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DIFAMAÇÃO E EXCLUSÃO DE UMA COMPANHEIRA NO MEIO ANARQUISTA
DE PORTO ALEGRE DURANTE 2014
Nota complementar a minha fala na abertura da 5ª Feira do Livro
Anarquista de Porto Alegre
Quando nos manifestamos publicamente por um impulso momentâneo, ocorre muitas
vezes de não conseguirmos dizer tudo o que gostaríamos. Na abertura da 5ª Feira do
Livro Anarquista de Porto Alegre, no dia 12 de Dezembro de 2014 na Okupa Violeta fiz
um breve desabafo sobre uma situação grave de difamação e exclusão. Algumas
pessoas vieram me dizer, após a discussão, que esse assunto não cabia para aquele
momento e que não deveria ser exposto publicamente, mas eu afirmo que tudo o que
aconteceu e que abordarei novamente nesta nota tem um grande peso político e
reflete diretamente na forma como construímos a nossa luta e por isso não pode cair
no esquecimento. Através desse texto complementarei a minha colocação em relação
a alguns acontecimentos ocorridos no que chamamos de “meio libertário” em Porto
Alegre durante o ano de 2014, que foi marcado por fragmentações ideológicas,
efervescência das lutas feministas com denúncias de abuso entre companheirxs e
coletivos, entre várias outras questões muito importantes para uma reconfiguração
minoritária das nossas formas de fazer política.
Antes que digam e repitam: “Chegou ontem e tá querendo causar conflito” (pois esse é
o argumento constantemente usado pra deslegitimar o discurso de quem é novx na
cena), eu adianto: sim, me mudei do interior para cá faz dois anos, faz pouco mais de
um ano e meio que eu passei a frequentar as manifestações e espaços libertários em
Porto Alegre, o que me impulsionou um devir intenso, mas não é de agora que me
aproximei das ideias anarquistas. Acredito que o fato de ter chegado a pouco fez com
que eu pudesse ter um olhar de uma perspectiva diferente sobre os acontecimentos
que me deparei. Passei a me relacionar muito proximamente, dentro e fora de casa
com pessoas ligadas ao “movimento” desde muitos anos e imbricadas diretamente em
muitas relações de conflito. O momento em que me aproximei foi o da maior erupção
dessas relações. Por isso acabei me envolvendo diretamente nesses casos.
Como fiz na minha colocação na abertura da feira, eu não citarei nomes e farei poucas
analogias diretas às pessoas envolvidas (algumas analogias serão inevitáveis), pois não
é minha intenção perpetuar a intriga e sim elucidar publicamente a situação, provocar
uma resolução entre xs envolvidxs e causar uma reflexão entre todxs sobre como nos
relacionamos entre companheirxs polítcxs.
Durante o mês de janeiro de 2014 me deparei com fofocas vindas daqui e dali sobre
uma amiga, companheira, mulher e imigrante ilegal. As fofocas espalhavam que a
companheira havia roubado uma pequena quantia da venda de alguns livros no Espaço
de Cultura Libertária da Azenha/Moinho Negro, onde ela morou e durante um tempo
se relacionou com o principal responsável pelo espaço. As acusações repercutiram
tanto que no dia 25 de Janeiro na festa do II Encontro dos Debaixo ela encontrou-se
esgotada com tanta exposição e desabafou no microfone durante a apresentação do
grupo Putinhas Aborteiras. Esse desabafo acabou se transformando em um tumulto
onde além de ter sido fisicamente agredida, foi chamada de LADRA na frente de todas
as pessoas, principalmente pelo companheiro responsável pelo espaço, que ela havia
rompido um relacionamento a pouco tempo e que já foi denunciado outras vezes por
machismo. Também ouviu xingamentos xenofóbicos sobre as suas origens e foi
chamada de “puta” com uma intenção pejorativa, por outra moradora na época do
Espaço de Cultura Libertária da Azenha. Houveram reações de defesa a companheira
por parte de algumnxs amigxs no momento e depois, mas as difamações contra ela se
seguiram nos dias seguintes pela internet e nos meses seguintes nos murmurinhos.
Dois dias depois do acontecimento no evento veio a tona uma intriga de
relacionamento causada por um outro homem anarquista, ex integrante do coletivo
editorial da Editora Deriva, que através de um leva e trás de informações entre transas
causou o conflito entre a mesma companheira acusada e outra companheira
integrante da Federação Anarquista Gaúcha(FAG). Não entrarei em detalhes sobre as
diversas outras agressões e expulsões que a companheira acusada havia sofrido até
esse momento, pois o que pretendo aqui é trazer a questão de como tudo isso se
construiu através do império da masculinidade e da heteronorma, atingindo as
relações entre companheiras.
A soma de todos esses fatos fez com que essa companheira ficasse sem casa para
morar, inclusive teve ajuda negada de muitxs companheirxs, consequência do
espalhamento da sua fama de ladra, tendo que conseguir hospedagem temporária
aqui e ali, pode contar com ulgumnxs poucxs amigxs, tentando com muita dificuldade
até que conseguisse se estabilizar materialmente e principalmente emocionalmente, o
que conseguiu com muita luta. Mas, em Maio de 2014 no evento de 1º de Maio
organizado pela Federação Anarquista Gaúcha no Clube de Cultura/Ateneu
Libertário/Cooperativa de Costura Apoio Mútuo a companheira em questão
compareceu, mas foi impedida de permanecer no espaço por amigas da companheira
da FAG envolvida na intriga de relacionamento contada anteriormente, que se
“solidarizaram” com o desconforto da amiga com a presença da companheira acusada
no evento e pediram que ela se retirasse, ação que foi justificada sem base alguma sob
ela “falar mal da Federação”. Me pergunto então: É justo uma companheira ser
expulsa de um evento libertário, realizado por uma “organização específica”, por
motivos pessoais normativos ou seja por qualquer “bafafá”? Algo impossível de se
comparar as atitudes que considero muito legítimas das feministas que expulsam
agressores e machistas dos espaços, como aconteceu na abertura da feira, numa
ocasião muito diferente dessa. Conversei, discuti, entrei em conflito diretamente com
as principais pessoas envolvidas, cara a cara, olho no olho, tentando resolver isso tudo,
inclusive com a minha amiga acusada, que obviamente não é isenta de erros e deslizes,
como qualquer umx de nós. Mas recebi reações orgulhosas e as reverberações do caso
continuaram.
Os meses se passaram, todas as acusações continuaram repercutindo de várias formas,
muitxs companheirxs do meio reproduziram as acusações, mas por outro lado
aconteceram mudanças, afastamentos e até que algumnxs de nós estávamos
convivendo bem, inclusive as acusações de roubo contra a companheira foram
desvendadas e desmentidas, mas não houve nenhuma repercussão, não por falta de
provas, mas porque o orgulho de algumnxs preferiu abafar o caso. Infelizmente não
podemos entrar em detalhes para não expor pessoas queridas. Mesmo que tivesse
sido diferente, nada justificaria a forma que as acusações foram tratadas. Estávamos,
talvez covardemente, tentado por uma pedra nisso tudo, porém, no domingo dia 7 de
dezembro de 2014, poucos dias antes da abertura da feira, ao encontrar uma amiga de
outra cidade na rua, juntamente com outra companheira, elas disseram que ouviram
de pessoas ligadas e/ou de alguns integrantes da Federação Anarquista Gaúcha
(principalmente homens) que a companheira nossa amiga era uma informante da
Polícia Civil e que estava passando informações do movimento. Isso me desestabilizou
na hora, considero essa acusação gravíssima, e isso ficou entalado na garganta até que
eu pudesse me expressar na abertura da feira, pois como uma pessoa que convive com
a companheira acusada, sei que tudo isso não passa de mais uma armadilha para
difamá-la mais uma vez. Além do mais, seria difícil pensar que uma imigrante ilegal
está em contato com a polícia. Como é possível que entre anarquistas se funde uma
cadeia incessante de acusações sem embasamento sobre uma pessoa a ponto de
fundar uma situação de tamanha exclusão?
Esse relato é apenas um exemplo forte das muitas opressões ocorridas entre nós,
algumas que demoramos para nos dar conta, mas serve para que pensemos onde se
encontra nossa ÉTICA ANARQUISTA na hora de agirmos umnxs com xs outrxs, pois
todas essas acusações foram reproduzidas por muitxs de nós e repercutiram em nosso
meio fazendo com que uma pessoa passasse pelas piores humilhações e exclusões. Eu
não sou mulher, nem tampouco sou protagonista dessa história toda, gostaria que as
pessoas envolvidas viessem falar publicamente sobre isso e não eu, mas já que entrei
na chuva, estou me molhando para acabar de uma vez por todas com essa sombra de
precárias relações, servindo como uma provocação de impulso para a resolução desses
conflitos. As relações de poder e opressão partem de todas as partes, “eu oprimo, tu
oprimes, elxs oprimem, nós oprimimos”. A força que temos para destruir a vida de
alguém pode vir também do posto de visibilidade que temos no “movimento”: Quem
segura o megafone? Quem pertence a essa ou aquela organização? Quem administra
esse ou aquele espaço libertário? Essas categorias podem exercer um poder
autoritário tremendo quando a voz parte de mais alto sobre uma pessoa com
dificuldades para se expressar da mesma forma e que recentemente aprendeu a falar
o idioma local, por exemplo. É preciso um esforço de todxs para diluir as hierarquias
subjetivas que existem entre nós anarquistas, derrubar o estado, a igreja, a polícia, a
família e os microfascismos que existem em cada um de nós, desconstruir nossas
sensações de posse sobre os territórios que agimos. Não esqueçamos que tudo isso se
iniciou a partir de homens com uma posição de visibilidade forte no meio anarquista e
que causaram tudo isso depois de terem se envolvido sexualmente com as
companheiras envolvidas. Mulheres, pessoas trans, nós bichas e singularidades somos
constantemente caladas e subestimadas nos espaços políticos, pelo império da
“heteromasculinidade”. Historicamente no anarquismo as mulheres, as feministas
foram acusadas de desarticular a luta e hoje é preciso ver que as normas de gênero
imbricadas nas nossas formas de convívio é que destroem a coletividade. Desejo que
em 2015 todas essas pequenas intrigas sejam finalizadas e que novos conflitos em
relação às opressões dentro dos meios políticos surjam para que essa reconfiguração
seja contínua. Para finalizar, gostaria de ressaltar que esse texto não tem o intuito de
distorcer a imagem de nenhuma das companheiras envolvidas, pois fica claro entre
nós que esses conflitos partiram de homens, apenas tive a intenção de me por em
defesa de uma amiga e expor algo que não poderia ser varrido para debaixo do tapete.
A companheira acusada leu esta nota e foi com a ajuda e o apoio dela que a mesma foi
escrita e está sendo publicada. Ressalto também que nenhuma das minhas
declarações tem a ver com divergências ideológicas entre segmentos do pensamento
anarquista, tampouco antipatia com nenhuma organização, é preciso olhar para a
importância de discutirmos todos os anarquismos e as lutas que vão além do
anarquismo em nossos espaços. Agradeço quem leu até o fim e digo que estou abertx
para que a discussão continue, na internet ou de preferência pessoalmente e na
coletividade para que todos os lados dessa história possam ser contados, pois não
existe um ponto de vista único para nada.
Viní Rodrigues, POX – coletiva

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  • 2. se relacionou com o principal responsável pelo espaço. As acusações repercutiram tanto que no dia 25 de Janeiro na festa do II Encontro dos Debaixo ela encontrou-se esgotada com tanta exposição e desabafou no microfone durante a apresentação do grupo Putinhas Aborteiras. Esse desabafo acabou se transformando em um tumulto onde além de ter sido fisicamente agredida, foi chamada de LADRA na frente de todas as pessoas, principalmente pelo companheiro responsável pelo espaço, que ela havia rompido um relacionamento a pouco tempo e que já foi denunciado outras vezes por machismo. Também ouviu xingamentos xenofóbicos sobre as suas origens e foi chamada de “puta” com uma intenção pejorativa, por outra moradora na época do Espaço de Cultura Libertária da Azenha. Houveram reações de defesa a companheira por parte de algumnxs amigxs no momento e depois, mas as difamações contra ela se seguiram nos dias seguintes pela internet e nos meses seguintes nos murmurinhos. Dois dias depois do acontecimento no evento veio a tona uma intriga de relacionamento causada por um outro homem anarquista, ex integrante do coletivo editorial da Editora Deriva, que através de um leva e trás de informações entre transas causou o conflito entre a mesma companheira acusada e outra companheira integrante da Federação Anarquista Gaúcha(FAG). Não entrarei em detalhes sobre as diversas outras agressões e expulsões que a companheira acusada havia sofrido até esse momento, pois o que pretendo aqui é trazer a questão de como tudo isso se construiu através do império da masculinidade e da heteronorma, atingindo as relações entre companheiras. A soma de todos esses fatos fez com que essa companheira ficasse sem casa para morar, inclusive teve ajuda negada de muitxs companheirxs, consequência do espalhamento da sua fama de ladra, tendo que conseguir hospedagem temporária aqui e ali, pode contar com ulgumnxs poucxs amigxs, tentando com muita dificuldade até que conseguisse se estabilizar materialmente e principalmente emocionalmente, o que conseguiu com muita luta. Mas, em Maio de 2014 no evento de 1º de Maio organizado pela Federação Anarquista Gaúcha no Clube de Cultura/Ateneu Libertário/Cooperativa de Costura Apoio Mútuo a companheira em questão compareceu, mas foi impedida de permanecer no espaço por amigas da companheira da FAG envolvida na intriga de relacionamento contada anteriormente, que se “solidarizaram” com o desconforto da amiga com a presença da companheira acusada no evento e pediram que ela se retirasse, ação que foi justificada sem base alguma sob ela “falar mal da Federação”. Me pergunto então: É justo uma companheira ser expulsa de um evento libertário, realizado por uma “organização específica”, por motivos pessoais normativos ou seja por qualquer “bafafá”? Algo impossível de se comparar as atitudes que considero muito legítimas das feministas que expulsam agressores e machistas dos espaços, como aconteceu na abertura da feira, numa ocasião muito diferente dessa. Conversei, discuti, entrei em conflito diretamente com as principais pessoas envolvidas, cara a cara, olho no olho, tentando resolver isso tudo, inclusive com a minha amiga acusada, que obviamente não é isenta de erros e deslizes,
  • 3. como qualquer umx de nós. Mas recebi reações orgulhosas e as reverberações do caso continuaram. Os meses se passaram, todas as acusações continuaram repercutindo de várias formas, muitxs companheirxs do meio reproduziram as acusações, mas por outro lado aconteceram mudanças, afastamentos e até que algumnxs de nós estávamos convivendo bem, inclusive as acusações de roubo contra a companheira foram desvendadas e desmentidas, mas não houve nenhuma repercussão, não por falta de provas, mas porque o orgulho de algumnxs preferiu abafar o caso. Infelizmente não podemos entrar em detalhes para não expor pessoas queridas. Mesmo que tivesse sido diferente, nada justificaria a forma que as acusações foram tratadas. Estávamos, talvez covardemente, tentado por uma pedra nisso tudo, porém, no domingo dia 7 de dezembro de 2014, poucos dias antes da abertura da feira, ao encontrar uma amiga de outra cidade na rua, juntamente com outra companheira, elas disseram que ouviram de pessoas ligadas e/ou de alguns integrantes da Federação Anarquista Gaúcha (principalmente homens) que a companheira nossa amiga era uma informante da Polícia Civil e que estava passando informações do movimento. Isso me desestabilizou na hora, considero essa acusação gravíssima, e isso ficou entalado na garganta até que eu pudesse me expressar na abertura da feira, pois como uma pessoa que convive com a companheira acusada, sei que tudo isso não passa de mais uma armadilha para difamá-la mais uma vez. Além do mais, seria difícil pensar que uma imigrante ilegal está em contato com a polícia. Como é possível que entre anarquistas se funde uma cadeia incessante de acusações sem embasamento sobre uma pessoa a ponto de fundar uma situação de tamanha exclusão? Esse relato é apenas um exemplo forte das muitas opressões ocorridas entre nós, algumas que demoramos para nos dar conta, mas serve para que pensemos onde se encontra nossa ÉTICA ANARQUISTA na hora de agirmos umnxs com xs outrxs, pois todas essas acusações foram reproduzidas por muitxs de nós e repercutiram em nosso meio fazendo com que uma pessoa passasse pelas piores humilhações e exclusões. Eu não sou mulher, nem tampouco sou protagonista dessa história toda, gostaria que as pessoas envolvidas viessem falar publicamente sobre isso e não eu, mas já que entrei na chuva, estou me molhando para acabar de uma vez por todas com essa sombra de precárias relações, servindo como uma provocação de impulso para a resolução desses conflitos. As relações de poder e opressão partem de todas as partes, “eu oprimo, tu oprimes, elxs oprimem, nós oprimimos”. A força que temos para destruir a vida de alguém pode vir também do posto de visibilidade que temos no “movimento”: Quem segura o megafone? Quem pertence a essa ou aquela organização? Quem administra esse ou aquele espaço libertário? Essas categorias podem exercer um poder autoritário tremendo quando a voz parte de mais alto sobre uma pessoa com dificuldades para se expressar da mesma forma e que recentemente aprendeu a falar o idioma local, por exemplo. É preciso um esforço de todxs para diluir as hierarquias subjetivas que existem entre nós anarquistas, derrubar o estado, a igreja, a polícia, a
  • 4. família e os microfascismos que existem em cada um de nós, desconstruir nossas sensações de posse sobre os territórios que agimos. Não esqueçamos que tudo isso se iniciou a partir de homens com uma posição de visibilidade forte no meio anarquista e que causaram tudo isso depois de terem se envolvido sexualmente com as companheiras envolvidas. Mulheres, pessoas trans, nós bichas e singularidades somos constantemente caladas e subestimadas nos espaços políticos, pelo império da “heteromasculinidade”. Historicamente no anarquismo as mulheres, as feministas foram acusadas de desarticular a luta e hoje é preciso ver que as normas de gênero imbricadas nas nossas formas de convívio é que destroem a coletividade. Desejo que em 2015 todas essas pequenas intrigas sejam finalizadas e que novos conflitos em relação às opressões dentro dos meios políticos surjam para que essa reconfiguração seja contínua. Para finalizar, gostaria de ressaltar que esse texto não tem o intuito de distorcer a imagem de nenhuma das companheiras envolvidas, pois fica claro entre nós que esses conflitos partiram de homens, apenas tive a intenção de me por em defesa de uma amiga e expor algo que não poderia ser varrido para debaixo do tapete. A companheira acusada leu esta nota e foi com a ajuda e o apoio dela que a mesma foi escrita e está sendo publicada. Ressalto também que nenhuma das minhas declarações tem a ver com divergências ideológicas entre segmentos do pensamento anarquista, tampouco antipatia com nenhuma organização, é preciso olhar para a importância de discutirmos todos os anarquismos e as lutas que vão além do anarquismo em nossos espaços. Agradeço quem leu até o fim e digo que estou abertx para que a discussão continue, na internet ou de preferência pessoalmente e na coletividade para que todos os lados dessa história possam ser contados, pois não existe um ponto de vista único para nada. Viní Rodrigues, POX – coletiva