O documento discute a importância da cultura dos jangadeiros em Paracuru e os riscos da demolição de seu local de encontro para dar lugar a novos projetos de desenvolvimento. O jangadeiro aposentado Seu Pedro lamenta que o local tradicional dos pescadores será demolido pela prefeitura sem considerar sua importância cultural. O documento defende que o desenvolvimento sustentável do turismo em Paracuru deve valorizar a cultura local dos jangadeiros.
1. PARACURUS - O JANGADEIRO E AS RAIZES DA CULTURA LOCAL
Fernando Zornitta
“Tem dia que não tem dinheiro nem para a farinha !”
Seu Pedro
Encontramos o Seu Pedro, jangadeiro aposentado de Paracuru, no Ceará, triste
e desolado pela sua condição e falta de perspectivas para o tradicional pescador
do nordeste brasileiro, abandonado a sua própria sorte e esquecido pelas
políticas locais.
“Tem dia que não tem dinheiro nem para a farinha !” - declara.
Enquanto o surf se armava para mais uma competição no famoso recanto de
Paracuru, na Praia da Munguba, perto da barraca Ronco do Mar, o Seu Pedro
lamentava que o pior de tudo é que em breve “tudo não estaria mais ali”.
–
O que é esse tudo seu Pedro ?;
–
Tudo é esse canto que nós temos desde sempre. Não tem mais lugar pra
proteger os barcos, puxaram a cerca, vem o muro e vão demolir o prédio o recanto dos pescadores. É o projeto da prefeitura.
Para quem conhece Paracuru, sabe que o que o Seu Pedro se refere a um
verdadeiro museu a céu aberto, onde tudo acontece. Jangadas se concentram;
chegam e saem; pescadores se encontram, arrumam velas, redes; conversam e
trocam experiências,.... - tudo em harmonia com a natureza, com os habitantes
e visitantes, que encontram ali um pouco da cultura tradicional – das raízes dos
primeiros habitantes – os jangadeiros.
“- Quando eu cheguei aqui, não tinha nenhuma barraca, era só o mar. Esse
aqui é o lugar do jangadeiro em Paracuru !”
- Mas porque derrubar seu Pedro ?
- É um novo projeto da prefeita – que ninguém sabe como é, mas tá andando.
Ninguém sabe até quando o nosso canto fica !
Princípios do Turismo Sustentável
A Carta do Turismo Sustentável, oriunda da Conferência Mundial Sobre Turismo
Sustentável da ONU/UNESCO/INSULA – em seus 18 artigos, estabeleceu os
princípios do turismo sustentável, priorizando a integração e manutenção das
bases culturais nas comunidades onde se insere.
Enquanto isso, naves espaciais alienígenas pousam nas paisagens notáveis em
todo o nordeste brasileiro, indicando a falta de conhecimento e sensibilidade no
trato do turismo, tornando-o insustentável, por desconhecer-se e desprezar-se
o amplo contexto sócio-ambiental, econômico e cultural para integrá-lo nos
projetos.
O turista a lazer – principal motivação para visitação do nordeste - está em
2. busca de muito mais do que apenas sol e mar, mas também de cultura e
desenvolvimento pessoal. O produto turístico local deve estar embasado num
conjunto de elementos intrínsecos das motivações à visitação: o ambiental e
sócio-cultural.
Na conformação do produto turístico local, deveriam ser pensados e valorizados
estes atrativos de caráter natural e sócio-cultural, assim como a infraestrutura e
a superestrutura turísticas (que também podem servir à população local), os
equipamentos complementares e de animação; bem como os recursos humanos
que animarão o sistema.
Mas no Brasil, a ótica segue sempre sendo a mesma – “a econométrica” e
especulativa (para não dizer de exploração e lucro fácil e rápido). Isso não é
exceção, mas sim a prática.
No caso de Paracuru, a não valorizar a cultura local, que tem sua base na
cultura do jangadeiro e em não dando-lhe o merecido lugar de destaque na
composição do seu produto turístico estar-se-á seguindo na contra-mão de uma
filosofia e política correta do desenvolvimento sustentável.
Mesmo assim poderá trazer investimentos, movimentar a economia de
Paracuru, mas seguirá na mesma linha do desenvolvimento espontâneo, onde o
turismo destrói a si mesmo – a própria atividade e o ambiente que lhe dá
suporte.
Além do que, alijando-se os jangadeiros que são os principais atores de um
processo sustentável; os quais dão brilho e tornam a localidade particular para
o turismo - pode ser um indicativo da falta de conhecimento para conduzir um
processo, que no caso também destruirá com o seu patrimônio de base.
O foco para aquele espaço é o de valorização e incentivo ao intercâmbio
sociocultural, reforçando o que já é no momento – um museu vivo e a céu
aberto, onde os personagens da memória viva interagem com o visitante e
repassam o conhecimento.
Na sábia afirmação de Lenea Gaelzer, “no turismo está a escola sem pardes,
livre dos limitados conceitos de cultura estabelecidos pela educação formal.”
- Paracuru; quantos paracurus estão a beira da extinção cultural e aguardam
pela atenção e sensibilidade de gestores que ainda tratam o turismo sem a
devida atenção e conhecimento ?
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Fernando Zornitta, Arquiteto e Urbanista, Especialista em Lazer e Recreação (Escola Superior de Educação Física da
UFRGS) e em Turismo (OMT-ONU/Gov. Italiano). Estágio de Aperfeiçoamento em Planejamento Turístico na Un. de
Messina – Itália. Período presencial do Curso de Doutorado em Planejamento Regional e Desenvolvimento na
Universidade de Barcelona (com foco no turismo e proj. de pesquisa na América Latina e Caribe). É CoordenadorAdjunto do GTPA (Grupo de Trabalho em Planejamento da Acessibilidade do CREA-CE) e membro do GTMA (Grupo de
Trabalho de Meio Ambiente do CREA-CE).
Fotos Fernando Zornitta em 29dez11
E-mails: zornitta_fernando@yahoo.es / fzornitta@hotmail.com