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Braz. J. Food Technol., VII BMCFB, dez. 2008




Cinética da fermentação e balanço de massa da produção de cachaça artesanal
           Fermentation kinetics and mass balance of the production of cachaça artesanal


                                               Resumo
       Autores | Authors
                                                  O presente trabalho descreve os resultados obtidos em uma aula prática
                Walter CARVALHO            da disciplina Tecnologia de Bebidas Fermentadas e Destiladas, ministrada para
      Universidade de São Paulo (USP)      graduandos em Engenharia Bioquímica na Escola de Engenharia de Lorena.
  Escola de Engenharia de Lorena (EEL)     Como forma de demonstrar, na prática, conceitos e métodos envolvidos na
         Departamento de Biotecnologia
    Estrada Municipal do Campinho, s/n     fermentação e destilação de bebidas alcoólicas, propôs-se aos alunos produzir
                       Caixa Postal: 116   aguardente artesanal a partir de caldo de cana-de-açúcar. Inicialmente, 5 dúzias
                        CEP: 12602-810     de cana (139 kg) foram submetidas à moagem, gerando 52 L de caldo com
                      Lorena/SP – Brasil
      e-mail: carvalho@debiq.eel.usp.br
                                           21 °Brix. Após a diluição do teor de sólidos solúveis para 15 °Brix, o mosto
                                           (73 L) foi transferido para uma dorna de aço inox (100 L) e inoculado com 365 g
                                           de fermento prensado, resultando em concentração inicial de células igual a
                 Larissa CANILHA
                                           5 x 107 cels.mL–1. A fermentação foi conduzida em temperatura ambiente e, ao
      Universidade de São Paulo (USP)
  Escola de Engenharia de Lorena (EEL)     final de 114 h, a atenuação do mosto chegou a aproximadamente 75%. Houve
        Departamento de Biotecnologia      crescimento celular intenso durante as primeiras 12 h de fermentação, com
        e-mail: larissa@debiq.eel.usp.br   velocidades específicas de multiplicação iguais a 0,28 h-1 (0-4 h) e 0,09 h-1 (4-12 h).
                                           Entre 12 e 114 h de fermentação, porém, a concentração de células suspensas no
João Batista de ALMEIDA e SILVA            meio se comportou de maneira irregular, variando entre 1,3 e 3,1 x 108 cels.mL–1.
      Universidade de São Paulo (USP)      Considerando-se o etanol como produto de interesse, obteve-se: produção de
  Escola de Engenharia de Lorena (EEL)     47,4 g.L–1, produtividade de 0,42 g.L–1.h–1 e rendimento de 0,41 g.g–1 (80,4% de
        Departamento de Biotecnologia
   e-mail: joaobatista@debiq.eel.usp.br    eficiência). O vinho obtido (teor alcoólico de 6,0 °GL) foi submetido à destilação
                                           em um alambique de cobre (25 L), em 4 bateladas (17,5 L cada). Desprezaram-se
                                           10% do volume teórico de aguardente como destilado de cabeça (cerca de
                                           0,2 L em cada batelada). Em seguida, recolheu-se o destilado de coração até
                                           a graduação alcoólica atingir um valor em torno de 40 °GL (cerca de 2,5 L em
                                           cada batelada). Por fim, o aquecimento do alambique foi suspenso e a vinhaça
                                           descartada. O rendimento global do processo foi de 72 L de aguardente de
                                           coração (40,5 °GL) por tonelada de cana processada.
                                           Palavras-chave: Cachaça; Fermentação; Destilação; Cinética;
                                           Balanço de massa.
Braz. J. Food Technol., VII BMCFB, dez. 2008




    Summary

        This manuscript describes the results obtained in a practical course of
the discipline Technology of Fermented and Distilled Beverages ministered to
undergraduate students majoring in Biochemical Engineering at the Engineering
College of Lorena. As a way to demonstrate concepts and methods involved in
the fermentation and distillation of alcoholic beverages, it was proposed to the
students to produce cachaça artesanal from the sugarcane juice. Initially, 5 dozens
of cane (139 kg) were submitted to crushing, generating 52 L of juice (21 °Brix).
After dilution to 15 °Brix with drinking water, the juice (73 L) was transferred to
a 100-L stainless steel fermenter and inoculated with 365 g of pressed baker’s
yeast, resulting in an initial cell concentration of 5 x 107 cells.mL–1. The fermentation
was carried out under ambient temperature and, after 114 h, the consumption of
soluble solids reached approximately 75%. The cell growth was intense during
the first 12 h of fermentation, with specific growth rates of 0.28 h–1 (0-4 h) and
0.09 h-1 (4-12 h). After this period, the concentration of suspended cells in the
medium behaved in an irregular fashion, varying between 1.3 and 3.1 x 108 cells.
mL–1. Considering the ethanol as product of interest, a production of 47.4 g.L–1, a
productivity of 0.42 g.L–1.h–1 and a yield of 0.41 g.g–1 (efficiency of 80.4%) were
achieved in the fermentation. The wine thus obtained (6.0 °GL) was submitted
to distillation in a 25-L copper still (4 batches). In each batch, the still was filled
with 17.5 L of wine, the heating was turned on, and the first 0.2 L of distillate
was discarded as head’s distillate. The heart’s distillate was then collected down
to an alcoholic content of 40 °GL (approximately 2.5 L of distillate produced in
each batch). The run was ended up by turning the heating off and appropriately
discarding the vinasse. Overall, the yield of the process was of 72 L of heart’s
cachaça (40.5 °GL) per ton of sugarcane processed.
Key words: Cachaça; Fermentation; Distillation; Kinetics; Mass balance.
www.ital.sp.gov.br/bj

Cinética da fermentação e balanço de massa da produção de cachaça artesanal
CARVALHO, W. et al.



    1 Introdução                                                   No presente trabalho, descrevemos a metodologia
                                                            utilizada para a produção de cachaça artesanal em
       A história da cachaça se confunde com a
                                                            uma aula prática ministrada na Escola de Engenharia
própria história do Brasil. A sua produção teve início no
                                                            de Lorena. Este experimento foi proposto a estudantes
século XVI, quando se observou que a borra (cachaza)
                                                            de graduação com o objetivo de demonstrar, na prática,
separada do processo de concentração da garapa
                                                            conceitos e métodos envolvidos na fermentação e desti-
para a produção de açúcar, colocada em recipiente e
                                                            lação de bebidas alcoólicas. Os resultados obtidos foram
deixada de um dia para o outro, fermentava produzindo
                                                            analisados buscando-se explorar a cinética da fermen-
um líquido com cheiro e sabor diferente. Submetido à
                                                            tação e o balanço de massa do processo, o que permitiu
destilação, o líquido gerava uma bebida transparente,
                                                            aos alunos aplicar conceitos abordados em outras disci-
brilhante e ardente. Considerando-se que parecia com
                                                            plinas do curso de Engenharia Bioquímica.
água, optou-se por chamá-la “água ardente”. Outro nome
que lhe foi atribuído foi “cachaça”, por ser originada da      2 Material e métodos
borra ou cachaza (LIMA, 2001).
                                                                   A Figura 1 apresenta o fluxograma utilizado para
      Até o fim da 2ª Guerra (1939-1945), o plantio e       a produção da cachaça artesanal, conduzida na Planta
processamento da cana-de-açúcar e a comercialização         Piloto de Bebidas da Escola de Engenharia de Lorena.
da aguardente eram realizados por engenhos de pequena       A cana-de-açúcar foi adquirida de um pequeno produtor
capacidade. A quantidade consumida era menor que a          local. Cinco dúzias de colmos maduros foram colhidas
produzida, sendo o excedente armazenado em tonéis de        diretamente na lavoura, sendo as folhas e os ponteiros
madeira. Após a 2ª Guerra, a população aumentou muito e     descartados. Os colmos foram então transportados até a
também o consumo, que passou a exigir maior volume de       Escola de Engenharia de Lorena e lavados para remoção
produção e, consequentemente, ampliação das lavouras        de terra e sujidades. Após pesagem (139 kg), foram
e das capacidades fabris (LIMA, 1999).
        Atualmente, são comuns as grandes destilarias,
com capacidades de produção que podem chegar a                                   Cana-de-açúcar
20.000 L.h–1, e as engarrafadoras autônomas, que detêm                                                139 kg
marcas comerciais conhecidas em todo o País e possuem
capacidade de engarrafar até 400.000 garrafas de                                      Moagem                    Bagaço
600 mL por dia (LIMA, 1999; LIMA, 2001). Estima-se que
a produção anual seja superior a 1,3 bilhões de litros, o
que coloca a bebida como a segunda mais vendida no                                Caldo de cana
Brasil, perdendo apenas para a cerveja (MALTA, 2006).                                                 52 L (21 °Brix)
Embora a produção seja consumida quase que totalmente
no mercado interno, há potencial para aumento signifi-                                Filtração
cativo nas exportações, pois é crescente a aceitação da
bebida no exterior (ESTANISLAU et al., 2002; MIRANDA
et al., 2007).                                                                    Diluição (H2O)

       Do ponto de vista da legislação brasileira, a
aguardente de cana, popularmente conhecida como                 Fermento                Mosto
pinga, deve conter entre 38 e 54% de álcool (expresso                                                 73 L (15 °Brix)
em volume). É constituída de água e etanol em grandes
proporções, além de vários outros componentes (ácidos                             Fermentação
orgânicos, ésteres, aldeídos e alcoóis superiores) produ-
zidos em pequenas quantidades durante a fermentação.
Estes componentes minoritários, porém extremamente                                      Vinho
diversificados, são os principais responsáveis pelo sabor                                              70 L (6 °Brix)
e aroma da bebida (DATO et al., 2005).
                                                                                      Destilação                Vinhaça
       A produção de cachaça segue operações simples.
Entretanto, sabe-se que o desconhecimento da ciência
envolvida na produção desta bebida limita a quantidade
                                                                Cachaça de "cabeça"                Cachaça de "coração"
e a qualidade do produto disponibilizado no mercado
por pequenos produtores, sendo este um dos principais                                                          10 L (40,5 °GL)
entraves para a exportação de grandes quantidades do        Figura 1. Fluxograma do processo de produção da cachaça
produto (MIRANDA et al., 2007).                             artesanal.


Braz. J. Food Technol., VII BMCFB, dez. 2008                                                                                4
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Cinética da fermentação e balanço de massa da produção de cachaça artesanal
CARVALHO, W. et al.



submetidos à moagem em um terno de moenda e o suco             onde E: Graduação alcoólica (°GL); BI: Brix inicial (°Brix);
obtido foi filtrado em um coador plástico. A concentração      BF = Brix final (°Brix); C: Concentração celular (cels.mL–1);
de sólidos solúveis no suco filtrado (52 L) foi de 21 °Brix.   N: Número total de células em 5 campos da câmara (cels);
Previamente à inoculação, o suco foi diluído com 21 L          FD: Fator de diluição (-); A: Volume teórico de aguardente
de água potável em uma dorna de aço inox com fundo             a 45 °GL (L); Vvinho: Volume de vinho (L); GAvinho: Graduação
cônico (volume total de 100 L). A fermentação foi iniciada     alcoólica do vinho (°GL).
inoculando-se os 73 L de mosto (15 °Brix) com 365 g de                A graduação alcoólica do destilado “de coração”
fermento de panificação prensado (Fleischmann), o que          foi determinada por densimetria, utilizando-se um alcoô-
resultou em uma concentração inicial de células igual
                                                               metro de Gay-Lussac calibrado a 20 °C. Após a medida,
a 5 x 107 cels.mL–1. A fermentação foi conduzida em
                                                               o teor de etanol foi corrigido levando-se em consideração
temperatura ambiente por um período de 114 h. Ao final
                                                               a temperatura ambiente no momento da medida.
deste período, a levedura decantada no fundo da dorna
foi descartada e o vinho obtido (70 L, com graduação               3 Resultados e discussão
alcoólica de 6 °GL) foi submetido à destilação em um
alambique de cobre (volume total de 25 L), em 4 bate-                 No presente trabalho, procuramos sistematizar
ladas sucessivas. Em cada batelada, 17,5 L de vinho            as rotinas operacionais e analíticas utilizadas por nós
foram transferidos para o alambique e o aquecimento da         para a produção de cachaça artesanal. A simples
caldeira (com fogão a gás) foi iniciado. Do volume teórico     adoção de rotinas semelhantes a estas permitiria aos
de aguardente, os 10% iniciais foram descartados como          muitos pequenos produtores espalhados por todo o
destilado “de cabeça” (cerca de 0,2 L em cada batelada).       País conhecer o comportamento dos seus sistemas de
Controlando-se o aquecimento para o alambique não              produção e, assim, aferir rendimentos e produtividades
“vomitar”, a destilação foi conduzida lentamente até a         em cada uma das etapas do processo. De posse destes
graduação alcoólica da aguardente “de coração” apre-           dados, o produtor poderia detectar desvios do compor-
sentar um valor em torno de 40 °GL (cerca de 2,5 L em          tamento “adequado” em tempo real e, assim, ajustar
cada batelada). Por fim, o aquecimento do alambique foi        as condições de operação para minimizar perdas na
suspenso e a vinhaça descartada.                               eficiência de transformação e padronizar a qualidade
       As fermentações foram acompanhadas deter-               da bebida.
minando-se a temperatura do mosto em fermentação                     Conforme já mencionado, a cana foi inicialmente
(com um termômetro convencional) e analisando-se               lavada, moída e filtrada. O pH (5,4) e a concentração de
amostras retiradas periodicamente quanto ao consumo            sólidos solúveis (21 °Brix) determinados no caldo filtrado
de açúcares e ao crescimento celular. As amostras foram        foram condizentes com os valores esperados para canas
inicialmente centrifugadas a 4.000 rpm por 20 min. Os          maduras: pH entre 5,4 e 5,8 e concentração de sólidos
sobrenadantes foram utilizados para a determinação do          solúveis superior a 18 °Brix (LIMA, 1999).
teor de sólidos solúveis (por leitura direta em refratô-              Previamente à inoculação, o caldo foi diluído com
metro de °Brix) e do pH (por leitura direta em pHmetro         água potável para se ajustar o teor de sólidos solúveis em
– Ecomet P25). Os precipitados foram utilizados para a         15 °Brix. A fermentação foi então iniciada adicionando-se
quantificação do crescimento celular (por contagem em
                                                               365 g de fermento prensado ao caldo diluído, em uma
câmara de Neubauer) após ressuspensão e diluição em
                                                               dorna de aço inox. A Figura 2 apresenta os perfis de
água destilada.
                                                               variação de temperatura (entre 24 e 30 °C), decréscimo
      O cálculo do teor de etanol e a concentração             de pH (de 5,2 para 3,6), consumo de sólidos solúveis
de células suspensas no mosto em fermentação foram             (de 15,0 para 4,0 °Brix) e produção de etanol (6,0 °GL),
determinados de acordo com as Equações 1 e 2, respec-          observados durante a fermentação.
tivamente. O volume teórico de aguardente descartado
                                                                      A temperatura do mosto em fermentação, embora
como destilado “de cabeça” foi calculado empregando-se
                                                               não controlada, permaneceu próxima aos valores consi-
a Equação 3 (SMILEY, 1999).
                                                               derados como adequados para a fermentação alcoólica,
E=
     (BI − BF )× 4                                             entre 26 e 28 °C (LIMA, 1999). O pH do meio sofreu uma
                                                         (1)
         7,4                                                   queda acentuada durante as primeiras 24 h de fermen-
                                                               tação (de 5,2 para 3,7), vindo a se estabilizar em torno de
C = N × 5E04 × FD                                        (2)   3,5 posteriormente. O consumo progressivo dos açúcares
                                                               presentes no caldo foi observado durante as primeiras
     Vvinho × GA vinho                                         100 h de fermentação, havendo estagnação em 4 °Brix
A=                                                       (3)
            45                                                 após este período (atenuação de cerca de 75%). A este
                                                               consumo de açúcares, correspondeu uma produção de
                                                               etanol igual a 6,0 °GL.


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CARVALHO, W. et al.



                                         40,0                                                                           6,0
                                                                                               a
                                                                                                                                                                                      b
                                         30,0                                                                           4,5
 Temperatura (°C)




                                                                                                                        3,0




                                                                                                         pH
                                         20,0


                                         10,0                                                                           1,5


                                          0,0                                                                           0,0
                                                0   12   24   36   48   60   72   84   96 108 120                             0     12       24    36   48   60   72   84   96   108 120
                                                                    Tempo (h)                                                                             Tempo (h)




                                         16,0                                                                           8,0
                                                                                               c                                                                                      d
              Sólidos solúveis (°Brix)




                                         12,0                                                                           6,0
                                                                                                         Etanol (°GL)
                                          8,0                                                                           4,0


                                          4,0                                                                           2,0


                                          0,0                                                                           0,0
                                                0   12   24   36   48   60   72   84   96 108 120                             0     12       24    36   48   60   72   84   96 108 120
                                                                    Tempo (h)                                                                             Tempo (h)

Figura 2. Perfis de variação da temperatura (a), do pH (b) e das concentrações de sólidos solúveis (c) e etanol (d), observados
durante a fermentação.



        Normalmente, espera-se que a fermentação alcoó-                                                                         gaçúcares
                                                                                                     
                                                                                                         Brix =                              ∴ 11,0
lica acuse atenuação completa (0 °Brix) em um período de                                                                      100 gsolução
24 a 36 h (LIMA, 1999). Entretanto, este comportamento                                                                          11gaçúcares
                                                                                                                                                                                          (5)
não foi observado no presente trabalho. Acredita-se que
                                                                                                     
                                                                                                         Brix =                                   ∴ ΔS = 114,8 g.L−1
                                                                                                                              95,8 mL solução
a utilização de um mosto mais diluído, suplementado
com nutrientes extras (vitaminas, sais minerais, etc.) e
                                                                                                                          ΔP           47, 4 g.L−1
inoculado com uma maior carga de fermento previamente                                                YP/S =                  ∴ YP/S =              ∴ YP/S = 0, 41 g.g−1                   (6)
                                                                                                                          ΔS          114,8 g.L−1
adaptado ao mosto, contribuiria para se obter um compor-
tamento de fermentação mais próximo do esperado.
                                                                                                     Sacarose → Glicos e + Frutose → 4E tanol + 4CO2                                      (7)
       Considerando-se a densidade do etanol
(ρ = 0,79 g.mL –1 ), pode-se dizer que a produção                                                    onde: ρ solução : densidade da solução (g.mL –1); °Brix:
deste álcool durante a fermentação foi de 47,4 g.L–1                                                 concentração de sólidos solúveis (°Brix); ΔS: variação
(6 °GL = 60 mL álcool.L–1 vinho = 47,4 g álcool.L–1 vinho).                                          da concentração de substratos durante a fermentação
Como esta produção foi observada após 114 h de fermen-                                               (g.L–1); YP/S: fator de conversão de substrato em produto
tação, tem-se que a produtividade foi de 0,42 g.L–1.h–1                                              (g.g–1); ΔP: variação da concentração de produtos durante
(Q P = 47,4 g.L –1/114 h). Convertendo-se o consumo                                                  a fermentação (g.L–1).
de açúcares de ºBrix para g.L –1, chega-se a um fator                                                       Conforme pode ser observado na Figura 3a, houve
de rendimento (YP/S) de 0,41 g.g–1 (Equações 4, 5 e 6)                                               crescimento celular intenso durante as primeiras 12 h de
(SMILEY, 1999), que representa uma eficiência de fermen-                                             fermentação. Após este período, porém, a concentração
tação de 80% do valor estequiométrico de 0,51 g.g–1                                                  de células suspensas no meio se comportou de maneira
(Equação 7).                                                                                         irregular, variando entre 1,3 e 3,1 x 108 cels.mL–1.
                                                                                                           Considerando-se que a multiplicação celular
ρsolução =  Brix × 0,004 + 1,000 ∴
                                                                                               (4)   na fase de crescimento exponencial é descrita pela
ρ = 11,0 × 0,004 + 1,000 ∴ ρ = 1,044 g.mL−1                                                          Equação 8, as velocidades específicas de crescimento


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   da levedura no início da fermentação foram determinadas                                                 Após o descarte das células decantadas no fundo
   por meio dos plotes ln(X/X0) x t para os intervalos compre-                                      da dorna, o vinho obtido (70 L, graduação alcoólica de
   endidos entre 0 e 4 h e entre 4 e 12 h de fermentação                                            6,0 °GL) foi submetido à destilação em um alambique
   (Figuras 3b, c). Os valores de μX assim determinados                                             simples, aquecido por fogo direto. A destilação foi reali-
   (0,28 e 0,09 h–1, respectivamente) foram próximos àqueles                                        zada lentamente (controlando-se o aquecimento) para
   esperados para a levedura Saccharomyces cerevisiae                                               maximizar o rendimento e melhorar o aroma e o gosto do
   (MARTINEZ-PEINADO e VAN UDEN, 1977).                                                             destilado (LIMA, 1999). Conforme ilustrado na Figura 1,
      ln X = ln X0 + µ X × t
                                                                                                    foram obtidos 10 L de aguardente de coração (gradu-
                                                                                              (8)
                                                                                                    ação alcoólica de 40,5 °GL) a partir dos 70 L de vinho
   onde: X: concentração celular no tempo t (cels.mL–1); X0:                                        submetidos à destilação, o que acarretou em eficiência
   concentração celular inicial (cels.mL–1); μX: velocidade                                         de destilação de cerca de 96% (Equação 9).
   específica de crescimento celular (h –1); t: tempo de
                                                                                                         Válcool(destilado)
   fermentação (h).                                                                                 η=                        × 100 ∴
                                                                                                          Válcool( vinho)
                                                                                                                       405 mL álcool
                                                                                                         10L destilado ×                                           (9)
                          5,00E + 08                                                                                     L destilado
                                                                                          a         η=                               × 100 ∴ η = 96, 4%
                                                                                                                       60 mL álcool
                                                                                                           70L vinho ×
Conc. celular (cels/ml)




                          3,75E + 08
                                                                                                                         L vinho

                                                                                                    onde: η: eficiência de destilação (%); Válcool (destilado): volume
                          2,50E + 08
                                                                                                    total de álcool recuperado no destilado (mL); Válcool (vinho):
                                                                                                    volume total de álcool contido no vinho (mL).
                          1,25E + 08
                                                                                                          Considerando-se que os 10 L de aguardente de
                                                                                                    coração foram obtidos processando-se 139 kg de cana,
                          0,00E + 00
                                       0   12   24   36    48       60   72   84   96 108 120
                                                                                                    tem-se que o rendimento global foi de 72 L de aguar-
                                                            Tempo (h)
                                                                                                    dente por tonelada de cana esmagada. Este rendimento
                                                                                                    é bastante utilizado como parâmetro de avaliação do
                           1,20
                                                                                          b         processo por destilarias artesanais. Sob condições otimi-
                                                                                                    zadas, esperam-se valores entre 90 e 100 L cachaça/t
                           0,90                                                                     cana esmagada (LIMA, 1999).
  ln X/X0




                           0,60                                                                          4 Conclusões
                                                                                                           O rendimento global do processo de produção
                           0,30                                                                     de cachaça alcançado no presente trabalho foi cerca
                                                                                   y = 0,2747x
                                                                                      R2 = 1        de 70% daquele obtido por destilarias artesanais que
                           0,00                                                                     operam sob condições otimizadas. Os conceitos e
                                  0             1               2              3               4    metodologias ora apresentados fornecem as diretrizes
                                                          Tempo (h)                                 básicas para que outras condições de processo possam
                           2,00
                                                                                          c         ser sistematicamente avaliadas em aulas práticas futuras.
                                                                                                    Outrossim, acredita-se que o presente trabalho possa ser
                           1,75                                                                     utilizado fora das fronteiras acadêmicas como um texto
                                                                                                    introdutório à ciência envolvida na produção de cachaças
  ln (X/X0)




                           1,50                                                                     artesanais.

                           1,25                                                                     Agradecimentos
                                                                         y = 0,0866x + 0,7487
                                                                              R2 = 0,9997                  Os autores agradecem a assistência técnica dos
                           1,00
                                                                                                    Srs. José Carlos S. Tavares e Cleber Mateus T. Oliveira e
                                  4             6               8             10              12
                                                                                                    o empenho dos graduandos em Engenharia Bioquímica
                                                          Tempo (h)
                                                                                                    (TB/2º SEM 2007) para a realização do experimento.
   Figura 3. Variação da concentração celular durante a fermen-                                     Também agradecem o apoio financeiro recebido da
   tação (a) e plotes ln(X/X0) x t utilizados para o cálculo das
   velocidades específicas de crescimento celular nos intervalos                                    FAPESP, da CAPES e do CNPq para o desenvolvimento
   compreendidos entre 0 e 4 h (b) e entre 4 e 12 h de fermen-                                      de projetos de pesquisa, alguns deles relacionados com
   tação (c).                                                                                       a temática do presente manuscrito.


   Braz. J. Food Technol., VII BMCFB, dez. 2008                                                                                                                     7
www.ital.sp.gov.br/bj

Cinética da fermentação e balanço de massa da produção de cachaça artesanal
CARVALHO, W. et al.



Referências                                                       MALTA, H. L. Estudos de parâmetros de propagação de
                                                                  fermento (Saccharomyces cerevisiae) para produção de
DATO, M. C. F.; PIZAURO Jr., J. M.; MUTTON, M. J. R. Analysis
                                                                  cachaça de alambique. 2006. 70 f. Dissertação (Mestrado em
of the secondary compounds produced by Saccharomyces
                                                                  Ciência de Alimentos) – Faculdade de Farmácia, Universidade
cerevisiae and wild yeast strains during the production of
                                                                  Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.
“cachaça”. Brazilian Journal of Microbiology, São Paulo, v. 36,
n. 1, p. 70-74, 2005.                                             MARTINEZ-PEINADO, J.; VAN UDEN, N. Isothermic variation of
                                                                  the specific growth rate of Saccharomyces cerevisiae in batch
ESTANISLAU, M. L. L.; CANÇADO Jr., F. L.; PAIVA, B. M. Mercado
                                                                  culture. Archives of Microbiology, Heidelberg, v. 113, n. 3,
Atual e potencial da cachaça. Informe Agropecuário – EPAMIG,
                                                                  p. 303-307, 1977.
Brasília, v. 23, n. 217, p. 19-24, 2002.
                                                                  MIRANDA, M. B.; MARTINS, N. G. S.; BELLUCO, A. E. S.;
LIMA, U. A. Aguardente: fabricação em pequenas destilarias.
                                                                  HORII, J.; ALCARDE A. R. Qualidade química de cachaças e
1ª ed. Piracicaba: Fundação de Estudos Agrários Luiz de
                                                                  aguardentes brasileiras. Ciência e Tecnologia de Alimentos,
Queiroz, 1999. 187 p.
                                                                  Campinas, v. 27, n. 4, p. 897-901, 2007.
LIMA, U. A. Aguardentes. In: AQUARONE, E.; BORZANI, W.;
                                                                  SMILEY, I. (Ed.). Making Pure Corn Whiskey: a professional
SCHMIDELL, W.; LIMA, U. A. (Eds.). Biotecnologia Industrial.
                                                                  guide for amateur and micro-distillers. 1ª ed. Canadian: An
1ª ed. São Paulo: Edgard Blucher Ltda, 2001. Cap. 5,
                                                                  Amphora Society Publication, 1999. 103 p.
p. 145-182.




Braz. J. Food Technol., VII BMCFB, dez. 2008                                                                                 8

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  • 1. Braz. J. Food Technol., VII BMCFB, dez. 2008 Cinética da fermentação e balanço de massa da produção de cachaça artesanal Fermentation kinetics and mass balance of the production of cachaça artesanal Resumo Autores | Authors O presente trabalho descreve os resultados obtidos em uma aula prática Walter CARVALHO da disciplina Tecnologia de Bebidas Fermentadas e Destiladas, ministrada para Universidade de São Paulo (USP) graduandos em Engenharia Bioquímica na Escola de Engenharia de Lorena. Escola de Engenharia de Lorena (EEL) Como forma de demonstrar, na prática, conceitos e métodos envolvidos na Departamento de Biotecnologia Estrada Municipal do Campinho, s/n fermentação e destilação de bebidas alcoólicas, propôs-se aos alunos produzir Caixa Postal: 116 aguardente artesanal a partir de caldo de cana-de-açúcar. Inicialmente, 5 dúzias CEP: 12602-810 de cana (139 kg) foram submetidas à moagem, gerando 52 L de caldo com Lorena/SP – Brasil e-mail: carvalho@debiq.eel.usp.br 21 °Brix. Após a diluição do teor de sólidos solúveis para 15 °Brix, o mosto (73 L) foi transferido para uma dorna de aço inox (100 L) e inoculado com 365 g de fermento prensado, resultando em concentração inicial de células igual a Larissa CANILHA 5 x 107 cels.mL–1. A fermentação foi conduzida em temperatura ambiente e, ao Universidade de São Paulo (USP) Escola de Engenharia de Lorena (EEL) final de 114 h, a atenuação do mosto chegou a aproximadamente 75%. Houve Departamento de Biotecnologia crescimento celular intenso durante as primeiras 12 h de fermentação, com e-mail: larissa@debiq.eel.usp.br velocidades específicas de multiplicação iguais a 0,28 h-1 (0-4 h) e 0,09 h-1 (4-12 h). Entre 12 e 114 h de fermentação, porém, a concentração de células suspensas no João Batista de ALMEIDA e SILVA meio se comportou de maneira irregular, variando entre 1,3 e 3,1 x 108 cels.mL–1. Universidade de São Paulo (USP) Considerando-se o etanol como produto de interesse, obteve-se: produção de Escola de Engenharia de Lorena (EEL) 47,4 g.L–1, produtividade de 0,42 g.L–1.h–1 e rendimento de 0,41 g.g–1 (80,4% de Departamento de Biotecnologia e-mail: joaobatista@debiq.eel.usp.br eficiência). O vinho obtido (teor alcoólico de 6,0 °GL) foi submetido à destilação em um alambique de cobre (25 L), em 4 bateladas (17,5 L cada). Desprezaram-se 10% do volume teórico de aguardente como destilado de cabeça (cerca de 0,2 L em cada batelada). Em seguida, recolheu-se o destilado de coração até a graduação alcoólica atingir um valor em torno de 40 °GL (cerca de 2,5 L em cada batelada). Por fim, o aquecimento do alambique foi suspenso e a vinhaça descartada. O rendimento global do processo foi de 72 L de aguardente de coração (40,5 °GL) por tonelada de cana processada. Palavras-chave: Cachaça; Fermentação; Destilação; Cinética; Balanço de massa.
  • 2. Braz. J. Food Technol., VII BMCFB, dez. 2008 Summary This manuscript describes the results obtained in a practical course of the discipline Technology of Fermented and Distilled Beverages ministered to undergraduate students majoring in Biochemical Engineering at the Engineering College of Lorena. As a way to demonstrate concepts and methods involved in the fermentation and distillation of alcoholic beverages, it was proposed to the students to produce cachaça artesanal from the sugarcane juice. Initially, 5 dozens of cane (139 kg) were submitted to crushing, generating 52 L of juice (21 °Brix). After dilution to 15 °Brix with drinking water, the juice (73 L) was transferred to a 100-L stainless steel fermenter and inoculated with 365 g of pressed baker’s yeast, resulting in an initial cell concentration of 5 x 107 cells.mL–1. The fermentation was carried out under ambient temperature and, after 114 h, the consumption of soluble solids reached approximately 75%. The cell growth was intense during the first 12 h of fermentation, with specific growth rates of 0.28 h–1 (0-4 h) and 0.09 h-1 (4-12 h). After this period, the concentration of suspended cells in the medium behaved in an irregular fashion, varying between 1.3 and 3.1 x 108 cells. mL–1. Considering the ethanol as product of interest, a production of 47.4 g.L–1, a productivity of 0.42 g.L–1.h–1 and a yield of 0.41 g.g–1 (efficiency of 80.4%) were achieved in the fermentation. The wine thus obtained (6.0 °GL) was submitted to distillation in a 25-L copper still (4 batches). In each batch, the still was filled with 17.5 L of wine, the heating was turned on, and the first 0.2 L of distillate was discarded as head’s distillate. The heart’s distillate was then collected down to an alcoholic content of 40 °GL (approximately 2.5 L of distillate produced in each batch). The run was ended up by turning the heating off and appropriately discarding the vinasse. Overall, the yield of the process was of 72 L of heart’s cachaça (40.5 °GL) per ton of sugarcane processed. Key words: Cachaça; Fermentation; Distillation; Kinetics; Mass balance.
  • 3. www.ital.sp.gov.br/bj Cinética da fermentação e balanço de massa da produção de cachaça artesanal CARVALHO, W. et al. 1 Introdução No presente trabalho, descrevemos a metodologia utilizada para a produção de cachaça artesanal em A história da cachaça se confunde com a uma aula prática ministrada na Escola de Engenharia própria história do Brasil. A sua produção teve início no de Lorena. Este experimento foi proposto a estudantes século XVI, quando se observou que a borra (cachaza) de graduação com o objetivo de demonstrar, na prática, separada do processo de concentração da garapa conceitos e métodos envolvidos na fermentação e desti- para a produção de açúcar, colocada em recipiente e lação de bebidas alcoólicas. Os resultados obtidos foram deixada de um dia para o outro, fermentava produzindo analisados buscando-se explorar a cinética da fermen- um líquido com cheiro e sabor diferente. Submetido à tação e o balanço de massa do processo, o que permitiu destilação, o líquido gerava uma bebida transparente, aos alunos aplicar conceitos abordados em outras disci- brilhante e ardente. Considerando-se que parecia com plinas do curso de Engenharia Bioquímica. água, optou-se por chamá-la “água ardente”. Outro nome que lhe foi atribuído foi “cachaça”, por ser originada da 2 Material e métodos borra ou cachaza (LIMA, 2001). A Figura 1 apresenta o fluxograma utilizado para Até o fim da 2ª Guerra (1939-1945), o plantio e a produção da cachaça artesanal, conduzida na Planta processamento da cana-de-açúcar e a comercialização Piloto de Bebidas da Escola de Engenharia de Lorena. da aguardente eram realizados por engenhos de pequena A cana-de-açúcar foi adquirida de um pequeno produtor capacidade. A quantidade consumida era menor que a local. Cinco dúzias de colmos maduros foram colhidas produzida, sendo o excedente armazenado em tonéis de diretamente na lavoura, sendo as folhas e os ponteiros madeira. Após a 2ª Guerra, a população aumentou muito e descartados. Os colmos foram então transportados até a também o consumo, que passou a exigir maior volume de Escola de Engenharia de Lorena e lavados para remoção produção e, consequentemente, ampliação das lavouras de terra e sujidades. Após pesagem (139 kg), foram e das capacidades fabris (LIMA, 1999). Atualmente, são comuns as grandes destilarias, com capacidades de produção que podem chegar a Cana-de-açúcar 20.000 L.h–1, e as engarrafadoras autônomas, que detêm 139 kg marcas comerciais conhecidas em todo o País e possuem capacidade de engarrafar até 400.000 garrafas de Moagem Bagaço 600 mL por dia (LIMA, 1999; LIMA, 2001). Estima-se que a produção anual seja superior a 1,3 bilhões de litros, o que coloca a bebida como a segunda mais vendida no Caldo de cana Brasil, perdendo apenas para a cerveja (MALTA, 2006). 52 L (21 °Brix) Embora a produção seja consumida quase que totalmente no mercado interno, há potencial para aumento signifi- Filtração cativo nas exportações, pois é crescente a aceitação da bebida no exterior (ESTANISLAU et al., 2002; MIRANDA et al., 2007). Diluição (H2O) Do ponto de vista da legislação brasileira, a aguardente de cana, popularmente conhecida como Fermento Mosto pinga, deve conter entre 38 e 54% de álcool (expresso 73 L (15 °Brix) em volume). É constituída de água e etanol em grandes proporções, além de vários outros componentes (ácidos Fermentação orgânicos, ésteres, aldeídos e alcoóis superiores) produ- zidos em pequenas quantidades durante a fermentação. Estes componentes minoritários, porém extremamente Vinho diversificados, são os principais responsáveis pelo sabor 70 L (6 °Brix) e aroma da bebida (DATO et al., 2005). Destilação Vinhaça A produção de cachaça segue operações simples. Entretanto, sabe-se que o desconhecimento da ciência envolvida na produção desta bebida limita a quantidade Cachaça de "cabeça" Cachaça de "coração" e a qualidade do produto disponibilizado no mercado por pequenos produtores, sendo este um dos principais 10 L (40,5 °GL) entraves para a exportação de grandes quantidades do Figura 1. Fluxograma do processo de produção da cachaça produto (MIRANDA et al., 2007). artesanal. Braz. J. Food Technol., VII BMCFB, dez. 2008 4
  • 4. www.ital.sp.gov.br/bj Cinética da fermentação e balanço de massa da produção de cachaça artesanal CARVALHO, W. et al. submetidos à moagem em um terno de moenda e o suco onde E: Graduação alcoólica (°GL); BI: Brix inicial (°Brix); obtido foi filtrado em um coador plástico. A concentração BF = Brix final (°Brix); C: Concentração celular (cels.mL–1); de sólidos solúveis no suco filtrado (52 L) foi de 21 °Brix. N: Número total de células em 5 campos da câmara (cels); Previamente à inoculação, o suco foi diluído com 21 L FD: Fator de diluição (-); A: Volume teórico de aguardente de água potável em uma dorna de aço inox com fundo a 45 °GL (L); Vvinho: Volume de vinho (L); GAvinho: Graduação cônico (volume total de 100 L). A fermentação foi iniciada alcoólica do vinho (°GL). inoculando-se os 73 L de mosto (15 °Brix) com 365 g de A graduação alcoólica do destilado “de coração” fermento de panificação prensado (Fleischmann), o que foi determinada por densimetria, utilizando-se um alcoô- resultou em uma concentração inicial de células igual metro de Gay-Lussac calibrado a 20 °C. Após a medida, a 5 x 107 cels.mL–1. A fermentação foi conduzida em o teor de etanol foi corrigido levando-se em consideração temperatura ambiente por um período de 114 h. Ao final a temperatura ambiente no momento da medida. deste período, a levedura decantada no fundo da dorna foi descartada e o vinho obtido (70 L, com graduação 3 Resultados e discussão alcoólica de 6 °GL) foi submetido à destilação em um alambique de cobre (volume total de 25 L), em 4 bate- No presente trabalho, procuramos sistematizar ladas sucessivas. Em cada batelada, 17,5 L de vinho as rotinas operacionais e analíticas utilizadas por nós foram transferidos para o alambique e o aquecimento da para a produção de cachaça artesanal. A simples caldeira (com fogão a gás) foi iniciado. Do volume teórico adoção de rotinas semelhantes a estas permitiria aos de aguardente, os 10% iniciais foram descartados como muitos pequenos produtores espalhados por todo o destilado “de cabeça” (cerca de 0,2 L em cada batelada). País conhecer o comportamento dos seus sistemas de Controlando-se o aquecimento para o alambique não produção e, assim, aferir rendimentos e produtividades “vomitar”, a destilação foi conduzida lentamente até a em cada uma das etapas do processo. De posse destes graduação alcoólica da aguardente “de coração” apre- dados, o produtor poderia detectar desvios do compor- sentar um valor em torno de 40 °GL (cerca de 2,5 L em tamento “adequado” em tempo real e, assim, ajustar cada batelada). Por fim, o aquecimento do alambique foi as condições de operação para minimizar perdas na suspenso e a vinhaça descartada. eficiência de transformação e padronizar a qualidade As fermentações foram acompanhadas deter- da bebida. minando-se a temperatura do mosto em fermentação Conforme já mencionado, a cana foi inicialmente (com um termômetro convencional) e analisando-se lavada, moída e filtrada. O pH (5,4) e a concentração de amostras retiradas periodicamente quanto ao consumo sólidos solúveis (21 °Brix) determinados no caldo filtrado de açúcares e ao crescimento celular. As amostras foram foram condizentes com os valores esperados para canas inicialmente centrifugadas a 4.000 rpm por 20 min. Os maduras: pH entre 5,4 e 5,8 e concentração de sólidos sobrenadantes foram utilizados para a determinação do solúveis superior a 18 °Brix (LIMA, 1999). teor de sólidos solúveis (por leitura direta em refratô- Previamente à inoculação, o caldo foi diluído com metro de °Brix) e do pH (por leitura direta em pHmetro água potável para se ajustar o teor de sólidos solúveis em – Ecomet P25). Os precipitados foram utilizados para a 15 °Brix. A fermentação foi então iniciada adicionando-se quantificação do crescimento celular (por contagem em 365 g de fermento prensado ao caldo diluído, em uma câmara de Neubauer) após ressuspensão e diluição em dorna de aço inox. A Figura 2 apresenta os perfis de água destilada. variação de temperatura (entre 24 e 30 °C), decréscimo O cálculo do teor de etanol e a concentração de pH (de 5,2 para 3,6), consumo de sólidos solúveis de células suspensas no mosto em fermentação foram (de 15,0 para 4,0 °Brix) e produção de etanol (6,0 °GL), determinados de acordo com as Equações 1 e 2, respec- observados durante a fermentação. tivamente. O volume teórico de aguardente descartado A temperatura do mosto em fermentação, embora como destilado “de cabeça” foi calculado empregando-se não controlada, permaneceu próxima aos valores consi- a Equação 3 (SMILEY, 1999). derados como adequados para a fermentação alcoólica, E= (BI − BF )× 4 entre 26 e 28 °C (LIMA, 1999). O pH do meio sofreu uma (1) 7,4 queda acentuada durante as primeiras 24 h de fermen- tação (de 5,2 para 3,7), vindo a se estabilizar em torno de C = N × 5E04 × FD (2) 3,5 posteriormente. O consumo progressivo dos açúcares presentes no caldo foi observado durante as primeiras Vvinho × GA vinho 100 h de fermentação, havendo estagnação em 4 °Brix A= (3) 45 após este período (atenuação de cerca de 75%). A este consumo de açúcares, correspondeu uma produção de etanol igual a 6,0 °GL. Braz. J. Food Technol., VII BMCFB, dez. 2008 5
  • 5. www.ital.sp.gov.br/bj Cinética da fermentação e balanço de massa da produção de cachaça artesanal CARVALHO, W. et al. 40,0 6,0 a b 30,0 4,5 Temperatura (°C) 3,0 pH 20,0 10,0 1,5 0,0 0,0 0 12 24 36 48 60 72 84 96 108 120 0 12 24 36 48 60 72 84 96 108 120 Tempo (h) Tempo (h) 16,0 8,0 c d Sólidos solúveis (°Brix) 12,0 6,0 Etanol (°GL) 8,0 4,0 4,0 2,0 0,0 0,0 0 12 24 36 48 60 72 84 96 108 120 0 12 24 36 48 60 72 84 96 108 120 Tempo (h) Tempo (h) Figura 2. Perfis de variação da temperatura (a), do pH (b) e das concentrações de sólidos solúveis (c) e etanol (d), observados durante a fermentação. Normalmente, espera-se que a fermentação alcoó- gaçúcares  Brix = ∴ 11,0 lica acuse atenuação completa (0 °Brix) em um período de 100 gsolução 24 a 36 h (LIMA, 1999). Entretanto, este comportamento 11gaçúcares (5) não foi observado no presente trabalho. Acredita-se que  Brix = ∴ ΔS = 114,8 g.L−1 95,8 mL solução a utilização de um mosto mais diluído, suplementado com nutrientes extras (vitaminas, sais minerais, etc.) e ΔP 47, 4 g.L−1 inoculado com uma maior carga de fermento previamente YP/S = ∴ YP/S = ∴ YP/S = 0, 41 g.g−1 (6) ΔS 114,8 g.L−1 adaptado ao mosto, contribuiria para se obter um compor- tamento de fermentação mais próximo do esperado. Sacarose → Glicos e + Frutose → 4E tanol + 4CO2 (7) Considerando-se a densidade do etanol (ρ = 0,79 g.mL –1 ), pode-se dizer que a produção onde: ρ solução : densidade da solução (g.mL –1); °Brix: deste álcool durante a fermentação foi de 47,4 g.L–1 concentração de sólidos solúveis (°Brix); ΔS: variação (6 °GL = 60 mL álcool.L–1 vinho = 47,4 g álcool.L–1 vinho). da concentração de substratos durante a fermentação Como esta produção foi observada após 114 h de fermen- (g.L–1); YP/S: fator de conversão de substrato em produto tação, tem-se que a produtividade foi de 0,42 g.L–1.h–1 (g.g–1); ΔP: variação da concentração de produtos durante (Q P = 47,4 g.L –1/114 h). Convertendo-se o consumo a fermentação (g.L–1). de açúcares de ºBrix para g.L –1, chega-se a um fator Conforme pode ser observado na Figura 3a, houve de rendimento (YP/S) de 0,41 g.g–1 (Equações 4, 5 e 6) crescimento celular intenso durante as primeiras 12 h de (SMILEY, 1999), que representa uma eficiência de fermen- fermentação. Após este período, porém, a concentração tação de 80% do valor estequiométrico de 0,51 g.g–1 de células suspensas no meio se comportou de maneira (Equação 7). irregular, variando entre 1,3 e 3,1 x 108 cels.mL–1. Considerando-se que a multiplicação celular ρsolução =  Brix × 0,004 + 1,000 ∴ (4) na fase de crescimento exponencial é descrita pela ρ = 11,0 × 0,004 + 1,000 ∴ ρ = 1,044 g.mL−1 Equação 8, as velocidades específicas de crescimento Braz. J. Food Technol., VII BMCFB, dez. 2008 6
  • 6. www.ital.sp.gov.br/bj Cinética da fermentação e balanço de massa da produção de cachaça artesanal CARVALHO, W. et al. da levedura no início da fermentação foram determinadas Após o descarte das células decantadas no fundo por meio dos plotes ln(X/X0) x t para os intervalos compre- da dorna, o vinho obtido (70 L, graduação alcoólica de endidos entre 0 e 4 h e entre 4 e 12 h de fermentação 6,0 °GL) foi submetido à destilação em um alambique (Figuras 3b, c). Os valores de μX assim determinados simples, aquecido por fogo direto. A destilação foi reali- (0,28 e 0,09 h–1, respectivamente) foram próximos àqueles zada lentamente (controlando-se o aquecimento) para esperados para a levedura Saccharomyces cerevisiae maximizar o rendimento e melhorar o aroma e o gosto do (MARTINEZ-PEINADO e VAN UDEN, 1977). destilado (LIMA, 1999). Conforme ilustrado na Figura 1, ln X = ln X0 + µ X × t foram obtidos 10 L de aguardente de coração (gradu- (8) ação alcoólica de 40,5 °GL) a partir dos 70 L de vinho onde: X: concentração celular no tempo t (cels.mL–1); X0: submetidos à destilação, o que acarretou em eficiência concentração celular inicial (cels.mL–1); μX: velocidade de destilação de cerca de 96% (Equação 9). específica de crescimento celular (h –1); t: tempo de Válcool(destilado) fermentação (h). η= × 100 ∴ Válcool( vinho) 405 mL álcool 10L destilado × (9) 5,00E + 08 L destilado a η= × 100 ∴ η = 96, 4% 60 mL álcool 70L vinho × Conc. celular (cels/ml) 3,75E + 08 L vinho onde: η: eficiência de destilação (%); Válcool (destilado): volume 2,50E + 08 total de álcool recuperado no destilado (mL); Válcool (vinho): volume total de álcool contido no vinho (mL). 1,25E + 08 Considerando-se que os 10 L de aguardente de coração foram obtidos processando-se 139 kg de cana, 0,00E + 00 0 12 24 36 48 60 72 84 96 108 120 tem-se que o rendimento global foi de 72 L de aguar- Tempo (h) dente por tonelada de cana esmagada. Este rendimento é bastante utilizado como parâmetro de avaliação do 1,20 b processo por destilarias artesanais. Sob condições otimi- zadas, esperam-se valores entre 90 e 100 L cachaça/t 0,90 cana esmagada (LIMA, 1999). ln X/X0 0,60 4 Conclusões O rendimento global do processo de produção 0,30 de cachaça alcançado no presente trabalho foi cerca y = 0,2747x R2 = 1 de 70% daquele obtido por destilarias artesanais que 0,00 operam sob condições otimizadas. Os conceitos e 0 1 2 3 4 metodologias ora apresentados fornecem as diretrizes Tempo (h) básicas para que outras condições de processo possam 2,00 c ser sistematicamente avaliadas em aulas práticas futuras. Outrossim, acredita-se que o presente trabalho possa ser 1,75 utilizado fora das fronteiras acadêmicas como um texto introdutório à ciência envolvida na produção de cachaças ln (X/X0) 1,50 artesanais. 1,25 Agradecimentos y = 0,0866x + 0,7487 R2 = 0,9997 Os autores agradecem a assistência técnica dos 1,00 Srs. José Carlos S. Tavares e Cleber Mateus T. Oliveira e 4 6 8 10 12 o empenho dos graduandos em Engenharia Bioquímica Tempo (h) (TB/2º SEM 2007) para a realização do experimento. Figura 3. Variação da concentração celular durante a fermen- Também agradecem o apoio financeiro recebido da tação (a) e plotes ln(X/X0) x t utilizados para o cálculo das velocidades específicas de crescimento celular nos intervalos FAPESP, da CAPES e do CNPq para o desenvolvimento compreendidos entre 0 e 4 h (b) e entre 4 e 12 h de fermen- de projetos de pesquisa, alguns deles relacionados com tação (c). a temática do presente manuscrito. Braz. J. Food Technol., VII BMCFB, dez. 2008 7
  • 7. www.ital.sp.gov.br/bj Cinética da fermentação e balanço de massa da produção de cachaça artesanal CARVALHO, W. et al. Referências MALTA, H. L. Estudos de parâmetros de propagação de fermento (Saccharomyces cerevisiae) para produção de DATO, M. C. F.; PIZAURO Jr., J. M.; MUTTON, M. J. R. Analysis cachaça de alambique. 2006. 70 f. Dissertação (Mestrado em of the secondary compounds produced by Saccharomyces Ciência de Alimentos) – Faculdade de Farmácia, Universidade cerevisiae and wild yeast strains during the production of Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte. “cachaça”. Brazilian Journal of Microbiology, São Paulo, v. 36, n. 1, p. 70-74, 2005. MARTINEZ-PEINADO, J.; VAN UDEN, N. Isothermic variation of the specific growth rate of Saccharomyces cerevisiae in batch ESTANISLAU, M. L. L.; CANÇADO Jr., F. L.; PAIVA, B. M. Mercado culture. Archives of Microbiology, Heidelberg, v. 113, n. 3, Atual e potencial da cachaça. Informe Agropecuário – EPAMIG, p. 303-307, 1977. Brasília, v. 23, n. 217, p. 19-24, 2002. MIRANDA, M. B.; MARTINS, N. G. S.; BELLUCO, A. E. S.; LIMA, U. A. Aguardente: fabricação em pequenas destilarias. HORII, J.; ALCARDE A. R. Qualidade química de cachaças e 1ª ed. Piracicaba: Fundação de Estudos Agrários Luiz de aguardentes brasileiras. Ciência e Tecnologia de Alimentos, Queiroz, 1999. 187 p. Campinas, v. 27, n. 4, p. 897-901, 2007. LIMA, U. A. Aguardentes. In: AQUARONE, E.; BORZANI, W.; SMILEY, I. (Ed.). Making Pure Corn Whiskey: a professional SCHMIDELL, W.; LIMA, U. A. (Eds.). Biotecnologia Industrial. guide for amateur and micro-distillers. 1ª ed. Canadian: An 1ª ed. São Paulo: Edgard Blucher Ltda, 2001. Cap. 5, Amphora Society Publication, 1999. 103 p. p. 145-182. Braz. J. Food Technol., VII BMCFB, dez. 2008 8