SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 2
O Valor da Preservação

A Ilha de Tatuoca está a 52 km de Recife, na Baía de Suape. Lugar paradisíaco, de areias ainda
brancas e de pessoas quase felizes. Mais de 50 famílias em Tatuoca vivem como se vivia por
aqui há 200 anos. Uma comunidade de casas de taipa, que recebem o “progresso” na
velocidade da luz, com a chegada da energia elétrica a pouco mais de dois anos, veio também
o DVD, a TV e outros eletrodesejáveis. No entanto as pessoas de lá, ainda vivem
sustentavelmente na natureza quase intocada, trabalhando entre o mar e o rio, na coleta de
frutos, pesca e agricultura familiar.

Antes de ser criada uma ligação física com o continente, pelas obras do primeiro estaleiro,
chegava-se em Tatuoca, a partir do mais próximo núcleo urbano, trilhando seis quilômetros
pelas estradinhas de terra, até o mangue, depois (na parte mais estreita do rio) cruzando 900m
numa jangadinha, até novamente o mangue, e então andar até a casa mais próxima. Esse
isolamento deixou a comunidade parada no tempo, imune às influências diretas da cidade.

A ilha não tem ruas, saneamento ou posto de saúde, mas tem uma escolinha que também é o
lugar de reunião da associação de moradores, e onde se consegue água potável. Tem ainda
com menos recursos que as outras escolas do entorno, ensina até a quarta série, mas os
alunos normalmente enfrentam dificuldade quando chegam a 5ª série, em Ipojuca ou Cabo.
Dificuldade em ler.

A comunidade agora, semicapitalista preserva ainda a boa vontade, a hospitalidade e outras
características comuns ao “bom selvagem”. Quem vive ali, o faz por uma opção naturalmente
afetiva e espiritual, fazendo igual aos primeiros moradores que chegaram lá antes de 1645.

Encostada a si, está o Porto de Suape, um gigante com seu moderno terminal de cargas e
indústrias, capitalista, totalmente dotado de toda infraestrutura que a tecnologia pode
proporcionar. É responsável pelo êxito de Pernambuco e dos Governos nos anos vindouros,
pela oferta do crescimento econômico, fazendo essa parte do Brasil, mais uma vez ser vista
pelo mundo, como no período colonial.

Não estou aqui para dizer que Suape não é bom para Pernambuco. Mas o que me preocupa é
essa política ambiental particular de Suape, e também sua política com as comunidades que
estão e estavam onde é hoje o Complexo Industrial Portuário. Mais de uma dezena foi
removida nos últimos trinta anos, resta a comunidade de Nsª Senhora do Ó e Tatuoca.
Comunidades tradicionais, descendentes de nativos, moradores há várias gerações.

 É irreversível o processo de degradação da ilha, e logo não será um bom lugar para viver. O
Rio Tatuoca, agoniza e logo, o também tradicional e mais conhecido, Rio Massangana também
morrerá. Os moradores da comunidade deverão sim, sair para a vila que se encomenda para
eles ou para outro lugar, que seja mais feliz.

Não quero nem falar da valoração do ambiente, agora um ativo da economia ecológica, um
bem para a população em geral. Mas quando o debate contemporâneo gira em torno de
preservação ambiental, com a criação de instrumentos econômicos que articulam e premiam a
conservação da vegetação, e benefícios tributários e creditícios são destinados a estimular o
mercado de serviços ambientais, por redução das emissões de gases do efeito estufa, pelo não
desmatamento e não degradação fica difícil deixar de associar esses benefícios aos moradores,
pela preservação da ilha, que ainda guarda muita mata atlântica e todo o mangue originais, do
restinho que sobrou no país. Mas eles não têm a promessa de ganhos pecuniários justos, nem
por seus sítios, quanto mais pela preservação!

Não quero falar do código florestal, que protege a ilha, ou da proteção que recebe os vestígios
arqueológicos no seu solo, ainda por prospectar. Nem quero falar da obrigação do Governo de
“atender as necessidades das pessoas, permitindo melhores condições de vida, sem
comprometer a qualidade ambiental e o atendimento das necessidades das gerações futuras”.
Só quero que vejam que a ilha provinha qualidade de vida, comida em abundância, segurança,
manutenção da cultura tradicional, para seus moradores que por sua condição de não
letramento, não conseguirão o mesmo de nenhum emprego que conquistem ou que seja
“arranjado”.

Quero que olhem para os idosos da comunidade que choram toda vez que se fala em
realocação. A ilha é referência de vida, lugar afetivo de todas as famílias, é lugar histórico da
chegada de colonizadores, do genocídio dos Caetés, de batalhas dos holandeses, do tráfico de
escravos e sítio pré-histórico de tribos indígenas. As primeiras terras distribuídas em
Pernambuco, pelo primeiro donatário incluíam a ilha no lote destinado a Tristão de Mendonça,
possível fundador do Engenho Massangana.

Agora receberá em suas terras o segundo estaleiro, isso quer dizer mais degradação, barulho,
poeira, mais “peões” invadindo os sítios, retirando frutos, sujando, badernando, insultando as
moças. E mais recentemente, me conta o líder da associação dos moradores, levam drogas pra
lá. Edson, preocupado com a segurança da comunidade começou a restringir essa entrada de
estranhos na comunidade, e agora recebe ameaças anônimas pelo celular, à sua esposa e
filhos. Estão pensando em deixar tudo e sair, naturalmente intimidados pela violência.

O problema social não está apenas em Tatuoca. Suape deverá dar atenção também aos
trabalhadores que vêm de outras regiões para trabalhar nas obras das empresas, esses
“peões” depois de concluídas as obras, formarão mais uma favela em Pernambuco, pois vem
com suas famílias, e se contabilizarmos uma média de 100 trabalhadores em cada um dos 300
canteiros de obras em Suape e entorno, teremos o caos instalado nos próximos anos.

Mas tudo isso passa longe de nós, paciente leitor. Também quem formula as políticas ou quem
dirige o processo de “desenvolvimento” reinante, está alheio ao problema, não sente de
dentro do ar condicionado de suas salas, o aumento da temperatura, pelo desmatamento na
ilha de Tatuoca, nem a água ficando salobra nas cacimbas, ou as árvores morrendo em seus
quintais. Nos passa fácil, a preocupação, pois não está acontecendo em nossas casas, nem com
nossas famílias essa interferência indesejada do progresso. Talvez quando o primeiro desastre
ecológico chegar às praias badaladas de Pernambuco (e vai chegar) notaremos o que
renomados pesquisadores como Clovis Cavalcanti, já diziam há 30 anos.

Mais conteúdo relacionado

Semelhante a O valor da preservação

Influência do Homem no Ambiente e vice-versa
Influência do Homem no Ambiente e vice-versaInfluência do Homem no Ambiente e vice-versa
Influência do Homem no Ambiente e vice-versaJuliana Costa
 
2 ano salvando_o_planeta_edicao
2 ano salvando_o_planeta_edicao2 ano salvando_o_planeta_edicao
2 ano salvando_o_planeta_edicaocasa
 
Problemas ambientais que envolvem água
Problemas ambientais que envolvem águaProblemas ambientais que envolvem água
Problemas ambientais que envolvem águaDayane Almeida
 
Acp pesca[1].ibama.jaoatao
Acp pesca[1].ibama.jaoataoAcp pesca[1].ibama.jaoatao
Acp pesca[1].ibama.jaoataovfalcao
 
Tatuoca, suape e os colonizadores
Tatuoca, suape e os colonizadoresTatuoca, suape e os colonizadores
Tatuoca, suape e os colonizadoresvfalcao
 
Acp pesca
Acp pescaAcp pesca
Acp pescavfalcao
 
Poluição Não!
Poluição Não!Poluição Não!
Poluição Não!mjvmarques
 
O porto sul está gerando opiniões diversas entre os produtores do sul da bahia
O porto sul está gerando opiniões diversas entre os produtores do sul da bahiaO porto sul está gerando opiniões diversas entre os produtores do sul da bahia
O porto sul está gerando opiniões diversas entre os produtores do sul da bahiaGuy Valerio Barros dos Santos
 
Manifesto em defesa do Meio Ambiente e dos Direitos das Comunidades Pesqueira...
Manifesto em defesa do Meio Ambiente e dos Direitos das Comunidades Pesqueira...Manifesto em defesa do Meio Ambiente e dos Direitos das Comunidades Pesqueira...
Manifesto em defesa do Meio Ambiente e dos Direitos das Comunidades Pesqueira...Mª Arméle Dornelas
 
Carta Escrita No Ano 2070
Carta Escrita No Ano 2070Carta Escrita No Ano 2070
Carta Escrita No Ano 2070eambiental
 
Ação de manutenção de posse
Ação de manutenção de posseAção de manutenção de posse
Ação de manutenção de posseJamildo Melo
 
Livro do projeto bairros de Porto Alegre
Livro do projeto bairros de Porto AlegreLivro do projeto bairros de Porto Alegre
Livro do projeto bairros de Porto Alegreescolaevarista
 
Relatorio de impacto ambiental na aldeia Guarani do Rio Branco
Relatorio de impacto ambiental na aldeia Guarani do Rio BrancoRelatorio de impacto ambiental na aldeia Guarani do Rio Branco
Relatorio de impacto ambiental na aldeia Guarani do Rio BrancoColetivo Alternativa Verde
 

Semelhante a O valor da preservação (20)

Influência do Homem no Ambiente e vice-versa
Influência do Homem no Ambiente e vice-versaInfluência do Homem no Ambiente e vice-versa
Influência do Homem no Ambiente e vice-versa
 
2 ano salvando_o_planeta_edicao
2 ano salvando_o_planeta_edicao2 ano salvando_o_planeta_edicao
2 ano salvando_o_planeta_edicao
 
Problemas ambientais que envolvem água
Problemas ambientais que envolvem águaProblemas ambientais que envolvem água
Problemas ambientais que envolvem água
 
Acp pesca[1].ibama.jaoatao
Acp pesca[1].ibama.jaoataoAcp pesca[1].ibama.jaoatao
Acp pesca[1].ibama.jaoatao
 
Tatuoca, suape e os colonizadores
Tatuoca, suape e os colonizadoresTatuoca, suape e os colonizadores
Tatuoca, suape e os colonizadores
 
Acp pesca
Acp pescaAcp pesca
Acp pesca
 
Poluição Não!
Poluição Não!Poluição Não!
Poluição Não!
 
O porto sul está gerando opiniões diversas entre os produtores do sul da bahia
O porto sul está gerando opiniões diversas entre os produtores do sul da bahiaO porto sul está gerando opiniões diversas entre os produtores do sul da bahia
O porto sul está gerando opiniões diversas entre os produtores do sul da bahia
 
Carta
CartaCarta
Carta
 
Itaurandi
ItaurandiItaurandi
Itaurandi
 
Manifesto em defesa do Meio Ambiente e dos Direitos das Comunidades Pesqueira...
Manifesto em defesa do Meio Ambiente e dos Direitos das Comunidades Pesqueira...Manifesto em defesa do Meio Ambiente e dos Direitos das Comunidades Pesqueira...
Manifesto em defesa do Meio Ambiente e dos Direitos das Comunidades Pesqueira...
 
Boletim moab-f
Boletim moab-fBoletim moab-f
Boletim moab-f
 
Boletim moab
Boletim moabBoletim moab
Boletim moab
 
A lama do descaso
A lama do descasoA lama do descaso
A lama do descaso
 
Tubiacanga
TubiacangaTubiacanga
Tubiacanga
 
Carta De 20701
Carta De 20701Carta De 20701
Carta De 20701
 
Carta Escrita No Ano 2070
Carta Escrita No Ano 2070Carta Escrita No Ano 2070
Carta Escrita No Ano 2070
 
Ação de manutenção de posse
Ação de manutenção de posseAção de manutenção de posse
Ação de manutenção de posse
 
Livro do projeto bairros de Porto Alegre
Livro do projeto bairros de Porto AlegreLivro do projeto bairros de Porto Alegre
Livro do projeto bairros de Porto Alegre
 
Relatorio de impacto ambiental na aldeia Guarani do Rio Branco
Relatorio de impacto ambiental na aldeia Guarani do Rio BrancoRelatorio de impacto ambiental na aldeia Guarani do Rio Branco
Relatorio de impacto ambiental na aldeia Guarani do Rio Branco
 

Mais de vfalcao

Tubaraopdfsim
TubaraopdfsimTubaraopdfsim
Tubaraopdfsimvfalcao
 
Denuncia
DenunciaDenuncia
Denunciavfalcao
 
Ata da reunião de ambientalistas 26.01.11
Ata da reunião de ambientalistas 26.01.11Ata da reunião de ambientalistas 26.01.11
Ata da reunião de ambientalistas 26.01.11vfalcao
 
Jc eco0115 est1-estaleiro4
Jc eco0115 est1-estaleiro4Jc eco0115 est1-estaleiro4
Jc eco0115 est1-estaleiro4vfalcao
 
Jc pol0115 lll01-propostas4
Jc pol0115 lll01-propostas4Jc pol0115 lll01-propostas4
Jc pol0115 lll01-propostas4vfalcao
 
Rima promar 21_11_10
Rima promar 21_11_10Rima promar 21_11_10
Rima promar 21_11_10vfalcao
 
Biodiversidade03
Biodiversidade03Biodiversidade03
Biodiversidade03vfalcao
 
Ciclo gaia de palestras [dezembro]
Ciclo gaia de palestras [dezembro]Ciclo gaia de palestras [dezembro]
Ciclo gaia de palestras [dezembro]vfalcao
 
Edita 012010
Edita 012010Edita 012010
Edita 012010vfalcao
 
Venda parque marinha
Venda parque marinhaVenda parque marinha
Venda parque marinhavfalcao
 
Convocação+xvi+reunião+ord+cobh+capibaribe+24+novembro+2010[1]
Convocação+xvi+reunião+ord+cobh+capibaribe+24+novembro+2010[1]Convocação+xvi+reunião+ord+cobh+capibaribe+24+novembro+2010[1]
Convocação+xvi+reunião+ord+cobh+capibaribe+24+novembro+2010[1]vfalcao
 
Silviaexpoidea
SilviaexpoideaSilviaexpoidea
Silviaexpoideavfalcao
 
Programa finalizado ok
Programa finalizado   okPrograma finalizado   ok
Programa finalizado okvfalcao
 
Expoidea
ExpoideaExpoidea
Expoideavfalcao
 
8365 programacao semana_de_eng._florestal[1]
8365 programacao semana_de_eng._florestal[1]8365 programacao semana_de_eng._florestal[1]
8365 programacao semana_de_eng._florestal[1]vfalcao
 
Prop moçãoagb
Prop moçãoagbProp moçãoagb
Prop moçãoagbvfalcao
 
Sitio040
Sitio040Sitio040
Sitio040vfalcao
 
Relatório final
Relatório finalRelatório final
Relatório finalvfalcao
 

Mais de vfalcao (20)

Tubaraopdfsim
TubaraopdfsimTubaraopdfsim
Tubaraopdfsim
 
Sinuelo
SinueloSinuelo
Sinuelo
 
Denuncia
DenunciaDenuncia
Denuncia
 
Ata da reunião de ambientalistas 26.01.11
Ata da reunião de ambientalistas 26.01.11Ata da reunião de ambientalistas 26.01.11
Ata da reunião de ambientalistas 26.01.11
 
Jc eco0115 est1-estaleiro4
Jc eco0115 est1-estaleiro4Jc eco0115 est1-estaleiro4
Jc eco0115 est1-estaleiro4
 
Jc pol0115 lll01-propostas4
Jc pol0115 lll01-propostas4Jc pol0115 lll01-propostas4
Jc pol0115 lll01-propostas4
 
Rima promar 21_11_10
Rima promar 21_11_10Rima promar 21_11_10
Rima promar 21_11_10
 
Biodiversidade03
Biodiversidade03Biodiversidade03
Biodiversidade03
 
Ciclo gaia de palestras [dezembro]
Ciclo gaia de palestras [dezembro]Ciclo gaia de palestras [dezembro]
Ciclo gaia de palestras [dezembro]
 
Edita 012010
Edita 012010Edita 012010
Edita 012010
 
Venda parque marinha
Venda parque marinhaVenda parque marinha
Venda parque marinha
 
Sapo ne
Sapo neSapo ne
Sapo ne
 
Convocação+xvi+reunião+ord+cobh+capibaribe+24+novembro+2010[1]
Convocação+xvi+reunião+ord+cobh+capibaribe+24+novembro+2010[1]Convocação+xvi+reunião+ord+cobh+capibaribe+24+novembro+2010[1]
Convocação+xvi+reunião+ord+cobh+capibaribe+24+novembro+2010[1]
 
Silviaexpoidea
SilviaexpoideaSilviaexpoidea
Silviaexpoidea
 
Programa finalizado ok
Programa finalizado   okPrograma finalizado   ok
Programa finalizado ok
 
Expoidea
ExpoideaExpoidea
Expoidea
 
8365 programacao semana_de_eng._florestal[1]
8365 programacao semana_de_eng._florestal[1]8365 programacao semana_de_eng._florestal[1]
8365 programacao semana_de_eng._florestal[1]
 
Prop moçãoagb
Prop moçãoagbProp moçãoagb
Prop moçãoagb
 
Sitio040
Sitio040Sitio040
Sitio040
 
Relatório final
Relatório finalRelatório final
Relatório final
 

O valor da preservação

  • 1. O Valor da Preservação A Ilha de Tatuoca está a 52 km de Recife, na Baía de Suape. Lugar paradisíaco, de areias ainda brancas e de pessoas quase felizes. Mais de 50 famílias em Tatuoca vivem como se vivia por aqui há 200 anos. Uma comunidade de casas de taipa, que recebem o “progresso” na velocidade da luz, com a chegada da energia elétrica a pouco mais de dois anos, veio também o DVD, a TV e outros eletrodesejáveis. No entanto as pessoas de lá, ainda vivem sustentavelmente na natureza quase intocada, trabalhando entre o mar e o rio, na coleta de frutos, pesca e agricultura familiar. Antes de ser criada uma ligação física com o continente, pelas obras do primeiro estaleiro, chegava-se em Tatuoca, a partir do mais próximo núcleo urbano, trilhando seis quilômetros pelas estradinhas de terra, até o mangue, depois (na parte mais estreita do rio) cruzando 900m numa jangadinha, até novamente o mangue, e então andar até a casa mais próxima. Esse isolamento deixou a comunidade parada no tempo, imune às influências diretas da cidade. A ilha não tem ruas, saneamento ou posto de saúde, mas tem uma escolinha que também é o lugar de reunião da associação de moradores, e onde se consegue água potável. Tem ainda com menos recursos que as outras escolas do entorno, ensina até a quarta série, mas os alunos normalmente enfrentam dificuldade quando chegam a 5ª série, em Ipojuca ou Cabo. Dificuldade em ler. A comunidade agora, semicapitalista preserva ainda a boa vontade, a hospitalidade e outras características comuns ao “bom selvagem”. Quem vive ali, o faz por uma opção naturalmente afetiva e espiritual, fazendo igual aos primeiros moradores que chegaram lá antes de 1645. Encostada a si, está o Porto de Suape, um gigante com seu moderno terminal de cargas e indústrias, capitalista, totalmente dotado de toda infraestrutura que a tecnologia pode proporcionar. É responsável pelo êxito de Pernambuco e dos Governos nos anos vindouros, pela oferta do crescimento econômico, fazendo essa parte do Brasil, mais uma vez ser vista pelo mundo, como no período colonial. Não estou aqui para dizer que Suape não é bom para Pernambuco. Mas o que me preocupa é essa política ambiental particular de Suape, e também sua política com as comunidades que estão e estavam onde é hoje o Complexo Industrial Portuário. Mais de uma dezena foi removida nos últimos trinta anos, resta a comunidade de Nsª Senhora do Ó e Tatuoca. Comunidades tradicionais, descendentes de nativos, moradores há várias gerações. É irreversível o processo de degradação da ilha, e logo não será um bom lugar para viver. O Rio Tatuoca, agoniza e logo, o também tradicional e mais conhecido, Rio Massangana também morrerá. Os moradores da comunidade deverão sim, sair para a vila que se encomenda para eles ou para outro lugar, que seja mais feliz. Não quero nem falar da valoração do ambiente, agora um ativo da economia ecológica, um bem para a população em geral. Mas quando o debate contemporâneo gira em torno de preservação ambiental, com a criação de instrumentos econômicos que articulam e premiam a conservação da vegetação, e benefícios tributários e creditícios são destinados a estimular o mercado de serviços ambientais, por redução das emissões de gases do efeito estufa, pelo não
  • 2. desmatamento e não degradação fica difícil deixar de associar esses benefícios aos moradores, pela preservação da ilha, que ainda guarda muita mata atlântica e todo o mangue originais, do restinho que sobrou no país. Mas eles não têm a promessa de ganhos pecuniários justos, nem por seus sítios, quanto mais pela preservação! Não quero falar do código florestal, que protege a ilha, ou da proteção que recebe os vestígios arqueológicos no seu solo, ainda por prospectar. Nem quero falar da obrigação do Governo de “atender as necessidades das pessoas, permitindo melhores condições de vida, sem comprometer a qualidade ambiental e o atendimento das necessidades das gerações futuras”. Só quero que vejam que a ilha provinha qualidade de vida, comida em abundância, segurança, manutenção da cultura tradicional, para seus moradores que por sua condição de não letramento, não conseguirão o mesmo de nenhum emprego que conquistem ou que seja “arranjado”. Quero que olhem para os idosos da comunidade que choram toda vez que se fala em realocação. A ilha é referência de vida, lugar afetivo de todas as famílias, é lugar histórico da chegada de colonizadores, do genocídio dos Caetés, de batalhas dos holandeses, do tráfico de escravos e sítio pré-histórico de tribos indígenas. As primeiras terras distribuídas em Pernambuco, pelo primeiro donatário incluíam a ilha no lote destinado a Tristão de Mendonça, possível fundador do Engenho Massangana. Agora receberá em suas terras o segundo estaleiro, isso quer dizer mais degradação, barulho, poeira, mais “peões” invadindo os sítios, retirando frutos, sujando, badernando, insultando as moças. E mais recentemente, me conta o líder da associação dos moradores, levam drogas pra lá. Edson, preocupado com a segurança da comunidade começou a restringir essa entrada de estranhos na comunidade, e agora recebe ameaças anônimas pelo celular, à sua esposa e filhos. Estão pensando em deixar tudo e sair, naturalmente intimidados pela violência. O problema social não está apenas em Tatuoca. Suape deverá dar atenção também aos trabalhadores que vêm de outras regiões para trabalhar nas obras das empresas, esses “peões” depois de concluídas as obras, formarão mais uma favela em Pernambuco, pois vem com suas famílias, e se contabilizarmos uma média de 100 trabalhadores em cada um dos 300 canteiros de obras em Suape e entorno, teremos o caos instalado nos próximos anos. Mas tudo isso passa longe de nós, paciente leitor. Também quem formula as políticas ou quem dirige o processo de “desenvolvimento” reinante, está alheio ao problema, não sente de dentro do ar condicionado de suas salas, o aumento da temperatura, pelo desmatamento na ilha de Tatuoca, nem a água ficando salobra nas cacimbas, ou as árvores morrendo em seus quintais. Nos passa fácil, a preocupação, pois não está acontecendo em nossas casas, nem com nossas famílias essa interferência indesejada do progresso. Talvez quando o primeiro desastre ecológico chegar às praias badaladas de Pernambuco (e vai chegar) notaremos o que renomados pesquisadores como Clovis Cavalcanti, já diziam há 30 anos.