Este documento contém trechos de poemas de três poetas portugueses que destacam a importância e o poder da poesia. O primeiro trecho de Eugénio de Andrade enfatiza que a leitura de poemas não requer nada além do próprio poema. Os trechos seguintes de Florbela Espanca e Miguel Torga descrevem a poesia como uma forma de expressão profunda e apaixonada que transcende o tempo. O último trecho de Sophia de Mello Breyner Andresen fala sobre como os poemas continuarão a viver e tocar
Peguem num poema e leiam-no. Não é preciso mais nada
1.
2. “Peguem num poema e
leiam-no.
Não é preciso
mais
nada.”
EUGÉNIO DE ANDRADE
3.
4. Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!
É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!
É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e cetim…
É condensar o mundo num só grito!
E é amar-te, assim, perdidamente…
É seres alma e sangue e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!
Florbela Espanca in «Poesia Completa»
5. Orfeu Rebelde
Orfeu rebelde, canto como sou:
Canto como um possesso
Que na casca do tempo, a canivete,
Gravasse a fúria de cada momento;
Canto, a ver se o meu canto compromete
A eternidade do meu sofrimento.
Outros, felizes, sejam os rouxinóis...
Eu ergo a voz assim, num desafio:
Que o céu e a terra, pedras conjugadas
Do moinho cruel que me tritura,
Saibam que há gritos como há nortadas,
Violências famintas de ternura.
Bicho instintivo que adivinha a morte
No corpo dum poeta que a recusa,
Miguel Torga
Canto como quem usa
Os versos em legítima defesa.
Canto, sem perguntar à Musa
Se o canto é de terror ou de beleza.
6.
7. O poema me levará no tempo
Quando eu já não for eu
E passarei sozinha
Entre as mãos de quem lê.
O poema alguém o dirá
Às searas
Sua passagem se confundirá
Com o rumor do mar com o passar do vento
O poema habitará
O espaço mais concreto e mais atento
No ar claro nas tardes transparentes
Suas sílabas redondas
(Ó antigas ó longas
Eternas tardes lisas)
Mesmo que eu morra o poema encontrará
Uma praia onde quebrar as suas ondas
E entre quatro paredes densas
De funda e devorada solidão
Alguém seu próprio ser confundirá
Com o poema no tempo.
Sophia de Mello Breyner Andresen