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JUSTIÇA vs DIREITO<br />O apelo à justiça e a invocação de um direito justo tem marcado a historia do homem desde a criação e constituem permissas, creio essenciais, para o seu aperfeiçoamento e evolução num tempo, em que o sobressalto do abismo e o abeirar do caos coloca novos e complexos desafios a inteligência humana.<br />Falar de justiça e direito, é como pronunciar uma palavra mágica, do tipo quot;
abre-te sésamoquot;
, em que se descerra uma larga porta pelas quais todos passam, desde os mais miseráveis até os mais abastados, só que, infelizmente, pouquíssimos saem num prazo razoável em que alguns casos ou países devem ver se existe.<br />Algumas construções, consagram a construção de uma sociedade livre, justa, de paz e igualdade social. Embora, assim tipificado, alguns defendem que, cada dia que passa esta mesma sociedade, esta cada vez mais a regredir no que tange o alcance da justiça, igualdade e liberdade para todos. Questiona-se ainda, o que é ser igual? Que tipo de sociedade justa se pretende? Será a justiça um sonho? Ou, será a justiça apenas a materialização de um direito posto? Quem é justo e quem não é justo? Quem é igual e quem não é igual? Por fim, o que é justiça e o que é direito?<br />Com base a mesma ordem de pensamento e reflexão, eu pessoalmente tinha um “equívoco” no que tange “justiça e direito”, até o dia que afirmei numa palestra (dirigida pelo Professor Eduardo Vera Cruz, na Universidade Óscar Ribas), que “o direito entra em conflito com a justiça”, desde logo, o prelector corrigiu-me ao salientar que o direito “no verdadeiro sentido da palavra” em momento algum entra em choque com a justiça, frisou ainda que, não devemos confundir direito com leis, porque nem tudo que é lei é direito; e que, existe justiça “particular” e a justiça “universal”.<br />Com este brilhante esclarecimento por parte do professor Eduardo Vera Cruz, senti a necessidade de fazer esta abordagem analítica e exaustiva, no que concerne a justiça e o direito numa perspectiva jusfilosófica. Visto que não existe causas sem efeitos, nem efeitos sem causa, logo, não é por acaso observamos um certo equívoco ou a falta de compreensão sobre o termo “justiça”, por parte de estudantes de direito e não só. Acho que, com esta abordagem desencadear-se-á o desejo de uma discussão académica incessante por parte de estudantes ávidos por aprender e partilhar conhecimento, quebrando assim o conformismo e dogmatismo cientifico-filosofico, em relação a estes conceitos basilares da arte jurídica.  <br />A noção de justiça designa, por um lado o princípio moral que exige o respeito da norma do direito e, por outro, a virtude que consiste em respeitar os direitos do outro.   <br />Adianta salientar que, muitas pessoas confundem o significado dos termos justiça e direito, porque, o conceito dos dois termos são aparentados e correspondem as formas complementares de encarar o que é justo. São conceitos estruturantes a uma ética de valores e de conduta.  <br />O que quer dizer para nós que o Direito busca a justiça?<br />Segundo a doutrina neopositivista, isto quer dizer absolutamente nada, porque o termo justiça não remete a nenhum dado verificável, sendo portanto uma “palavra vazia”, que se deve proscrever. Pois a justiça escapa das redes da ciência moderna. Com o desenvolvimento do movimento científico moderno, muitos doutrinários como Hume ou Marx denunciaram este conceito obscuro, ideológico e ilusório. <br />Um kelseniano esta ser muito consequente quando, de modo radical, exclui o justo da noção de direito ao defender que; o direito não precisa respeitar um mínimo moral para ser definido e aceito como tal, pois a natureza do direito para ser garantida em sua construção, não requer nada além do valor jurídico (1).  Então, direito e moral se separam (2).  Assim, é válida a ordem jurídica ainda que contrarie os alicerces morais (3).<br />O que de facto ocorre é que Kelsen quer expurgar do interior do direito, a preocupação com o que é justo e o que é injusto. Isto porque, o valor justiça é relativo e não há concordância entre os teóricos e entre os povos e civilizações de qual o definitivo conceito de justiça (4).<br />É também, verdade que os positivistas ainda não conseguiram eliminar a palavra “justiça”  de nosso vocabulário. De facto ela permanece bastante frequente, mas muito mais nos discursos dos políticos, na imprensa, nos sermões dos padres progressistas, do que nos tratados de direito civil.<br />A ideia actual de justiça inflectiu-se sob a influência do idealismo, que foi buscar a filosofia na razão pura subjectiva. A justiça tornou-se um sonho do espírito humano, sonho de igualdade absoluta e é também sonho de liberdade, de “respeito por cada ser humano”, de exaltação dos “direitos do homem”, e de que cessem as interdições e legislações repressivas. Estes dois sonhos são incompatíveis.<br />Ora, se a justiça assim entendida alimenta as plataformas revolucionárias, a tarefa quotidiana do juiz nada tem a ver com a busca desses ideais irrealizáveis. Entre a Justiça do idealismo e, por outro lado, a aplicação da justiça (com “j” minúsculo), há uma cisão, um abismo entre Justiça e Direito; e se insistimos que o direito está a serviço da justiça, há o risco de equívocos. Esta fórmula esvaziou-se de sua substancia original (5).  <br />Logo, podemos afirmar que o termo “justiça” tem dois sentidos: uma entendida como virtude moral, e outra como virtude que concerne mais directamente aos juristas, sendo assim, a “justiça geral” e a “justiça particular”.<br />É oportuno salientar, que a “justiça geral” não se confunde com a plena moralidade. E o que evoca a palavra justiça, tão trabalhada pelos pensadores gregos (Pindaro, Heraclito, Platao, os Tragicos) é particularmente uma ideia de ordem, de harmonia, ou de boa relação com os outros na cidade (na qual um ocupara seu lugar e exercerá seu papel, como na cidade idealmente justa da Republica de Platão), ou mesmo uma relação harmoniosa com o cosmos (6).<br />O critério da verdadeira justiça é de facto o de se querer para os outros aquilo que se quer para si mesmo, e não de querer para si o que se deseja para os outros, o que não é a mesma coisa. Como não é natural que se queira o próprio mal, se tomarmos o desejo pessoal por norma ou ponto de partida, podemos estar certos de jamais desejar ao próximo senão o bem. Desde todos os tempos e em todas as crenças, o homem procurou sempre fazer prevalecer o seu direito pessoal. O sublime da religião crista foi tomar o direito pessoal por base do direito do próximo (7).<br />Deste modo, a justiça assim entendida transcende largamente os limites do direito, englobando toda a moral ou pouco falta para tal. <br />E, contudo, acaso poderíamos dizer que a justiça geral ou universal não interessa absolutamente ao direito? Seria esquecer a relevância eminentemente fundamental que a observância da lei moral representa para toda ordem social. Hoje em dia quando esta ordem moral parece estar desmoronando, tomamos consciência dessa importância. A vida em sociedade seria insustentável num lugar em que se roubasse, em que ninguém ousasse deixar o carro estacionado, nem a pá e a picareta no local de trabalho, em que não se pudesse confiar em nenhuma promessa. Nenhum grupo de homens poderia sobreviver sem adesão a uma moral.<br />De facto, existem sociedades que na têm outro princípio de coexistência alem das leis comuns de moralidade. O que antigamente valia para as relações internacional: Tudo o que se pode exigir das nações entre si é que respeite certas virtudes, a humanidade, uma disposição para paz, a fidelidade às promessas feitas. Como haviam reconhecido os gregos, as leis morais são as colunas da cidade (8).<br />Do ponto de vista linguístico, a linguagem grega parece autorizar uma confusão que culminará com a não distinção entre “direito” e “moral”. Tomamos como exemplo as “Leis da Republica de Platão”, que têm como objectivo regulamentar a moral pública, tornar a conduta dos cidadãos, justa no sentido geral do termo. Poderíamos talvez chamá-la de uma obra de direito? Devemos entender por direito um sistema de regras de conduta? <br />Aristóteles recusou-se a faze-lo. Não devemos identificar o direito com a observância destas leis morais feitas para reger condutas. E, se sua Ética tratasse unicamente da justiça no sentido geral, ele não seria chamado de fundador da filosofia do direito. Sua contribuição original não reside nisso, mas em ter tirado da obscuridade a ideia de justiça “particular” (9).<br />Aristóteles passou a analisar outras frases, em que a palavra justiça é impregada num sentido estrito. Sendo um homem “justo” aquele que tem o costume de não pegar “mais do que lhe cabe” dos bens “exteriores” disputados num grupo social, nem menos do que lhe cabe do passivo, dos encargos. Numa perspectiva sucessorial, ser justo é não se apropriar dos mais belos da sucessão; para o vendedor, devolver o troco exacto; para um banqueiro, pagar suas dívidas (10).<br />A virtude assim circunscrita é pois uma parte da moralidade total e da “justiça geral”. Seus contornos são bem mais nítidos. Trata-se, de facto, de uma virtude que deixa de se confundir com a “soma de todas as virtudes”. A justiça “particular” se opõe as três outras virtudes cardeais, a força, a prudência e a temperança ou as outras que a Ética descreve e classifica (11).<br />Logo, a justiça “particular é uma virtude eminentemente social, quintessência da justiça e, tratar da justiça no sentido “particular” do termo, porém, já significa abordar a arte jurídica.<br />Qual é, de facto, o objectivo dessa justiça, a finalidade visada por esse comportamento? A que visa o homem justo?<br />A não tomar nem mais nem menos do que lhe cabe; a que “cada um tenha a sua parte”; a que se realize, numa comunidade social, a justa divisão dos bens e de encargos, tendo sido esta divisão reconhecida e determinada previamente. <br />Pois semelhante tarefa não pode ser, em última instancia, ofício de particulares. <br />Mas, para que os homens se tornem bons, é necessário que o governo e as leis dos países sejam orientados para a consecução do bem (12): “pois a maior parte das pessoas obedecem mais à necessidade do que aos argumentos e mais às punições do que ao sentido do que é nobre” (13).<br />A justiça particular parece pois ter a alçada dos juízes, dos juristas. Como sublinhou São Tomás de Aquino em seus comentários, o particular – “o homem justo” – não passa de um executor do direito. Consequentemente analisar a justiça particular significava definir a arte do direito.<br />Desde já adiantar que, o direito não busca a verdade, este objectivo pertenceria à filosofia, a não ser que consideremos o direito como uma ciência. Kelsen ludibria-nos quando quer fazer do jurista um cientista puro (14).<br />O direito não busca a utilidade, o bem-estar dos homens, sua segurança, seu enriquecimento, seu progresso, seu crescimento; pelo menos este não é seu objectivo próximo, directo, imediato.<br />O direito é medido da divisão dos bens. Segundo uma fórmula repetida pela maioria dos filósofos e juristas em Roma, como Ulpiano, o papel do direito é atribuir a cada um o que é seu (suum cuique tribuere).<br />Hans Kelsen, entre outros, criticou a fórmula greco-romana (suum cuique tribuere), acusando-a de ser tautológica e perfeitamente inútil, por não esclarecer sobre o que cabe a cada um. O que significa enganar-se sobre seu sentido. Ela visa somente ajudar-nos a não confundir a função da arte jurídica com a função do cientista ou do técnico: uma confusão na qual Kelsen, por seu lado, caiu (15).<br />Ainda assim, adianta salientar que, há muitas espécies de bens, que são indivisíveis, os chamados bens espirituais.<br />Assim, a verdade e amor são indivisíveis. Nem o amor de Deus, nem a liberdade, nem o “respeito pelo ser humano”. Não são matérias sobre o as quais se possa exercer a virtude de justiça nem o direito propriamente dito; mas virtudes distintas ou artes distintas. Segundo, Gabriel Marcel, o direito não diz respeito ao mundo do “ser”, referindo se ao mundo do ter, das coisas que dividimos.<br />Há, de facto também, necessidade de observamos que a arte jurídica pressupõe e se exerce num grupo social ou melhor não existe direito, se não no interior de um grupo social, de certos grupos em que se opera uma divisão.<br />Nada mais duvidoso que a máxima “ubi societas ibi jus”, a menos que se entenda societas num sentido relativamente estrito. Há formas de vida em comum que normalmente não comportam divisão jurídica dos bens, como grupos particulares de amigos, um “monasterio franciscano” teoricamente não precisaria do direito, e também a igreja cristã. Ainda que a igreja cristã tem cânones, regras de condutas comuns, coisa que não se deveria confundir com o direito em seu sentido próprio.   <br />Sua função não é vigiar a virtude do indivíduo, nem mesmo regular sua conduta. Para o jurista, não importa que subjectivamente eu seja honesto e cheio de boas intenções para com as finanças públicas, mas sim que meu imposto seja pago e que seja descoberta e definida a parte de imposto que me cabe. “A ideia do direito é filha da justiça” (16).  <br /> A prior salientar que, não devemos considerar esta análise ultrapassada. É também verdade uma outra doutrina (controverso da minha fonte doutrinal) impera hoje; onde o discurso do direito é constituído de proposições “prescritivas”, “imperativas”, “deontológicas”, como se o jurista se referisse imediatamente à acção dos indivíduos, cumprisse a função de um director de conduta dos que estão sujeitos à justiça. Que é muito duvidoso, porque uma sentença judiciária, um artigo do nosso Código Civil têm por função indicar a parte de cada um.<br />Não creio que a tarefa de distribuição dos bens e dos encargos seja hoje menos necessária do que era em Roma. O mundo actual assiste conflitos entre divorciados pela divisão da guarda dos filhos, entre fisco e comerciantes, empregados e empregadores, defensores dos grandes aglomerados urbanos e defensores da natureza, fabricantes de conservas insalubres e consumidores, terceiro mundo e países desenvolvidos, grandes companhias petroleiras e industriais etc. O aumento da frequência das trocas, a existência de um mercado mundial, a invenção das armas nucleares, obriga a constituição de um direito internacional. Outras circunstâncias, outras soluções, mas o tipo de questão posta permanece idênticas.<br />Devemos considerar viva, hoje, a necessidade de uma arte que “atribua a cada um o que é seu”. Não podemos dizer que o mundo actual tenha se destacado especialmente por sua preocupação com a justiça. O mundo actual nominalista tanto sacrificou ao serviço do individuo – ou da nação, de sua potência, de seu enriquecimento - que negligenciou o equilíbrio das relações sócias. Certamente não faltam problemas de justiça. O direito no sentido clássico do termo tem sua razão de ser, permanente.<br />Para concluir, não é de espantar se actualmente toda ordem social é contestada – e que pululem os movimentos de libertação de todos laços sociais ou familiares; reacção bem compreensível contra a imagem insuportável de um direito opressivo ou repressivo que se tornou um sistema de dominações.<br />A palavra justiça foi confiscada pelos clérigos ou por seus herdeiros, os idealistas, que dela se serviram para designar o estado de perfeição do reino dos céus ou de uma futura sociedade igualitária; e a palavra direito foi cooptada pelos fanáticos do Estado e identificada com o conjunto das leis estatais. O sentido desses dois termos mudou. É, também notória, um excesso de leis e pesquisas sociais, e uma grande carência de justiça.<br />Donde a urgência da restauração da justiça, restauração da autonomia de nossas faculdades, retomada da consciência do fim do oficio do direito. E não poderemos alcançar este objectivo sem a renovação da linguagem.<br />Porque, nós a substituímos pela linguagem da moral, linguagem concebida para exprimir não mais as justas relações sociais, centrando-se, ao contrário, no indivíduo e nas virtudes ou condutas do indivíduo. Linguagem “deontológica”, prescritiva, feita para ditar mandamentos, enquanto a justiça diz proporções. Inseridas nesta nova estrutura, todos os termos mudaram de sentido. <br />A história mudou. O arquétipo do direito à moda romana está em via de desaparecer. Os verdadeiros processos contraditórios tornam-se raros. A administração, a polícia tendem a ser substituídas pelos juízes, nossa própria justiça está se tornando uma espécie de administração. Em breve os casos de acidentes de trânsito, de fraude e de indemnização em caso de divórcio serão tratados por computador. E se colocarão num programa de computador os interesses do desenvolvimento colectivo do grupo; não a justiça, que não cabe nos mecanismos do computador. Agora entendemos por direito uma técnica de controle social, ou a salvaguarda dos direitos do homem. Os fins que os juristas têm na cabeça são diferentes dos fins dos jurisconsultos romanos.<br />Somos cativos, estamos enredados nas malhas de uma linguagem que nos impõe a visão do mundo de nosso meio, uma certa filosofia cujos efeitos são desastrosos. <br />Já, seria tempo de enfrentar a questão da linguagem do direito. Não deveríamos nos contentar apenas com estudos “científicos”. Precisamos de um estudo crítico da linguagem, que quebre nos hábitos científicos de neutralidade.<br />Este juízo de valor, que nossas ciências são incapazes de proporcionar, pressupõe um olhar de conjunto sobre a pluralidade das artes, a fim de que se reconheça a semântica própria a cada uma delas: um trabalho de filosofia, mesmo que a filosofia hoje não seja muito bem vista e os estudos especulativos tenham sido oficialmente abandonados. Libertar-nos do domínio de uma linguagem inadequada, da qual somos prisioneiros, é um dos ofícios da filosofia. Sem ela nosso discurso não cessará de mergulhar na confusão. <br />Espero que me perdoem, por um esboço tão simplificado como este. Não apresentei senão uma panorâmica extremamente sumária e sem me descurar das correcções e criticas necessários para o enriquecimento da arte jusfilosófica; este é meu parecer, salvo opinião contrária.<br />______________________________________  <br />Hans Kelsen, Teoria pura do direito, 1976, p. 103.<br />Hans Kelsen, Teoria pura do direito, 1976, p. 104.<br />Hans Kelsen, Teoria pura do direito, 1976, p. 107.<br />Eduardo C. B. Bittar.<br />Michel Villey, Filosofia do direito – definições e fins do direito; os meios do direito, p.52. <br />Michel Villey, Filosofia do direito – definições e fins do direito; os meios do direito, p.59.<br />Comentário de Kardec.<br />Michel Villey, Filosofia do direito – definições e fins do direito; os meios do direito, p.61.<br />Michel Villey, Filosofia do direito – definições e fins do direito; os meios do direito, p.62.<br />Michel Villey, Filosofia do direito – definições e fins do direito; os meios do direito, p.7.<br />Michel Villey, Filosofia do direito – definições e fins do direito; os meios do direito, p.8.<br />Diogo Freitas do Amaral, Historia das ideias politicas, volume I, p.115.<br />Aristóteles, Etica a Nicómaco, livro I a V.<br />Michel Villey, Filosofia do direito – definições e fins do direito; os meios do direito, p.65.<br />Michel Villey, Filosofia do direito – definições e fins do direito; os meios do direito, p.66.<br />Michel Villey, Filosofia do direito – definições e fins do direito; os meios do direito, p.73.<br />  <br />      <br />      <br />       <br /> <br />
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Justiça vs Direito

  • 1. JUSTIÇA vs DIREITO<br />O apelo à justiça e a invocação de um direito justo tem marcado a historia do homem desde a criação e constituem permissas, creio essenciais, para o seu aperfeiçoamento e evolução num tempo, em que o sobressalto do abismo e o abeirar do caos coloca novos e complexos desafios a inteligência humana.<br />Falar de justiça e direito, é como pronunciar uma palavra mágica, do tipo quot; abre-te sésamoquot; , em que se descerra uma larga porta pelas quais todos passam, desde os mais miseráveis até os mais abastados, só que, infelizmente, pouquíssimos saem num prazo razoável em que alguns casos ou países devem ver se existe.<br />Algumas construções, consagram a construção de uma sociedade livre, justa, de paz e igualdade social. Embora, assim tipificado, alguns defendem que, cada dia que passa esta mesma sociedade, esta cada vez mais a regredir no que tange o alcance da justiça, igualdade e liberdade para todos. Questiona-se ainda, o que é ser igual? Que tipo de sociedade justa se pretende? Será a justiça um sonho? Ou, será a justiça apenas a materialização de um direito posto? Quem é justo e quem não é justo? Quem é igual e quem não é igual? Por fim, o que é justiça e o que é direito?<br />Com base a mesma ordem de pensamento e reflexão, eu pessoalmente tinha um “equívoco” no que tange “justiça e direito”, até o dia que afirmei numa palestra (dirigida pelo Professor Eduardo Vera Cruz, na Universidade Óscar Ribas), que “o direito entra em conflito com a justiça”, desde logo, o prelector corrigiu-me ao salientar que o direito “no verdadeiro sentido da palavra” em momento algum entra em choque com a justiça, frisou ainda que, não devemos confundir direito com leis, porque nem tudo que é lei é direito; e que, existe justiça “particular” e a justiça “universal”.<br />Com este brilhante esclarecimento por parte do professor Eduardo Vera Cruz, senti a necessidade de fazer esta abordagem analítica e exaustiva, no que concerne a justiça e o direito numa perspectiva jusfilosófica. Visto que não existe causas sem efeitos, nem efeitos sem causa, logo, não é por acaso observamos um certo equívoco ou a falta de compreensão sobre o termo “justiça”, por parte de estudantes de direito e não só. Acho que, com esta abordagem desencadear-se-á o desejo de uma discussão académica incessante por parte de estudantes ávidos por aprender e partilhar conhecimento, quebrando assim o conformismo e dogmatismo cientifico-filosofico, em relação a estes conceitos basilares da arte jurídica. <br />A noção de justiça designa, por um lado o princípio moral que exige o respeito da norma do direito e, por outro, a virtude que consiste em respeitar os direitos do outro. <br />Adianta salientar que, muitas pessoas confundem o significado dos termos justiça e direito, porque, o conceito dos dois termos são aparentados e correspondem as formas complementares de encarar o que é justo. São conceitos estruturantes a uma ética de valores e de conduta. <br />O que quer dizer para nós que o Direito busca a justiça?<br />Segundo a doutrina neopositivista, isto quer dizer absolutamente nada, porque o termo justiça não remete a nenhum dado verificável, sendo portanto uma “palavra vazia”, que se deve proscrever. Pois a justiça escapa das redes da ciência moderna. Com o desenvolvimento do movimento científico moderno, muitos doutrinários como Hume ou Marx denunciaram este conceito obscuro, ideológico e ilusório. <br />Um kelseniano esta ser muito consequente quando, de modo radical, exclui o justo da noção de direito ao defender que; o direito não precisa respeitar um mínimo moral para ser definido e aceito como tal, pois a natureza do direito para ser garantida em sua construção, não requer nada além do valor jurídico (1).  Então, direito e moral se separam (2).  Assim, é válida a ordem jurídica ainda que contrarie os alicerces morais (3).<br />O que de facto ocorre é que Kelsen quer expurgar do interior do direito, a preocupação com o que é justo e o que é injusto. Isto porque, o valor justiça é relativo e não há concordância entre os teóricos e entre os povos e civilizações de qual o definitivo conceito de justiça (4).<br />É também, verdade que os positivistas ainda não conseguiram eliminar a palavra “justiça” de nosso vocabulário. De facto ela permanece bastante frequente, mas muito mais nos discursos dos políticos, na imprensa, nos sermões dos padres progressistas, do que nos tratados de direito civil.<br />A ideia actual de justiça inflectiu-se sob a influência do idealismo, que foi buscar a filosofia na razão pura subjectiva. A justiça tornou-se um sonho do espírito humano, sonho de igualdade absoluta e é também sonho de liberdade, de “respeito por cada ser humano”, de exaltação dos “direitos do homem”, e de que cessem as interdições e legislações repressivas. Estes dois sonhos são incompatíveis.<br />Ora, se a justiça assim entendida alimenta as plataformas revolucionárias, a tarefa quotidiana do juiz nada tem a ver com a busca desses ideais irrealizáveis. Entre a Justiça do idealismo e, por outro lado, a aplicação da justiça (com “j” minúsculo), há uma cisão, um abismo entre Justiça e Direito; e se insistimos que o direito está a serviço da justiça, há o risco de equívocos. Esta fórmula esvaziou-se de sua substancia original (5). <br />Logo, podemos afirmar que o termo “justiça” tem dois sentidos: uma entendida como virtude moral, e outra como virtude que concerne mais directamente aos juristas, sendo assim, a “justiça geral” e a “justiça particular”.<br />É oportuno salientar, que a “justiça geral” não se confunde com a plena moralidade. E o que evoca a palavra justiça, tão trabalhada pelos pensadores gregos (Pindaro, Heraclito, Platao, os Tragicos) é particularmente uma ideia de ordem, de harmonia, ou de boa relação com os outros na cidade (na qual um ocupara seu lugar e exercerá seu papel, como na cidade idealmente justa da Republica de Platão), ou mesmo uma relação harmoniosa com o cosmos (6).<br />O critério da verdadeira justiça é de facto o de se querer para os outros aquilo que se quer para si mesmo, e não de querer para si o que se deseja para os outros, o que não é a mesma coisa. Como não é natural que se queira o próprio mal, se tomarmos o desejo pessoal por norma ou ponto de partida, podemos estar certos de jamais desejar ao próximo senão o bem. Desde todos os tempos e em todas as crenças, o homem procurou sempre fazer prevalecer o seu direito pessoal. O sublime da religião crista foi tomar o direito pessoal por base do direito do próximo (7).<br />Deste modo, a justiça assim entendida transcende largamente os limites do direito, englobando toda a moral ou pouco falta para tal. <br />E, contudo, acaso poderíamos dizer que a justiça geral ou universal não interessa absolutamente ao direito? Seria esquecer a relevância eminentemente fundamental que a observância da lei moral representa para toda ordem social. Hoje em dia quando esta ordem moral parece estar desmoronando, tomamos consciência dessa importância. A vida em sociedade seria insustentável num lugar em que se roubasse, em que ninguém ousasse deixar o carro estacionado, nem a pá e a picareta no local de trabalho, em que não se pudesse confiar em nenhuma promessa. Nenhum grupo de homens poderia sobreviver sem adesão a uma moral.<br />De facto, existem sociedades que na têm outro princípio de coexistência alem das leis comuns de moralidade. O que antigamente valia para as relações internacional: Tudo o que se pode exigir das nações entre si é que respeite certas virtudes, a humanidade, uma disposição para paz, a fidelidade às promessas feitas. Como haviam reconhecido os gregos, as leis morais são as colunas da cidade (8).<br />Do ponto de vista linguístico, a linguagem grega parece autorizar uma confusão que culminará com a não distinção entre “direito” e “moral”. Tomamos como exemplo as “Leis da Republica de Platão”, que têm como objectivo regulamentar a moral pública, tornar a conduta dos cidadãos, justa no sentido geral do termo. Poderíamos talvez chamá-la de uma obra de direito? Devemos entender por direito um sistema de regras de conduta? <br />Aristóteles recusou-se a faze-lo. Não devemos identificar o direito com a observância destas leis morais feitas para reger condutas. E, se sua Ética tratasse unicamente da justiça no sentido geral, ele não seria chamado de fundador da filosofia do direito. Sua contribuição original não reside nisso, mas em ter tirado da obscuridade a ideia de justiça “particular” (9).<br />Aristóteles passou a analisar outras frases, em que a palavra justiça é impregada num sentido estrito. Sendo um homem “justo” aquele que tem o costume de não pegar “mais do que lhe cabe” dos bens “exteriores” disputados num grupo social, nem menos do que lhe cabe do passivo, dos encargos. Numa perspectiva sucessorial, ser justo é não se apropriar dos mais belos da sucessão; para o vendedor, devolver o troco exacto; para um banqueiro, pagar suas dívidas (10).<br />A virtude assim circunscrita é pois uma parte da moralidade total e da “justiça geral”. Seus contornos são bem mais nítidos. Trata-se, de facto, de uma virtude que deixa de se confundir com a “soma de todas as virtudes”. A justiça “particular” se opõe as três outras virtudes cardeais, a força, a prudência e a temperança ou as outras que a Ética descreve e classifica (11).<br />Logo, a justiça “particular é uma virtude eminentemente social, quintessência da justiça e, tratar da justiça no sentido “particular” do termo, porém, já significa abordar a arte jurídica.<br />Qual é, de facto, o objectivo dessa justiça, a finalidade visada por esse comportamento? A que visa o homem justo?<br />A não tomar nem mais nem menos do que lhe cabe; a que “cada um tenha a sua parte”; a que se realize, numa comunidade social, a justa divisão dos bens e de encargos, tendo sido esta divisão reconhecida e determinada previamente. <br />Pois semelhante tarefa não pode ser, em última instancia, ofício de particulares. <br />Mas, para que os homens se tornem bons, é necessário que o governo e as leis dos países sejam orientados para a consecução do bem (12): “pois a maior parte das pessoas obedecem mais à necessidade do que aos argumentos e mais às punições do que ao sentido do que é nobre” (13).<br />A justiça particular parece pois ter a alçada dos juízes, dos juristas. Como sublinhou São Tomás de Aquino em seus comentários, o particular – “o homem justo” – não passa de um executor do direito. Consequentemente analisar a justiça particular significava definir a arte do direito.<br />Desde já adiantar que, o direito não busca a verdade, este objectivo pertenceria à filosofia, a não ser que consideremos o direito como uma ciência. Kelsen ludibria-nos quando quer fazer do jurista um cientista puro (14).<br />O direito não busca a utilidade, o bem-estar dos homens, sua segurança, seu enriquecimento, seu progresso, seu crescimento; pelo menos este não é seu objectivo próximo, directo, imediato.<br />O direito é medido da divisão dos bens. Segundo uma fórmula repetida pela maioria dos filósofos e juristas em Roma, como Ulpiano, o papel do direito é atribuir a cada um o que é seu (suum cuique tribuere).<br />Hans Kelsen, entre outros, criticou a fórmula greco-romana (suum cuique tribuere), acusando-a de ser tautológica e perfeitamente inútil, por não esclarecer sobre o que cabe a cada um. O que significa enganar-se sobre seu sentido. Ela visa somente ajudar-nos a não confundir a função da arte jurídica com a função do cientista ou do técnico: uma confusão na qual Kelsen, por seu lado, caiu (15).<br />Ainda assim, adianta salientar que, há muitas espécies de bens, que são indivisíveis, os chamados bens espirituais.<br />Assim, a verdade e amor são indivisíveis. Nem o amor de Deus, nem a liberdade, nem o “respeito pelo ser humano”. Não são matérias sobre o as quais se possa exercer a virtude de justiça nem o direito propriamente dito; mas virtudes distintas ou artes distintas. Segundo, Gabriel Marcel, o direito não diz respeito ao mundo do “ser”, referindo se ao mundo do ter, das coisas que dividimos.<br />Há, de facto também, necessidade de observamos que a arte jurídica pressupõe e se exerce num grupo social ou melhor não existe direito, se não no interior de um grupo social, de certos grupos em que se opera uma divisão.<br />Nada mais duvidoso que a máxima “ubi societas ibi jus”, a menos que se entenda societas num sentido relativamente estrito. Há formas de vida em comum que normalmente não comportam divisão jurídica dos bens, como grupos particulares de amigos, um “monasterio franciscano” teoricamente não precisaria do direito, e também a igreja cristã. Ainda que a igreja cristã tem cânones, regras de condutas comuns, coisa que não se deveria confundir com o direito em seu sentido próprio. <br />Sua função não é vigiar a virtude do indivíduo, nem mesmo regular sua conduta. Para o jurista, não importa que subjectivamente eu seja honesto e cheio de boas intenções para com as finanças públicas, mas sim que meu imposto seja pago e que seja descoberta e definida a parte de imposto que me cabe. “A ideia do direito é filha da justiça” (16). <br /> A prior salientar que, não devemos considerar esta análise ultrapassada. É também verdade uma outra doutrina (controverso da minha fonte doutrinal) impera hoje; onde o discurso do direito é constituído de proposições “prescritivas”, “imperativas”, “deontológicas”, como se o jurista se referisse imediatamente à acção dos indivíduos, cumprisse a função de um director de conduta dos que estão sujeitos à justiça. Que é muito duvidoso, porque uma sentença judiciária, um artigo do nosso Código Civil têm por função indicar a parte de cada um.<br />Não creio que a tarefa de distribuição dos bens e dos encargos seja hoje menos necessária do que era em Roma. O mundo actual assiste conflitos entre divorciados pela divisão da guarda dos filhos, entre fisco e comerciantes, empregados e empregadores, defensores dos grandes aglomerados urbanos e defensores da natureza, fabricantes de conservas insalubres e consumidores, terceiro mundo e países desenvolvidos, grandes companhias petroleiras e industriais etc. O aumento da frequência das trocas, a existência de um mercado mundial, a invenção das armas nucleares, obriga a constituição de um direito internacional. Outras circunstâncias, outras soluções, mas o tipo de questão posta permanece idênticas.<br />Devemos considerar viva, hoje, a necessidade de uma arte que “atribua a cada um o que é seu”. Não podemos dizer que o mundo actual tenha se destacado especialmente por sua preocupação com a justiça. O mundo actual nominalista tanto sacrificou ao serviço do individuo – ou da nação, de sua potência, de seu enriquecimento - que negligenciou o equilíbrio das relações sócias. Certamente não faltam problemas de justiça. O direito no sentido clássico do termo tem sua razão de ser, permanente.<br />Para concluir, não é de espantar se actualmente toda ordem social é contestada – e que pululem os movimentos de libertação de todos laços sociais ou familiares; reacção bem compreensível contra a imagem insuportável de um direito opressivo ou repressivo que se tornou um sistema de dominações.<br />A palavra justiça foi confiscada pelos clérigos ou por seus herdeiros, os idealistas, que dela se serviram para designar o estado de perfeição do reino dos céus ou de uma futura sociedade igualitária; e a palavra direito foi cooptada pelos fanáticos do Estado e identificada com o conjunto das leis estatais. O sentido desses dois termos mudou. É, também notória, um excesso de leis e pesquisas sociais, e uma grande carência de justiça.<br />Donde a urgência da restauração da justiça, restauração da autonomia de nossas faculdades, retomada da consciência do fim do oficio do direito. E não poderemos alcançar este objectivo sem a renovação da linguagem.<br />Porque, nós a substituímos pela linguagem da moral, linguagem concebida para exprimir não mais as justas relações sociais, centrando-se, ao contrário, no indivíduo e nas virtudes ou condutas do indivíduo. Linguagem “deontológica”, prescritiva, feita para ditar mandamentos, enquanto a justiça diz proporções. Inseridas nesta nova estrutura, todos os termos mudaram de sentido. <br />A história mudou. O arquétipo do direito à moda romana está em via de desaparecer. Os verdadeiros processos contraditórios tornam-se raros. A administração, a polícia tendem a ser substituídas pelos juízes, nossa própria justiça está se tornando uma espécie de administração. Em breve os casos de acidentes de trânsito, de fraude e de indemnização em caso de divórcio serão tratados por computador. E se colocarão num programa de computador os interesses do desenvolvimento colectivo do grupo; não a justiça, que não cabe nos mecanismos do computador. Agora entendemos por direito uma técnica de controle social, ou a salvaguarda dos direitos do homem. Os fins que os juristas têm na cabeça são diferentes dos fins dos jurisconsultos romanos.<br />Somos cativos, estamos enredados nas malhas de uma linguagem que nos impõe a visão do mundo de nosso meio, uma certa filosofia cujos efeitos são desastrosos. <br />Já, seria tempo de enfrentar a questão da linguagem do direito. Não deveríamos nos contentar apenas com estudos “científicos”. Precisamos de um estudo crítico da linguagem, que quebre nos hábitos científicos de neutralidade.<br />Este juízo de valor, que nossas ciências são incapazes de proporcionar, pressupõe um olhar de conjunto sobre a pluralidade das artes, a fim de que se reconheça a semântica própria a cada uma delas: um trabalho de filosofia, mesmo que a filosofia hoje não seja muito bem vista e os estudos especulativos tenham sido oficialmente abandonados. Libertar-nos do domínio de uma linguagem inadequada, da qual somos prisioneiros, é um dos ofícios da filosofia. Sem ela nosso discurso não cessará de mergulhar na confusão. <br />Espero que me perdoem, por um esboço tão simplificado como este. Não apresentei senão uma panorâmica extremamente sumária e sem me descurar das correcções e criticas necessários para o enriquecimento da arte jusfilosófica; este é meu parecer, salvo opinião contrária.<br />______________________________________ <br />Hans Kelsen, Teoria pura do direito, 1976, p. 103.<br />Hans Kelsen, Teoria pura do direito, 1976, p. 104.<br />Hans Kelsen, Teoria pura do direito, 1976, p. 107.<br />Eduardo C. B. Bittar.<br />Michel Villey, Filosofia do direito – definições e fins do direito; os meios do direito, p.52. <br />Michel Villey, Filosofia do direito – definições e fins do direito; os meios do direito, p.59.<br />Comentário de Kardec.<br />Michel Villey, Filosofia do direito – definições e fins do direito; os meios do direito, p.61.<br />Michel Villey, Filosofia do direito – definições e fins do direito; os meios do direito, p.62.<br />Michel Villey, Filosofia do direito – definições e fins do direito; os meios do direito, p.7.<br />Michel Villey, Filosofia do direito – definições e fins do direito; os meios do direito, p.8.<br />Diogo Freitas do Amaral, Historia das ideias politicas, volume I, p.115.<br />Aristóteles, Etica a Nicómaco, livro I a V.<br />Michel Villey, Filosofia do direito – definições e fins do direito; os meios do direito, p.65.<br />Michel Villey, Filosofia do direito – definições e fins do direito; os meios do direito, p.66.<br />Michel Villey, Filosofia do direito – definições e fins do direito; os meios do direito, p.73.<br /> <br /> <br /> <br /> <br /> <br />