1. Em pílulas
Edição em 92 tópicos da versão preliminar integral do livro de Augusto de
Franco (2011), FLUZZ: Vida humana e convivência social nos novos mundos
altamente conectados do terceiro milênio
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(Corresponde ao oitavo tópico do Capítulo 1,
intitulado No “lado de dentro” do abismo)
Conhecimento é relação social
O conhecimento presente em uma rede não é um objeto, um conteúdo que
possa ser arquivado e gerenciado top down
A idéia de capturar objetos para colocá-los na máquina, a idéia de salvar
(arquivar) configurações do passado, constituiu o caminho para a
construção de conhecimento nas sociedades pré-fluzz. As teorias do
conhecimento pressupostas por essa idéia podiam ser, na melhor das
hipóteses, construtivistas, mas não podiam ser conectivistas. Não é por
acaso que construtivismo gerava escolas (burocracias do ensinamento)
enquanto que conectivismo vai gerando inevitavelmente não-escolas (redes
de aprendizagem).
2. A idéia de construção do conhecimento – de depositar “tijolo por tijolo num
desenho lógico”, como diz a canção (26) – decorre de uma epistemologia
não-fluzz. Essa idéia, ao se aplicar, requer uma espécie de congelamento de
fluxo (ou de materialização do passado) para ir combinando objetos, como
em uma espécie de lego. Ela permitiu a ereção de aberrações como os
knowledge management systems, originalmente pensados para abastecer
de informações estratégicas o topo de pirâmides. Era compatível, portanto,
com estruturas centralizadas e não com redes distribuídas.
Mas o conhecimento presente em uma rede mais distribuída do que
centralizada não pode ser gerido top down, simplesmente porque não há
um nodo ou cluster capaz de capturá-lo com antecedência, domesticá-lo ou
codificá-lo (transformando-o em ensino) para facilitar o acesso a ele dos
demais. É um conhecimento-fluzz, quer dizer, é uma relação social, móvel e
sempre em mutação. Como no sistema imunológico dos mamíferos e de
outros animais, é um conhecimento que está distribuído por toda a rede.
Um nodo interagente conhece porquanto (e enquanto) está interagindo e
não porque foi alocado em uma posição para receber uma instrução de
outrem (escola). É um conhecimento novo a cada vez. Como naquele rio
heraclítico, ninguém pode aprendê-lo mais de uma vez.
É por isso que as plataformas hierárquicas de transmissão do conhecimento
foram estruturadas para avaliar e validar o conhecimento ensinado e não o
conhecimento aprendido. E é por isso que todas elas exigem tribunais
epistemológicos, corpos (docentes) de guardiães do passado (que são
sempre coaguladores: sacerdotes, professores, doutores, mestres e outros
titulados) encarregados de dizer quais conhecimentos podem ou não
transitar.
A chamada “arquitetura de informação” das plataformas digitais p-based
segue o mesmo caminho. Tudo se resume a abrir caixinhas para depositar e
salvar conteúdos, escaninhos para coagular, guardar e ordenar o passado
com o intuito declarado de facilitar a busca futura, quando, na verdade, seu
objetivo é outro: selecionar e pavimentar caminhos para o futuro que sejam
produzidos pela dependência da trajetória (ou pela repetição de passado).
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3. Nota
(26) BUARQUE, Chico (1971). “Construção” in Construção (Álbum LP). Phonogram-
Philips, 1971.
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