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Dynion Golau



 Kaluanã
Sombras na Cidade do Sol

       Livro II
Copyright @ 2012 by Dynion Golau
                Todos os direitos reservados.
                       Editora: Orago
                   Capa: Dennis Vinicius


             Titulo original: Kaluanã – Sombras
           Copyright da tradução @2012 por Orago


                Todos os direitos reservados.
Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada ou reproduzida sob
quaisquer meios existentes sem autorização por escrito do autor




                              [2]
Prólogo

       As vielas estreitas e pouco iluminadas eram como linhas
sinuosas na noite quente da cidade. O dia já tinha ficado para
trás e um novo divisor macabro se antecipava. Mesmo com a lua
no céu o chão estava enegrecido, expondo o barro úmido e
molhado pelas línguas negras de dejetos, como se o sol tivesse
medo de chegar ali, como se não fizesse parte. E como na
floresta, as construções lembravam tocas inacabadas, cercadas
do esquecimento, frias e escuras. Dentro delas, olhos
espreitavam a noite. Olhos humanos. O medo tomava conta e
do lado de fora se podia senti-lo, latejando como um uníssono
bater de estacas, ecoando por entre casas inacabadas e
interligados, como uma longa veia que alimentava aquela selva
feita de papelão, compensados, cimento, areia e suor, cuja seiva
ironicamente enriquecia outros que nunca tinham chegado até
ali ou sequer sabia que existia.
       Os    doze   homens     marchavam   impassíveis,   como
apocalípticos cavaleiros da morte, seus passos ecoavam no vazio
deixado pelos entocados, e eles como bestas apocalípticas,
sorriam exibindo armas que ostentavam como uma extensão de
seus membros, prontos a decepar qualquer um que cruzasse seus


                                   [3]
caminhos. Quando chegaram ao pé da construção, outros
homens os aguardavam. O ódio que nutriam uns pelos outros era
quase palpável na atmosfera elétrica. Mas naquela noite eles
discutiam a única coisa que tinham em comum: A sobrevivência
doentia.
       Sairiam dali com uma trégua maldita, como lobos que se
uniam pelo bem comum de uma alcatéia. Eles observaram a
cidade lá de cima, a noite despejava seu manto sobre casas e
prédios, pessoas dormiam a aguardavam o dia dourado que o sol
lhes proporcionaria. Porém essa trégua seria quebrada, a selva
de pedra com cimento e aço teria seus domínios subjugados.
       Suas armas foram erguidas para o alto e disparadas. Por
instantes, era como se o universo estivesse sendo rompido, a
realidade composta de paz e esperanças estremecia. O ar foi
cortado por projeteis vermelhos como olhos do próprio
demônio, o ar frio encheu-se da fumaça de pólvora, deixando
uma nuvem fedorenta que impregnou as casas do alto da
comunidade. O Rio de Janeiro encheu-se de medo. Um medo
real. As três gangues mais hediondas tinham demarcado seus
territórios e rompiam o silencio.
       Do outro lado da cidade, um homem pressentiu esse
medo, seu corpo arrepiou-se. Não da sensação compartilhada


                                [4]
pelas pessoas que estavam na Comunidade, mas de alguma
forma seu lado negro sorriu, um sorriso silencioso, sibilante e
sarcástico. Enfim ele poderia retornar e retomar o que era seu de
direito. A sua alma. E Kaluanã abriu os olhos, negros como a
própria morte. Uma parte dele estava silenciosamente triste, mas
era uma parte muito pequena.




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Kaluanã sombras na cidade do sol

  • 1. Dynion Golau Kaluanã Sombras na Cidade do Sol Livro II
  • 2. Copyright @ 2012 by Dynion Golau Todos os direitos reservados. Editora: Orago Capa: Dennis Vinicius Titulo original: Kaluanã – Sombras Copyright da tradução @2012 por Orago Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada ou reproduzida sob quaisquer meios existentes sem autorização por escrito do autor [2]
  • 3. Prólogo As vielas estreitas e pouco iluminadas eram como linhas sinuosas na noite quente da cidade. O dia já tinha ficado para trás e um novo divisor macabro se antecipava. Mesmo com a lua no céu o chão estava enegrecido, expondo o barro úmido e molhado pelas línguas negras de dejetos, como se o sol tivesse medo de chegar ali, como se não fizesse parte. E como na floresta, as construções lembravam tocas inacabadas, cercadas do esquecimento, frias e escuras. Dentro delas, olhos espreitavam a noite. Olhos humanos. O medo tomava conta e do lado de fora se podia senti-lo, latejando como um uníssono bater de estacas, ecoando por entre casas inacabadas e interligados, como uma longa veia que alimentava aquela selva feita de papelão, compensados, cimento, areia e suor, cuja seiva ironicamente enriquecia outros que nunca tinham chegado até ali ou sequer sabia que existia. Os doze homens marchavam impassíveis, como apocalípticos cavaleiros da morte, seus passos ecoavam no vazio deixado pelos entocados, e eles como bestas apocalípticas, sorriam exibindo armas que ostentavam como uma extensão de seus membros, prontos a decepar qualquer um que cruzasse seus [3]
  • 4. caminhos. Quando chegaram ao pé da construção, outros homens os aguardavam. O ódio que nutriam uns pelos outros era quase palpável na atmosfera elétrica. Mas naquela noite eles discutiam a única coisa que tinham em comum: A sobrevivência doentia. Sairiam dali com uma trégua maldita, como lobos que se uniam pelo bem comum de uma alcatéia. Eles observaram a cidade lá de cima, a noite despejava seu manto sobre casas e prédios, pessoas dormiam a aguardavam o dia dourado que o sol lhes proporcionaria. Porém essa trégua seria quebrada, a selva de pedra com cimento e aço teria seus domínios subjugados. Suas armas foram erguidas para o alto e disparadas. Por instantes, era como se o universo estivesse sendo rompido, a realidade composta de paz e esperanças estremecia. O ar foi cortado por projeteis vermelhos como olhos do próprio demônio, o ar frio encheu-se da fumaça de pólvora, deixando uma nuvem fedorenta que impregnou as casas do alto da comunidade. O Rio de Janeiro encheu-se de medo. Um medo real. As três gangues mais hediondas tinham demarcado seus territórios e rompiam o silencio. Do outro lado da cidade, um homem pressentiu esse medo, seu corpo arrepiou-se. Não da sensação compartilhada [4]
  • 5. pelas pessoas que estavam na Comunidade, mas de alguma forma seu lado negro sorriu, um sorriso silencioso, sibilante e sarcástico. Enfim ele poderia retornar e retomar o que era seu de direito. A sua alma. E Kaluanã abriu os olhos, negros como a própria morte. Uma parte dele estava silenciosamente triste, mas era uma parte muito pequena. [5]