,
mas a curiosidade e o gosto de aprender eram fortes
vectores da sua personalidade, davam-lhe ânimo bastante
para iravante.
O Sr. Prior riu-se dos receios infundados da mãe vendo
até um bom sinal no facto de o rapaz pensar usar a sua
criatividade daquela forma e querer conhecer melhor o
tema. E sabendo das dificuldades da família pobre,
tranquilizou-a em relação a eventuais gastos: - “não se
preocupe Sra. Maria, eu tratarei disso se necessário.
Mande-mo cá falar comigo. Se ele concordar juntaremos
as vontades e faremos este ano um presépio especial na
nossa igreja. Já é tempo de se tratar disso, faltam só 15 dias
para o Natal.” A mãe do Tó Zé saiu agradecida e aliviada,
rezando para que tudo resultasse de acordo com as
espectativas criadas. O jovem entretanto pedira ao pai
para utilizar o patamar da escada pouco utilizada que
dava para o sótão, para ali criar o seu presépio, pequeno
que fosse. Prometeu não sujar nada e fazer tudo nos
tempos livres, não esquecendo que tinha de ajudar os pais
na horta ou no quefossepreciso.
Tinha cartões grossos que pedira nas lojas para recortar as
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O NATAL
34
TÓ ZÉ E O
PRESÉPIO
figuras e lápis para as colorir. Arranjaria pedras e musgo
para compor a base onde assentaria os elementos. O
estábulo como pórtico da sagrada família e os animais à
manjedoura seriam fáceis de desenhar, recortar e em
certos casos colar. Não pensava já em mais nada senão
nos detalhes do seu projecto para a escada enquanto
esperava, com indisfarçado nervosismo, o regresso da
mãe. Esta chegou, reuniu a família e expôs ao pormenor o
resultado da conversa com o Sr. Padre Zé e o rapaz, mais
ansioso ainda, não sabia como reagir. - “Queria e não
queria ver-se naquela situação de dependência da
autoridade do Sr. Prior” - pensava consigo próprio. Por
fim, convicto, acabou por dizer: -“irei amanhã falar com
ele, só espero que não seja muito complicado, senão viro-
lhe as costas e vou-me embora. E quero que saibam:
mesmo que ajude no presépio da igreja, farei também o
nosso, se não se importam.” A mãe ainda esboçou uma
expressão de censura pelas palavras do filho mas o
marido,comumsinal, travou- lhea intenção.
Lá foi Tó Zé como ficara combinado, bastante nervoso,
ao encontro do Padre Zé à sacristia, logo a seguir à missa
da manhã. Não era difícil gostar do jovem, conhecido
pela sua perspicácia e simpatia. Não admira que passado
um certo acanhamento inicial, o senho algo carregado do
Tó Zé desanuviasse e os dois comunicassem com
facilidade. Apesar da mútua afabilidade iam surgindo
ligeiros atritos que advinham da sede de saber do rapaz, já
com ideias formadas pelo que ouvia e não raro saíam da
linha “oficial”, digamos. Constantemente questionava o
Padre sobre temas que, com algum embaraço, ele era
obrigado a contornar e que originam novas perguntas do
curioso interlocutor. –“Sabes, Tó Zé, há coisas muito
difíceis de explicar, temos de ser humildes perante
grandezas que se movem para além do nosso alcance
imediato. Voltaremosao tema,prometo”.
O jovem, sem nunca deixar de expressar a sua opinião,
saía do jogo sempre que lhe faltavam argumentos ou
reconhecia não levarem a nada as suas teimosias e assim
evitava melindres desnecessários. Como quem “vota
vencido mas não convencido”, deixava de criar
problemas numa relação afinal bem mais fácil e frutuosa
do que imaginara antes. Apesar de muito ricos, não
iremos esmiuçar aqui os interessantes diálogos do Sr.
Padre com Tó Zé e com os outos jovens que, de uma ou de
outra forma ajudaram na construção daquele presépio,
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35
NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA V
TÓ ZÉ E O
PRESÉPIO
O NATAL
por todos elogiado e por muito tempo falado pelas
melhores razões. Iremos sim falar das revelações do Tó Zé
quando uma manhã chegou à sacristia, onde se juntavam
já alguns materiais e foi surpreendido. Imagine-se o
impacto causado quando o Sr. Padre Zé abriu uma gaveta
e lhe mostrou o que trouxera de uma visita à Diocese de
Portalegre: belas imagens modeladas pintadas, com vista
a uma representação exemplar da Natividade.
Embuchado e comovido, não conseguiu falar por alguns
instantes.
Em seguida, colocando as figurinhas sobre o tampo do
móvel, o Sr. Prior foi-lhas mostrando, explicando o que
representava cada um delas: -“Esta é a Virgem Maria mãe
de Jesus, o filho de Deus que está aqui deitado num
pequeno berço e que, segundo a tradição, terá nascido na
manjedoura de um estábulo onde a Sagrada Famíliase
albergou em Belém da Judeia, por causa de um
recenseamento decretado pelo imperador César
Augusto; eis o São José, pai adoptivo de Jesus, carpinteiro
de profissão na cidade de Nazaré, na Galileia, originário
da casa e família de David; o burro e a vaca significam a
simplicidade do lugar onde se abrigaram; aqui temos os
anjos que anunciaram e guiaram os pastores através da
estrela de Belém ao encontro do Redentor que era
nascido. Também os três Reis Magos do Oriente, Gaspar,
Baltasar e Belchior, conduzidos pela Estrela, vieram
adorar o Menino Jesus e trazer-lhe presentes: ouro,
incenso e mirra”...Vendo alguma perplexidade e
estranheza no rosto do rapaz sem conseguir interpretar-
lhe o sentido, resolveu ficar por ali.- “E agora, sem mais
delongas,vamosao trabalho, quetemosmuito quefazer”.
Pretendia-se um bom trabalho a todos os títulos. E como
o local onde era costume montar o presépio não garantia
o merecido brilho ao conjunto de figuras de que
dispunham, o Sr. Prior pediu ajuda ao carpinteiro para a
estrutura. Este veio com réguas e tábuas e preparou uma
base de 2 por 1 metros encostada à parede, sobre a qual
iniciariam a difícil tarefa da composição da obra. Alguma
confusão inicial e muita discussão à mistura foram
moderadas pelo Sr. Prior que acabaria por aclarar as
ideias a todos. À primeira impressão, viam espaço a mais
para preencher. Mas a representação é sempre muito
livre: além das figuras principais cabem outros motivos de
carácter popular, folclórico, regional, etc.; dariam
especial atenção ao núcleo principal, o pórtico da
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TÓ ZÉ E O
PRESÉPIO
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NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA V
Sagrada Família com o estábulo, manjedoura, animais,
pastores, Reis Magos, etc. e, depois, acrescentariam
outros elementos ao sabor da inspiração, enchendo todo
o espaço. Toda a gente colaborou com exemplar
dedicação,sob a batuta do PadreZéque sejuntava à malta
sempre que podia. Mas foi Tó Zé o verdadeiro “solista” a
quemo ”maestro” tinhadetravaros ímpetos criativos.
Brilhavam as figuras principais sob o pórtico: o estábulo
ostentava no vértice do telhado a simbólica Estrela e em
baixo, atrás da Sagrada Família, os animais e a
manjedoura a uma escala que parecia dar vida às imagens;
em torno, o musgo e os raminhos espetados a dar a ideia
de árvores; bastante convincentes os desenhos das zonas
adjacentes, com o verde das plantas de uma horta
contornados a musgo, contrastavam com a cor terrosa do
solo, onde até uma picota e o poço foram representados.
Conseguiu-se assim que no espaço, preenchido com
todos os elementos em razoável perspectiva, se
distinguissem os vários planos: a sugestão de um rebanho
e do pastor juntamente com a ideia de um casario ao
longe, no plano posterior do presépio junto à parede,
também resultaram muito bem. Entretanto Tó Zé ia
montando o seu presépio em casa, mais simples e
modesto mas também digno dos elogios de quem o
visitava.
Muitos eram os queiamà igreja,às vezesemfila, para vera
azáfama da montagem a aproximar-se do fim, chegando a
atrapalhar. Os artistas tinham sempre em redor uma
ranchada de miúdos a fazer-lhes guarda de honra que era
preciso controlar. A mãe do nosso protagonista vivia
radiante por ver toda a gente feliz e agradecia a Deus por
tudo estar a resultar melhor do que esperava e por ter
também em casa uma linda representação do
Nascimento de Jesus. Os trabalhos foram morosos, só nas
vésperas do Natal os dois presépios foram dados como
prontos. Mas tinha valido a pena, a avaliar pelas reacções
detoda a gentedaterra enão só.
Na sua singeleza, o presépio do Tó Zé em sua casa,
merecia também os elogios de quem o visitava. Uma
dessas visitas foi do seu amigo António, o “Tó Padreco” –
assim conhecido por ter frequentado, sem qualquer
vocação, o seminário. Agnóstico, não deixou de lhe
transmitir informações sobre o tema que tanto fascinava
o amigo, cerca de 4 anos mais novo. Mostrava-lhe, por
exemplo, que independentemente das crenças é bom
1111
TÓ ZÉ E O
PRESÉPIO
O NATAL
38
preservar os aspectos culturais que as tradições carregam
consigo, respeitando assim o rico espólio do passado.
Atento a tudo e a todos, Tó Zé esforçava-se por assimilar
os saberes dos mais experientes, lutando para fazer
sempre bem aquilo em que se envolvia. Desde então e
enquanto viveu na terra, antes de rumar a novos
horizontes, era certo e sabido: ao sentir-se o frio de
Dezembro lá começavaelea preparar o seupresépio…
Muitas foram as achegas do Tó “Padreco” ao jovem amigo
sobre as representações do presépio, no País como lá fora,
tantas que se tornaria fastidioso referi-las todas - tanto
mais que é tempo de terminar esta já longa abordagem
dum tema tão popular quanto interessante. Refiro uma
informação desconhecida do protagonista que o deixou
deveras impressionado: “segundo a História, terá sido
São Francisco de Assis a montar o primeiro presépio de
que há notícia, na floresta de Greccio, zona de Lazzio, em
1223. Contrariando o que era seu hábito de comemorar
o Natal na sua igreja, mandou levar para a floresta uma
manjedoura, um boi e um burro e ali mandou montar
junto dos populares um presépio ao natural, para melhor
explicar o Natal ao povo simples e aos camponeses”. Só
mais tarde, durante a Idade Média, o costume se
espalhou entre as principais catedrais e mosteiro até se
estenderàs casas comuns.
Setembro de 2012 – Conto escrito de acordo com a antiga ortografia.
Nabuco- pseudónimo
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PRESÉPIO
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NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA V
O NATAL
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ESPERANÇA ENTRE O PÓ
A porta rangeu muito baixinho, como se estivesse com
vergonha de incomodar o sono profundo da velha casa.
As sombras com cheiro a pó cobriam tudo e precisou de
vários minutos para se decidir a entrar. Não cheirava a
queijo fresco, nem a chá de flor de laranjeira, não
cheirava a lume quente nem a tigelada acabada de cozer.
Não cheirava a infância. Teve medo que aquele
reencontro lheroubasse as memóriasou o fizesseperdero
caminhoatéelasequasedesistiu.
Na cozinha restava apenas a mesa de madeira, com duas
gavetas onde a avó guardava o pouco que tinha para pôr
sobre ela. Em cada divisão sobrava um ou outro vestígio
de um passado tão espesso como a nuvem de pó, tralhas
sem valor que os tios tinham deixado para trás. Ninguém
entravaaliháquantos anos? Dez,mais?
Abriu a tampa do baú que emtempos tinha sidoverde,no
quarto dos avós. Um pequeno rato saiu apressado do
fundo, sem lhe dar tempo de reagir. Cinco pratos de
loiça, decorados com flores, amontoavam-se ao lado de
um lençoamarelado. Não se lembrava de ver a avó com
ele. Mas recordava o gesto repetido com que ao longo do
dia ela obrigava o cabelo comprido a ficar dentro do
lenço. Revisitava o dia em que pela primeira vez a vira
lavar a cabeça sob o sol e da surpresa que sentira ao ver o
tamanho e a cor negra, quase sem manchas brancas, do
cabelo da avó. Nesse dia ela parecera-lhe forte, quase
imortal. Apenas porque ainda era pequeno de mais para
deixardeacreditarna eternidade.
Abriu a janela, só parcialmente tapada por um vidro. Ao
fundo via-se o terreno onde muitos anos atrás estivera o
talhão, um gigantesco tanque de barro quase todo
escondido sob a terra. Era ainda muito miúdo quando a
água canalizada jorrou das torneiras e as mulheres
deixaram de usar o talhão para lavar a roupa, mas nunca
se tinha esquecido do dia em que caíra dentro dele e
voltara a casa coma roupa ensopada.
Os dias são sempre mais felizes quando os olhamos à
distância. A infância cheirava a pão quente acabado de
sair do forno, cheirava a terra molhada pelos regos de
água esculpidos pela enxada do avô, que percorria de pés
descalços para ajudar a regar o milho alto e verde. A
infância tinha som de rodas de carroça a chiar, de gritos
11
ESPERANÇA
ENTRE
O PÓ
41
NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA V
dos primos a correr pela estrada e a nadar no tanque
grande da tapada. Tinha cor de sol a nascer no verão e
somdechuvaa baterno telhado,nas fériasdeNatal.
Inspirou demoradamente, como se o ar pudesse devolver-
lhe inteiras as sensações desses tempos. Ouviu ao longe
um tractor, viu-o aparecer na recta e depois desaparecer
na curva do caminho de terra batida. O som foi-se
tornando cada vez mais distante e de novo o silêncio,
aquelesilênciocomtantos anos pordizerlá dentro.
As escadas para o sótão estavam comidas pelo tempo e
hesitou. Poderiam partir-se e não haveria seguramente no
sótão nada que compensasse uma queda. A curiosidade
acabou por falar mais alto e começou a subir lentamente,
testando com cuidado a madeira que rangia sob o seu
peso.
Demorou a encontrar a palavra que a avó usava para
aquele piso escuro e amplo sobre a casa: o sobrado. Era ali
que a mãe e os tios dormiam em miúdos, antes da
construção do anexo ao lado do forno. Era ali que se
escondia, nas férias, quando começavam a ouvir-se os
badalos do rebanho a aproximar-se da aldeia e não lhe
apetecia acompanhar os primos na missão de separar as
cabras e trazer de volta ao pátioas dos avós. Reaparecia de
repente quando a avó já terminara de as ordenhar. Via-a
despejar o coalho no leite, maravilhado com as
transformações que aquele pó mágico ajudaria a fazer até
o queijoestarpronto a comer.
Havia vários caixotes espalhados sobre o chão formado
por ripas irregulares de madeira. Abriu um com uma
ansiedade inesperada. Continha livros de cowboys, dos
que em miúdo se multiplicavam no quarto do tio
Alberto. Quando não tinha mais nada para ler, porque
na altura os livros não abundavam, contentava-se com
aquelas descrições de aventuras e tiros numa terra sem lei
quelhediziapouco.
Noutra caixa, bugigangas sem interesse coabitavam com
o único retrato da juventude dos avós, uma colagem de
dois rostos sérios que diziam pouco das pessoas que os
habitavam. Há fotografias que mentem muito e as dos
avós mentiam sempre: nunca lhes faziam a justiça de
mostrar o que está para além da pele. Separou a moldura
doresto, decididoa levá-laconsigo.
O NATAL
42
ESPERANÇA
ENTRE
O PÓ
Prosseguiu a exploração e foi resgatando outros objectos
que não queria votados ao esquecimento. Encontrou o
bule em que a avó costumava guardar os trocos das bilhas
de gás vendidas aos vizinhos. Sempre que ia lá a casa
contava e voltava a contar as moedas. E às vezes, quando
lhe pedia para ir à taberna comprar um quilo de arroz ou
de açúcar amarelo, a avó dava-lhe uma moeda a mais, para
comprar uma pastilha ou, quando chegava para tanto,
umpequeno pacotedebolachasdebaunilha.
Voltou a ouvir-se um tractor, se calhar o mesmo. Distraiu-
se à escuta, mas logo voltou a abrir uma nova caixa. Entre
papéis amarrotados, que desdobrou com cuidado, estava
o presépio que ano após ano era colocado na sala, sobre
um manto de musgo verde. Nem queria acreditar que o
reencontrava,tantos anos depois.
Foi retirando, uma a uma, as figuras arrancadas à longa
hibernação na caixa. Um pastor com uma ovelha aos
ombros foi o primeiro a sair. Sorriu perante as cores gastas
e estranhas daquela forma grosseira. Poisou-o com
cuidado a seu lado e continuou. Reencontrou a fonte ao
lado da qual punha, juntamente com os primos, uma
prata a formar um pequeno lago. Da caixa foram saindo
os três reis magos – um já sem o presente nas mãos -,
Maria e José, uma mulher com o cântaro à cabeça, um
burro e uma vaca, duas pequenas ovelhas, outro pastor
com uma flauta na boca… E finalmente, como se
aguardasse que todos estivessem prontos para o ver
nascer, o menino Jesus, com uma grossa rachadela numa
perna.
Sentou-se a observar o conjunto de figuras sorridentes e
viajou com elas no tempo. Na noite de Natal, quando
terminava o jantar e o cheiro a filhós tomava conta da
casa, ele e os primos improvisavam um espectáculo
preparado emsegredoao longo dasférias.
Os tios e os avós fingiam-se surpreendidos e aplaudiam
com um entusiasmo excessivo aquele desfilar de números
pobres. Havia sempre um telejornal em que se anunciava
o nascimento em Belém, invariavelmente apresentado
pela prima Mariana. O Paulo tocava guitarra e esforçava-
se por acompanhar com os acordes certos a Noite Feliz ou
o clássicodasfestas defamília,ATodosumBomNatal.
Também era certo que um auto de Natal encerrava ano
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NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA V
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O PÓ
após ano a festa e a dificuldadeera sempre a mesma:evitar
que a Sandra e a Carla se envolvessem em zaragata para
decidir qual iria desempenhar o papel de Maria. Pelo
meio havia tentativas de humor sem graça e o Chico
insistia em apresentar o seu número de magia. No final, a
Xana circulava pela sala com a boina do avô e a meiguice
do seu olhar azul conseguia que algumas moedas
contribuíssempara todossesentiremsubitamentericos.
Quando a algazarra terminava, a avó puxava-o para o colo
efazia invariavelmenteo mesmocomentário:
- A tua mãe haveria de gostar tanto de ver como estás um
homemcrescido…
Ele não queria ser um homem e menos ainda queria ser
crescido, mas não dizia nada. Fixava o menino Jesus, que
ao aproximar da meia-noite a tia Fátima depositava sobre
a cama de palhas, e pensava na sorte que ele tinha: todos
os anos podia renascer e ser sempre menino travesso e
despreocupado. Não queria ser um homem, repetia para
si próprio. Os adultos complicavam tudo, como a mãe
quando tinha decidido fugir para França. “Não ligues ao
que te dizem dela, foi atrás do coração”, sussurrava-lhe a
tia Madalena. Mas ele bem via os suspiros que a avó
deitavacada vezquesefalavano assunto.
De olhos postos naquele menino que tinha direito a ser
sempre menino, dois mil anos depois de ter nascido,
formulava um desejo: ser sempre criança. Tentou insistir
no pedido mais alguns anos, mas quando deixou ter fé
nos sonhos deixou também de esperar no poder daquele
meninoquenunca chegavaa adulto.
Gostava de nunca se ter perdido da infância. E de nunca
se ter perdido de si próprio. Mas a vida às vezes tem tantos
labirintos…
Sacudiu os pensamentos sombrios e pegou
cuidadosamente nas figuras, ainda sem saber o que fazer
com elas. Fechando os olhos conseguia sentir o cheiro do
arroz doce da avó, a única sobremesa que se juntava às
filhós sobre a mesa. Nessa altura a consoada ainda não
tinha rabanadas, nem sonhos, nem peru. Tinha as couves
da horta da avó a acompanhar o bacalhau cozido, queijo
fresco de cabra preparado poucas horas antes da
consoada efilhóscomsabor a laranja, ainda mornas.
ONatal, na sua infância, era a noitemaislonga doano:
O NATAL
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ESPERANÇA
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quando soavam as doze badaladas e o sino se ouvia pela
aldeia, vultos negros convergiam para a capela e
saudavam a ternura vinda à terra no corpo frágil de uma
criança.
No final, quando todos já tinham beijado o Menino e
lentamente a capela se ia esvaziando, os homens e rapazes
novos juntavam-se no adro, à volta do enorme madeiro
preparado com antecedência. Ele bem tentava demorar-
se, inventando perguntas e cumprimentos para distribuir
aos vizinhos, mas a avó conhecia-lhe as manhas e
agarrava-o com suavidade. “Anda, pequeno… Agora
temos mesmo de ir dormir. Amanhã veremos se o
Menino Jesus te deixa alguma coisa no sapatinho.”
Piscava-lhe o olho e ele sorria porque era certo que sim,
alguma coisa estaria à sua espera quando acordasse.
Talvez as calças que vira a avó costurar em silêncio nos
últimos serões. Talvez um brinquedo em madeira feito
pelasmãos mágicasdoavô.Talvez…
Poisou as figuras no banco de pedra em frente à casa e
procurou três pedras largas de xisto, para improvisar uma
cabana. Dentro da cabana, colocou uma mão cheia de
palhas e dispôs com cuidado a família de Belém, rodeada
pelosanimais.
Passou devagar os olhos pelo pátio e viu uma saca velha de
sarapilheira. Rasgou-a em vários pedaços e com a ajuda de
pedras de diferentes tamanhos criou montes e vales
imaginários, onde colocou os pastores, as ovelhas, a fonte
ea mulhercomo cântaro à cabeça.
Faltava uma estrela – não pode haver presépio sem luz.
Com pequenos paus improvisou uma estrela, atada com
um fio da saca. Prendeu-a no topo da cabana e
contemplou fascinado o resultado final. O sol que
começava a pôr-se atrás das cerejeiras em flor dava ao
quadro uma luminosidademisteriosa,quaseirreal.
Alguns vizinhos de passagem, vendo aquele presépio em
plena primavera, olharam-no de soslaio, como se
duvidassem da sua saúde mental. Sorriu. Sabia que não
era o tempo reservado a fazer o presépio ou celebrar o
Natal. Mas é proibido fechar as janelas a uma esperança
acabada derenascer.
Fátima Lopes
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NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA V
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O PÓ
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NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA V
O PRESÉPIO,
AO VIVO, DA
MINHA
INFÂNCIA
O PRESÉPIO, AO VIVO, DA MINHA INFÂNCIA
Palavra mágica, criadora de sonhos, representação votiva,
congregador de famílias, enlevo das crianças, celebração,
tudoisto éo presépio.
Foi nos idos anos 50 que, ainda criança, houve um
presépio ao vivo na minha escola que nunca, pela minha
vidafora, esqueci.
Emcada Natal que passa, e observando os presépios que
se me têm deparado pela vida fora, vem- me sempre à
memóriaaquele presépio daquela noite de Natal dos idos
anos cinquenta.
Foi em meados de novembro que tudo começou quando,
depois de finda a escola, a nossa professora com voz
soleneavisou:
- Este anovamos organizar aqui na escola um presépio
vivo que será representado na noite de Natal. A
estupefação foi geral e cada um à sua maneira ficou a
ruminar o que seria aquilo dum presépio vivo, pois o que
nós conhecíamos era o que na nossa capela, todos os
anos, os mais velhos faziam com figuras de barro
inanimadaseestáticas.
Ao sairmos, e no caminho para casa, cada um exprimia a
sua opinião sobre como seria o tal presépio, uns
apontavam as dificuldades de arranjar os animais e como
entrariam eles na escola, outros onde se arranjaria o
menino Jesus, as ovelhas, os reis magos, os pastores, nossa
Senhora, São José e todas as outras figuras que
normalmenteconstituemumpresépio.
O Sérgio, que se tinha mantido calado durante toda
conversa, abriu a boca e com a sua voz juvenil acalmou a
turmadizendo:
- Vocês não estejam preocupados, pois se a ideia foi da
nossa professora, elajáterápensadonissotudo.
Chegados a casa, a notícia depressa se espalhou pela
aldeia, os comentáriosnão se fizeram esperarperante a
estupefação de alguns; outros houve que aderiram
imediatamente ao projeto, não faltando quem se
mostrasse logo disponível para ceder o seu boi ou o seu
burro, pois ir ter animais no presépio eles sairiam de lá
abençoados.
O tempo corria célere e nós, já impacientes,
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O NATAL
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comentávamos em surdina: Será que a nossa professora
desistiu da ideia? – Murmurou o André, ao mesmo tempo
que lançava a ideia de nomearmos um de nós para ir falar
coma professora.
Proposta aceite, delegámos tal tarefa no Carlos, como era
o mais espevitado e atrevido da escola, era a pessoa
indicada para tal missãoe num final de dia, de aulas, lá vai
o Carlos falar com a Senhora Professora; nós, ansiosos,
ficámoscá fora, aguardandopeloresultado dareunião.
Os nossos corações batiam descompassadamente, os
nossos semblantes carregados pareciam indiciar que a
resposta iria ser negativa e que o tal presépio vivo teria
sidoanulado.
O indigitado Carlos nunca mais aparecia, foi uma
eternidade,alguns comentavam:
- Talvez já não haja presépio vivo, e nós que já sonhávamos
em ser o S. José, ou Nossa Senhora, um pastor ou rei
mago, eis senão quando aparece o Carlos esboçando um
sorrisodeorelhaa orelhaenos tranquiliza:
- Vai haver presépio vivo e que presépio vai ser! E vós o que
estáveis já para aí a congeminar? Tenham calma, amanhã,
a nossa professora vai dar-nos a conhecer qual será a
personagemquecada umdesempenhará.
Uma algazarra de alegria ecoou pelo grupo e um
turbilhão de sensações percorreu nossas cabeças, cada um
tentando adivinhar a personagem que lhe caberia em
sorte, mas isso era um segredo bem guardado até ao
próximo dia na cabeça da professora. A Neves cheia de
entusiamodisselogo:
- Eu não me importava de fazer de Nossa Senhora. A
Rosária, que estava ali ao lado, olhou-a de alto abaixo e no
fim acrescentou:- Tens mesmo uma fisionomia de Nossa
Senhora, fica-temesmoa calhar.
- E o S. José, quem será? Tem que ser um que tenha a
mesma altura da Neves. Etodos em coro gritaram: -O José
Martins,epara mais,temo nomedeJosé.
- Está bem, respondeu o Zé, mas não se esqueçam que é a
professora quemamanhã vaiescolheros felizardos.
A noite foi longa, nunca mais passava, que personagem a
professora me irá atribuir? Será que vai ser aquela em que
eu estou a pensar? Como vai ser com o burro e a vaca? E os
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O PRESÉPIO,
AO VIVO, DA
MINHA
INFÂNCIA
camelos dos reis magos, onde se arranjarão? Na minha
cabeça e dos meus colegas corria um turbilhão de
interrogações que apenas era atenuado pela certeza de
que a professora Albertina, organizada como era, tudo
teriapensadoeresolvido.
A manhã começou chuvosa e fria, mas se diahouve em
que fomos para a escola com vontade foi aquele, a
expectativa era grande; e enquanto a professora não
chegava, o tema da nossa conversa era apenas, e tão só, o
presépiovivo.
O Fernando levantou mais outras dificuldades,- E os
presentes dos Reis Magos? E a indumentária? E como vão
caberas pessoastodasdentro daescola?
- Lá estão vocês, outra vez, a meterem-se onde não são
chamados.-Atalhou o Artur.
- Deixemlá, a professora dirácomo tudoirádecorrer.
A professora Albertina chegou; naquele dia, apresentava
um ar diferente dos outros dias, ou então eramos nós que,
faceà expectativa,assima víamos.
Entrámos na escola, cada um tomou o seu lugar, o
momento era solene, um silêncio expectante inundava a
sala, os olhos fitos na professora e os nossos corações a
cemà hora, pareciamquererestoirar.
A professora Albertina puxando da gaveta da secretária
por uma folha de vinte e cinco linhas e levantando-se,
olhou-nos a todos einicioua leitura:
- Prestem atenção ao que vos vou transmitir, para que
tudo venha a decorrer com organização na noite de Natal.
Todos terão um lugar no presépio, ninguém ficará de
fora; uma das nossas dúvidas já estava desfeita, todos
iríamosparticipar.
Mas o que iriacada um fazer de concreto? Fixando os
olhosna folha, a Professora Albertina anunciou:
- De Nossa Senhora, faz a Neves, de S. José, o Zé Martins, e
de menino Jesus, faremos um boneco em trapos, a imitar
o Menino, as figuras principais do presépio já estão.
Agora vamos passar às secundárias, de pastor farão o
António, o Francisco e o Fernando e de reis magos, o
Manuel, o Artur e o João que ficam, desde já,
encarregados de arranjarem os presentes junto dos pais,
os restantesfarão partedocoro comigo.
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NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA V
O PRESÉPIO,
AO VIVO, DA
MINHA
INFÂNCIA
O NATAL
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- Senhora professora, como vai ser a gruta? Perguntou a
Alice. - Não te preocupes, eu própria desenharei, no
quadro, um desenho a imitar uma parede, pois o presépio
iráterlugar frenteao quadro, estefará depano defundo.
Toca a arranjar fatos, junto das vossas famílias, que se
pareçam com os das personagens que ides representar.
Necessito que um dos vossos pais ajude a construir, frente
ao quadro, uma pequena estrutura em madeira para que,
comlençóis,façamos uma cortina imitando umpalco.
- Está bem, o meu pai não dirá que não, respondeu o
Alfredo.
Na próxima semana começarão os ensaios.Espero nessa
altura ter já o guião pronto, o qual servirá para orientar a
entrada das personagens para o presépio. Todos têm que
dar o seu melhor para que no dia da apresentação não
haja falhas e, já agora, só mais um pormenor, quero vos
pediro seguinte:
- Toca a avisar os vossos pais e toda a restante aldeia para,
na noite de Natal,ninguém faltar à representação ao
vivodo presépio.
Aquele dia de escola parecia nunca mais acabar e, quando
por fim terminou, eis-nos correndo para casa, dando a
boa novaaos nossos pais:
- Vamos fazerumpresépiovivo na nossa escola!
- O que é isso de presépio ao vivo? Perguntou a mãe da
Nevesà filha.
- E você ainda não sabe a melhor, eu vou fazer de Nossa
Senhora.
- DeNossa Senhora?
- Sim, mãe. E o meu colega, o Zé, de S. José, os outros
interpretarão as outras personagens.
- Está bem, filha. Um presépio assim sempre será melhor
do que aquele que, ano após ano, lá na capela, é feito com
figuras de barro, assim as pessoas sempre ficarão a
compreender melhor o que foi o nascimento do Menino
Jesus. Mas toma atenção, prepara-te bem, pois fazer de
Nossa Senhora não éuma personagemqualquer.
- Está bem,mãe,fiquedescansada.
A notícia dos preparativos propagou-se pela aldeia, como
fogo e como não houvesse família na aldeia que não
tivesse um filho na escola, a ideia lançada pela professora
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O PRESÉPIO,
AO VIVO, DA
MINHA
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Albertina, à semelhança do que fez S. Francisco de Assis,
em 1223, na pequena cidade de Greccio, no centro-sul da
Itália, tornou-se umprojeto coletivo.
A noite de Natal aproximava-se a passos largos, os ensaios
corriam com empenho e todos já se imaginavam
mostrando os seus dotes teatrais naquele dia que ia ficar
marcado para semprena nossa memória.
Na escola, frente ao quadro preto, já estava montada a
estrutura que o pai do Alfredo tinha feito e onde nós, dia
após dia, íamos treinando os nossos lugares; as carteiras
tinham sido levadas para o alpendre, para dar mais
espaço na sala de aula, pois toda a aldeia iria estar
presente.
Chegou, por fim, o dia tão esperado, a noite de Natal, que
começou fria, como era próprio para a época e que era
prenúncio dumanoiteestrelada.
Meia hora antesda hora marcada, o sino tocou, era o
melhormeiodea todos avisar.
Os caminhos que da aldeia encosta acima levavam até à
escola, estavam agora salpicados por magotes de pessoas
que de lanternas na mão e serpenteandopor aqui e por
ali, faziam lembrar um baile de bruxas, tentando chegar à
escola.
Com tanta gente e uma escola pequena, cada um lá se foi
acomodando, tentando arranjar um espaço para colocar
os bancos trazidos decasa, queforam providenciais.
Chegada a hora marcada, feito silêncio, aberta a
improvisada cortina e com a voz de comando da
professora, deu-se início à representação;secundada pelo
coro,ia, de forma musicada, explicando a função de cada
personagem,a qual ia dando entrada no presépio e
ocupavao seulugar.
Os atores, com ar solene, com as indumentárias próprias
de cada personagem, tinham, à sua frente, uma
assistência que de olhos arregalados, tecia,aqui e ali,
alguns comentários às suas personagens preferidas;
pouco a pouco se foi construindo o presépio que ficou
completo coma entrada dosreismagos.
O quadro estava agora completo e majestoso, pronto a ser
comtemplado e assim permaneceu, por largos
momentos, para permitir aos presentes admirar e
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O PRESÉPIO,
AO VIVO, DA
MINHA
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O NATAL
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O NATAL
meditar tão sugestivo quadro, que este sim, os levava de
uma forma fácil a vivenciar como terá sido o nascimento
do Menino Jesus em Belém e quão diferente era do
frígido e inanimado presépio que todos os anos era feito
na nossa igreja!
O silêncio só foi quebrado pelo balir dos cabritos trazidos
pelos pastores que, cansados de estarem aos ombros dos
seus portadores durante tanto tempo, assim
manifestaram a sua impaciência, este alerta contribuiu
para acelerar o fimdarepresentação.
Não fosse o facto dos cabritos se terem talvez lembrado do
leite das suas progenitoras, o presépio vivo teria ficado
por muito mais tempo, porque o ambiente da sala parecia
querindiciarquealiestavajáumpedaçãodocéu.
O presépio vivo não se desfez sem que antes pela sala ecoa-
se uma estrondosa salva de palmas que a muito custo a
Professora Albertina conseguiu calar para emocionada se
fazer ouvir e a todos agradecer por ter sido possível, com o
contributo de todos, transpor de Belém para a nossa
escola,o presépio.
Todos partimos já noite avançada, ufanos pelo que
fizemos, rumo aos nossos lares, mas naquela Noite de
Natal, ali, como participantes no presépio ao vivo e com a
nossa família ali ao nosso lado, foi o melhor lar do
mundo, ondeapeteciaterficadopara sempre.
Belchior
O PRESÉPIO,
AO VIVO, DA
MINHA
INFÂNCIA
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O PRESÉPIO
No dia25deDezembro
Nasceuo Menino Jesus
Apareceuno céubrilhando
Umaestrelinhadeluz
OsReismagos seguiram
Esta estrelinhabrilhante
Para encontraremo Menino
Tiveram uma luta constante.
Compresentesoriginais
Satisfizeram o Menino
Quedeitado numa manjedoura
Dormiacomo umanjinho.
Eno estábulo pobrezinho
EstavatambémMaria eJosé
OspaisdoMenino
Queo miravamcomfé.
Ea partirdessedia
Nas nossas belasaldeias
Celebramos dodia24pra 25
Astradicionais fogueiras.
Para aquecero Menino
Fogueiras grandes equentinhas
Poisna noiteestrelada
Eledormianas palhinhas.
Etambémsemesquecer
Celebra-se a missadogalo
Umamissacomemorativa
Emaisaquinão falo.
Eesta data tão festiva
Não sepodeesquecer
Poisnasceu o Salvador
Aquelequenos faz viver.
NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA V
O PRESÉPIO
O NATAL
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O NATAL
Pensamos no Deus-Menino
No presépio em Belém
Assim se celebra o Natal
E se espera o do ano que vem.
E desejamos no fundo
Que volte a ser igual
Pois com a família reunida
É uma alegria da vida.
Estrela Cadente
O PRESÉPIO
KIKO E A AVENTURA DA NOITE DE NATAL
Era segunda-feira, dia um de dezembro e o Kiko estava
eufórico a observar o calendário. Na sua família era
tradição montarem o presépio e o pinheiro de Natal, no
primeiro domingo do mês de dezembro. O Kiko adorava
esta época do ano pois saía com o pai e o avô, para a
floresta, em busca do pinheiro ideal e ajudava a mãe e a
avó a montarem o presépio. Desde pequenino que a sua
família celebrava o Natal e desdeo primeiro dia do mês de
dezembro até ao dia tão especial havia sempre muitas
coisasa fazer.
Estava o Kiko entretido a sonhar com os Natais passados
quando derepenteouviu o seunome:
- Kiko, vem ajudar a avó a por a mesa. O jantar está pronto
eeuquero falar comtodos.
- Vou já, avó.– respondeuo Kiko.
- Despacha-te, senão o jantar fica frio! – exclamou a avó
num tomquaseimpaciente.
Apressado, o Kiko esquece o seu sonho e corre para ir
ajudar a avó que parecia particularmente entusiasmada.
Durante o jantar, num ambiente muito divertido,
ocorriam as habituais atualizações familiares de como
tinha corrido o dia de cada um. A avó interrompe a
conversa ecomumarsériocomeçaa falar:
- Hoje passei pela igreja e fiquei intrigada com um grande
cesto que se encontrava junto ao altar. Com alguma
curiosidade, dirigi-me ao senhor Padre para que ele me
esclarecesse. Fiquei a saber que este ano vai haver uma
recolha de alimentos para os mais necessitados da
paróquia.
- Então era por isso que estavas tão entusiasmada, avó? –
perguntou o Kiko.
- Sim. Sabes,Kiko, mais importante que trocar presentes
no Natal, é fazermos a ceia em família – explicou a avó. –
É partilharmos esta tradição com as pessoas que mais
amamos.
- Sim, eu sei. Mas continuo sem perceber o porquê de
tanto entusiasmo. - continuou o Kiko, agora muito
impaciente,semperceberondea avóqueriachegar.
Desta vez foi o avô que respondeu: - Kiko, é muito bonito
que numa época tão especial como o Natal, aqueles que
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NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA V
KIKO E A
AVENTURA
DA NOITE
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podem, ajudem quem não tem possibilidades de
comprar os produtos para fazer a ceia de Natal. Por isso é
que a avó está tão entusiasmada. Ela quer ajudar quem
maisprecisanesta épocatão bonita.
- Já percebi. – exclamou o Kiko. – que ideia espectacular,
avó.Amanhãpossoirà igrejalevaralguns produtos?
- Sim,Kiko.Eeuvou contigo.
No outro dia de manhã, o Kiko e a avó saíram de casa
para ir entregar a sua oferta à igreja. Levavam uma série
de produtos: compotas caseiras, vinho, ovos, verduras,
bacalhau, umbolo-reieuma garrafa deazeite.
Depois de almoçar, o Kiko correu para a casa da sua
amiga Carolina para lhe contar tudo sobre a entrega dos
produtos na igreja,para os maisnecessitados.
A Carolina era filha do José, caseiro de uma enorme
quinta, a Quinta de Felicidade. Os donos da quinta só lá
iam de vez em quando e chegavam a estar anos sem lá
aparecer. Eram os pais da Carolina quem tratava de tudo
na quinta, como sefossedeles.
Ao chegar ao portão, o Kiko reparou que as janelas do
casarão estavam todas abertas, o que não era costume.
Nas férias do Natal, os donos da quinta tinham resolvido
passar uns dias por ali e tinham trazido, embora muito
contrariado, o seufilhoRafael.
O Rafael estava sentado na escadaria da entrada do
casarão, a escrever no computador, quando o Kiko e a
Carolina apareceram.
- Olá, eu sou a Carolina, a filha do caseiro; e este é o Kiko,
o meumelhoramigo.
- E tu, como te chamas? – perguntou o Kiko, com ar
simpáticoehospitaleiro.
- Eu sou o Rafa. Quer dizer, para vocês sou o Rafael. Não
gosto nada quemetratemporRafa, jáestou farto!
- Então, Rafael, queres vir brincar connosco? –
questionou a Carolina.
- Agora não posso. Estou ocupado a escrever a lista das
prendas que quero que os meus pais me ofereçam neste
Natal. E tenho que me despachar a enviar o e-mail, antes
que a minha mãe descubra que estou a usar o
computadorportátildela.
O NATAL
KIKO E A
AVENTURA
DA NOITE
DE NATAL
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- Tu pedes os presentes que queres aos teus pais? Nós
colocamos uma botinha na chaminé na noite de Natal.
Os nossos pais dizem que o Menino Jesus vem até às casas
dos meninos bem comportados e deixa-lhes um presente
na botinha que deixamos pendurada na chaminé. De
manhãzinha quando acordamos, corremos para a sala à
procura dos nossos presentes. – explicou o Kiko. – Na
botinha costumamos ter muitos doces e à volta do
presépio e da árvore de Natal temos os presentes que os
nossos familiares nos oferecem. – acrescentou o Kiko
com um ar muito feliz, por relembrar-se dos Natais
passados.
- Porque mandas um e-mailem vez de falar diretamente
com os teus pais? – questionou a Carolina muito
intrigada.
- Os meus pais passam o dia a trabalhar, quase não os vejo.
Muitas das vezes chegam a casa e eu ou estou a fazer os
trabalhos de casa ou no computador a jogar. – contou o
Rafael com um ar triste. – Algumas das vezes até já estou a
dormir.– suspirou.
- Mas vocês não comem juntos todos os dias? – perguntou
a Carolina, semcompreendera tristezadoRafael.
- Na minha casa cada um come quando lhe apetece.
Assim não temos de esperar uns pelos outros. Os meus
pais, muitas das vezes, nem se sentam à mesa. Comem
qualquer coisa enquanto trabalham em frente ao
computador.«
- E tu? Também costumas ter esses hábitos? – perguntou o
Kiko que estava muito habituado às comidas deliciosas
que a sua avó fazia e às refeições divertidas que tinha em
família.
- Não. Os meus pais obrigam-me a comer à mesa, muitas
das vezes sozinho. E, para mim, a minha mãe traz sempre
alguma coisa já pronta dos restaurantes de comida para
fora.
- Então e como são os teus Natais, Rafael? – perguntou a
Carolina.
- Bem, na noite de Natal os meus pais costumam fazer um
jantar com os amigos do trabalho e eu passo a noite a
jogar consola ou a ver um filme com os filhos deles.
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KIKO E A
AVENTURA
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DE NATAL
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Depois os nossos pais dão-nos os presentes e voltamos
para casa. No dia de Natal passo o dia no computador a
jogar ou a ver os filmes que passam na televisão.- explicou
o Rafael com um tom natural embora com um pouco de
tristeza.
- E tu não fazes o presépio e a árvore de Natal? –
perguntou o Kiko, quase a cair para o lado de tão
surpreendido.
- Não. Nem tenho bem a certeza do que isso é. –
respondeuoRafaelumpouco envergonhado.
- Isso é o teu Natal? – perguntaram a Kiko e a Carolina,
quaseemcoro, ecompletamenteboquiabertos.
- Sim. Mas porque estão tão surpreendidos? – questionou
o Rafael,jáumpouco confuso.
- Os nossos Natais são completamente diferentes. Nós,
desde o início do mês de dezembro que o começamos a
preparar.-começou a Carolina eexplicar.
- Espera, Carolina, não digas mais nada. – interrompeu o
Kiko, quase aos gritos. -Acabei de ter uma excelente ideia,
mas para isso preciso da vossa ajuda. – continuou o Kiko,
a sorrirdeorelhaa orelha.- Não te preocupes, Rafael. Este
ano o teu Natal vai ser diferente. – concluiu com um
piscardeolhoao novo amigo.
Como já estava a escurecer, o Kiko teve de voltar para
casa. Mas antes de ir embora combinou encontrar-se na
manhã seguinte com os dois amigos, no esconderijo
secreto doKiko edaCarolina.
Depois de tomar o pequeno-almoço, logo de manhã
cedo, Kiko correu para o esconderijo. Era um velho
moinho abandonado. Tinhas as velas rasgadas e sobre a
porta havia uma bandeira com as letras CFCK, que
queriam dizer «Clube de Férias da Carolina e do Kiko».
Quando lá chegou, a Carolina e o Rafael já o esperavam à
porta.Cumprimentaram-se ea Carolina disse:
- Temos de acrescentar um R de Rafael à nossa bandeira,
Kiko.
Kiko confirmou com a cabeça e sorriu. Entraram e
abriram a janela para que alguma luz e o ar fresco da
manhã entrassem. Limparam as teias de aranha que se
alojaram no esconderijo desde as últimas férias e
11111111
O NATAL
KIKO E A
AVENTURA
DA NOITE
DE NATAL
59
sentaram-se à volta deuma mesafeita pelosdoisamigos.
Então Kiko, desembucha, estamos a morrer de
curiosidade quanto à tua excelente ideia! Conta lá de
uma vez o que queres fazer! – exclamou a Carolina muito
impaciente.
- Ora bem, então é assim: Na minha família e na da
Carolina temos tradições de Natal. No primeiro
domingo do mês de dezembro montamos o presépio e a
árvore de Natal. Preparamos uma ceia de Natal em
família cheia de alegria, músicas e costumes natalícios. E
no dia de Natal passamo-lo em família, fazendo jogos,
contando histórias, enfim, divertimo-nos sempre muito
pois estamos com as pessoas de quem mais gostamos.
–explicouo Kiko ao Rafael.
A minha ideia é de este ano fazermos algo ainda mais
divertido. Ajudar-te a ti e à tua família a descobrir as
tradições deNatal.Oqueachas?– perguntou o Kiko.
- Adoro a ideia mas como vamos fazer isso? – perguntou o
Rafael.
- Simples. – respondeu o Kiko. – A Carolina e eu vamos
ajudar-te a ti e aos teus pais a montar um presépio e uma
árvore de Natal lá em tua casa. Depois juntamos as nossas
famílias e fazemos uma ceia de Natal diferente, todos
juntos. Para tal contamos com a ajuda da minha avó a
preparar as suas comidasdeliciosas.– concluiuKiko.
- Que excelente ideia. – disse Carolina – Temos de por
mãos à obra, já!
- Vai ser muito divertido! – exclamouo Rafael com um
enormesorriso.
O resto do período até ao Natal foi passado entre muitas
brincadeiras na preparação dastradições natalícias.
Na véspera da noite de Natal andava tudo numa agitação.
Na cozinha, a avó sempre a cantarolar, andava
atarefadíssima às voltas com uns grandes livros de
receitas. Cuidadosamente ia colocando os livros sobre a
mesa e abrindo-os um a um, ia colocando separadores
para selecionar as melhores receitas para a ceia de Natal.
Os pais da Carolina e do Rafael andavam nas limpezas do
casarão e a cuidar dos jardins em volta para que tudo
estivesse perfeito. Os três amigos tratavam das decorações
1
NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA V
KIKO E A
AVENTURA
DA NOITE
DE NATAL
natalícias, do entretenimento e duma surpresa muito
especial para a noite e dia de Natal. O espírito natalício
pairava no ar e pelos sorrisos de cada um, a felicidade era
muita.
Na noite de Natal tudo estava perfeito. Jantaram todos
juntos o tradicional bacalhau cozido com batatas e couve
feito pela avó do Kiko. Era o início de uma noite muito
animada erepleta desurpresas.
Depois do jantar, chegou a parte mais divertida. Os três
amigos juntaram-se e apresentaram aos familiares uma
peçaporelespreparada.
- Olá, boa noite a todos, eu e os meus amigos vamos
apresentar uma peça de fantoches sobre o nascimento do
menino Jesus e a origem do presépio. Mas esta história é
um pouco diferente da que está na Bíblia, passa-se na era
moderna.– disseo Kiko.
Todos muito curiosos acomodaram-se nos sofás a comer
os bolinhos de Natal feitos pela avó do Kiko. Enquanto
Kiko narrava a história, a Carolina e o Rafael iam
representando comfantoches.
«No ano de 2012, em Nazaré, uma cidade da Galileia -
começou o Kiko – Maria estava sentada na sua secretária a
ler a Bíblia através da Internet, quando de repente
recebeu um e-mail do Anjo Gabriel. Este e-mail trazia
uma notícia muito importante, dizia: “Ave, cheia de
graça, o Senhor é contigo. Não temas, Maria, pois
encontraste graça diante de Deus. Eis que conceberás e
darás à luz um filho, e que lhe porás o nome de Jesus. O
Espírito Santo descerá sobre ti, e a força Altíssimo te
envolverá com a sua sombra. Por isso o santo que nascerá
detiseráchamadoFilhodeDeus”(LUCAS1).
Maria ficou muito surpreendida e assustada com a
notícia, mas ficou feliz, tinha no seu ventre Jesus. Maria
chamou José e mostrou a mensagem do anjo a José, que se
comprometeu a ajuda-la e apoiá-la em todos os
momentos.
Maria e José, como conheciam a primeira história do
nascimento do Menino Jesus, queriam que a segunda
história fosse idêntica, embora acontecesse numa era
diferente. Foram até Belém e o nascimento do menino
111
60
O NATAL
KIKO E A
AVENTURA
DA NOITE
DE NATAL
aconteceu, mas não num estábulo como queriam que
acontecesse, foi numa ambulância. Os pastores que se
encontravam nas redondezas, receberam mensagens de
texto com as coordenadas de GPS do local onde se
encontrava o “Presépio”. Também os três Reis Magos
receberam mensagens de texto com as coordenadas do
local onde estava o menino. Dirigiram-se para lá o mais
rápido que puderam. E quando digo rápido foi mesmo
muito rápido. Gaspar foi de mota, Baltazar de jato e
Belchior de carro. Ofereceram ao menino, tal como
antes, ouro, incenso e mirra. Todos os que ali se
encontravam junto do “presépio” se sentiam abençoados
emuito felizesporternascidoo salvador.FIM.»
Todos bateram palmas e se sentiram muito felizes por
relembrarem o verdadeiro motivo da existência do Natal:
celebrar o nascimento do Menino Jesus e partilhá-lo com
as pessoasquemaisamamos.
O resto da noite foi passado junto à lareira a conversar e a
cantar músicas de Natal. Quando chegou a hora de
deitar, os três amigos colocaram as suas botinhas com os
respetivos nomesna chaminé.
Quando acordaram, correram para a sala à procura dos
seus presentes. As botinhas estavam cheias de guloseimas
e havia presentes junto da árvore e do presépio, para toda
a família. Depois do almoço, a avó do Kiko propôs uma
atividade bastante caraterística do Natal: fazer filhós.
Todos sem exceção puseram as mãos na massa e fizeram a
sua filhó. Foi uma tarde muito divertida e cheia de
gargalhas.Foinum dessesmomentos queRafaelfalou:
- Foi o melhor Natal que alguma vez tive, percebi que o
mais importante nesta época é estarmos com a família,
partilharmos a nossa felicidade com os que mais
gostamos e não receber prendas. O Kiko e a Carolina são
uns amigos espetaculares porque me ajudaram a
conhecer o verdadeiro Natal e graças a eles tive umas
férias inesquecíveis. – disse, sorrindo para os seus novos
grandes amigos.
Também Kiko e Carolina estavam muito felizes por terem
ajudado o amigo a ter um momento tão especial com a
família.Foi umNatal muito especialpara todos.
NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA V
61
KIKO E A
AVENTURA
DA NOITE
DE NATAL
O NATAL
62
O PRESÉPIO
Estava um dia esplêndido de Inverno, em Belém. Nesse
Inverno não nevou, também acho que nunca nevou cá
por estas bandas. Nessa altura, eu era um pastor e
passeava as minhas ovelhas à procura de um bom pasto,
quando reparei que estavam a construir o estábulo, outra
vez. O Natal está a chegar. Todos os anos é assim. Pouco
tempo antes da época festiva, começam a construir o
estábulo, a posicionar as pessoas e nós só saímos de casa
nessa altura do ano. Todos a correr de um lado para o
outro, só por causa daquela cabana: Uns a meter o chão,
outras as paredes, outros a palha, outros a manjedoura, e
por aí fora. Eu não gosto de me meter nisso, grande
trapalhada, eu fico apenas com o meu rebanho e já sou
feliz.
Isso foi até acontecer uma tragédia: o José caiu ao chão e
partiu-se (é verdade, nós somos personagens do
presépio), e não havia ninguém para o substituir, então o
menino Jesus chorava, Maria chorava, o burro e a vaca
choravameeujáfarto desta trapalhada toda disse:
-Já chega! Eu faço de José! Não há-de ser tão difícil. Vocês
têmédecuidardasminhasovelhas.
A parte das ovelhas foi fácil pois havia outro pastor no
presépio e não se importou de cuidar de mais algumas. A
parte do José é que foi mais difícil de me habituar! Ainda
estou para descobrir quem é que partiu o José. Aposto
que foi a menina pequenina que anda por aí por casa. Ela
está sempre a fingir que nós somos barbies! Uma vez ela
chegou mesmo a trazer uma barbie para cá para o
presépio e ela era tão piegas ou tão pouco que durante a
noite que cá passou passou-a sempre a chorar, o que fez
com que quando ela saísse de cá saísse com uma enorme
dordecabeça! Coitadita!
Como assumi o papel de José tive de assumir o papel de
líder e olhem que não foi lá muito fácil. Eu é que comecei
a organizar o presépio todo. Dizia à estrela para onde
devia ir, ao cisne onde era o lago, para meterem mais
palha na manjedoura, enfim, eu é que mandava, e olhem
que eu até comecei a gostar. Claro que tinha de assumir
mesmo a liderança. Uma vez a vaca zangou-se com o
burro porque o burro estava a ocupar demasiado espaço,
1
NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA V
63
O PRESÉPIO
então eu tive de ir lá impor respeito, e olhem que me senti
poderoso! Outra vez estavam a zangar-se porque a farinha
não estava bem espalhada, outra vez porque os camelos
dos reis magos ainda não tinham chegado e estava a ficar
tarde.
Por fim chegou a véspera de natal, até que enfim,
estávamos todos nervosos, principalmente eu. Era o meu
primeiro ano como José e olhem que não me estava a sair
nada mal. Já estávamos todos preparados para passarmos
à acção para que quando chegasse o menino Jesus
estivesse tudo perfeito. Estava tudo tão perfeito que
quando chegou a hora, tal não eram os nervos, o menino
Jesus caiu e eu tive de o ir buscar e trazê-lo para o presépio.
De resto, correu tudo bem, a cabana estava perfeita, o
musgo estava verde, a farinha estava por todo o lado e a
alegriareinavaporaquelepequeno mundo.
O dia de Natal chegou, por fim, e nós acordámos felizes
com o que tínhamos feito.O presépio estava completo. E
sempre estará enquanto houver alegria e espírito
natalícioentretodos nós.
A Capisciente
O NATAL
64
O PRESÉPIO
O PRESÉPIO
QUE EU
QUERIA
TER…
O PRESÉPIO QUE EU QUERIA TER…
Como era lindo aquele presépio pobrezinho, feito de
paus, pedras evegetação natural.
Unsdias antes do dia 24 de Dezembro, a azáfama
começava nas nossas casas: era preciso ir ao musgo
mesmo que o frio tolhesse as mãos, com a cola de
cerejeira, reparavam-se as figurinhas de barro que no ano
anterior se tinham danificado, escolhia-se o cantinho da
sala onde se iria construir o presépio. Todos
participavam. Os pais davam algumas orientações, mas
era a imaginação dos mais pequenos que inspirava a
paisagem rural, onde todos os anos nascia o Menino Jesus
que, com sorrisos de bondade, se dirigia aos pequenos e a
todos que na sua humildade se abeiravam do presépio
nesta quadra. Otapetedemusgo maisbonito era para pôr
no lugar onde ficaria a gruta que iria albergar Maria, José,
a vaquinha eo burrinho.
- Era mesmo lindo aquele presépio…! Dizia a avó.
Atapetado de musgo, com farinha a fingir as estradas,
havia muitas figuras, algumas não tinham nada a ver com
as histórias das Escrituras. Lá das alturas, brilhava uma
grande estrela, recortada em papelão e forrada com pratas
que descobríamos em maços de cigarros vazios e largados
no chão. Pequenos montes de pedras formavam as
montanhas, um riozinho corria num leito de telhas de
canudo, tiradas do telhado da sacristia sem o sr. Padre
saber, rebanho e… ovelhas, cabras e cordeiros que os
pastores apascentavam nas cercanias de Belém e, que
transpúnhamos para as nossas casas.
No alto do monte, ficava assente o castelo de portões
sempre fechados, diziam que era o castelo de Herodes,
mas não havia Herodes nenhum a morar naquele castelo;
também diziam que aquele castelo era dos magos que
nunca ninguém ali vira, a não ser nalgum postal que o
Manel e a Maria, a trabalhar em Lisboa, enviavam nesta
quadra a desejarFestas Felizesesaudinhadaboa.
- Ó avó, … enão havia árvore de Natal? Perguntava a
pequena Francisca.
- Nalgumas casas havia também o pinheiro de Natal, todo
esbelto e aprumado.Na nossa casa, quem o enfeitava era a
minha irmã Joaquina, com bolas de algodão a fingir de
111
NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA V
65
O PRESÉPIO
QUE EU
QUERIA
TER…
neve e pratas de chocolate, algumas guardadas do ano
anterior entre as folhas amarelecidas de algum caderno
engelhado.
Francisca, muito atenta, ia questionando a avó… - E o
Menino Jesus?
- O Menino Jesus, só na noite de 24 era colocado nas
palhinhasao ladodeSua Mãe edeJosé.
- Óavó,…enão haviaPaiNatal?
- Qual Pai Natal? Nunca o tínhamos visto, nem mesmo
pintado. As prendas do Menino Jesus apareciam
milagrosa e silenciosamente, de manhãzinha, junto do
presépio, sem o barulho do esfarrapar de caixas
embrulhadas em papéis coloridos e que as crianças hoje
abrem apressadamente, à procura da prendinha que se
pediu por escrito ao Pai Natal que vem lá das terras do
frio. No meu tempo, nada se pedia nem exigia. O que
apareciaera umpresentedoMenino Jesus.
- Ó avó, como os presépios de hoje são diferentes!
Compram-se já feitos nos grandes hipermercados.
Pinheiros plastificados, cheios de luzinhas a piscar por
entreas janelasdascasas, ondeespreita o PaiNatal…
- Sabes, Francisca, hoje olho com saudade para o tempo
em que o Presépio, nas nossas casas, representava
verdadeiramente aquilo que celebramos no Natal, sinto
que roubaram de dentro de nós a criança que sonhava,
logo muito antes do Natal, com o presépio que se ia
construindo no nosso imaginário e fazia do Natal a festa
donascimento doMenino Jesus.
- Ó avó, apetece-me construir hoje um presépio como esse
e dizer “que se dê ao donoaquilo que é seu”: O Natal é do
Menino Jesus e mais ninguém Lhe pode tirar o lugar que
Eleainda querteremnossas casas.
O NATAL
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O PRESÉPIO
O PRESÉPIO
À chegada de Dezembro
Pela época natalícia
O presépio vamos montar
Com carinho e sem malícia.
Todos nós vamos alegrar
Com toda a família
O musgo vamos todos procurar
Para no presépio colocar.
A manjedoura é tão rústica
Os pastores são atentos curiosos,
A expressão de Nossa Senhora,
E São José com o seu cajado
Cada um com as suas intenções.
À noite com as expressões de dúvida
Peregrinam, levados pela sua fé
Comtemplam Jesus, o bebé
Naquele ambiente de beleza
Rodeado sem qualquer realeza.
Jesus ao colo de Maria
Uma coisa faltou,
O sorriso a Nossa Senhora.
Jesus ali nasceu,
A alegria predomina,
A tristeza vai ser destreza,
Assim se monta um presépio.
RiMaMaRe
NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA V
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  • 1. O NATAL NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA V Dezembro 2012 Natalinovas O Presépio na vida e voz do Povo de Proença-a-Nova
  • 2.
  • 3.
  • 4.
  • 5. O NATAL NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA IV Dezembro 2012 Natalinovas O Presépio na vida e voz do Povo de Proença-a-Nova
  • 6. O NATAL FICHATÉCNICA Título ONatal na Voz doPovo deProença-a-NovaV–Natalinovas: OPresépiona vidaevoz doPovo deProença-a-Nova Coordenação João CrisóstomoManso (VereadordoPelouro daEducação) Autores Mari Mandes (Maria Rosa Morgado Fernandes da Silva); El Rosaezequi (José Emílio Sequeira Ribeiro); Maria do Pinhal (Idalina de Juseus da Silva Cardoso), Vila Lobos (José Ribeiro Farinha); Nabuco ( José Ribeiro Farinha); Fátima Lopes (Maria Inês Cardoso); Belchior (Virgílio Dias Moreira); Estrela Cadente (Mónica Serrano); A Vanguarda (Vanessa Sofia Gonçalves Marques); A Capisciente (Raquel Valério Afonso); Marta Penedo (Maria João do Nascimento Bairrada); Rimamare (Ricardo Mendes, Madalena Mendes, Margarida AlveseRenata Fragoso) Ilustradores Alfredo Cavalheiro, Francisco José Simões Cabral, Sílvia Mathys, José Ribeiro Farinha, Mónica Serrano, Lúcia Ribeiro, Carla Gonçalves,Maria Cardoso, Ana LuísaRibeiro Colaboradores: Gabinete de Comunicação da Câmara Municipal de Proença-a-Nova, Carla Gaspar - Biblioteca Municipal de Proença-a-Nova, Prof. António Gil Martins Dias, Prof. Alfredo Bernardo Serra, Prof. Maria Helena Ferreira Nunes Edição Câmara Municipal deProença-a-Nova 1ª Edição,Dezembro 2012 Tiragem 500exemplares Impressão GráficaProencense DepósitoLegal
  • 7. NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA IV
  • 9. NOTA DE ABERTURA Os preparativos para a noite de Natal, uma das mais mágicas do ano, antecipam e acabam por ser já parte da festa. Escolher e decorar o pinheiro ou preparar o presépio são gestos que se repetem ano após ano, mas não deixam de ter, sobretudo para os mais novos, o sabor de novidade e de prenúncio da quadra que se aproxima. Decorados com elementos naturais como o musgo ou casca de pinheiro, os presépios são a expressão simples da fé das nossas populações e presença obrigatória na maioria das casas. Escolhido como tema para esta última edição do concurso Natalinovas, o presépio é, à semelhança do que tem acontecido em edições anteriores, ponte ou pretexto para o desfiar de muitos episódios e imagens que convocam tradições associadas ao Natal. Nos últimos cinco anos, memórias de natais de outros tempos foram partilhadas em textos que, independentemente da marca de cada autor, puseram em comum um património cultural que é de todos. Além de vivências específicas da quadra natalícia, foram evocadas temáticas variadas, das relações de vizinhança às brincadeiras e jogos tradicionais, da gastronomia à agricultura, das migrações às trocas sociais com outras regiões e concelhos. Esta edição encerra um ciclo de recolha – e com ele a certeza de que este projeto nos enriqueceu. A porta para o trabalho de preservação da nossa cultura mantém-se, contudo, aberta. Outros projetos já em andamento confirmam a prioridade que damos à divulgação desse património. Não por querermos ficar presos ao passado, mas porque quem tem raízes sólidas mais facilmente consegue construir um futuro criativo. João Paulo Catarino, Presidente da Câmara NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA V 7
  • 11. PREFÁCIO «Em vão te ressuscitam nos presépios/Perante olhos adultos e meninos», assim começa Geir Campos o seu “Poema para o Menino Jesusentrepalhas”. Os textos poéticos e os contos alusivos ao presépio que enformam esta V colectânea de Natalinovas também nos trazem ao espírito o santo nascimento de Jesus na gruta de Belém e em cada lar, escola ou igreja no presépio arquitectado e por habilidosas mãos construído ou na encenação teatral do actoúnico e misterioso em que «O Verbo eterno, gerado nos esplendores da eternidade e da glória, toma natureza humana e começa a habitar e a viver no meio de nós (…) um Deus feito Homem por amor dos homens, e que por eles se oferece para os restituir à amizade divina…” No reconhecimento de que «o presépio da vida ainda continua vivo» em cada presépio cantado in memoriam pelos autores de Natalinovas V, celebra-se o renovar do nascimento carnal de cada ser humano, reforçam-se os laços da família, encontra-se o alimento espiritual que busca cada um dos obreiros na construção do presépio feito de /pequenas estatuetas, tal como se engrandece no corpo e na alma o actor ou simples assistente curioso do presépio vivo,por se sentir mais próximo de Deus no espírito natalício dos «natais inesquecíveis, onde para além do presente recebido sobrepunha-se a alegria, o amor, a fraternidade e a solidariedadeentretodos osmembrosdaminhafamília.» O presépio perfeito do passado vivido é enaltecido de forma sublime pelos autores que nos presenteiam nas poesias e contos com recuperação de histórias memoriáveis vividas pelas suas famílias e na lembrança de factos ora contados que marcaram as comunidadesao longo daquadra natalícia. Esta antologia em torno do “Presépio” traduz-se em letra com renovada esperança numa vida humana feliz, de fraternidade, bonança e concórdia na catedral do mundo onde reine a justiça, o amor e a paz. Este volume Natalinovas «O PRESÉPIO»é mais uma expressão concreta da capacidade literata dos proencenses e sobretudo constitui-se inegável perpetuação da memória das gentes e da cultura cristã na vida e na voz dopovo deProença-a-Nova. Presépiodesempre,porumNatal continuado! Proença-a-Nova, 28 de Outubro de 2012 Alfredo Bernardo Serra NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA V 9
  • 13. PERENIDADES Opresépiotemmagia Transversalàs gerações: No altartemliturgia Ena rua temcanções; Na pobreza,fidalguia Ena aridez,emoções. Eeuqueviexposições, Coleçõesmeticulosas, Milhentas figurações Todastão maravilhosas, Não possodizer, seguro, Sea magiadopresépio Émagiadasfiguras, Detomclaro ou tomescuro Das modeladasesculturas, SedaFévivavivida, Sedafésimplesesculpida. Na cascata natalícia Hácampinas,serrania, Quadrando rusticidade; Aridezepudicícia Na choupana nua efria Queabrigaa benta trindade. Eo bafo doruminante Eo dosábio asinino São alia só razão Do conforto doMenino, Quesorrina perfeição Do Seulábio purpurino. Temtal graça quearrepia Estequadro ternurento Para quemdelongeespia, Ansiandopelomomento Deumósculo espremidinho No Seuerguidopezinho. NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA V 11 PERENIDADES
  • 14. 12 Decerto que pode haver Liturgias paralelas No mistério do presépio. Mas por mais razões que houver, Por mais feias ou mais belas, Uma fica por obséquio De Quem do Alto nos rege, Seja crente ou seja herege: Seu Filho feito nós, Preso à nossa condição, Vindo ao mundo num palheiro, Desatando os nossos nós, Deitado na manjedoira, Parecendo acomodado, Tal a graça imorredoira Do Seu sorriso fagueiro E o pezinho alevantado. Gil – dezembro de 2012 O NATAL PERENIDADES
  • 15. 13 NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA V O NATAL NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA V Natalinovas O Presépio na vida e voz do Povo de Proença-a-Nova
  • 17. OSNATAISDAMINHAINFÂNCIA O sapatinhonoPresépio Foram temposfelizes… Foram tempos vividos intensamente, numa ainda «Província Ultramarina», Angola, que todos sentiam como sendo seu, e de seusfilhos,aquelechão abençoado. Daminha família, a família Nandes, foi meu pai, Quim Nandes,o primeiro membro a rumaràquelaterra. Quim Nandes nasceu numa aldeia mesmo ao lado de Proença- a-Nova, o Galisteu Cimeiro. Filho de gente humilde e com muitas dificuldades, cedo rumou a Lisboa, onde trabalhou vários anos mas sempre sonhando com uma vida melhor. Foi então que recebeu de um primo abastado, a carta de chamada para África,Angola. Atrás dele, seu irmão, cunhado, sobrinhos e outros parentes foram chegandotambém. Deixaram para trás, a aldeia, a família e tudo o que de certa forma os fazia reunir forças para continuar longe, a vida com quesonhavam. Vários lares se foram formando, mas uma só família…e muito unida. Meu pai, Quim Nandes, o «mais velho», como carinhosamente era tratado, tudo fazia para que os laços familiares, as tradições e os costumes da santa terrinha não se perdessem e passassem para os mais novos,para que estes soubessem que a vida não tinha sido sempre rosas. Faziam questão de frisar aos filhos quão dura tinha sido a vida na aldeia e como ainda o era para os que lá continuavam…As dificuldades passadas tinham os tornado fortesebatalhadores! Era uma festa quando todos se reuniam e ali recordavam as amargurasedoçuras daterra mãedistante. Num desses encontros, o «mais velho» decretou que,a partir daquele ano, os Natais seriam passados em sua casa, com toda a famíliareunida,entrevintea trinta pessoas. Quando chegava a véspera de Natal tudo era uma correria e uma agitação. Todoscolaboravamdeuma maneira ou deoutra. Apesar de se estar em África, naqueles dias todas as conversas, todos os sabores e odores faziam-nos viajar e recordar a terra mãe, a santa terrinha, a aldeia pequenina, mesmo ali ao lado de Proença-a-Nova. Até os mais novos a imaginavam e já parecia queconheciamaquelaterra distante! O calor apertava, mas até parecia que se sentia o frio da Beira Baixa, só de ouvir os relatos dos mais velhos. Ali, o ambiente da aldeiadistanterenascia… Por toda a casa o cheiro das filhós misturava-se com os odores própriosdoscozinhadosdosdiasdefesta. Era uma azáfama... 15 NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA V OS NATAIS DA MINHA INFÂNCIA
  • 18. O NATAL 16 A casa não era grande, mas a boa vontade era enorme. Minha mãe tudo fazia para acomodar o melhor possível todos os familiares. Tiravam-se das malas e arcas os lençóis e toalhas que cheiravam a maçãs, ali colocadas para amadurecerem mais depressa. Na hora de deitar, tudo estava programado: num quarto, onde colchões improvisados apareciam no chão, dormiam as meninas; no quarto ao lado, as mães acomodavam-se o melhor que podiam. Os homens faziam de um monte de milho a sua cama, no armazém ao lado da casa. Os rapazes mais velhinhos tudo faziam para lhes fazer companhia, era assim como que uma aventura. Os mais novos ficavam instalados noutro quarto maisperto dasmães. Era uma festa e um deslumbramento viver aquela noite num ambientetão familiar, harmoniosoeaconchegante. O Natal em África é quente, por isso, qualquer canto servia para esperar o Menino Jesus! Todos nós acreditávamos nele, nem que fosse pelo extraordinário facto de ser Ele que nos trazia os presentes, pelo Natal. Era hábito, as crianças colocarem junto ao presépioo seu sapato, para que assim o Menino Jesus soubesse onde colocar o presente de cada um. Não eram presentes caros, pois as dificuldades da vida eram grandes, mas por mais pequenos e insignificantes que fossem, eram os melhores do mundo, pois eram oferecidospeloMenino Jesus! Minha mãe sempre montava o presépio no canto da sala. Era uma magia imensa olhar para aquelas figurinhas e tentar dar- lhes vida…Havia pastores com as suas ovelhas e cães espalhados por montes e vales, feitos de musgo. Aqui e ali um campo de trigo, trigo verdadeiro, que a minha mãe plantava em latinhas de conserva, a fazer de searas. Pelos caminhos feitos de serradura, caminhavam mulheres da aldeia com as suas oferendas. Um anjo baloiçava pendurado na trave da cabana de madeira, toda coberta de neve. Lá dentro, as figuras principais: S. José, Nossa Senhora e os animais que aqueceriam o Menino, quando elenascesse;no meio,a manjedoura vazia!!! Bem no alto, por cima da cabana, a estrela indicava o local a toda a gentequeprocuravao FilhodeDeus… Até havia neve, muita neve, nos montes e vales. Os flocos eram algodão em rama e a neve propriamente dita, era farinhatriga, quedavamassimo efeito desejado! Nós, crianças, ali nos postávamos a observar todas as figurinhas. Todas, menos o Menino Jesus que ainda não tinha nascido, só nasceriaà meia-noite,dessanoitedeNatal! Pouco antes da meia-noite, as criançaseram levadas para as suas camas improvisadas, pois tinham que dormir, para o Menino 11 O NATAL OS NATAIS DA MINHA INFÂNCIA
  • 19. 17 NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA V Jesus chegar e trazer os presentes. Tudo era surpresa! Todos estávamos na expectativa do que iríamos receber…Então, antes de ir para a cama, cada um ia colocar um dos seus sapatinhos junto ao presépio, para aí o Menino Jesus deixar o presente…depoisrezava-sea oração danoite… Custava a adormecer, tal era a ansiedade que se apoderava de nós, mas o cansaço de um dia de brincadeiras era maior e, passadopouco tempo, todosdormiam. A manhã do dia de Natal começava cedo. Uma a uma, todas nós íamos acordando ou éramos acordadas pelos outros e, loucas de curiosidade, corríamos para a sala onde o nosso sapatinhoseencontrava!!! Era uma alegria!!!Era umdeslumbramento!!! Ali estava o presente desejado, por muito pequenino que fosse…sempre havia qualquer coisa… E melhor que tudo, tinha sido dado pelo Menino Jesus que já se encontrava na manjedoura dopresépio! Essa manhã era passada a brincar com os novos presentes e…era uma alegria só! Os rapazes juntavam-se para brincar com os seus brinquedos; as raparigas, noutro grupo, brincavam também com as bonecas, o fogão, as chávenas e pires recebidos, numa partilha desinteressada; mas de repente lá aparecia um dos rapazes a estragar a brincadeira das meninas e, claro está, lá vinha o choro e o coro de queixas. Mas tudo serenava rapidamente. As brincadeiras naqueles dias eram sempre muito especiais, talvez pelo ambiente misterioso que se vivia…e também pelo facto de não ser todos os dias que se juntavam trinta e tal pessoas! Os anos foram passando, as crianças crescendo e a curiosidade foiaumentando! De entre as crianças mais velhas, os rapazes, já surgia a desconfiança ea dúvidadequeméquetrazia os presentes! Os Natais passaram a ser um ano na casa do Quim Nandes, outro ano na casa do seu irmão o Zé da Banda, para não sobrecarregarem sempre o mesmo, já que a família era cada vez maior. Naqueleano o Natal era passadona casa dotioZédaBanda. Ospreparativos foram organizadoscomo nos anos anteriores. Láestavao presépio,no canto dasala. No entanto, no ar, algo de diferente se sentia. Principalmente os rapazes mais velhos sussurravam entre si algo que nós não conseguíamos intercetar. Chegou a hora da consoada… e lá estávamos todos apertadinhos à volta da grande mesa, na sala de jantar, a saborear as ditas couves com bacalhau!!! Estas não podiam faltar, eram tradição! As conversas deambulavam entre a vida de cada um, no 11111111 OS NATAIS DA MINHA INFÂNCIA
  • 20. O NATAL 18 dia-a-dia, e as saudades da terra e dos que lá tinham ficado… Os termos regionais e as vivências da aldeia iam entrando no ouvidoeno vocabulário dosmaisnovos. Eram recordados os natais das suas meninices, onde apenas umas filhós mal albardadas faziam a diferença para os outros dias, tal era a pobreza! Mas na véspera de natal, os que podiam, iam à missa do galo, à vila, o que já era uma proeza. Bastava-lhes beijaro Menino, na igreja! As risadas apareciam frequentemente ao contarem cenas da aldeiadistante… - Lembram-se do Ti Manel dos bois? E da Tia Joaquina das cabras? Eo Zédospatos? Era sempre assim…as recordações sobrepunham-se às vivências dodia-a-dia… Terminada a consoada, os homens saíram para a rua e sentados nos degraus dacasa continuaram as conversaserecordações… As senhoras arrumaram a loiça e começaram a tratar de deitar os filhosmaispequenos. Perto da meia-noite, chamaram os restantes filhos e mandaram- nos para a cama. Todos nos apressámos a pôr os sapatos junto ao presépio, embora houvesse alguma relutância da parte dos rapazes maisvelhos. Eu teriaseis a sete anos, lá me dirigi sem muita vontade para o quarto, com as primas. Dormíamos todas juntas, no quarto ao lado da sala. Não havia porta, apenas uma cortina de pano às flores,a separar. A seguir ao quarto das meninas, um corredor levava-nos à loja onde os rapazes iriam dormir. Era fácil a comunicação entre os doisaposentos:umcorredoreuma porta. Por volta da meia-noite, ouvimos os rapazes a chamarem-nos. Demos um pulo! Pensámos que já era manhã…mas não, era noitecerrada. - Psiu! Psiu! - Murmuravam eles com o dedo sobre os lábios. - Oiçam!!! Entraram no quarto eapontaram para a cortina. Não percebíamos nada; apenas ouvíamos uns barulhos indistintos, na sala ao lado O meu irmão Luís, o mais velho do grupo, logo nos elucidou quedeviasero Menino Jesusa entregaros presentes… Houve risos abafados por parte dos rapazes, mas nós estremunhadas pelo sono ou pela nossa ingenuidade, de nada nos apercebemos. Ficámos eufóricos!!! Íamos conhecer o Menino Jesus!!! Saltámos em direção à cortina do quarto e espreitámos, e eisque da nossa boca escancarada, apenas saíram uns AH! AH! AH!AH! Do outro lado, as mães, de embrulhos nas mãos, procuravam os sapatos dosseusmeninos… O NATAL OS NATAIS DA MINHA INFÂNCIA
  • 21. Nós, boquiabertos, não entendíamos grande coisa, mas os mais velhos perceberam logo o que já suspeitavam: - O Menino Jesus éstu afinal, mãe!!! Tal como pequenos índios, investimos então sobre as mães que ficaram desconcertadas, sem saber o que dizer. Os mais velhos faziam perguntas e pediam explicações, os mais novos queriam as prendas. Foi tal a algazarra que toda a gente acordou e veio ver o que se estava a passar. Houve várias explicações, conforme as idades de cada um. Não podiam quebrar a magia àqueles que ainda podiamsonharcomo Menino Jesus!!! Não sei se houve desilusões!!! Ou apenas a descoberta de que o Menino Jesusestá emtoda a gentequenos ama equerbem!!! Ainda hoje me lembro do meu presente: um guarda-chuva amarelo com bonecas pintadas a toda a volta. Era pequenino, próprio para o meu tamanho! Foi uma felicidade imensa!!! Nessedia,pergunteivezessemconta quando équechovia! Essa manhã de natal foi diferente das outras que já tínhamos vivido. Havia um misto de encantamento misturado com desilusão, mas no nosso entendimento infantil o que importavamesmo,era termosrecebidoos presentes. Nos anos seguintes e até sermos jovens, isto é, enquanto se fizeram natais com a família toda, sempre colocámos o sapato junto ao presépio, pois embora já soubéssemos quem nos dava os presentes,haviaummisto demagiaenostalgia. Como a família estava muito aumentada e não era possível alojar toda a gente, como se fazia quando todos eram crianças, e porque todos viviam já na cidade onde as casas não permitiam ajuntamentos tão numerosos, dividiram-se em dois grupos que se juntavam à hora das refeições, para assim dar continuidade aos nataisdeantigamente. Estes foram os natais da minha infância, natais inesquecíveis, onde para além do presente recebido sobrepunha-se a alegria, o amor, a fraternidade e a solidariedade entre todos os membros da minha família e que ainda hoje ao recordá-los, me enchem a alma denostalgia esaudadesimensas!!! 19 NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA V OS NATAIS DA MINHA INFÂNCIA
  • 23. O PRESÉPIO OPresépio? Presépio… Claro quelembro! Eram aqueles deditos pequenos arrancando o musgo às paredes de pedra na ribeira de Santa Margarida, era saltar de pedra em pedra para não molhar as botas de cardas, que já é Dezembro e a ribeira corre bem, era a cesta de vime nova, que fora “roubada” à mãe às escondidas onde íamos pondo os nacos de musgo que a nossa pequena mão ia conseguindo arrancar, era já o sonho do “meu” presépio feito na sala de jantar, no canto, perto daquela janela que raramente se abria. Apenas me lembro de ela se abrir quando havia procissões, para dela se pendurar maisuma colchadeseda. Na verdade, nunca consegui perceber o porquê das colchas. Seria para agradar ou saudar ao Senhor ou era antes uma feira de vaidades onde cada um expunha as melhores colchas que tinha como forma de ostentar a sua riqueza? Não sei, nunca consegui ter uma resposta cabal às minhas perguntas, mas também não interessa, no Natal não háprocissões. Omeupresépioiaficarlindo. Em casa estavam guardadas, naquela caixa de sapatos que tinha debaixo da cama, as figuras para o presépio. Este ano tinha um novo São José, mais duas ovelhas e um moinho novo todo pintado de branco, em que até os panos giravam, tudo comprado na feira de Agosto com o dinheiro que economizara nas férias passadas na Nazaré. Comera menos uns gelados, mas as figuras eram lindas e iam brilhar no “meu” presépio, feito naquele canto da sala. Para o ano vou comprar os reis Magos novos, que estes já todostêmas cabeçascoladas detantos tombos levarem. Como irá ficar bonito! Aquela cabana feita em madeira pelos “caixeiros” cá da casa ficou uma maravilha. Ah, como me lembro do entusiasmo com que eles a fizeram! Não é para admirar, todos eles são novos e gostam do presépio. Na verdade, na hora de abrir os presentes, eu disse presentes, mas na maioria das vezes era apenas um, uma pequena lembrança, como nos diziam, só para manter a tradição, umas meias para os mais velhos, um brinquedo de folha ou já de plástico para os mais novos, quando não 1 21 NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA V O PRESÉPIO
  • 24. O NATAL uma simples corneta, como nós ficávamos tão contentes com tão pouco. Mas dizia eu que, na hora de abrir os presentes, o presépio era esquecido com a euforia das prendas, mas era apenas um esquecimento momentâneo, a paixão porelevoltavalogo. Bem, toca a apanhar mais musgo, tenho de apanhar muito, tenho de dar algum para o presépio da igreja, pois o Garcia diz que este ano o presépio vai ser uma coisa em grande, vai ter luzes e tudo, talvez até um moinho com água a correr que irá fazer andar a roda do moinho e as velasdovento. Como é lindo o presépio da igreja! Ali, do lado direito da igreja, ocupa um grande espaço, os nossos olhitos de crianças percorrem-no ávidos de descobrir as diferenças entre cada ano. É que todos os anos há algo de novo, não que isso seja necessário para captar a nossa atenção, mas é umgosto dequemestá encarregadodeo elaborar. As figuras são grandes, todas coloridas com tintas brilhantes, a Nossa Senhora é linda, o S. José com aquelas barbas mete respeito, o menino Jesus é o mesmo que o Sr. Padre dá a beijar na igreja no fim da missa, mas a figura que mais me fascina é a do pastor que leva às costas um borreguinho para oferecer ao Menino Jesus. É uma figura que nunca vou esquecer, não sei porque magia mas sempre tive uma certa fixação nesta figura. Apenas se lhe aproxima a figura imponente do rei mago Baltazar, o Mouro, de barba serrada, que montado no seu camelo, com um farto turbante pintado de ouro e vestes pintadas de púrpura, ostentando na mão a caixa do incenso, se dirigelá delongepara a cabana ondenasceu Jesus. A caixa das esmolas lá está, se calhar não é caixa das esmolas que se deve chamar, mas isso não interessa, para nós até é a caixa das moedas. O que nos importa mesmo é aquela luz que acende na frente daquela pequena caixa e iluminaas letras “Obrigado”e“BoasFestas”. Como gostávamos de ver aquela luz acender! Mas… e moedas? Aqui é que está a pior questão, as moedas. Para a maioria de nós as moedas eram poucas lá em casa para comprar o que fazia falta, muitas das vezes até para comprar a comida que sempre escasseia. Bem, a solução sabíamo-la nós, o Ti Diogo, um dos latoeiros cá da terra tem a solução e é já um fornecedor habitual deste materialpara a pequenada. O Ti Diogo fazia umas latas que os emigrantes em África 11 22 O PRESÉPIO
  • 25. ou no Brasil usavam para levar daqui azeite, o que sempre faziam pois era bem escasso nas terras onde labutavam por uma vida melhor. Estas latas, geralmente com uma capacidade para cinco litros, levavam de um dos lados uma abertura em redondo, feita com um vazadoiro próprio, do tamanho aproximado de uma moeda de dez tostões, de modo a facilitar a sua abertura no destino. O bocado de folha de zinco que saía era guardado pelo ti Diogo, para no Natal ir distribuindo pela “malta” nova, para meter na tal caixa das moedas no presépio da igreja e acendera luz. O espírito de Natal do ti Diogo era dar-nos as moedas, o espírito de Natal do padre Beato era desculpar-nos por esta “malandrice”. Creio mesmo que chegou a haver entre estes dois tal conivência, que o padre Beato, volta e meia, abria a caixa para tirar as latas, sempre que o stockdo Ti Diogo se esgotava e reabastecia-o deste material. O espírito de Natal do Garcia era aquele sorriso nos lábios, que o riso do nosso contentamento lhe provocava, mesmo sabendo que nem reparávamos no lago que fizera com aquele grande espelho, a cascata feita de prata que parecia mesmo água a correr, o que ele gostavadevereouvirera o nosso risodecontentamento. Presépio… Calma aí, meninas, o papá já ajeita o presépio. Cuidado, é preciso pôr um plástico aí por cima da mala de cânfora que trouxe de Angola, para que não se estrague, é uma recordação dos meus tempos de juventude, depois vamos pôr esse pano verde que imita o musgo que eu punha em pequeno no “meu” presépio quando era da vossa idade, depois pomos o pinheiro que eu fui agora cortar à serra, as luzes de pisca-pisca, os ornamentos de plástico pintados, as fitas de várias cores e por fim o presépio de plástico,jácomtodasas figuras lá dentro. É fácil, não é preciso andar ao musgo aí pela ribeira, saltando de pedra em pedra para não molhar as botas que agora já não têm cardas, com o cesto de verga novo que tínhamos levado sem a mãe saber, por causa disso não nos livramos de ouvir das boas, mas era por uma boa causa. Aquilo nem era ralhar, era mais uma forma de ficar tambémligadaà feitura dopresépio. Afinal é sempre a mesma coisa, fica sempre algo esquecido em casa, um dia não volto mesmo para trás e depois que se arranjem. Não gosto de chegar atrasado, 111 23 NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA V O PRESÉPIO
  • 26. O NATAL 24 muito menospara comer, masdesta vezainda volto. Mal entro em casa sinto o cheiro a queimado, no sítio do presépio tudo arde, o presépio de plástico já não existe, tudo ardeu. Por sorte voltámos atrás para pegar algo esquecido,senão toda a casa tinhaardido. Como foi possíveltudoisto, como équeisto aconteceu? -Pai, fomos nós que acendemos uma vela, não queríamos que o presépio ficasse às escuras enquanto íamos jantar a casa do avô à Sertã, disseram com voz triste e medrosa as miúdas. -Bem, por sorte a desgraça não foi maior, mas acabaram-se os presépios cá em casa. Nunca mais, que a sorte não dura sempre. Natal, mais Natal, outra vez Natal, ainda outra vez Natal, quantos passaram? Presépio… -Atenção pequenada chegou o avô Zé, venham daí esses beijos que são a melhor prenda de Natal, meu já se sabe o que vos reservo, a história de Natal do costume para cada um. Então, mas não estou a ver aqui presépio nenhum… não fazem?!ÓPatrícia,não hápresépiopara os teusfilhos? -Olha, pai, aproveita, abre essa caixa comprida que aí está, é uma árvore de Natal, já traz fitas, ornamentos e luzes, se sacudires bem no fundo aparece um presépio, comprei-a ontem no chinês, é mais prático assim, depois de usar deita-sefora. Olhei as minhas mãos, olhei as mãos dos meus netos, aquelasmãos já não apanham musgo, seráqueainda o há? Eo presépio,ainda épresépio? O presépio agora é a vida, a vida é um presépio onde os figurantes somos nós. Umas vezes somos santos, outras somos pastores, noutras somos meninos, algumas vezes atéburros, na maioriadasvezesovelhasdeumrebanho. Presépio?Sim,o presépiodavidaainda continua vivo… El Rosaezequi O PRESÉPIO
  • 27. 25 NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA V
  • 29. “PRESÉPIO...SímbolodeNatal” ONatal épara as crianças Umafesta semigual; Àvolta doPresépio Elasesperam o PaiNatal! Noutros temposera o Menino Jesus Quedesciapelachaminé, EmProença, logo demadrugada Já todosos meninosestavama pé; Para vero caderno,o lápisou a filhó Queo Jesustinhadeixado, vejamsó! Numsapatinhojunto dachaminé. Opresépioemcasa...nempensar! Muitas dascrianças deProença Só na Igrejao podiamadmirar. Coma evolução dotempotudomudou, Hojequaseemtodasas casas Opodemosencontrar. Eas crianças a quema sortebafejou Saltamatéqueéchegadaa hora Quealguémdiga,venhamdepressa! Vamos abriros presentesagora... Era bomqueesta fosse Arealidadedetodos os meninos. Mas enquanto uns têmtudo Outros nemsequerouvem“os sinos”. Osquetudotêm,nempensam Quando para o presépioestão a olhar, QueJesusnasceu numa manjedoura, Talvezpara nos fazerlembrar Quehátanta genteno mundo Quenemsequertemumlar. Àvolta dopresépio Tudo seriamaisbonito, bonito a valer, Sehouvessemaispartilha Enquanto o menino“está a nascer” Queseaquecessemtodos os corações, PRESÉPIO... Símbolo de Natal 27 NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA V
  • 30. O NATAL Que todos cantassem hinos de Natal, Felizes porque “estava a nascer Jesus”. E que as mesas fossem preparadas Para toda a família se reunir, Gozando das alegrias Que o Natal lhes faz sentir. Será um Natal perfeito Quando à volta do presépio Todos estão em harmonia. Mas lembrando as famílias Que passam o Natal em agonia! Natal deve ser festa dos simples, Ser verdade, justiça e amor. Vamos olhar para o presépio nesse dia Querendo construir a paz semeando alegria. E que Proença seja um bom semeador! Maria do Pinhal Nesta noite de paz e luz! 28 PRESÉPIO... Símbolo de Natal
  • 31. ONATALREVISITADO Fogueira, Missa doGalo, Opresépioiluminado… Asfigurinhassagradas Jesus,JoséeMaria Mais os anjos ea estrela, Ospastoreseos ReisMagos… Eiso Natal revisitado! Ocasal JoséeMaria Lugarpra ficar, buscavam. Pra pernoitar, encontraram Oaconchegodeumestábulo, Manjedoura como berço, Aspalhascomo lençol Eanimaisporcompanhia! Ressurgeano após ano Vindadosconfinsdotempo Adata maiscelebrada Pelacristandadeno mundo - Onascimento deCristo EmBelémna pazdossimples– Portodo o semprelembrada! Asnatalíciaslembranças Apontamà terra-berço, Avivamo calor dotempofrio Quedalareira irradia Comumcheirinhoa filhós Eaos “sonhos”quea mãefazia… Porissoestecalor nunca seapaga! Denovo a Festa daFamília Do convívioedaharmonia Marca o espírito desta quadra Espera-se, emtons daalegria… Equeumclarão deesperança Saia doquentinhodalareira Para anunciar melhoresdias! Setembro de2012 Vila Lobos-pseudónimo 29 NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA V O NATAL REVISITADO
  • 33. TÓZÉEOPRESÉPIO Muito cedo Tó Zé, o mais velho de três irmãos, se revelou um menino curioso e criativo. Era vê-lo a inventar engenhocas com os parcos recursos de que dispunha num pequeno arsenal onde ia juntando pedrinhas, pauzinhos, caixas de fósforos vazias, cordéis, caricas - tudo o que servia para os brinquedos que partilhava com os irmãos e amigos: carrinhos de linhas vazios e tampas de garrafa davam para as rodas dos seus minicarros; com ripaserestos decontraplacado que lhedava o carpinteiro, fazia, com os amigos, carros que desafiavam as ladeiras da aldeia onde muitos se estatelavam. Hábil de mãos exibia já, aos 10 anos, a postura de um artista: um preguinho aqui, um pouco de cola ali, lixa acolá, um afagamento final e o trabalho lá se aproximava do que havia imaginado… O tema para este ano é “o presépio”, bem sei. Tentarei desenvolvê-lo adiante, não sem antes situar no tempo e no espaço o nosso protagonista e a sua veia inventiva. Diabinho irreverente com coração dócil, Tó Zé era uma dor de cabeça para a mãe, receosa das constantes escapadelas e dos delírios imaginativos do filho que não deixavam ninguém indiferente. Ele sabia como “levar a água ao seu moinho” conseguindo, com seu jeito de comediante, levá-la quase sempre à certa. Vestido “às três pancadas”, às vezes descalço como a maioria da malta nesses tempos difíceisda década de 40 - os sinais da guerra que não tardaria a trazerem já as marcas da miséria a muitos lares - seguia os que como ele acabavam a primária: brincando às escondidas pelas estreitas quelhas da aldeia; jogando à bola de trapos e à bilharda no largo; percorrendo os campos pelos primeiros frutos, restolho adentro a fustigar-lhes os pés calejados – ah, o brilho rubro das cerejas ou o apelativo dourado das uvas a desafiar! A um sinal lá ia a “canalha” costa afora, uma caterva de “galopetes” com Tó Zé e Luís à frente, a embrenharem-sena vinha! A malta escalava muros e trepava às árvores sempre num frenesim. Ao sabor do tempo e das estações aproveitavam de cada dia os bons momentos, de cada época os melhores frutos, alheados das graves carências que atingiam as famílias. Para grande desgosto da mãe, as coisas do sagrado não atraíam muito o Tó Zé. Se podia, escapava-se ao que ela considerava deveres de um bom cristão: cumprir religiosamente os preceitos da igreja e ser educado nos princípios que herdara. O respeito pela mãe 11 31 NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA V TÓ ZÉ E O PRESÉPIO
  • 34. O NATAL 32 levava-o a cumprir alguns dos ensinamentos: ia à missa aos domingos, confessava-se uma vez por ano, ia à catequese aprender a doutrina cristã, mas não mais do que isso. Exigir-se de uma criança a pensar na brincadeira, que acompanhe sossegada os pais numa longa cerimónia religiosa é rigor demasiado que pode resultarao invésdopretendido. Além disso o filho via que a maior parte dos amigos nem isso fazia. Não admira que corresse atrás de coisas mais apelativas sem por isso se sentir culpado. O pai era boa pessoa mas não alinhava nos desvelos dedicados pela esposa às causas da religião: ia com ela à missa e a outros eventos, mais por hábito que por devoção mas, em relação aos filhos, era mais tolerante. De modo que, por força das circunstâncias também a mãe aos poucos foi cedendo e encurtando a distância entre o seu excessivo rigor e a brandura do marido para com os filhos. Os anos passavam, os miúdos cresciam. O grupo do Tó Zé tinha deixado para trás a primária, alguns já trabalhavam no duro, poucos puderam prosseguir os estudos. Alargavam- se os interesses próprios da idade sem obedecer já a horários tão rígidos, muitos corriam já as aldeias atrás de romariasebailaricos. Tó Zé, agora com13 anos, dava-se com todos mas o Luís, de 14, era o companheiro de todas as aventuras. Eram “unha com carne” ou, no dizer das mães, “a corda e o caldeiro”, onde ia um estava o outro. Ambos bons a armar aos pássaros, artistas na pesca furtiva trocando as voltas ao guarda-rios, volta e meia sumiam e lá iam a caminho da ribeira, uma pequena marreta ao ombro e duas ou três bombitas de carnaval no bolso que conseguiam a tostão numa loja da vila: com a marreta batiam forte nas pedras onde sabiam haver peixes escondidos, deixando-os atordoados; as bombitas, atadas a uma pedra, eram lançadas nas lapas mais fundas. Depois era só apanhá-los, pequenos e grandes, sem consciência da razia que provocavam! Outros tempos, outras preocupações, muitas carências. Interessava era chegar a casa com uma boa refeição de peixe que ajudasse a mitigar a fome e atenuasse os “sermões” e raspanetes queos esperavamà chegada. Antes de entrar no tema vou ainda referir outra faceta da “canalha”, em que me incluo também, de tempos já distantes mas bem presentes na memória! A dada altura - com 14, 15 e 16 anos – a maior paixão da malta ia para os 1 TÓ ZÉ E O PRESÉPIO
  • 35. encontros no barracão, onde os pais do Luís tinham o carro de bois, lenha e utensílios agrícolas - um cantinho mesmo à sua escala para cada um dar livre curso às suas fantasias. Com restrições, Tó Zé podia usar as ferramentas do pai desde que desse ajuda à mãe se necessário e deixasse tudo no lugar. Sem nada fazer por isso viu-se leader do grupo, ou assim o viam os que dele esperavam a última palavra e o atiravam para as situações maisdifíceis. Dos artefactos que ali criavam, sobressaíam os carros de madeira com rodas a partir do corte de toros de eucalipto, melhoradas depois com velhos carretos rolantes da oficina de mecânica e bate-chapas da vila. Carros que, nos dias de descanso e aos domingos, faziam as delícias da malta da terra e arredores nas corridas da rampa da Eirinha, famosas pelas cabeças partidas dos ousados “pilotos”, de onde os carros não saíam inteiros! Mais haveria para recordar das loucas aventuras do “grupo do barracão”! Paciência. Ficará para futura “romagem” da memóriaaos roteiros sentimentaisdainfância. Recuemos então à “pós-primária” do Tó Zé, de quem já sabemos algo sobre a sua vocação para trabalhos manuais. Como já foi dito, frequentava a catequese e outras ocupações da paróquia com gosto, afinal um encontro de amigos. Cumpria os deveres que a mãe e a igreja impunham e, como outros, ajudava o Sr. Padre Zé em tarefas como, por exemplo, a montagem do presépio: buscava musgo e outros materiais, sem nunca se mostrar entusiasmado… Até que, pouco antes do Natal de 44, acompanhou a mãe à cidade para uma consulta ao médico e viu, exposto na montra da farmácia, um belo presépio que o fascinou. A proximidade do Natal, aquela espécie de aparição mais as preocupações pela doença da mãe, envolveram-no num clima deveras emocional. Ao ponto de pedir-lhe para ver de novo o presépio, antes de apanharem a carreira de regresso. Tudo na cidade lhe agradara, mas aquele lindo presépio tocou-o profundamente! Na viagem pouco falou. A mãe estranhava o seu silêncio e ele, decidido, ali garantiu que faria um presépio bonito como aquele, ainda que tivesse de desenhar as peças em cartão e recortá-las depois – as figuras que viram eram modeladas e policromadas. Naquele dia cresceu nele uma grande curiosidade pelas incontáveis formas de representação da Natividade, da simples miniatura ao 111 33 NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA V TÓ ZÉ E O PRESÉPIO
  • 36. tamanho natural, passando pelas recriações mais sofisticadas esculpidas ou pintadas até às representações teatrais com figuras ao vivo. Ao chegar, sem se interessar pela ceia, correu ao seu arsenal de bugigangas e remexeu tudo, enquanto ia pondo à mãe questões que nunca pusera antes, sobre as figuras do presépio. Embaraçava a mãe ao pedir que lhe falasse do que sabia sobre o tema, exigindo: - “sem me vir com histórias da carochinha nem com tretas de milagres”. Sem saber que responder a mãe dizia apenas: - “pareces mesmo o teu pai a falar. Dá-te um bom exemplo, não haja dúvida” - e, com tristeza, deixava- o semrespostas. O pai entretanto ao ver que a coisa era séria, tentou conciliar sugerindo que o assunto, devia ser encaminhado para quem sabe dessas coisas, o Sr. Padre Zé. Assim foi. No dia seguinte, enquanto o filho vasculhava as gavetas à procura dos lápis de cor e de novo remexia o seu arsenal à cata de algo que lhe servisse, a mãe fora falar com o Sr. Padre Zé sobre o assunto, para ela muito preocupante: a obsessão do filho que insistia na ideia do presépio e queria saber mais acerca das figuras que nele iriam figurar, do destaque que cada uma delas devia ter, etc. Era céptico em relação a certas versões da tradição, talvez por influência do pai e dos mais velhos, mas a curiosidade e o gosto de aprender eram fortes vectores da sua personalidade, davam-lhe ânimo bastante para iravante. O Sr. Prior riu-se dos receios infundados da mãe vendo até um bom sinal no facto de o rapaz pensar usar a sua criatividade daquela forma e querer conhecer melhor o tema. E sabendo das dificuldades da família pobre, tranquilizou-a em relação a eventuais gastos: - “não se preocupe Sra. Maria, eu tratarei disso se necessário. Mande-mo cá falar comigo. Se ele concordar juntaremos as vontades e faremos este ano um presépio especial na nossa igreja. Já é tempo de se tratar disso, faltam só 15 dias para o Natal.” A mãe do Tó Zé saiu agradecida e aliviada, rezando para que tudo resultasse de acordo com as espectativas criadas. O jovem entretanto pedira ao pai para utilizar o patamar da escada pouco utilizada que dava para o sótão, para ali criar o seu presépio, pequeno que fosse. Prometeu não sujar nada e fazer tudo nos tempos livres, não esquecendo que tinha de ajudar os pais na horta ou no quefossepreciso. Tinha cartões grossos que pedira nas lojas para recortar as 11 O NATAL 34 TÓ ZÉ E O PRESÉPIO
  • 37. figuras e lápis para as colorir. Arranjaria pedras e musgo para compor a base onde assentaria os elementos. O estábulo como pórtico da sagrada família e os animais à manjedoura seriam fáceis de desenhar, recortar e em certos casos colar. Não pensava já em mais nada senão nos detalhes do seu projecto para a escada enquanto esperava, com indisfarçado nervosismo, o regresso da mãe. Esta chegou, reuniu a família e expôs ao pormenor o resultado da conversa com o Sr. Padre Zé e o rapaz, mais ansioso ainda, não sabia como reagir. - “Queria e não queria ver-se naquela situação de dependência da autoridade do Sr. Prior” - pensava consigo próprio. Por fim, convicto, acabou por dizer: -“irei amanhã falar com ele, só espero que não seja muito complicado, senão viro- lhe as costas e vou-me embora. E quero que saibam: mesmo que ajude no presépio da igreja, farei também o nosso, se não se importam.” A mãe ainda esboçou uma expressão de censura pelas palavras do filho mas o marido,comumsinal, travou- lhea intenção. Lá foi Tó Zé como ficara combinado, bastante nervoso, ao encontro do Padre Zé à sacristia, logo a seguir à missa da manhã. Não era difícil gostar do jovem, conhecido pela sua perspicácia e simpatia. Não admira que passado um certo acanhamento inicial, o senho algo carregado do Tó Zé desanuviasse e os dois comunicassem com facilidade. Apesar da mútua afabilidade iam surgindo ligeiros atritos que advinham da sede de saber do rapaz, já com ideias formadas pelo que ouvia e não raro saíam da linha “oficial”, digamos. Constantemente questionava o Padre sobre temas que, com algum embaraço, ele era obrigado a contornar e que originam novas perguntas do curioso interlocutor. –“Sabes, Tó Zé, há coisas muito difíceis de explicar, temos de ser humildes perante grandezas que se movem para além do nosso alcance imediato. Voltaremosao tema,prometo”. O jovem, sem nunca deixar de expressar a sua opinião, saía do jogo sempre que lhe faltavam argumentos ou reconhecia não levarem a nada as suas teimosias e assim evitava melindres desnecessários. Como quem “vota vencido mas não convencido”, deixava de criar problemas numa relação afinal bem mais fácil e frutuosa do que imaginara antes. Apesar de muito ricos, não iremos esmiuçar aqui os interessantes diálogos do Sr. Padre com Tó Zé e com os outos jovens que, de uma ou de outra forma ajudaram na construção daquele presépio, 11 35 NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA V TÓ ZÉ E O PRESÉPIO
  • 38. O NATAL por todos elogiado e por muito tempo falado pelas melhores razões. Iremos sim falar das revelações do Tó Zé quando uma manhã chegou à sacristia, onde se juntavam já alguns materiais e foi surpreendido. Imagine-se o impacto causado quando o Sr. Padre Zé abriu uma gaveta e lhe mostrou o que trouxera de uma visita à Diocese de Portalegre: belas imagens modeladas pintadas, com vista a uma representação exemplar da Natividade. Embuchado e comovido, não conseguiu falar por alguns instantes. Em seguida, colocando as figurinhas sobre o tampo do móvel, o Sr. Prior foi-lhas mostrando, explicando o que representava cada um delas: -“Esta é a Virgem Maria mãe de Jesus, o filho de Deus que está aqui deitado num pequeno berço e que, segundo a tradição, terá nascido na manjedoura de um estábulo onde a Sagrada Famíliase albergou em Belém da Judeia, por causa de um recenseamento decretado pelo imperador César Augusto; eis o São José, pai adoptivo de Jesus, carpinteiro de profissão na cidade de Nazaré, na Galileia, originário da casa e família de David; o burro e a vaca significam a simplicidade do lugar onde se abrigaram; aqui temos os anjos que anunciaram e guiaram os pastores através da estrela de Belém ao encontro do Redentor que era nascido. Também os três Reis Magos do Oriente, Gaspar, Baltasar e Belchior, conduzidos pela Estrela, vieram adorar o Menino Jesus e trazer-lhe presentes: ouro, incenso e mirra”...Vendo alguma perplexidade e estranheza no rosto do rapaz sem conseguir interpretar- lhe o sentido, resolveu ficar por ali.- “E agora, sem mais delongas,vamosao trabalho, quetemosmuito quefazer”. Pretendia-se um bom trabalho a todos os títulos. E como o local onde era costume montar o presépio não garantia o merecido brilho ao conjunto de figuras de que dispunham, o Sr. Prior pediu ajuda ao carpinteiro para a estrutura. Este veio com réguas e tábuas e preparou uma base de 2 por 1 metros encostada à parede, sobre a qual iniciariam a difícil tarefa da composição da obra. Alguma confusão inicial e muita discussão à mistura foram moderadas pelo Sr. Prior que acabaria por aclarar as ideias a todos. À primeira impressão, viam espaço a mais para preencher. Mas a representação é sempre muito livre: além das figuras principais cabem outros motivos de carácter popular, folclórico, regional, etc.; dariam especial atenção ao núcleo principal, o pórtico da 1111111 36 TÓ ZÉ E O PRESÉPIO
  • 39. 37 NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA V Sagrada Família com o estábulo, manjedoura, animais, pastores, Reis Magos, etc. e, depois, acrescentariam outros elementos ao sabor da inspiração, enchendo todo o espaço. Toda a gente colaborou com exemplar dedicação,sob a batuta do PadreZéque sejuntava à malta sempre que podia. Mas foi Tó Zé o verdadeiro “solista” a quemo ”maestro” tinhadetravaros ímpetos criativos. Brilhavam as figuras principais sob o pórtico: o estábulo ostentava no vértice do telhado a simbólica Estrela e em baixo, atrás da Sagrada Família, os animais e a manjedoura a uma escala que parecia dar vida às imagens; em torno, o musgo e os raminhos espetados a dar a ideia de árvores; bastante convincentes os desenhos das zonas adjacentes, com o verde das plantas de uma horta contornados a musgo, contrastavam com a cor terrosa do solo, onde até uma picota e o poço foram representados. Conseguiu-se assim que no espaço, preenchido com todos os elementos em razoável perspectiva, se distinguissem os vários planos: a sugestão de um rebanho e do pastor juntamente com a ideia de um casario ao longe, no plano posterior do presépio junto à parede, também resultaram muito bem. Entretanto Tó Zé ia montando o seu presépio em casa, mais simples e modesto mas também digno dos elogios de quem o visitava. Muitos eram os queiamà igreja,às vezesemfila, para vera azáfama da montagem a aproximar-se do fim, chegando a atrapalhar. Os artistas tinham sempre em redor uma ranchada de miúdos a fazer-lhes guarda de honra que era preciso controlar. A mãe do nosso protagonista vivia radiante por ver toda a gente feliz e agradecia a Deus por tudo estar a resultar melhor do que esperava e por ter também em casa uma linda representação do Nascimento de Jesus. Os trabalhos foram morosos, só nas vésperas do Natal os dois presépios foram dados como prontos. Mas tinha valido a pena, a avaliar pelas reacções detoda a gentedaterra enão só. Na sua singeleza, o presépio do Tó Zé em sua casa, merecia também os elogios de quem o visitava. Uma dessas visitas foi do seu amigo António, o “Tó Padreco” – assim conhecido por ter frequentado, sem qualquer vocação, o seminário. Agnóstico, não deixou de lhe transmitir informações sobre o tema que tanto fascinava o amigo, cerca de 4 anos mais novo. Mostrava-lhe, por exemplo, que independentemente das crenças é bom 1111 TÓ ZÉ E O PRESÉPIO
  • 40. O NATAL 38 preservar os aspectos culturais que as tradições carregam consigo, respeitando assim o rico espólio do passado. Atento a tudo e a todos, Tó Zé esforçava-se por assimilar os saberes dos mais experientes, lutando para fazer sempre bem aquilo em que se envolvia. Desde então e enquanto viveu na terra, antes de rumar a novos horizontes, era certo e sabido: ao sentir-se o frio de Dezembro lá começavaelea preparar o seupresépio… Muitas foram as achegas do Tó “Padreco” ao jovem amigo sobre as representações do presépio, no País como lá fora, tantas que se tornaria fastidioso referi-las todas - tanto mais que é tempo de terminar esta já longa abordagem dum tema tão popular quanto interessante. Refiro uma informação desconhecida do protagonista que o deixou deveras impressionado: “segundo a História, terá sido São Francisco de Assis a montar o primeiro presépio de que há notícia, na floresta de Greccio, zona de Lazzio, em 1223. Contrariando o que era seu hábito de comemorar o Natal na sua igreja, mandou levar para a floresta uma manjedoura, um boi e um burro e ali mandou montar junto dos populares um presépio ao natural, para melhor explicar o Natal ao povo simples e aos camponeses”. Só mais tarde, durante a Idade Média, o costume se espalhou entre as principais catedrais e mosteiro até se estenderàs casas comuns. Setembro de 2012 – Conto escrito de acordo com a antiga ortografia. Nabuco- pseudónimo TÓ ZÉ E O PRESÉPIO
  • 41. 39 NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA V
  • 43. ESPERANÇA ENTRE O PÓ A porta rangeu muito baixinho, como se estivesse com vergonha de incomodar o sono profundo da velha casa. As sombras com cheiro a pó cobriam tudo e precisou de vários minutos para se decidir a entrar. Não cheirava a queijo fresco, nem a chá de flor de laranjeira, não cheirava a lume quente nem a tigelada acabada de cozer. Não cheirava a infância. Teve medo que aquele reencontro lheroubasse as memóriasou o fizesseperdero caminhoatéelasequasedesistiu. Na cozinha restava apenas a mesa de madeira, com duas gavetas onde a avó guardava o pouco que tinha para pôr sobre ela. Em cada divisão sobrava um ou outro vestígio de um passado tão espesso como a nuvem de pó, tralhas sem valor que os tios tinham deixado para trás. Ninguém entravaaliháquantos anos? Dez,mais? Abriu a tampa do baú que emtempos tinha sidoverde,no quarto dos avós. Um pequeno rato saiu apressado do fundo, sem lhe dar tempo de reagir. Cinco pratos de loiça, decorados com flores, amontoavam-se ao lado de um lençoamarelado. Não se lembrava de ver a avó com ele. Mas recordava o gesto repetido com que ao longo do dia ela obrigava o cabelo comprido a ficar dentro do lenço. Revisitava o dia em que pela primeira vez a vira lavar a cabeça sob o sol e da surpresa que sentira ao ver o tamanho e a cor negra, quase sem manchas brancas, do cabelo da avó. Nesse dia ela parecera-lhe forte, quase imortal. Apenas porque ainda era pequeno de mais para deixardeacreditarna eternidade. Abriu a janela, só parcialmente tapada por um vidro. Ao fundo via-se o terreno onde muitos anos atrás estivera o talhão, um gigantesco tanque de barro quase todo escondido sob a terra. Era ainda muito miúdo quando a água canalizada jorrou das torneiras e as mulheres deixaram de usar o talhão para lavar a roupa, mas nunca se tinha esquecido do dia em que caíra dentro dele e voltara a casa coma roupa ensopada. Os dias são sempre mais felizes quando os olhamos à distância. A infância cheirava a pão quente acabado de sair do forno, cheirava a terra molhada pelos regos de água esculpidos pela enxada do avô, que percorria de pés descalços para ajudar a regar o milho alto e verde. A infância tinha som de rodas de carroça a chiar, de gritos 11 ESPERANÇA ENTRE O PÓ 41 NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA V
  • 44. dos primos a correr pela estrada e a nadar no tanque grande da tapada. Tinha cor de sol a nascer no verão e somdechuvaa baterno telhado,nas fériasdeNatal. Inspirou demoradamente, como se o ar pudesse devolver- lhe inteiras as sensações desses tempos. Ouviu ao longe um tractor, viu-o aparecer na recta e depois desaparecer na curva do caminho de terra batida. O som foi-se tornando cada vez mais distante e de novo o silêncio, aquelesilênciocomtantos anos pordizerlá dentro. As escadas para o sótão estavam comidas pelo tempo e hesitou. Poderiam partir-se e não haveria seguramente no sótão nada que compensasse uma queda. A curiosidade acabou por falar mais alto e começou a subir lentamente, testando com cuidado a madeira que rangia sob o seu peso. Demorou a encontrar a palavra que a avó usava para aquele piso escuro e amplo sobre a casa: o sobrado. Era ali que a mãe e os tios dormiam em miúdos, antes da construção do anexo ao lado do forno. Era ali que se escondia, nas férias, quando começavam a ouvir-se os badalos do rebanho a aproximar-se da aldeia e não lhe apetecia acompanhar os primos na missão de separar as cabras e trazer de volta ao pátioas dos avós. Reaparecia de repente quando a avó já terminara de as ordenhar. Via-a despejar o coalho no leite, maravilhado com as transformações que aquele pó mágico ajudaria a fazer até o queijoestarpronto a comer. Havia vários caixotes espalhados sobre o chão formado por ripas irregulares de madeira. Abriu um com uma ansiedade inesperada. Continha livros de cowboys, dos que em miúdo se multiplicavam no quarto do tio Alberto. Quando não tinha mais nada para ler, porque na altura os livros não abundavam, contentava-se com aquelas descrições de aventuras e tiros numa terra sem lei quelhediziapouco. Noutra caixa, bugigangas sem interesse coabitavam com o único retrato da juventude dos avós, uma colagem de dois rostos sérios que diziam pouco das pessoas que os habitavam. Há fotografias que mentem muito e as dos avós mentiam sempre: nunca lhes faziam a justiça de mostrar o que está para além da pele. Separou a moldura doresto, decididoa levá-laconsigo. O NATAL 42 ESPERANÇA ENTRE O PÓ
  • 45. Prosseguiu a exploração e foi resgatando outros objectos que não queria votados ao esquecimento. Encontrou o bule em que a avó costumava guardar os trocos das bilhas de gás vendidas aos vizinhos. Sempre que ia lá a casa contava e voltava a contar as moedas. E às vezes, quando lhe pedia para ir à taberna comprar um quilo de arroz ou de açúcar amarelo, a avó dava-lhe uma moeda a mais, para comprar uma pastilha ou, quando chegava para tanto, umpequeno pacotedebolachasdebaunilha. Voltou a ouvir-se um tractor, se calhar o mesmo. Distraiu- se à escuta, mas logo voltou a abrir uma nova caixa. Entre papéis amarrotados, que desdobrou com cuidado, estava o presépio que ano após ano era colocado na sala, sobre um manto de musgo verde. Nem queria acreditar que o reencontrava,tantos anos depois. Foi retirando, uma a uma, as figuras arrancadas à longa hibernação na caixa. Um pastor com uma ovelha aos ombros foi o primeiro a sair. Sorriu perante as cores gastas e estranhas daquela forma grosseira. Poisou-o com cuidado a seu lado e continuou. Reencontrou a fonte ao lado da qual punha, juntamente com os primos, uma prata a formar um pequeno lago. Da caixa foram saindo os três reis magos – um já sem o presente nas mãos -, Maria e José, uma mulher com o cântaro à cabeça, um burro e uma vaca, duas pequenas ovelhas, outro pastor com uma flauta na boca… E finalmente, como se aguardasse que todos estivessem prontos para o ver nascer, o menino Jesus, com uma grossa rachadela numa perna. Sentou-se a observar o conjunto de figuras sorridentes e viajou com elas no tempo. Na noite de Natal, quando terminava o jantar e o cheiro a filhós tomava conta da casa, ele e os primos improvisavam um espectáculo preparado emsegredoao longo dasférias. Os tios e os avós fingiam-se surpreendidos e aplaudiam com um entusiasmo excessivo aquele desfilar de números pobres. Havia sempre um telejornal em que se anunciava o nascimento em Belém, invariavelmente apresentado pela prima Mariana. O Paulo tocava guitarra e esforçava- se por acompanhar com os acordes certos a Noite Feliz ou o clássicodasfestas defamília,ATodosumBomNatal. Também era certo que um auto de Natal encerrava ano 111 43 NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA V ESPERANÇA ENTRE O PÓ
  • 46. após ano a festa e a dificuldadeera sempre a mesma:evitar que a Sandra e a Carla se envolvessem em zaragata para decidir qual iria desempenhar o papel de Maria. Pelo meio havia tentativas de humor sem graça e o Chico insistia em apresentar o seu número de magia. No final, a Xana circulava pela sala com a boina do avô e a meiguice do seu olhar azul conseguia que algumas moedas contribuíssempara todossesentiremsubitamentericos. Quando a algazarra terminava, a avó puxava-o para o colo efazia invariavelmenteo mesmocomentário: - A tua mãe haveria de gostar tanto de ver como estás um homemcrescido… Ele não queria ser um homem e menos ainda queria ser crescido, mas não dizia nada. Fixava o menino Jesus, que ao aproximar da meia-noite a tia Fátima depositava sobre a cama de palhas, e pensava na sorte que ele tinha: todos os anos podia renascer e ser sempre menino travesso e despreocupado. Não queria ser um homem, repetia para si próprio. Os adultos complicavam tudo, como a mãe quando tinha decidido fugir para França. “Não ligues ao que te dizem dela, foi atrás do coração”, sussurrava-lhe a tia Madalena. Mas ele bem via os suspiros que a avó deitavacada vezquesefalavano assunto. De olhos postos naquele menino que tinha direito a ser sempre menino, dois mil anos depois de ter nascido, formulava um desejo: ser sempre criança. Tentou insistir no pedido mais alguns anos, mas quando deixou ter fé nos sonhos deixou também de esperar no poder daquele meninoquenunca chegavaa adulto. Gostava de nunca se ter perdido da infância. E de nunca se ter perdido de si próprio. Mas a vida às vezes tem tantos labirintos… Sacudiu os pensamentos sombrios e pegou cuidadosamente nas figuras, ainda sem saber o que fazer com elas. Fechando os olhos conseguia sentir o cheiro do arroz doce da avó, a única sobremesa que se juntava às filhós sobre a mesa. Nessa altura a consoada ainda não tinha rabanadas, nem sonhos, nem peru. Tinha as couves da horta da avó a acompanhar o bacalhau cozido, queijo fresco de cabra preparado poucas horas antes da consoada efilhóscomsabor a laranja, ainda mornas. ONatal, na sua infância, era a noitemaislonga doano: O NATAL 44 ESPERANÇA ENTRE O PÓ
  • 47. quando soavam as doze badaladas e o sino se ouvia pela aldeia, vultos negros convergiam para a capela e saudavam a ternura vinda à terra no corpo frágil de uma criança. No final, quando todos já tinham beijado o Menino e lentamente a capela se ia esvaziando, os homens e rapazes novos juntavam-se no adro, à volta do enorme madeiro preparado com antecedência. Ele bem tentava demorar- se, inventando perguntas e cumprimentos para distribuir aos vizinhos, mas a avó conhecia-lhe as manhas e agarrava-o com suavidade. “Anda, pequeno… Agora temos mesmo de ir dormir. Amanhã veremos se o Menino Jesus te deixa alguma coisa no sapatinho.” Piscava-lhe o olho e ele sorria porque era certo que sim, alguma coisa estaria à sua espera quando acordasse. Talvez as calças que vira a avó costurar em silêncio nos últimos serões. Talvez um brinquedo em madeira feito pelasmãos mágicasdoavô.Talvez… Poisou as figuras no banco de pedra em frente à casa e procurou três pedras largas de xisto, para improvisar uma cabana. Dentro da cabana, colocou uma mão cheia de palhas e dispôs com cuidado a família de Belém, rodeada pelosanimais. Passou devagar os olhos pelo pátio e viu uma saca velha de sarapilheira. Rasgou-a em vários pedaços e com a ajuda de pedras de diferentes tamanhos criou montes e vales imaginários, onde colocou os pastores, as ovelhas, a fonte ea mulhercomo cântaro à cabeça. Faltava uma estrela – não pode haver presépio sem luz. Com pequenos paus improvisou uma estrela, atada com um fio da saca. Prendeu-a no topo da cabana e contemplou fascinado o resultado final. O sol que começava a pôr-se atrás das cerejeiras em flor dava ao quadro uma luminosidademisteriosa,quaseirreal. Alguns vizinhos de passagem, vendo aquele presépio em plena primavera, olharam-no de soslaio, como se duvidassem da sua saúde mental. Sorriu. Sabia que não era o tempo reservado a fazer o presépio ou celebrar o Natal. Mas é proibido fechar as janelas a uma esperança acabada derenascer. Fátima Lopes 45 NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA V ESPERANÇA ENTRE O PÓ
  • 49. 47 NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA V O PRESÉPIO, AO VIVO, DA MINHA INFÂNCIA O PRESÉPIO, AO VIVO, DA MINHA INFÂNCIA Palavra mágica, criadora de sonhos, representação votiva, congregador de famílias, enlevo das crianças, celebração, tudoisto éo presépio. Foi nos idos anos 50 que, ainda criança, houve um presépio ao vivo na minha escola que nunca, pela minha vidafora, esqueci. Emcada Natal que passa, e observando os presépios que se me têm deparado pela vida fora, vem- me sempre à memóriaaquele presépio daquela noite de Natal dos idos anos cinquenta. Foi em meados de novembro que tudo começou quando, depois de finda a escola, a nossa professora com voz soleneavisou: - Este anovamos organizar aqui na escola um presépio vivo que será representado na noite de Natal. A estupefação foi geral e cada um à sua maneira ficou a ruminar o que seria aquilo dum presépio vivo, pois o que nós conhecíamos era o que na nossa capela, todos os anos, os mais velhos faziam com figuras de barro inanimadaseestáticas. Ao sairmos, e no caminho para casa, cada um exprimia a sua opinião sobre como seria o tal presépio, uns apontavam as dificuldades de arranjar os animais e como entrariam eles na escola, outros onde se arranjaria o menino Jesus, as ovelhas, os reis magos, os pastores, nossa Senhora, São José e todas as outras figuras que normalmenteconstituemumpresépio. O Sérgio, que se tinha mantido calado durante toda conversa, abriu a boca e com a sua voz juvenil acalmou a turmadizendo: - Vocês não estejam preocupados, pois se a ideia foi da nossa professora, elajáterápensadonissotudo. Chegados a casa, a notícia depressa se espalhou pela aldeia, os comentáriosnão se fizeram esperarperante a estupefação de alguns; outros houve que aderiram imediatamente ao projeto, não faltando quem se mostrasse logo disponível para ceder o seu boi ou o seu burro, pois ir ter animais no presépio eles sairiam de lá abençoados. O tempo corria célere e nós, já impacientes, 1111111111111
  • 50. O NATAL 48 comentávamos em surdina: Será que a nossa professora desistiu da ideia? – Murmurou o André, ao mesmo tempo que lançava a ideia de nomearmos um de nós para ir falar coma professora. Proposta aceite, delegámos tal tarefa no Carlos, como era o mais espevitado e atrevido da escola, era a pessoa indicada para tal missãoe num final de dia, de aulas, lá vai o Carlos falar com a Senhora Professora; nós, ansiosos, ficámoscá fora, aguardandopeloresultado dareunião. Os nossos corações batiam descompassadamente, os nossos semblantes carregados pareciam indiciar que a resposta iria ser negativa e que o tal presépio vivo teria sidoanulado. O indigitado Carlos nunca mais aparecia, foi uma eternidade,alguns comentavam: - Talvez já não haja presépio vivo, e nós que já sonhávamos em ser o S. José, ou Nossa Senhora, um pastor ou rei mago, eis senão quando aparece o Carlos esboçando um sorrisodeorelhaa orelhaenos tranquiliza: - Vai haver presépio vivo e que presépio vai ser! E vós o que estáveis já para aí a congeminar? Tenham calma, amanhã, a nossa professora vai dar-nos a conhecer qual será a personagemquecada umdesempenhará. Uma algazarra de alegria ecoou pelo grupo e um turbilhão de sensações percorreu nossas cabeças, cada um tentando adivinhar a personagem que lhe caberia em sorte, mas isso era um segredo bem guardado até ao próximo dia na cabeça da professora. A Neves cheia de entusiamodisselogo: - Eu não me importava de fazer de Nossa Senhora. A Rosária, que estava ali ao lado, olhou-a de alto abaixo e no fim acrescentou:- Tens mesmo uma fisionomia de Nossa Senhora, fica-temesmoa calhar. - E o S. José, quem será? Tem que ser um que tenha a mesma altura da Neves. Etodos em coro gritaram: -O José Martins,epara mais,temo nomedeJosé. - Está bem, respondeu o Zé, mas não se esqueçam que é a professora quemamanhã vaiescolheros felizardos. A noite foi longa, nunca mais passava, que personagem a professora me irá atribuir? Será que vai ser aquela em que eu estou a pensar? Como vai ser com o burro e a vaca? E os 1 O PRESÉPIO, AO VIVO, DA MINHA INFÂNCIA
  • 51. camelos dos reis magos, onde se arranjarão? Na minha cabeça e dos meus colegas corria um turbilhão de interrogações que apenas era atenuado pela certeza de que a professora Albertina, organizada como era, tudo teriapensadoeresolvido. A manhã começou chuvosa e fria, mas se diahouve em que fomos para a escola com vontade foi aquele, a expectativa era grande; e enquanto a professora não chegava, o tema da nossa conversa era apenas, e tão só, o presépiovivo. O Fernando levantou mais outras dificuldades,- E os presentes dos Reis Magos? E a indumentária? E como vão caberas pessoastodasdentro daescola? - Lá estão vocês, outra vez, a meterem-se onde não são chamados.-Atalhou o Artur. - Deixemlá, a professora dirácomo tudoirádecorrer. A professora Albertina chegou; naquele dia, apresentava um ar diferente dos outros dias, ou então eramos nós que, faceà expectativa,assima víamos. Entrámos na escola, cada um tomou o seu lugar, o momento era solene, um silêncio expectante inundava a sala, os olhos fitos na professora e os nossos corações a cemà hora, pareciamquererestoirar. A professora Albertina puxando da gaveta da secretária por uma folha de vinte e cinco linhas e levantando-se, olhou-nos a todos einicioua leitura: - Prestem atenção ao que vos vou transmitir, para que tudo venha a decorrer com organização na noite de Natal. Todos terão um lugar no presépio, ninguém ficará de fora; uma das nossas dúvidas já estava desfeita, todos iríamosparticipar. Mas o que iriacada um fazer de concreto? Fixando os olhosna folha, a Professora Albertina anunciou: - De Nossa Senhora, faz a Neves, de S. José, o Zé Martins, e de menino Jesus, faremos um boneco em trapos, a imitar o Menino, as figuras principais do presépio já estão. Agora vamos passar às secundárias, de pastor farão o António, o Francisco e o Fernando e de reis magos, o Manuel, o Artur e o João que ficam, desde já, encarregados de arranjarem os presentes junto dos pais, os restantesfarão partedocoro comigo. 49 NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA V O PRESÉPIO, AO VIVO, DA MINHA INFÂNCIA
  • 52. O NATAL 50 - Senhora professora, como vai ser a gruta? Perguntou a Alice. - Não te preocupes, eu própria desenharei, no quadro, um desenho a imitar uma parede, pois o presépio iráterlugar frenteao quadro, estefará depano defundo. Toca a arranjar fatos, junto das vossas famílias, que se pareçam com os das personagens que ides representar. Necessito que um dos vossos pais ajude a construir, frente ao quadro, uma pequena estrutura em madeira para que, comlençóis,façamos uma cortina imitando umpalco. - Está bem, o meu pai não dirá que não, respondeu o Alfredo. Na próxima semana começarão os ensaios.Espero nessa altura ter já o guião pronto, o qual servirá para orientar a entrada das personagens para o presépio. Todos têm que dar o seu melhor para que no dia da apresentação não haja falhas e, já agora, só mais um pormenor, quero vos pediro seguinte: - Toca a avisar os vossos pais e toda a restante aldeia para, na noite de Natal,ninguém faltar à representação ao vivodo presépio. Aquele dia de escola parecia nunca mais acabar e, quando por fim terminou, eis-nos correndo para casa, dando a boa novaaos nossos pais: - Vamos fazerumpresépiovivo na nossa escola! - O que é isso de presépio ao vivo? Perguntou a mãe da Nevesà filha. - E você ainda não sabe a melhor, eu vou fazer de Nossa Senhora. - DeNossa Senhora? - Sim, mãe. E o meu colega, o Zé, de S. José, os outros interpretarão as outras personagens. - Está bem, filha. Um presépio assim sempre será melhor do que aquele que, ano após ano, lá na capela, é feito com figuras de barro, assim as pessoas sempre ficarão a compreender melhor o que foi o nascimento do Menino Jesus. Mas toma atenção, prepara-te bem, pois fazer de Nossa Senhora não éuma personagemqualquer. - Está bem,mãe,fiquedescansada. A notícia dos preparativos propagou-se pela aldeia, como fogo e como não houvesse família na aldeia que não tivesse um filho na escola, a ideia lançada pela professora 1 O PRESÉPIO, AO VIVO, DA MINHA INFÂNCIA
  • 53. 51 Albertina, à semelhança do que fez S. Francisco de Assis, em 1223, na pequena cidade de Greccio, no centro-sul da Itália, tornou-se umprojeto coletivo. A noite de Natal aproximava-se a passos largos, os ensaios corriam com empenho e todos já se imaginavam mostrando os seus dotes teatrais naquele dia que ia ficar marcado para semprena nossa memória. Na escola, frente ao quadro preto, já estava montada a estrutura que o pai do Alfredo tinha feito e onde nós, dia após dia, íamos treinando os nossos lugares; as carteiras tinham sido levadas para o alpendre, para dar mais espaço na sala de aula, pois toda a aldeia iria estar presente. Chegou, por fim, o dia tão esperado, a noite de Natal, que começou fria, como era próprio para a época e que era prenúncio dumanoiteestrelada. Meia hora antesda hora marcada, o sino tocou, era o melhormeiodea todos avisar. Os caminhos que da aldeia encosta acima levavam até à escola, estavam agora salpicados por magotes de pessoas que de lanternas na mão e serpenteandopor aqui e por ali, faziam lembrar um baile de bruxas, tentando chegar à escola. Com tanta gente e uma escola pequena, cada um lá se foi acomodando, tentando arranjar um espaço para colocar os bancos trazidos decasa, queforam providenciais. Chegada a hora marcada, feito silêncio, aberta a improvisada cortina e com a voz de comando da professora, deu-se início à representação;secundada pelo coro,ia, de forma musicada, explicando a função de cada personagem,a qual ia dando entrada no presépio e ocupavao seulugar. Os atores, com ar solene, com as indumentárias próprias de cada personagem, tinham, à sua frente, uma assistência que de olhos arregalados, tecia,aqui e ali, alguns comentários às suas personagens preferidas; pouco a pouco se foi construindo o presépio que ficou completo coma entrada dosreismagos. O quadro estava agora completo e majestoso, pronto a ser comtemplado e assim permaneceu, por largos momentos, para permitir aos presentes admirar e 1111111 NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA V O PRESÉPIO, AO VIVO, DA MINHA INFÂNCIA
  • 54. O NATAL 52 O NATAL meditar tão sugestivo quadro, que este sim, os levava de uma forma fácil a vivenciar como terá sido o nascimento do Menino Jesus em Belém e quão diferente era do frígido e inanimado presépio que todos os anos era feito na nossa igreja! O silêncio só foi quebrado pelo balir dos cabritos trazidos pelos pastores que, cansados de estarem aos ombros dos seus portadores durante tanto tempo, assim manifestaram a sua impaciência, este alerta contribuiu para acelerar o fimdarepresentação. Não fosse o facto dos cabritos se terem talvez lembrado do leite das suas progenitoras, o presépio vivo teria ficado por muito mais tempo, porque o ambiente da sala parecia querindiciarquealiestavajáumpedaçãodocéu. O presépio vivo não se desfez sem que antes pela sala ecoa- se uma estrondosa salva de palmas que a muito custo a Professora Albertina conseguiu calar para emocionada se fazer ouvir e a todos agradecer por ter sido possível, com o contributo de todos, transpor de Belém para a nossa escola,o presépio. Todos partimos já noite avançada, ufanos pelo que fizemos, rumo aos nossos lares, mas naquela Noite de Natal, ali, como participantes no presépio ao vivo e com a nossa família ali ao nosso lado, foi o melhor lar do mundo, ondeapeteciaterficadopara sempre. Belchior O PRESÉPIO, AO VIVO, DA MINHA INFÂNCIA
  • 55. 53 O PRESÉPIO No dia25deDezembro Nasceuo Menino Jesus Apareceuno céubrilhando Umaestrelinhadeluz OsReismagos seguiram Esta estrelinhabrilhante Para encontraremo Menino Tiveram uma luta constante. Compresentesoriginais Satisfizeram o Menino Quedeitado numa manjedoura Dormiacomo umanjinho. Eno estábulo pobrezinho EstavatambémMaria eJosé OspaisdoMenino Queo miravamcomfé. Ea partirdessedia Nas nossas belasaldeias Celebramos dodia24pra 25 Astradicionais fogueiras. Para aquecero Menino Fogueiras grandes equentinhas Poisna noiteestrelada Eledormianas palhinhas. Etambémsemesquecer Celebra-se a missadogalo Umamissacomemorativa Emaisaquinão falo. Eesta data tão festiva Não sepodeesquecer Poisnasceu o Salvador Aquelequenos faz viver. NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA V O PRESÉPIO
  • 56. O NATAL 54 O NATAL Pensamos no Deus-Menino No presépio em Belém Assim se celebra o Natal E se espera o do ano que vem. E desejamos no fundo Que volte a ser igual Pois com a família reunida É uma alegria da vida. Estrela Cadente O PRESÉPIO
  • 57. KIKO E A AVENTURA DA NOITE DE NATAL Era segunda-feira, dia um de dezembro e o Kiko estava eufórico a observar o calendário. Na sua família era tradição montarem o presépio e o pinheiro de Natal, no primeiro domingo do mês de dezembro. O Kiko adorava esta época do ano pois saía com o pai e o avô, para a floresta, em busca do pinheiro ideal e ajudava a mãe e a avó a montarem o presépio. Desde pequenino que a sua família celebrava o Natal e desdeo primeiro dia do mês de dezembro até ao dia tão especial havia sempre muitas coisasa fazer. Estava o Kiko entretido a sonhar com os Natais passados quando derepenteouviu o seunome: - Kiko, vem ajudar a avó a por a mesa. O jantar está pronto eeuquero falar comtodos. - Vou já, avó.– respondeuo Kiko. - Despacha-te, senão o jantar fica frio! – exclamou a avó num tomquaseimpaciente. Apressado, o Kiko esquece o seu sonho e corre para ir ajudar a avó que parecia particularmente entusiasmada. Durante o jantar, num ambiente muito divertido, ocorriam as habituais atualizações familiares de como tinha corrido o dia de cada um. A avó interrompe a conversa ecomumarsériocomeçaa falar: - Hoje passei pela igreja e fiquei intrigada com um grande cesto que se encontrava junto ao altar. Com alguma curiosidade, dirigi-me ao senhor Padre para que ele me esclarecesse. Fiquei a saber que este ano vai haver uma recolha de alimentos para os mais necessitados da paróquia. - Então era por isso que estavas tão entusiasmada, avó? – perguntou o Kiko. - Sim. Sabes,Kiko, mais importante que trocar presentes no Natal, é fazermos a ceia em família – explicou a avó. – É partilharmos esta tradição com as pessoas que mais amamos. - Sim, eu sei. Mas continuo sem perceber o porquê de tanto entusiasmo. - continuou o Kiko, agora muito impaciente,semperceberondea avóqueriachegar. Desta vez foi o avô que respondeu: - Kiko, é muito bonito que numa época tão especial como o Natal, aqueles que 11 NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA V KIKO E A AVENTURA DA NOITE DE NATAL 55
  • 58. 56 podem, ajudem quem não tem possibilidades de comprar os produtos para fazer a ceia de Natal. Por isso é que a avó está tão entusiasmada. Ela quer ajudar quem maisprecisanesta épocatão bonita. - Já percebi. – exclamou o Kiko. – que ideia espectacular, avó.Amanhãpossoirà igrejalevaralguns produtos? - Sim,Kiko.Eeuvou contigo. No outro dia de manhã, o Kiko e a avó saíram de casa para ir entregar a sua oferta à igreja. Levavam uma série de produtos: compotas caseiras, vinho, ovos, verduras, bacalhau, umbolo-reieuma garrafa deazeite. Depois de almoçar, o Kiko correu para a casa da sua amiga Carolina para lhe contar tudo sobre a entrega dos produtos na igreja,para os maisnecessitados. A Carolina era filha do José, caseiro de uma enorme quinta, a Quinta de Felicidade. Os donos da quinta só lá iam de vez em quando e chegavam a estar anos sem lá aparecer. Eram os pais da Carolina quem tratava de tudo na quinta, como sefossedeles. Ao chegar ao portão, o Kiko reparou que as janelas do casarão estavam todas abertas, o que não era costume. Nas férias do Natal, os donos da quinta tinham resolvido passar uns dias por ali e tinham trazido, embora muito contrariado, o seufilhoRafael. O Rafael estava sentado na escadaria da entrada do casarão, a escrever no computador, quando o Kiko e a Carolina apareceram. - Olá, eu sou a Carolina, a filha do caseiro; e este é o Kiko, o meumelhoramigo. - E tu, como te chamas? – perguntou o Kiko, com ar simpáticoehospitaleiro. - Eu sou o Rafa. Quer dizer, para vocês sou o Rafael. Não gosto nada quemetratemporRafa, jáestou farto! - Então, Rafael, queres vir brincar connosco? – questionou a Carolina. - Agora não posso. Estou ocupado a escrever a lista das prendas que quero que os meus pais me ofereçam neste Natal. E tenho que me despachar a enviar o e-mail, antes que a minha mãe descubra que estou a usar o computadorportátildela. O NATAL KIKO E A AVENTURA DA NOITE DE NATAL
  • 59. 57 - Tu pedes os presentes que queres aos teus pais? Nós colocamos uma botinha na chaminé na noite de Natal. Os nossos pais dizem que o Menino Jesus vem até às casas dos meninos bem comportados e deixa-lhes um presente na botinha que deixamos pendurada na chaminé. De manhãzinha quando acordamos, corremos para a sala à procura dos nossos presentes. – explicou o Kiko. – Na botinha costumamos ter muitos doces e à volta do presépio e da árvore de Natal temos os presentes que os nossos familiares nos oferecem. – acrescentou o Kiko com um ar muito feliz, por relembrar-se dos Natais passados. - Porque mandas um e-mailem vez de falar diretamente com os teus pais? – questionou a Carolina muito intrigada. - Os meus pais passam o dia a trabalhar, quase não os vejo. Muitas das vezes chegam a casa e eu ou estou a fazer os trabalhos de casa ou no computador a jogar. – contou o Rafael com um ar triste. – Algumas das vezes até já estou a dormir.– suspirou. - Mas vocês não comem juntos todos os dias? – perguntou a Carolina, semcompreendera tristezadoRafael. - Na minha casa cada um come quando lhe apetece. Assim não temos de esperar uns pelos outros. Os meus pais, muitas das vezes, nem se sentam à mesa. Comem qualquer coisa enquanto trabalham em frente ao computador.« - E tu? Também costumas ter esses hábitos? – perguntou o Kiko que estava muito habituado às comidas deliciosas que a sua avó fazia e às refeições divertidas que tinha em família. - Não. Os meus pais obrigam-me a comer à mesa, muitas das vezes sozinho. E, para mim, a minha mãe traz sempre alguma coisa já pronta dos restaurantes de comida para fora. - Então e como são os teus Natais, Rafael? – perguntou a Carolina. - Bem, na noite de Natal os meus pais costumam fazer um jantar com os amigos do trabalho e eu passo a noite a jogar consola ou a ver um filme com os filhos deles. 111111 NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA V KIKO E A AVENTURA DA NOITE DE NATAL
  • 60. 58 Depois os nossos pais dão-nos os presentes e voltamos para casa. No dia de Natal passo o dia no computador a jogar ou a ver os filmes que passam na televisão.- explicou o Rafael com um tom natural embora com um pouco de tristeza. - E tu não fazes o presépio e a árvore de Natal? – perguntou o Kiko, quase a cair para o lado de tão surpreendido. - Não. Nem tenho bem a certeza do que isso é. – respondeuoRafaelumpouco envergonhado. - Isso é o teu Natal? – perguntaram a Kiko e a Carolina, quaseemcoro, ecompletamenteboquiabertos. - Sim. Mas porque estão tão surpreendidos? – questionou o Rafael,jáumpouco confuso. - Os nossos Natais são completamente diferentes. Nós, desde o início do mês de dezembro que o começamos a preparar.-começou a Carolina eexplicar. - Espera, Carolina, não digas mais nada. – interrompeu o Kiko, quase aos gritos. -Acabei de ter uma excelente ideia, mas para isso preciso da vossa ajuda. – continuou o Kiko, a sorrirdeorelhaa orelha.- Não te preocupes, Rafael. Este ano o teu Natal vai ser diferente. – concluiu com um piscardeolhoao novo amigo. Como já estava a escurecer, o Kiko teve de voltar para casa. Mas antes de ir embora combinou encontrar-se na manhã seguinte com os dois amigos, no esconderijo secreto doKiko edaCarolina. Depois de tomar o pequeno-almoço, logo de manhã cedo, Kiko correu para o esconderijo. Era um velho moinho abandonado. Tinhas as velas rasgadas e sobre a porta havia uma bandeira com as letras CFCK, que queriam dizer «Clube de Férias da Carolina e do Kiko». Quando lá chegou, a Carolina e o Rafael já o esperavam à porta.Cumprimentaram-se ea Carolina disse: - Temos de acrescentar um R de Rafael à nossa bandeira, Kiko. Kiko confirmou com a cabeça e sorriu. Entraram e abriram a janela para que alguma luz e o ar fresco da manhã entrassem. Limparam as teias de aranha que se alojaram no esconderijo desde as últimas férias e 11111111 O NATAL KIKO E A AVENTURA DA NOITE DE NATAL
  • 61. 59 sentaram-se à volta deuma mesafeita pelosdoisamigos. Então Kiko, desembucha, estamos a morrer de curiosidade quanto à tua excelente ideia! Conta lá de uma vez o que queres fazer! – exclamou a Carolina muito impaciente. - Ora bem, então é assim: Na minha família e na da Carolina temos tradições de Natal. No primeiro domingo do mês de dezembro montamos o presépio e a árvore de Natal. Preparamos uma ceia de Natal em família cheia de alegria, músicas e costumes natalícios. E no dia de Natal passamo-lo em família, fazendo jogos, contando histórias, enfim, divertimo-nos sempre muito pois estamos com as pessoas de quem mais gostamos. –explicouo Kiko ao Rafael. A minha ideia é de este ano fazermos algo ainda mais divertido. Ajudar-te a ti e à tua família a descobrir as tradições deNatal.Oqueachas?– perguntou o Kiko. - Adoro a ideia mas como vamos fazer isso? – perguntou o Rafael. - Simples. – respondeu o Kiko. – A Carolina e eu vamos ajudar-te a ti e aos teus pais a montar um presépio e uma árvore de Natal lá em tua casa. Depois juntamos as nossas famílias e fazemos uma ceia de Natal diferente, todos juntos. Para tal contamos com a ajuda da minha avó a preparar as suas comidasdeliciosas.– concluiuKiko. - Que excelente ideia. – disse Carolina – Temos de por mãos à obra, já! - Vai ser muito divertido! – exclamouo Rafael com um enormesorriso. O resto do período até ao Natal foi passado entre muitas brincadeiras na preparação dastradições natalícias. Na véspera da noite de Natal andava tudo numa agitação. Na cozinha, a avó sempre a cantarolar, andava atarefadíssima às voltas com uns grandes livros de receitas. Cuidadosamente ia colocando os livros sobre a mesa e abrindo-os um a um, ia colocando separadores para selecionar as melhores receitas para a ceia de Natal. Os pais da Carolina e do Rafael andavam nas limpezas do casarão e a cuidar dos jardins em volta para que tudo estivesse perfeito. Os três amigos tratavam das decorações 1 NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA V KIKO E A AVENTURA DA NOITE DE NATAL
  • 62. natalícias, do entretenimento e duma surpresa muito especial para a noite e dia de Natal. O espírito natalício pairava no ar e pelos sorrisos de cada um, a felicidade era muita. Na noite de Natal tudo estava perfeito. Jantaram todos juntos o tradicional bacalhau cozido com batatas e couve feito pela avó do Kiko. Era o início de uma noite muito animada erepleta desurpresas. Depois do jantar, chegou a parte mais divertida. Os três amigos juntaram-se e apresentaram aos familiares uma peçaporelespreparada. - Olá, boa noite a todos, eu e os meus amigos vamos apresentar uma peça de fantoches sobre o nascimento do menino Jesus e a origem do presépio. Mas esta história é um pouco diferente da que está na Bíblia, passa-se na era moderna.– disseo Kiko. Todos muito curiosos acomodaram-se nos sofás a comer os bolinhos de Natal feitos pela avó do Kiko. Enquanto Kiko narrava a história, a Carolina e o Rafael iam representando comfantoches. «No ano de 2012, em Nazaré, uma cidade da Galileia - começou o Kiko – Maria estava sentada na sua secretária a ler a Bíblia através da Internet, quando de repente recebeu um e-mail do Anjo Gabriel. Este e-mail trazia uma notícia muito importante, dizia: “Ave, cheia de graça, o Senhor é contigo. Não temas, Maria, pois encontraste graça diante de Deus. Eis que conceberás e darás à luz um filho, e que lhe porás o nome de Jesus. O Espírito Santo descerá sobre ti, e a força Altíssimo te envolverá com a sua sombra. Por isso o santo que nascerá detiseráchamadoFilhodeDeus”(LUCAS1). Maria ficou muito surpreendida e assustada com a notícia, mas ficou feliz, tinha no seu ventre Jesus. Maria chamou José e mostrou a mensagem do anjo a José, que se comprometeu a ajuda-la e apoiá-la em todos os momentos. Maria e José, como conheciam a primeira história do nascimento do Menino Jesus, queriam que a segunda história fosse idêntica, embora acontecesse numa era diferente. Foram até Belém e o nascimento do menino 111 60 O NATAL KIKO E A AVENTURA DA NOITE DE NATAL
  • 63. aconteceu, mas não num estábulo como queriam que acontecesse, foi numa ambulância. Os pastores que se encontravam nas redondezas, receberam mensagens de texto com as coordenadas de GPS do local onde se encontrava o “Presépio”. Também os três Reis Magos receberam mensagens de texto com as coordenadas do local onde estava o menino. Dirigiram-se para lá o mais rápido que puderam. E quando digo rápido foi mesmo muito rápido. Gaspar foi de mota, Baltazar de jato e Belchior de carro. Ofereceram ao menino, tal como antes, ouro, incenso e mirra. Todos os que ali se encontravam junto do “presépio” se sentiam abençoados emuito felizesporternascidoo salvador.FIM.» Todos bateram palmas e se sentiram muito felizes por relembrarem o verdadeiro motivo da existência do Natal: celebrar o nascimento do Menino Jesus e partilhá-lo com as pessoasquemaisamamos. O resto da noite foi passado junto à lareira a conversar e a cantar músicas de Natal. Quando chegou a hora de deitar, os três amigos colocaram as suas botinhas com os respetivos nomesna chaminé. Quando acordaram, correram para a sala à procura dos seus presentes. As botinhas estavam cheias de guloseimas e havia presentes junto da árvore e do presépio, para toda a família. Depois do almoço, a avó do Kiko propôs uma atividade bastante caraterística do Natal: fazer filhós. Todos sem exceção puseram as mãos na massa e fizeram a sua filhó. Foi uma tarde muito divertida e cheia de gargalhas.Foinum dessesmomentos queRafaelfalou: - Foi o melhor Natal que alguma vez tive, percebi que o mais importante nesta época é estarmos com a família, partilharmos a nossa felicidade com os que mais gostamos e não receber prendas. O Kiko e a Carolina são uns amigos espetaculares porque me ajudaram a conhecer o verdadeiro Natal e graças a eles tive umas férias inesquecíveis. – disse, sorrindo para os seus novos grandes amigos. Também Kiko e Carolina estavam muito felizes por terem ajudado o amigo a ter um momento tão especial com a família.Foi umNatal muito especialpara todos. NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA V 61 KIKO E A AVENTURA DA NOITE DE NATAL
  • 65. O PRESÉPIO Estava um dia esplêndido de Inverno, em Belém. Nesse Inverno não nevou, também acho que nunca nevou cá por estas bandas. Nessa altura, eu era um pastor e passeava as minhas ovelhas à procura de um bom pasto, quando reparei que estavam a construir o estábulo, outra vez. O Natal está a chegar. Todos os anos é assim. Pouco tempo antes da época festiva, começam a construir o estábulo, a posicionar as pessoas e nós só saímos de casa nessa altura do ano. Todos a correr de um lado para o outro, só por causa daquela cabana: Uns a meter o chão, outras as paredes, outros a palha, outros a manjedoura, e por aí fora. Eu não gosto de me meter nisso, grande trapalhada, eu fico apenas com o meu rebanho e já sou feliz. Isso foi até acontecer uma tragédia: o José caiu ao chão e partiu-se (é verdade, nós somos personagens do presépio), e não havia ninguém para o substituir, então o menino Jesus chorava, Maria chorava, o burro e a vaca choravameeujáfarto desta trapalhada toda disse: -Já chega! Eu faço de José! Não há-de ser tão difícil. Vocês têmédecuidardasminhasovelhas. A parte das ovelhas foi fácil pois havia outro pastor no presépio e não se importou de cuidar de mais algumas. A parte do José é que foi mais difícil de me habituar! Ainda estou para descobrir quem é que partiu o José. Aposto que foi a menina pequenina que anda por aí por casa. Ela está sempre a fingir que nós somos barbies! Uma vez ela chegou mesmo a trazer uma barbie para cá para o presépio e ela era tão piegas ou tão pouco que durante a noite que cá passou passou-a sempre a chorar, o que fez com que quando ela saísse de cá saísse com uma enorme dordecabeça! Coitadita! Como assumi o papel de José tive de assumir o papel de líder e olhem que não foi lá muito fácil. Eu é que comecei a organizar o presépio todo. Dizia à estrela para onde devia ir, ao cisne onde era o lago, para meterem mais palha na manjedoura, enfim, eu é que mandava, e olhem que eu até comecei a gostar. Claro que tinha de assumir mesmo a liderança. Uma vez a vaca zangou-se com o burro porque o burro estava a ocupar demasiado espaço, 1 NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA V 63 O PRESÉPIO
  • 66. então eu tive de ir lá impor respeito, e olhem que me senti poderoso! Outra vez estavam a zangar-se porque a farinha não estava bem espalhada, outra vez porque os camelos dos reis magos ainda não tinham chegado e estava a ficar tarde. Por fim chegou a véspera de natal, até que enfim, estávamos todos nervosos, principalmente eu. Era o meu primeiro ano como José e olhem que não me estava a sair nada mal. Já estávamos todos preparados para passarmos à acção para que quando chegasse o menino Jesus estivesse tudo perfeito. Estava tudo tão perfeito que quando chegou a hora, tal não eram os nervos, o menino Jesus caiu e eu tive de o ir buscar e trazê-lo para o presépio. De resto, correu tudo bem, a cabana estava perfeita, o musgo estava verde, a farinha estava por todo o lado e a alegriareinavaporaquelepequeno mundo. O dia de Natal chegou, por fim, e nós acordámos felizes com o que tínhamos feito.O presépio estava completo. E sempre estará enquanto houver alegria e espírito natalícioentretodos nós. A Capisciente O NATAL 64 O PRESÉPIO
  • 67. O PRESÉPIO QUE EU QUERIA TER… O PRESÉPIO QUE EU QUERIA TER… Como era lindo aquele presépio pobrezinho, feito de paus, pedras evegetação natural. Unsdias antes do dia 24 de Dezembro, a azáfama começava nas nossas casas: era preciso ir ao musgo mesmo que o frio tolhesse as mãos, com a cola de cerejeira, reparavam-se as figurinhas de barro que no ano anterior se tinham danificado, escolhia-se o cantinho da sala onde se iria construir o presépio. Todos participavam. Os pais davam algumas orientações, mas era a imaginação dos mais pequenos que inspirava a paisagem rural, onde todos os anos nascia o Menino Jesus que, com sorrisos de bondade, se dirigia aos pequenos e a todos que na sua humildade se abeiravam do presépio nesta quadra. Otapetedemusgo maisbonito era para pôr no lugar onde ficaria a gruta que iria albergar Maria, José, a vaquinha eo burrinho. - Era mesmo lindo aquele presépio…! Dizia a avó. Atapetado de musgo, com farinha a fingir as estradas, havia muitas figuras, algumas não tinham nada a ver com as histórias das Escrituras. Lá das alturas, brilhava uma grande estrela, recortada em papelão e forrada com pratas que descobríamos em maços de cigarros vazios e largados no chão. Pequenos montes de pedras formavam as montanhas, um riozinho corria num leito de telhas de canudo, tiradas do telhado da sacristia sem o sr. Padre saber, rebanho e… ovelhas, cabras e cordeiros que os pastores apascentavam nas cercanias de Belém e, que transpúnhamos para as nossas casas. No alto do monte, ficava assente o castelo de portões sempre fechados, diziam que era o castelo de Herodes, mas não havia Herodes nenhum a morar naquele castelo; também diziam que aquele castelo era dos magos que nunca ninguém ali vira, a não ser nalgum postal que o Manel e a Maria, a trabalhar em Lisboa, enviavam nesta quadra a desejarFestas Felizesesaudinhadaboa. - Ó avó, … enão havia árvore de Natal? Perguntava a pequena Francisca. - Nalgumas casas havia também o pinheiro de Natal, todo esbelto e aprumado.Na nossa casa, quem o enfeitava era a minha irmã Joaquina, com bolas de algodão a fingir de 111 NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA V 65
  • 68. O PRESÉPIO QUE EU QUERIA TER… neve e pratas de chocolate, algumas guardadas do ano anterior entre as folhas amarelecidas de algum caderno engelhado. Francisca, muito atenta, ia questionando a avó… - E o Menino Jesus? - O Menino Jesus, só na noite de 24 era colocado nas palhinhasao ladodeSua Mãe edeJosé. - Óavó,…enão haviaPaiNatal? - Qual Pai Natal? Nunca o tínhamos visto, nem mesmo pintado. As prendas do Menino Jesus apareciam milagrosa e silenciosamente, de manhãzinha, junto do presépio, sem o barulho do esfarrapar de caixas embrulhadas em papéis coloridos e que as crianças hoje abrem apressadamente, à procura da prendinha que se pediu por escrito ao Pai Natal que vem lá das terras do frio. No meu tempo, nada se pedia nem exigia. O que apareciaera umpresentedoMenino Jesus. - Ó avó, como os presépios de hoje são diferentes! Compram-se já feitos nos grandes hipermercados. Pinheiros plastificados, cheios de luzinhas a piscar por entreas janelasdascasas, ondeespreita o PaiNatal… - Sabes, Francisca, hoje olho com saudade para o tempo em que o Presépio, nas nossas casas, representava verdadeiramente aquilo que celebramos no Natal, sinto que roubaram de dentro de nós a criança que sonhava, logo muito antes do Natal, com o presépio que se ia construindo no nosso imaginário e fazia do Natal a festa donascimento doMenino Jesus. - Ó avó, apetece-me construir hoje um presépio como esse e dizer “que se dê ao donoaquilo que é seu”: O Natal é do Menino Jesus e mais ninguém Lhe pode tirar o lugar que Eleainda querteremnossas casas. O NATAL 66
  • 69. O PRESÉPIO O PRESÉPIO À chegada de Dezembro Pela época natalícia O presépio vamos montar Com carinho e sem malícia. Todos nós vamos alegrar Com toda a família O musgo vamos todos procurar Para no presépio colocar. A manjedoura é tão rústica Os pastores são atentos curiosos, A expressão de Nossa Senhora, E São José com o seu cajado Cada um com as suas intenções. À noite com as expressões de dúvida Peregrinam, levados pela sua fé Comtemplam Jesus, o bebé Naquele ambiente de beleza Rodeado sem qualquer realeza. Jesus ao colo de Maria Uma coisa faltou, O sorriso a Nossa Senhora. Jesus ali nasceu, A alegria predomina, A tristeza vai ser destreza, Assim se monta um presépio. RiMaMaRe NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA V 67