Este documento discute como experiências inovadoras estão começando a alterar a estrutura das instituições sociais tradicionais como escolas, igrejas, partidos, estados e empresas. Exemplos incluem "Não-Escolas" de aprendizagem comunitária sem currículo fixo, "Não-Igrejas" sem hierarquia religiosa, "Não-Partidos" de democracia local e "Não-Estados" onde cidades assumem mais autonomia. Essas novas formas estão florescendo por meio de pequenas experiências pessoais
1. Em pílulas
Edição em 92 tópicos da versão preliminar integral do livro de Augusto de
Franco (2011), FLUZZ: Vida humana e convivência social nos novos mundos
altamente conectados do terceiro milênio
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(Corresponde à introdução ao Capítulo 7,
intitulado Alterando a estrutura das sociosferas)
Aqui estamos, engatinhando pelas frestas
entre as paredes da Igreja, do Estado,
da Escola e da Empresa,
todos os monolitos paranóicos.
Hakim Bey em Caos (1984)
O melhor da religião é que ela produz hereges.
Ernst Bloch em O ateísmo no cristianismo (1968)
2. Os que continuam aprisionados no mundo único dos séculos passados
ainda não lograram perceber o que está em gestação neste período.
A revelia dos cegos “líderes mundiais” e além da compreensão dos
analistas de governos e corporações, grandes movimentos
subterrâneos estão em curso neste momento. De modo molecular,
distribuído e conectado de sorte a formar um feixe intenso de fluxos
– fluzz –, estão se articulando e se expressando glocalmente
experiências inovadoras que tendem a alterar na raiz a estrutura e a
dinâmica das sociosferas. Eis alguns exemplos fulcrais do que está
emergindo:
Não-Escolas: comunidades de aprendizagem (homescooling e,
sobretudo, communityschooling, cada vez mais na linha de
unschooling) em rede, sem currículo e sem professor e aluno.
Não-Igrejas: formas pós-religiosas de espiritualidade, livres
das ordenações das burocracias sacerdotais.
Não-Partidos: redes de interação política (pública) exercitando
a democracia local na base da sociedade e no cotidiano dos
cidadãos.
Não-Estados-nações: cidades inovadoras – como redes de
comunidades – que assumem a governança do seu próprio
desenvolvimento em rota de autonomia crescente em relação
aos governos centrais que tinham-nas por seus domínios.
Não-Empresas-hierárquicas: redes de stakeholders –
demarcadas do meio por membranas (permeáveis ao fluxo) e
não pode paredes opacas – como novas comunidades de
negócios do mundo que já se anuncia.
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3. Fascinante! Escolas, igrejas, partidos, Estados, empresas hierárquicas:
construímos tais instituições – que continuam reproduzindo o velho mundo;
sim, são elas que fazem isso – como artifícios para escapar da interação,
para ficar do “lado de fora” do abismo, para nos proteger do caos...
As escolas (e o ensino) tentam nos proteger da experiência da livre
aprendizagem. As igrejas (e as religiões) tentam nos proteger da
experiência de deus. Os partidos (e as corporações) tentam nos proteger
das experiências da política (pública) feitas pelas pessoas no seu cotidiano.
Os Estados tentam nos proteger das experiências glocais (de localismo
cosmopolita). E as empresas (hierárquicas) tentam nos proteger da
experiência de empreender.
Por isso que escolas são igrejas, igrejas são partidos, partidos são
corporações que geram Estados, que também são corporações, que viram
religiões, que reproduzem igrejas, que se comportam como partidos...
Porque, no fundo, é tudo a mesma coisa: artifícios para proteger as pessoas
da experiência de fluzz! (Não é a toa que todas essas instituições
hierárquicas exigem “monogamia” dos que querem manter capturados,
como se dissessem: “- Você é meu! Nada de transar com estranhos”).
Uma vez desconstituídos tais arranjos feitos para conter, contorcer e
aprisionar fluxos, disciplinando a interação, uma vez corrompidos os scripts
dos programas verticalizadores que rodam nessas máquinas (e que, na
verdade, as constituem), o velho mundo único se esboroa.
Isso está acontecendo. Não-escolas, não-igrejas, não-partidos, não-
Estados-nações e não-empresas-hierárquicas começam a florescer. Com tal
florescimento, a estrutura e a dinâmica das sociosferas estão sendo
radicalmente alteradas neste momento, mas não por formidáveis revoluções
épicas e grandes reformas conduzidas por extraordinários líderes heróicos,
senão por pequenas experiências, singelas, líricas, vividas por pessoas
comuns! Aquelas mesmas experiências de interação das quais fomos
poupados. É como se tudo tivesse sido feito para que não
experimentássemos padrões de interação diferentes dos que deveriam ser
replicados. Mas nós começamos a experimentar. E “aqui estamos – como
escreveu Hakim Bey (1984) – engatinhando pelas frestas entre as paredes
da Igreja, do Estado, da Escola e da Empresa, todos os monolitos
paranóicos”.
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