1) Uma coletiva feminista expulsou um homem chamado Rafael após receber denúncias de abuso sexual e assédio por parte dele.
2) Durante uma reunião de seis horas, várias mulheres relataram situações de abuso envolvendo Rafael. Ele inicialmente pareceu assumir responsabilidade, mas depois agiu de forma contrária ao acordado.
3) Por suas ações subsequentes, a coletiva percebeu que o voto de confiança em Rafael foi um erro, e decidiu expulsá-lo publicamente.
1. NOTA
OFICIAL
DE
EXPULSÃO
DE
RAFAEL
LEANDRO
(RAFAEL
LEAFAR/RAFAEL
ABÁ
SARAUYA
PEPÓ/DANZA
DE
FUEGO)
DA
COLETIVA
ATÉ
O
TALO
Como
boa
parte
da
cena
anarquista,
libertária
e
vegana
do
Brasil
talvez
saiba,
a
Até
o
Talo
é
uma
coletiva
mista
que
a
partir
da
alimentação
busca
acumular
e
trocar
experiências
sobre
'culinária',
'anarquia',
'autonomia',
'saúde',
'feminismo','trabalho
cooperativo','autogestão',
'resistência'.
Ao
longo
dos
últimos
3
anos,
nossa
experiência
e
vontade
de
transformar
nossas
relações
-‐
tanto
na
esfera
macro
quanto
na
micro
-‐
nos
levou
a
um
aumento
do
grupo
e
a
um
reconhecimento
cada
vez
maior,
o
que
significa
apenas
que
nossa
responsabilidade,
por
ter
a
chance
de
dialogar
com
mais
pessoas,
também
aumentou.
Há
duas
semanas,
nos
vimos
envolvidas/os
em
um
caso
no
qual
recebemos
denúncias
de
abuso
sexual
por
parte
de
um
dos
homens
que
compunha
nossa
coletiva.
Por
nossa
convicção
em
como
lidar
com
esse
tipo
de
situação,
sendo
uma
coletiva
que
tem
o
feminismo
como
um
de
seus
princípios,
e
se
tratando
de
uma
pessoa
com
quem
possuíamos
vínculos
afetivos,
nos
sentimos
compelidas
a
lidar
com
a
situação
com
cautela
redobrada,
e
de
maneira
sincera,
transparente
e
cuidadosa,
mas
assumindo
a
gravidade
da
situação.
Infelizmente,
esta
pessoa
não
valorizou
este
gesto,
e
nos
dias
seguintes
às
denúncias,
reagiu
da
maneira
mais
“convencional”
possível,
negando
as
"acusações",
e
escrevendo
uma
carta
na
qual
tenta
inverter
a
situação.
Portanto,
esta
nota
tem
a
intenção
de
relatar
a
maneira
como
nós
vivemos
e
sentimos
esta
situação,
assim
como
compartilhar
nossos
aprendizados
e
explicitar
nossa
posição
inegociável
em
relação
a
abusadores.
A
partir
de
uma
conversa
informal
entre
duas
membras
sobre
algumas
situações
de
abuso
envolvendo
Rafael,
se
percebeu
a
necessidade
de
compartilhá-‐las
com
as
outras
mulheres
do
grupo.
Como
normalmente
acontece
quando
um
relato
sobre
abuso
emerge,
começamos
a
perceber
que
todas
já
tínhamos
conhecimento
de
situações
parecidas
a
respeito
dele.
Dentre
vários
relatos
de
assédios
mais
"comuns",
nos
causou
um
grande
choque
um
caso
de
estupro
que
havia
ocorrido
há
cerca
de
um
ano
e
meio.
Esse
caso
foi
trazido
por
uma
das
integrantes
da
Coletiva,
que
diante
das
manifestações
das
outras
mulheres,
se
sentiu
encorajada
para
revelar
a
situação
ocorrida
com
uma
amiga
muito
próxima
e
que
na
época
havia
pedido
sigilo
sobre
o
fato.
Nesse
momento
tomamos
a
frente
da
denúncia
pelo
fato
de
a
vítima
se
encontrar
bastante
afastada
do
grupo
de
convivência
onde
se
deu
o
abuso
e,
portanto,
em
segurança
e
também
porque
decidimos
não
nos
omitir
e
não
ser
coniventes
com
a
cultura
de
estupro.
Nossa
postura,
enquanto
coletiva,
é
de
sempre
dar
credibilidade
à
vítimas
de
agressão/abusos,
justamente
por
não
concordarmos
com
o
Estado
e
o
sistema
penal-‐patriarcal
que
joga
sempre
o
ônus
da
prova
nos
ombros
das
mulheres.
Como
já
tinhamos
uma
reunião
agendada
para
dois
dias
depois
foi
decidido
(entre
as
mulheres)
que
apresentaríamos
o
assunto
como
pauta
para
que
os
demais
membros
tivessem
conhecimento
e
pudéssemos
tomar
uma
decisão
coletivamente.
A
reunião
seguiu
por
seis
horas
e,
como
se
pode
imaginar,
não
foi
nada
fácil
para
nenhuma/um
de
nós.
Conduzimos
a
conversa
evitando
qualquer
verniz
psicologizante,
utilizando
métodos
para
resolução
de
conflitos
conhecidos
e
acordados
ao
inicio
da
reunião
entre
todas/os
(incluindo
Rafael)
-‐
técnicas
estas
que,
inclusive,
constavam
em
um
zine
que
ironicamente
ele
mesmo
havia
trazido
nesse
dia.
Falamos
cada
uma
e
cada
um
individualmente,
respeitando
os
tempos,
silêncios
e
necessidades
de
reflexão
de
todas/os.
A
todo
momento
fomos
livres
para
fazer
qualquer
tipo
de
pergunta
e
relatar
sentimentos,
o
que
por
vezes
levou
toda
a
Coletiva
às
lagrimas
(Rafael,
no
entanto,
foi
a
única
pessoa
que
em
nenhum
momento
demonstrou
se
comover).
Tudo
correu
de
maneira
espontânea
e
cuidadosa
pela
delicadeza
do
assunto.
Sentimos
que
2. nosso
companheiro
reagia
respondendo
apenas
quando
perguntado,
com
longos
períodos
de
silêncio
e
que
se
mantinha
com
uma
postura
fria
e
indiferente.
A
todo
momento
nos
perguntávamos
como
nos
sentíamos
(inclusive
a
Rafael)
e
o
que
pensávamos
dos
relatos
que
expusemos.
Segundo
a
técnica
escolhida
para
procedermos,
foram
anotados
em
uma
folha
de
papel
acessível
a
todas/os
os
nossos
sentimentos,
necessidades,
atitudes
e
palavras.
Foi
perguntado
a
Rafael
por
mais
de
uma
vez
se
ele
se
sentiria
mais
à
vontade
de
sair
da
sala
e
conversar
com
alguém
individualmente
ou
se
queria
continuar
a
conversa
em
outro
momento
para
que
tivesse
mais
tempo
para
assimilar
o
que
havia
sido
dito
até
então.
Suas
respostas
em
nenhum
momento
negavam
o
que
as
mulheres
da
coletiva
expuseram
e
incluíram
frases
como
'sou
um
produto
da
sociedade
patriarcal'
e
'sinto
muita
vergonha'.
Sentimos
que
com
essa
postura
realmente
assumia
cada
um
dos
casos
Nosso
intuito
não
era,
no
entanto,
obter
uma
confissão
mas,
num
impulso
de
empatia,
tratar
desse
assunto
de
maneira
a
estabelecer
um
diálogo
honesto,
buscando
que
ele
percebesse
as
consequências
dos
seus
atos
para
que
revisse
seu
comportamento,
e
também
entendesse
como
estávamos
afetadas/os.
Procuramos
sugerir
alternativas
para
que
ele
fizesse
uma
reflexão
no
intuito
de
evitar
que
as
situações
relatadas
se
repetissem
e
definissem
suas
relações
para
sempre.
Embora
para
nós
este
fato
tenha
tomado
uma
posição
totalmente
secundária,
um
dos
membros
da
coletiva
atentou
para
como
as
atitudes
abusivas
de
Rafael
se
estendiam
para
outras
esferas
das
suas
relações
-‐
incluindo
a
maneira
como
este
vinha
agindo
em
relação
ao
grupo
nos
últimos
meses,
marcando
como
horas
trabalhadas
momentos
em
que
apenas
se
encontrava
presente,
porém
fazendo
outras
coisas;
sobrecarregando
e
onerando
o
trabalho
de
todas/os,
o
que
nos
fazia
sentir
exploradas/os
e
enganadas/os.
Dentro
da
Coletiva
há
pessoas
com
diferentes
níveis
de
comprometimento,
diferentes
disponibilidades
e
ritmos
de
trabalho.
Não
estávamos,
portanto,
questionando
sua
'produtividade'
como
uma
empresa
ou
um
patrão
que
policia
seus
funcionários
-‐
falamos
aqui
de
uma
falta
explícita
de
honestidade
quando
Rafael,
num
claro
oportunismo
justamente
por
não
sermos
'o
patrão
que
policia',
buscou
benificiar-‐se
individualmente
de
um
esforço
coletivo.
Fomos
sinceros
com
Rafael
em
relação
a
essa
situação
e
sua
manifestação
se
deu
no
sentido
de
desculpar-‐se
pela
falta
de
comprometimento
e
organização,
com
um
mínimo
de
sinceridade,
já
que
os
registros
das
horas
de
todas/os
na
coletiva
são
abertos
e
que
em
mais
de
uma
oportunidade
foi
apontado
a
Rafael
a
discrepância
entre
as
horas
que
anotou
e
a
realidade.
O
desfecho
dessa
exaustiva
reunião
foi
uma
proposta
nossa
para
que
Rafael
tivesse
algum
tempo
para
refletir
e
que
então
comunicasse
os
grupos
e
coletivos
que
frequentava
sobre
os
motivos
de
seu
afastamento
sendo
sincero
consigo
mesmo
e
com
as
pessoas
destes
coletivos
próximos
a
nós.
Quando
perguntado
sobre
qual
era
sua
opinião
em
relação
a
essa
proposta,
ele
respondeu
"acho
justo".
Suas
atitudes
nos
dias
seguintes
a
esta
reunião
surpreenderam
a
todas/os
e
nos
desmobilizaram
cada
vez
que
Rafael
agia
de
maneira
oposta
ao
que
havíamos
combinado,
criando
a
necessidade
da
elaboração
de
uma
resposta
coletiva.
Por
essas
atitudes
percebemos
nitidamente
que
o
voto
de
confiança
depositado
em
Rafael
ao
decidirmos
não
expô-‐lo
foi
um
erro.
Ao
invés
de
se
aprofundar
em
uma
auto-‐crítica,
resolveu
defender-‐se
de,
como
ele
entende,
'acusações',
buscando
apoio
em
outros
homens,
invertendo
a
situação
e
se
vitimizando,
quando
na
verdade
falávamos
de
situações
reais
relatadas
por
mulheres,
que,
segundo
nossos
princípios,
não
devem
e
não
precisam
ser
expostas
como
'prova'
para
que
esses
homens
validem
uma
decisão
interna
da
nossa
Coletiva.
Durante
esses
dias
a
atitude
de
Rafael
e
seus
apoiadores
tem
sido
a
de
perseguir,
intimidar
e
hostilizar
as
mulheres
desta
Coletiva,
impondo
sua
presença
em
'visitas'
não
consentidas
a
suas
casas
e
locais
de
trabalho,
exigindo
explicações
e
enviando
mensagens
agressivas
nas
3. quais
Rafael
se
refere
de
maneira
pejorativa
e
machista
a
mulheres
com
quem
já
se
relacionou,
corroborando
os
relatos
contra
ele.
Por
fim,
foi
divulgada
uma
carta
assinada
por
ele
extremamente
desonesta
onde
constavam
diversas
mentiras
como
supostas
acusações
de
roubo
que
nunca
aconteceram.
Nessa
carta,
Rafael
também
relata
as
situações
sobre
as
quais
está
sendo
apontado
um
comportamento
abusivo
de
sua
parte,
fazendo
sua
própria
leitura
da
situação
para
mostrar
como
“não
foi
tão
abusivo
assim”.
Consideramos
que
este
tipo
de
narrativa
é
inaceitável,
pois
insiste
em
sua
vitimização
e
não
assume
a
responsabilidade
pela
maneira
como
fez
as
outras
pessoas
–
as
mulheres
–
com
quem
estava
se
relacionando
se
sentirem.
Entendemos
esse
tipo
de
atitude
como
um
fator
de
silenciamento
e
um
retrocesso
na
luta
contra
o
patriarcado
dentro
dos
espaços
libertários
na
medida
em
que
colabora
ativamente
para
que
outras
vítimas
e
coletivos
se
sintam
intimidados
em
confrontar
situações
de
agressão
e
abuso.
A
campanha
difamatória,
persecutória
e
silenciadora
que
estamos
enfrentando
nos
faz
entender
por
que
tantos
coletivos
não
conseguem
ou
não
querem
se
posicionar
quando
surgem
questões
de
violência
contra
as
mulheres.
Vemos
anarquistas
exigindo
comprovação
de
estupro
e
a
exposição
das
vítimas
a
seu
agressor
como
prova
para
que
eles
mesmos
possam
julgar
procedentes
os
relatos
e
então
validar
ou
não
a
decisão
de
uma
coletiva
que
decidiu
por
consenso
se
posicionar
a
favor
destas
vítimas.
Essa
decisão
interna
não
está
aberta
a
debate
e
não
será
questionada
por
homens
que
nunca
integraram
a
Coletiva.
Segue,
em
anexo,
o
link
para
uma
zine
junto
com
nosso
apelo
para
que
todos
os
homens
o
leiam.
Infelizmente,
ter
acesso
a
esse
material
que
se
encontrava
pendurado
na
parede
de
sua
casa
não
impediu
que
Rafael
agisse
de
maneira
totalmente
oposta
ao
que
a
zine
sugere,
expondo
muito
mais
mulheres
à
sanha
justiceira
de
outros
homens
que
saíram
violentamente
em
sua
defesa.
Esperamos
sinceramente
que
nosso
posicionamento
sirva
para
fortalecer
e
incentivar
as
mulheres
a
se
posicionarem
nesses
casos
e
com
muita
sorte
gerar
algum
questionamento
nos
homens
da
cena
libertária
e
evitar
futuras
agressões/abusos.
http://www.pimentanegra.libertar.org/?p=8
*
Nosso
conceito
de
estupro
não
atende
à
uma
escala
arbitrária
dentro
da
qual
se
decide
que
tipo
de
intervenção
no
corpo
alheio
é
aceitável
e
que
tipo
não
é.
Discordamos
da
perspectiva
falocêntrica
e
fantasiosa
de
que,
para
configurar
estupro,
há
a
necessidade
de
penetração,
por
exemplo.
De
forma
alguma
queremos
banalizar
o
"estupro
violento"
(e
qual
estupro
não
o
é?)
que,
apesar
de
existir,
não
representa
a
realidade
da
maioria
dos
casos
mas
habita
o
imaginário
patriarcal
como
o
único
tipo
existente
-‐
como
se
o
estuprador
fosse
sempre
o
estranho
monstro
violento
que
ninguém
conhece.
O
estupro
acontece
entre
pessoas
que
já
tiveram
ou
que
ainda
mantêm
relações
consensuais
e
por
isso
deve
ser
combatido.
O
estupro
acontece
dentro
das
casas,
das
famílias
e
das
amizades
próximas.
Mulheres
são
violadas
diariamente
por
homens
de
sua
confiança
e
de
maneiras
muito
mais
sutis
do
que
o
‘estuprador-‐criminoso-‐sem-‐face’.
Fica
o
nosso
convite
à
reflexão
sobre
o
exercício
automático
de
se
buscar
atenuantes
por
meio
de
decisões
arbitrárias
e
individuais
sobre
quanto
abuso
uma
mulher
deve
tolerar
até
que
se
leve
a
sério
sua
denúncia.
Coletiva
Até
o
Talo
Porto
Alegre,
26
de
novembro
de
2014