O documento descreve os sacrifícios feitos por cinco pequenos negócios em seu primeiro ano de operação para manter as finanças equilibradas. Os empresários tiveram que abrir mão de confortos pessoais e misturar as contas pessoais e da empresa para manter os negócios funcionando enquanto ainda não geravam lucro. Especialistas alertam sobre os riscos dessa abordagem e recomendam planejamento financeiro e capacitação em gestão.

1. | 22 | Economia > ZERO HORA > QUARTA | 27 | FEVEREIRO | 2008
ALEXANDRE DE SANTI e ISABEL MARCHEZAN
Em geral, negócios não costumam dar lucro antes de 12 meses. No quarto dia da série A Aventura de Empreender, confira como
Esse é o período mínimo estimado de recuperação dos investimentos os empresários de cinco negócios acompanhados por Zero Hora no
feitos para abrir a empresa. Como se manter durante tanto tempo em último ano – Apassionata, Boa Forma, Boteco Fiel, Dice Informática
que não entra dinheiro no bolso? e NewLine – buscaram driblar o aperto financeiro.
Ano de apertar o cinto
EMÍLIO PEDROSO
dia de Elisabeth Felix da Silva e cio. O plano da Apassionata incluiu economias
Arnon Aydos não termina ao bai- acumuladas durante quatro anos e previu a
xar das grades do número 2.140 renúncia a algum conforto. Arnon ainda man-
da Avenida Nilo Peçanha, em teve o emprego de executivo de contas em uma
Porto Alegre. Depois que o último seguradora, onde ganhava R$ 2,5 mil mensais
cliente vai embora, eles descem que sustentavam a casa. Em maio de 2007, foi
ao subsolo da loja e, enquanto um bate uma vi- demitido, mas guardou os cerca de R$ 12 mil
tamina, o outro prepara um sanduíche. Nesta recebidos na rescisão contratual. Esse dinheiro
salinha de dois por dois metros e chão de ci- cobriu as despesas pessoais do casal até janeiro,
mento, o casal faz sua última refeição do dia. A sem que eles retirassem pró-labore (salário dos
sala, misto de estoque, escritório e copa, é a ex- sócios) do caixa da Apassionata. Neste mês, eles
tensão do apartamento onde moram. O casal começaram a usar dinheiro da loja para as des-
transferiu do lar para o porão da Apassionata pesas pessoais e da casa. As retiradas não serão
Butique Erótica geladeira, microondas, cafeteira, fixas, mas adequadas às necessidades – sempre
computador e aparelho de som. o mínimo possível.
Fizeram a mudança dos bens para poderem Moreira, do Sebrae, alerta que os sócios não
se dedicar em tempo integral a um projeto ges- deveriam “confundir o caixa da empresa com o
tado por seis anos, no qual investiram R$ 80 mil. da família” – embora Arnon garanta que vai sa-
O endereço residencial, atualmente, é pratica- ber separar as coisas. O certo seria pagar as des-
mente um dormitório para os companheiros e pesas domésticas com o pró-labore predefinido.
sócios da loja no bairro Três Figueiras, que ven- Barone, da FGV, ressalta que misturar as contas
de lingeries sensuais, fantasias e brinquedos eró- é comum a micro e pequenos empreendedores
ticos a homens e mulheres. brasileiros, porque normalmente o empresário
Antes de ir embora, Elisa – como Elisabeth é O porão da loja virou trabalha sozinho ou com a ajuda da família.
conhecida – ainda vai à geladeira escolher um – É preciso profissionalizar essa área. O pla-
pedaço de carne e alguns legumes para levar pa-
extensão do lar de Elisa de 2007, as receitas foram redirecionadas para nejamento financeiro se divide em duas partes:
ra casa. Lá, vai cozinhar um refogado que, acom- e Arnon. Sacrifícios manter o negócio e girar estoques. Agosto foi o no curto prazo, prever contas a receber e a pagar,
panhado de arroz e salada, será o almoço do dia primeiro mês em que as contas da Apassionata para manter o caixa positivo. Depois, buscar fon-
seguinte, saboreado também na sala de paredes
são comuns a todos fecharam no azul. Ou seja, as receitas superaram tes de financiamento para alimentar a empresa
brancas que pouco tem a ver com o glamour os microempresários, as despesas. A margem foi de R$ 1,2 mil, contra- com recursos a longo prazo – ensina Barone.
cor-de-rosa do andar de cima. riando a expectativa para pequenos empreendi- Especialmente porque as finanças dos mi-
– A gente toma café da manhã, faz tudo aqui,
especialmente no início mentos, que é começar a empatar receitas e des- croempresários não implicam apenas sacrifí-
porque às vezes ficamos até tarde da noite – con- pesas após os primeiros 12 meses, afirma João cios diários como as caminhadas de Arnon e
ta Elisa. – Como a gente não tem pai rico, tem de Fernando Moreira Júnior, supervisor do Sebrae Elisa até em casa. O futuro e a vida pessoal do
fazer alguns sacrifícios. Estamos trabalhando Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empre- na Região Metropolitana. empreendedor – e das pessoas próximas– fi-
bastante, mas a gente está colhendo. Não para sas (Sebrae). São minoria os que têm outras fon- cam atrelados ao caixa da empresa. No caso
nós, ainda, mas para a loja. tes de renda, como Silvana Canarim e Andréa Vida pessoal fica atrelada de Jefferson Dell’Osbel, dono da academia
Eles também venderam o carro para investir Kasprzak, que abriram o Boteco Fiel em janeiro ao caixa da empresa Boa Forma, é o próprio início de uma vida a
no negócio. Para chegar em casa, caminham 3,7 do ano passado. Os cortes delas foram em fé- dois que vem sendo postergado por causa do
quilômetros ou pegam ônibus – dependendo rias e roupas novas. Ao abrir o bar, as sócias não Quem consegue inverter a lógica, ou seja, en- empreendimento iniciado em março do ano
do horário, têm optado por um táxi, desde que abandonaram as atividades profissionais ante- contrar o equilíbrio financeiro no primeiro ano, passado. Ele e a namorada, Daiane Costa, noi-
foram assaltados na rua em dezembro, ao sair riores – Andréa é consultora em gastronomia, e diz Moreira, normalmente, é o empreendedor varam em abril, mas não sabem quando con-
da loja. Como 93% dos empreendedores bra- Silvana, publicitária. “por oportunidade” – aquele que pesquisa o seguirão comprar um apartamento e se casar.
sileiros, o casal imobilizou capital próprio para Porém, a administração dos recursos nos mercado, identifica um nicho de atuação e faz Por causa do ingresso do noivo no mundo dos
abrir e manter o seu negócio, sem usar financia- dois empreendimentos é semelhante: ao longo planejamento detalhado da condução do negó- negócios, Daiane precisou adiar seus planos
mento. É uma cultura nacional, avalia Francisco de se tornar enfermeira. Não pode abrir mão
Barone, professor da Fundação Getulio Vargas do salário de gerente em uma estética para se
(FGV), que tem seus prós e contras: quem não dedicar a um curso universitário de enferma-
deve a ninguém corre menos risco em caso de gem, tampouco trabalhar como técnica na área
problemas ou crise econômica. Por outro lado, (título obtido no Ensino Médio, em um curso
os que injetam dinheiro emprestado conseguem > Não use dinheiro do caixa para pagar contas empresa mais rápido do que a geração de caixa. técnico) porque o salário seria menor, e a prio-
crescer e ganhar mercado mais rápido. pessoais. Confundir o dinheiro da empresa com o do ridade do casal é comprar um apartamento.
Em países desenvolvidos, compara, os empre- empresário ou da família é um erro comum que pode > Avalie a necessidade de aplicação dos recursos As transformações na vida de Jefferson foram
endedores preferem usar recursos de terceiros, levar à perda de controle financeiro do negócio. levando em conta que os bancos não emprestam mais sutis. Apesar das noites maldormidas e das
tanto para o investimento inicial quanto para 100% do necessário – o empreendedor precisa ter novas atividades administrativas, ele continua
manter o caixa da empresa, o capital de giro. > O empresário deve procurar se capacitar em recursos próprios também. trabalhando na mesma academia e, em alguns
– O juro do capital de giro dificilmente passa gestão de finanças e profissionalizar essa área.
casos, dando aula para os mesmos alunos.
de 2,5% ao mês. Entrar no cheque especial ou Confira na página ao lado como os donos da
> O financiamento do investimento imobilizado
financiar as compras com os fornecedores custa Apassionata, do Boteco Fiel, da Boa Forma e de
> Às vezes, sai mais caro investir capital próprio (aquisição de bens, por exemplo) geralmente tem
pelo menos o dobro – afirma Barone. outros dois negócios – NewLine e Dice Informá-
As privações são maiores para quem depen- do que usar financiamento. O aporte de dinheiro custo menor do que o crédito para capital de giro tica – enfrentaram o primeiro ano de finanças.
de apenas da receita do negócio, como o casal emprestado alavanca a capacidade de expansão da (compra de estoque, fluxo de caixa).
de sócios da Apassionata. Eles representam 65% Fontes: João Fernando Moreira Júnior, supervisor do Sebrae/Região Metropolitana, e Francisco Barone, coordenador do programa de estudos avançados em pequenos ➧ alexandre.santi@zerohora.com.br
negócios, empreendedorismo e microfinanças da Fundação Getulio Vargas ➧ isabel.marchezan@zerohora.com.br
dos empresários brasileiros, segundo o Serviço