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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
Por
Dallmer Palmeira Rodrigues de Assis
A HOMOSSEXUALIDADE DESCONSTRUÍDA EM
LEVÍTICO 18,22 e 20,13
São Bernardo do Campo, Maio de 2006
2
Dallmer Palmeira Rodrigues de Assis
A HOMOSSEXUALIDADE DESCONSTRUÍDA EM
LEVÍTICO 18,22 e 20,13
Dissertação apresentada em cumprimento
parcial às exigências do programa de Pós-
Graduação em Ciências da Religião, sob a
orientação do Prof. Dr. Tércio Machado
Siqueira para a obtenção do grau de Mestre
da Universidade Metodista de São Paulo.
São Bernardo do Campo, Maio de 2006
3
AGRADEÇO
Primeira Igreja Presbiteriana Independente de São José do Rio Preto, seu conselho,
sua equipe pastoral, seus mais estimados membros,
Larissa L. G. de Assis,
Hudson e Maria Lúcia,
Thomas Hanks, José Adriano Filho, Tércio Machado Siqueira,
Fábio Augusto dos Santos e Juliana Lobo dos Santos,
Mário Sérgio de Góis,
Fundação Mary H. Speers,
Instituto Ecumênico de Pós Graduação.
Sem estes nada seria possível! Obrigado!
4
DEDICO
LARISSA (eterna paixão)
THEO (melhor dos sonhos)
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DALLMER PALMEIRA RODRIGUES DE ASSIS. A HOMOSSEXUALIDADE
DESCONSTRUÍDA EM LEVÍTICO 18,22 e 20,13. UNIVERSIDADE
METODISTA DE SÃO PAULO, FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS DA
RELIGIÃO, PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA
RELIGIÃO. ORIENTADOR: PROF. DR. TÉRCIO MACHADO SIQUEIRA.
Resumo
Esta pesquisa apresenta uma leitura desconstruída do
conceito de homossexualidade, presumidamente, presente em Levítico 18,22 e 20,13.
A busca por indícios históricos de relacionamentos homossexuais encontrou
evidências claras desse tipo de prática em épocas como o século X a.C. Também, a
pesquisa serviu para mostrar até onde e como se encontram temas, títulos e autores
que trabalham com a questão da homossexualidade. Os versos analisados são parte
de um código de leis chamado “Código de Santidade” (Levítico 17-26). O lugar
histórico da composição do código se encontra, inicialmente, no evento do retorno
dos exilados da Babilônia e vai até meados do exercício da influência grega, séculos
seguintes. Evidentemente, o período imperial persa ganha destaque na composição
do “Código de Santidade”. Esse momento mostra como foi relevante a idealização
deste “Código” para que a comunidade em Judá não perdesse sua identidade
existencial. A análise exegética dos dois versos mostra como o autor(es) de Levítico
não se preocupou, nem ao menos mencionou, o relacionamento unissexual em sua
totalidade, mas sim proibiu o sexo anal entre dois homens que fosse misturar
categorias de gêneros, fosse violentar a autoridade masculina patriarcal e também
fosse assemelhar a comunidade, sua cultura e religião com outras culturas e povos
vizinhos. O trabalho chega à conclusão hermenêutica que Levítico 18,22 e 20,13 não
sabiam nada sobre o relacionamento homossexual moderno e eram completamente
silenciosos quanto ao conceito de homossexualidade em Judá no pós-exílio. Assim, a
presente pesquisa deseja ser provocação para a discussão da questão na academia e
6
nas comunidades religiosas, pois, conforme exposto não há nada na bíblia hebraica
que se possa utilizar para reprimir a livre expressão da relação unissexual moderna.
7
DALLMER PALMEIRA RODRIGUES DE ASSIS. A HOMOSSEXUALIDADE
DESCONSTRUÍDA EM LEVÍTICO 18,22 e 20,13. UNIVERSIDADE
METODISTA DE SÃO PAULO, FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS DA
RELIGIÃO, PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA
RELIGIÃO. ORIENTADOR: PROF. DR. TÉRCIO MACHADO SIQUEIRA.
Resumen
Esta pesquisa presenta una lectura desconstruida del
concepto de homosexualidad presupuesto del libro de Levítico 18,22 y 20,13. La
busca por indicios históricos de relaciones homosexuales encontró evidencias claras
de este tipo de práctica en épocas como el siglo X a.C. También, la pesquisa sirvió
para demostrar hasta donde y como encontrar temas, títulos y autores que trabajan
con la cuestión de la homosexualidad. Los versos analizados son parte de un código
de reglas llamado “Código de Santidad” (Levítico 17-26). La localización histórica
de la formación del código se encuentra desde el acontecimiento del regreso de los
exilados de Babilonia hasta mediados del ejercicio de la influencia greca, siglos
siguientes. Verdaderamente, el período imperial persa gana realce en la formación
del “Código de Santidad”. Este momento evidencia como fue esencial a la formación
de este “Código” para que la comunidad en Judá no perdiera su identidad existencial.
El análisis exegética de los dos versos demostra como el autor(es) de Levítico no se
preocupó, ni siquiera aludió a la relación unisexual en su plenitud, pero sí prohibió el
sexo anal entre dos hombres que fuera mezclar categorías de géneros, fuera violentar
la autoridad masculina patriarcal y también fuera asemejar la comunidad, su cultura y
religión a otras culturas y pueblos linderos. El trabajo llega a la conclusión
hermenéutica que Levítico 18,22 y 20,13 no sabía nada sobre la relación homosexual
moderna y era completamente silencioso cuanto al concepto de homosexualidad en
Judá después del exilio. De esta manera, la presente pesquisa desea ser provocación
para la discusión de la cuestión en la academia y en las comunidades religiosas, pues
8
no hay nada en la biblia hebraica que se pueda utilizar para reprimir la libre
expresión unisexual moderna.
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DALLMER PALMEIRA RODRIGUES DE ASSIS. A HOMOSSEXUALIDADE
DESCONSTRUÍDA EM LEVÍTICO 18,22 e 20,13. UNIVERSIDADE
METODISTA DE SÃO PAULO, FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS DA
RELIGIÃO, PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA
RELIGIÃO. ORIENTADOR: PROF. DR. TÉRCIO MACHADO SIQUEIRA.
Abstract
This research presents a deconstruct reading of
homosexualism presumable presented in Leviticus 18,22 and 20,13. The research
found clear historical evidences of homosexual relations in many historical periods,
even back to the X century. Also, the present study shows where and how this theme,
books and authors related to homosexualism are found nowadays. These verses
studied are part of a legal code called “Holiness Code” (Leviticus 17-26). The
historical place for the composition of the code is initially found in the event of the
returned Israel from exile in Babylon and goes until the beginning of Greek
influence, centuries latter. Surely, Persia imperial period gains special relevance in
the final composition of the “Holiness Code”. This period shows how relevant the
idealization of the “Code” was to the community of faith in Judah and how important
was to the community so it could not loose its existential identity. The exegetical
analyses of the two verses attests how the author of Leviticus was not concerned and
did not even mentioned homosexual relations in its fullness, but the texts did prohibit
anal intercourse between males, in special occasions, gender mixture, violence to the
male authority and every idea that would relate Israel to others communities and
neighbors. The present research gets to the hermeneutic conclusion that Leviticus
18,22 e 20,13 knew nothing about modern homoerotic relations and were completely
silent to the concept of homosexualism in the post exilic Judah. So this research
wants to be the motivation to the discussion on the issue of homosexualism in the
Academy and in the religious communities. As studied in this paper, there is nothing
10
that the hebrew bible can say to oppress men and women that want to live their life in
the free expression of a unisexual relation today.
11
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................
1 RELAÇÕES HOMOSSEXUAIS NA HISTÓRIA DAS CIVILIZAÇÕES..........
1.1 A origem conhecida das relações homossexuais...............................................
1. 2 Relações homossexuais em relatos de mitologia..............................................
1. 3 Grécia e Roma Antiga.......................................................................................
1. 4 A discussão da questão em momentos atuais....................................................
1. 4. 1 Nos Estados Unidos.......................................................................
1. 4. 2 Na sociedade brasileira..................................................................
1. 5 Questões, autores e obras contemporâneas.......................................................
2 SOBRE O CONTEXTO SÓCIO-HISTÓRICO....................................................
2. 1 O Império Persa................................................................................................
2. 2 A política de dominação persa..........................................................................
2. 3 O campo e a cidade...........................................................................................
2. 4 A religião no Império........................................................................................
2. 5 Simbologia aplicada ao texto............................................................................
2. 5. 1 O símbolo por trás do templo.........................................................
2. 6 O templo como ideal de “exclusão”..................................................................
3 ANÁLISE CRÍTICA DE LEVÍTICO 18,22 E 20,13...........................................
3.1 O “Código de Santidade”...................................................................................
3. 2 O capítulo 19 no “Código de Santidade”..........................................................
3. 3 Os capítulos 18 e 20 em Levítico......................................................................
3. 3. 1 O capítulo 18..................................................................................
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3. 3. 2 O capítulo 20..................................................................................
3. 4 Estudo do texto proposto: Levítico 18,22 e 20,13............................................
3. 4. 1 Levítico 18,22................................................................................
3. 4. 2 Levítico 20,13................................................................................
3. 5 Análise comparativa dos textos de Levítico 18,22 e 20,13...............................
3. 6 Considerações finais.........................................................................................
4 A DESCONSTRUÇÃO DA HOMOSSEXUALIDADE EM
LEVÍTICO...............................................................................................................
4. 1 Levítico 18,22 e 20,13 na moldura sócio-religiosa do “Código de
Santidade”................................................................................................................
4. 2 A preservação da família no “Código de Santidade”........................................
4. 3 A violência sexual como “abominação”...........................................................
4. 4 A relação unissexual não é proibida.................................................................
CONCLUSÃO.........................................................................................................
BIBLIOGRAFIA BÁSICA......................................................................................
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR...................................................................
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13
INTRODUÇÃO
Um trabalho que abertamente trate do assunto da
homossexualidade requer atenção especial. Muito possivelmente qualquer autor diria
o mesmo de seu objeto de estudo, porém o assunto que fora a causa de grandes
divergências sociais, de inúmeras problematizações teológicas e de várias
atrocidades históricas, tem que ser trabalhado com atenção e cuidado diferenciado
em relação aos demais temas. Este talvez seja o ponto chave do presente, uma
dissertação exaustivamente preocupada com a atenção que requer o assunto da
homossexualidade. Principalmente por estar diretamente ligado a assuntos bíblico-
religiosos como é o caso aqui.
O que segue é fruto de pesquisas bibliográficas, bem
como pesquisas à internet, e até mesmo viagens de participação em congressos,
nacionais e internacionais, com o desejo de um melhor, se não o mais apropriado,
desenvolvimento do trabalho. Livros, artigos, dicionários, revistas, palestras,
sermões, entrevistas e grande parte dos artigos disponíveis foram usados no presente.
O presente é resultado da pesquisa teórica e de campo de seu idealizador, que em
todos os momentos desejou manter firme seu desejo de trabalhar para encontrar no
texto bíblico sua mensagem mais real.
O trabalho a seguir é uma pesquisa exegética dos dois
versos de Levítico: 18,22 e 20,13. Os versos analisados foram os dois versos
causadores de revolucionários posicionamentos bíblico-sociais da questão da
homossexualidade na história, motivando perseguições e delimitando um conceito
anti-homoerotismo em escala universal. Por esse mesmo motivo é que se propõe uma
análise dos versos em Levítico, pois os versos em questão foram, por vários séculos,
14
aplicados, usados e interpretados aleatoriamente em relação a um grupo de pessoas
com práticas divergentes das consideradas normais, e que em nada correspondiam às
abominações do texto bíblico.
Por essa razão, há no trabalho a tentativa de
desconstrução de sentido, sentido esse que indica não apenas a presença, das relações
homoeróticas, como também sua severa condenação, a pena de morte, nos textos de
Levítico 18,22 e 20,13. Esse tipo de leitura é, ainda em dias atuais, comumente aceita
em círculos religiosos mais conservadores.
O próprio título do trabalho apresenta em sua
composição essa tentativa de desconstrução de sentido. O que se propõe com o
presente é uma leitura alternativa dos versos e também de seu contexto literário mais
próximo, ou seja, ler-se-á Levítico 18,22 e o 20,13 juntamente com seus capítulos e
também o capítulo 19. O presente está dividido em introdução, quatro capítulos e
conclusão.
O capítulo primeiro (Relações homossexuais na
história) contém uma vasta pesquisa bibliográfica histórica dos eventos mais
importantes que marcaram a questão da relação unissexual na história da vida
humana. Neste momento, voltar-se-á a tempos além narrativa bíblica, épocas que
denunciam a existência dos relacionamentos homossexuais e seus desdobramentos
no meio da sociedade local.
Para melhor compreensão da questão neste capítulo,
usou-se de textos de relatos de mitologia de povos próximos aos povos na Palestina.
A pesquisa histórica tem por objetivo apresentar ao leitor não apenas o
desenvolvimento da questão na vida da sociedade, fosse ela qual fosse, mas também
revelar como se apresenta toda a discussão da matéria hoje. Para isso, autores
contemporâneos são citados na parte final do capítulo, bem como suas obras e
argumentação. Todo o trabalho do primeiro capítulo está focalizado no
desenvolvimento histórico-social e também religioso do assunto da
homossexualidade.
15
É interessante mencionar que a leitura histórica da
questão faz revelar não apenas a importância do presente trabalho, mas também o
situa em relação aos demais trabalhos científicos contemporâneos.
O capítulo segundo (Sobre o contexto sócio-histórico)
é parte fundamental na compreensão dos textos. É justamente o capítulo que dará
base histórica para o posicionamento dos textos em seu contexto vivencial. Ou seja,
os textos de Levítico são textos que foram escritos a partir de uma data e um local
específico. Este capítulo abordará a que momento histórico ambos os textos
remetem.
Saber a localização histórica dos textos é parte
essencial na metodologia do trabalho para compreender os mesmos em sua
mensagem mais inicial. Este capítulo é instrumento de grande auxílio para que
justamente se evite uma leitura textual desfocada da que o próprio texto pretende
apresentar. A localização histórica do texto revela a mensagem em seu contexto de
origem, seus destinatários, bem como todo o pano de fundo que motivou e
influenciou a redação dos textos. O momento sócio-político internacional, bem como
nacional, as relações com demais grupos na Palestina e fora dela marcam a
relevância do capítulo.
O terceiro capítulo (Análise crítica em Levítico 18,22 e
20,13) contém a análise exegética dos textos. Para reler o texto bíblico em dias atuais
não se pode prescindir de uma cuidadosa exegese do texto antigo. Entende-se que o
capítulo anterior fora parte integrante na análise exegética do texto, mas é com o
complemento de outras abordagens científicas que se obterá resultados esperados.
Para tanto, o capítulo conta com uma análise literária
de todo o capítulo 18 e o capítulo 20. Nesta mesma análise percebeu-se que o
capítulo 19 era importante para compreender a mensagem maior dos capítulos
anterior e posterior. Após este momento tem-se a tradução e conceituação dos termos
e palavras mais importantes nos versos.
16
Não se tem no trabalho uma abordagem de perícope,
mas sim dos textos 18,22 e 20,13. Evidentemente que se apresenta o resultado da
pesquisa dos capítulos 18-20, pois para a compreensão dos versos não se poderia
omitir seus contextos mais próximos.
O capítulo quarto (A desconstrução da
homossexualidade em Levítico) leva o nome do título do trabalho. Este capítulo
tende a ser o momento definitivo de toda a pesquisa, momento em que serão
apresentadas, não apenas os resultados da pesquisa, mas também o ponto chave e
central de todo o trabalho, o significado dos textos de Levítico 18,22 e 20,13 em seu
contexto original e em dias atuais. Essa parte central e final da pesquisa apresentará
assim, conclusões alcançadas, em decorrência dos passos estudados anteriormente,
bem como intentará na argumentação da desconstrução do conceito de
homossexualidade para a realidade contemporânea. Assim, o momento final do
trabalho será ocupado com o desenvolvimento do título do mesmo.
Os dois textos de Levítico foram escolhidos por
apresentar a única suposta fórmula de condenação para pessoas homossexuais: e com
homem não deitará ‘como se deita com mulher’ abominável é isto (18,22), e homem
que deitar com homem ‘como se deita com mulher’ abominação fazem, os dois
devem morrer, são mortos com seu sangue sobre eles (20,13). É evidente que alguma
fórmula de condenação é apresentada nos versos, no entanto, essa mesma fórmula
apresentada não esclarece com propriedade, não apenas quem são condenados à
morte, como também quais práticas são condenáveis e em quais lugares e situações.
Durante vários séculos homens e mulheres morreram
debaixo dessa condenação, homens e mulheres que não correspondiam realmente aos
condenados dos versos. Os próprios versos não esclarecem se apenas um ou ambos
são condenados na relação, que tipo de relação é esta prevista no texto, qual o
significado das proibições anteriores e posteriores aos versos, o que faz o texto
dentro do “Código de Santidade”, se o texto faz qualquer referência a qualquer tipo
de relação unissexual moderna, e por fim, evidenciar que nenhum tipo de relação
homossexual feminina é mencionada no texto. Estas e outras questões serão
abordadas no presente.
17
É importante destacar que o que se pretende com o
presente não é ler os textos de Levítico 18,22 e 20,13 através de um viés queer, nem
tão pouco repetir erros do passado e ler os mesmos textos bíblicos como justificação
da condenação de homossexuais. Todavia, pretende-se fazer aqui, conforme escreveu
Theodore W. Jennings Jr., uma leitura um tanto incomum do texto bíblico chamada:
“leitura defensiva”1
. Assim, os textos de Sodoma e do próprio Levítico foram lidos
no passado mais recente e serviram para ser melhores compreendidos nas
comunidades de fé hoje. É interessante observar como os textos do Novo Testamento
foram também melhores compreendidos depois de leituras defensivas dos demais
textos bíblicos.
São usados, no presente trabalho, termos diferenciados
para os diferentes tipos de relacionamento sexual. A terminologia: homossexualidade
e homossexual, já não corresponde mais a diversos anseios para outros tipos de
relação. Com afeito, quando aparecer termos como homoafetivo e homofilia
pretende-se referir ao relacionamento entre duas pessoas do mesmo sexo que não
necessariamente use de contato físico. Quando se usar termos como homoerótico
pretende-se mencionar o relacionamento entre duas pessoas do mesmo sexo que
tenha contato físico. Termos como homossexual e unissexual fazem menção ao
relacionamento entre duas pessoas do mesmo sexo de forma mais abrangente, ou
seja, todo tipo de atividade sexual, de contato ou não, que exista.
Chegara, então, o momento destes textos serem usados
de forma apropriada em círculos religiosos e acadêmicos, bem como em
comunidades cristãs. É por esta razão que se apresenta o trabalho, para que sirva de
instrumento na desconstrução de um conceito erroneamente construído, para que
sirva de instrumento na libertação de pessoas, homens e mulheres, e comunidades
inteiras que outrora perseguidos, mas que agora gozam de liberdade religiosa.
A bibliografia do trabalho apresenta em sua
composição o que se chama de bibliografia complementar. Objetivou-se nesta área
1
Theodore W. Jennings Jr. Queer commentary and the Hebrew Bible. 2001, p.36.
18
apresentar uma ferramenta de auxílio à pesquisa que tratasse do tema da
homossexualidade, bem como de obras atuais e de expressão para a pesquisa bíblica
do mesmo.
19
1 RELAÇÕES HOMOSSEXUAIS NA HISTÓRIA DAS
CIVILIZAÇÕES
Apesar do número de homossexuais mortos no
holocausto nazista ser pequeno em relação ao número
de judeus mortos, provavelmente porque eram mais
facilmente reconhecidos, recentes estudos contém clara
evidência que a quantidade de representantes de
minorias sexuais mortos nos últimos mil anos pode
exceder aos seis milhões de judeus assassinados na
segunda grande guerra. Se pudéssemos desenhar uma
linha de casualidades históricas de Levítico a Hitler,
poucos considerariam a bíblia um manual de ajuda
para a vida moderna e muito menos um livro
divinamente inspirado.2
- Thomas Hanks
1. 1 A origem conhecida das relações homossexuais
Não é conhecida a origem das relações homossexuais
na história. No entanto, afirma Wanda Deifelt que durante todos os períodos da
história constata-se a existência de práticas homossexuais.3
Pode-se assim dizer que
o homoerotismo e a homoafetividade, masculina e feminina, são existentes desde os
primórdios da raça humana. Porém, escassas são as evidências históricas desse tipo
de relação entre pessoas do mesmo sexo. Se o que se encontra hoje evidencia, de
2
Thomas Hanks. “Violence to the bible or inspired by the bible?” http://www.othersheep.com
20/02/2005.
3
Wanda Deifelt. “Os tortuosos caminhos de Deus: Igreja e homossexualidade.” Em: Estudos
Teológicos. Nº. 1. 1999, p.37.
20
forma pouco substanciada, a homoerotização masculina, quanto mais escassos ainda
são textos que esclarecem sobre a relação homossexual entre mulheres.
Sabe-se que a sexualidade estava amplamente presente
nos templos religiosos antigos, fossem estes sumérios, assírios, cananitas,
babilônicos ou até egípcios. Algum tipo de relação unissexual havia e era comum
entre os sacerdotes ou mestres de cerimônia religiosa. Sabe-se que nos templos
sumérios os mesmos vestiam roupas de mulheres para serem revestidos de poderes
pela deusa Ishtar, se prostituíam com homens freqüentadores dos templos para
simbolicamente recolherem fértil sêmen da entidade, mas na prática, visavam manter
financeiramente os templos. Acredita-se que garotos e homens, usados
exclusivamente para tais práticas, passaram a ser explorados nos templos. Estes eram
chamados no hebraico de qědōšîm, mais comumente traduzido por santos, veja
alguns textos bíblicos para a ocorrência da palavra: I Reis 14,22-24, Deuteronômio
23,17-18.
As evidências mais conhecidas da prática homoerótica
nos períodos antigos estão, em sua maioria, relacionadas com o culto às divindades.
Rituais religiosos relacionados à fertilidade4
envolviam em suas cerimônias atos
sexuais. Se se acreditava que relações sexuais trariam fertilidade, depositar sêmen em
outro homem, traria fertilidade duplicada.5
Como Baal era símbolo de fertilização
dos deuses, este era sexualmente venerado. Observa-se, também, que um dos rituais
religiosos mais predominantes nas culturas vizinhas a Israel era o “ritual de nudez”
nos templos e os “rituais de masturbação” diante dos ídolos.6
Também é comum associar o culto de algumas
divindades ao “falo” ou ao “pênis” com circunstâncias homoeróticas. Tammuz, na
4
Em cultos relacionados a fertilidade, ejaculava-se no chão acreditando que assim a semente jogada,
penetrando a terra, entendida como fêmea, fazia com que os deuses perpetuassem uma terra fértil.
Robert J. Buchanan. “Homosexuality in History.”
http://hometown.aol.com/GraceEACA/chapter2.html 19/09/2003. Para mitologia relacionada ao culto
da fertilidade ver: G. Del Olmo Lete. Mitos y Leyendas de Canaan. Segun la Tradicion de Ugarit.
1981.
5
Robert J. Buchanan. “Homosexuality in History.”
http://hometown.aol.com/GraceEACA/chapter2.html 19/09/2003.
6
Rictor Norton. “Essays by Rictor Norton on the historical roots of homophobia from ancient Israel to
the end of the middle Ages. 1 The Ancient Hebrews.” http://www.infopt.demon.co.uk/homopho1.htm.
21
Fenícia (Dumuzi na Suméria) era uma divindade consorte de Ishtar, também
conhecida com Asherah. Adoradores de Tammuz acreditavam que ele era um bonito
pastor e que também fora morto por uma besta selvagem. O culto a essa divindade
envolvia símbolos fálicos ou réplica de pênis e se desenvolveu basicamente com
rituais sexuais. Muitas vezes o culto a Baal também incluía símbolos fálicos. As
torres de Ziggurat, na Babilônia, eram lugares associados a cultos religiosos com
ampla divulgação de atividades sexuais relacionadas à masculinidade. Por fim, o
deus grego Dionísio era venerado e seguido por homens conhecidos como Sátiros,
que eram sempre representados com pênis ereto.7
Sabendo da existência de práticas sexuais diversas, os
exilados que voltam da Babilônia procuram observar para que sua cultura não fosse
absorvida pela cultura de povos vizinhos, que como visto, tinham a prática
homossexual em rituais religiosos. Para que não houvesse essa absorção foram
criadas leis, as quais mais tarde se constituíram no Levítico, que trouxera uma nova
identidade ao povo em Judá.
Uma das descobertas mais relevantes para a pesquisa
da sexualidade ou homossexualidade na história aconteceu em 1964. Naquele ano,
fora descoberta, pelo arqueólogo egípcio Ahmed Moussa, na antiga necrópolis de
Saqqara, Egito, uma tumba um tanto quanto diferente das demais. Nela uma cena
singular: dois homens num abraço eterno. Foi revelado que essa tumba fora
construída para dois homens que viveram por volta de 2400 a.C. e que dividiam o
título, “Os vigias dos(as) manicuras no palácio do rei”. Muitos dizem que eram
gêmeos (homens), uns que eram irmão e irmã, outros amigos, porém é importante
que se diga que sua representação é semelhante com demais representações de
tumbas para casais heterossexuais, marido e mulher. Portanto, seria essa uma
representação do primeiro casal masculino, unissexual, da história?8
Não se sabe muito sobre o retrato abaixo, mas fica
como evidência que a tumba onde se encontrou o retrato fora construída para que
7
Robert J. Buchanan. “Homosexuality in History.”
http://hometown.aol.com/GraceEACA/chapter2.html 19/09/2003.
8
http://www.egyptology.com/niankhkhnum_khnumhotep/. 28/09/2005. Ver também:
http://en.wikipedia.org/wiki/khnumhotep_%26_niankhkhnum. 28/09/2005.
22
estes dois homens vivessem juntos e ali, agissem da forma que agissem, viveriam um
relacionamento homossexual.
Ilustração 1
1. 2 Relações homossexuais em relatos de mitologia
Gilgamesh
Na metade do século XIX, arqueólogos em escavação
na cidade assírica de Nínive encontram e traduzem cartas cuneiformes escritas e
conservadas em pequenas tábuas. Considera-se o achado como a mais antiga obra
literária viva. O assim conhecido “Épico de Gilgamesh” relata a história de um semi-
deus, dois-terços divino e um-terço humano. O relato toma lugar possivelmente no
final do terceiro milênio a.C. Sabe-se de um Gilgamesh histórico que tenha
governado Uruk, cidade da Mesopotâmia antiga, por volta de 2700 a.C.9
9
Raymond –Jean Frontain. “Gilgamesh.” http://glbtq.com/literatura/gilgamesh.html.
23
“Gilgamesh, filho do guerreiro rei Lugalbanda e da
sábia deusa Ninsun.” Assim narra a primeira tábua do épico sumério.10
Essa narrativa
chama a atenção para a relação homoerótica entre seu personagem principal e
Enkidu. O qual teria sido criado para conter o desejo heterossexual opressor de
Gilgamesh, o rei, por mulheres na comunidade. Dessa forma, o relato é estruturado
no amor do heróico casal masculino Gilgamesh e Enkidu.11
O épico se inicia com a frase: “Eu proclamarei ao
mundo as proezas de Gilgamesh”. As proezas deste semi-deus, listadas abaixo,
oprimem e maltratam os moradores de Uruk:
É Gilgamesh o pastor de Uruk,
Ele é o pastor?...
Gilgamesh não deixa uma filha pra sua mãe,
A filha do guerreiro, a noiva do jovem homem,
Os deuses continuam a ouvir suas reclamações,
Os deuses imploram ao senhor de Uruk (Anu),
Você trouxe a existência um poderoso touro selvagem,
cabeça erguida,
Não há rival que levante arma contra ele...
Anu, escute essa reclamação,
Então os deuses chamaram por Aruru: Foi você, Aruru,
quem criou a humanidade? Agora crie um zikru para
ele/isto. Permita que ele encontre um parceiro e deixe
Uruk em paz.12
Observa-se no próprio texto que o plano para a criação
de Enkidu funciona de diversas formas, primeiro ele impede Gilgamesh de entrar na
casa dos noivos e atrapalhar a cerimônia religiosa, existe luta e depois eles se
abraçam como amigos. Após, fazem uma jornada juntos pela floresta para se
confrontarem com o terrível Humbaba, ali encorajam-se mutuamente para
enfrentarem a morte triunfantemente.13
10
Siren, Christopher B. “Myths and Legends. The Assyro-Babylonian Mythology.”
http://members.bellatlantic.net/~vze33gpz/assyrbaby1-faq.html 19/09/2003.
11
Para essa interpretação ver também artigo disponível on-line:
http://pages.zoom.co.uk/lgs/gwint.html “The Gay history of planet earth. From Gilgamesh to
Gertrude.” 27/09/2005.
12
Wolf Carnahan. “The Epic of Gilgamesh.” Edição eletrônica. 1998,
http://www.ancienttexts.org/library/mesopotamian/gilgamesh/tab1.htm 28/09/2005.
13
Arthur A. Brown. “Storytelling, the meaning of life, and the epic of Gilgamesh.” 29/09/2005.
24
Uma das passagens do épico que mais revela o
relacionamento entre Gilgamesh e Enkidu é esta:
A mãe de Gilgamesh, o sábio, conhecedor de todas as
coisas disse para seu filho: O machado que você viu
(em sonho) é um homem,
Que você o amará e o abraçará como esposa...
Depois de Gilgamesh contar a Enkidu o sonho, os dois
tiveram relações sexuais.14
Quando a presença de Enkidu, ao lado de Gilgamesh, e
o relacionamento de ambos se torna ofensa aos deuses, a situação muda. Gilgamesh
se recusa a casar com Ashtar, deusa do amor e da guerra. Para punir essa atitude, os
deuses fazem adoecer a Enkidu e o matam. Então, Enkidu lamenta por não poder
nunca mais olhar para seu “querido irmão” a quem ele chama de “água da vida”. A
resposta de Gilgamesh à morte de Enkidu chama a atenção. Depois de observar o
corpo por sete dias e sete noites ele veste o corpo sem vida com véu de noiva e
ordena que uma estátua seja erguida em homenagem a Enkidu. O rei confessa:
“depois que Enkidu se foi, minha vida é nada”.15
É evidente que o texto revela uma
prática já existente e divulgada na sociedade, mas se tornará um dos mais antigos
relatos de mitologia do gênero.
O épico de Gilgamesh se tornou um arquétipo para os
grandes casais heróicos da antiguidade. As palavras de Gilgamesh no funeral de
Enkidu lembram outros textos antigos como a passagem bíblica de Davi e Jônatas, I
Samuel 18-20.16
A sexualidade presente na cultura e no culto de povos
antigos faz crer em uma ampla divulgação de práticas homoeróticas, principalmente
14
“The Epic of Gilgamesh.” http://www.ancienttexts.org/library/mesopotamian/gilgamesh/tab1.htm
28/09/2005. Uma outra tradução para a mesma passagem do épico é esta: “Mãe, tive um sonho. Nas
ruas de Uruk, estava no chão um machado. Viu e fiquei contente. Inclinei-me, profundamente atraído
para ele, e amei-o como a uma mulher. Esse machado que viste, que te atraiu tão poderosamente como
o amor de uma mulher, é o companheiro que te dou”. Mais ao final, narra-se, após a luta e o primeiro
encontro dos dois: “E então Enkidu e Gilgamesh abraçaram-se, e foi selada sua amizade.”
“Gilgamesh, Rei de Uruk: Uma lenda bíblica.” 1992, p. 25ss.
15
Raymond – Jean Frontain. “Gilgamesh.” http://glbtq.com/literatura/gilgamesh.html 28/09/2005.
16
Raymond – Jean Frontain. “Gilgamesh.” http://glbtq.com/literatura/gilgamesh.html 28/09/2005.
25
masculina. Essas práticas estavam diretamente relacionadas a rituais de fertilidade,
veneração a divindades, cultos funestos e demais rituais religiosos.
Aquiles e Patroclus
Os relatos de mitologia grega apresentam um amor
diferente do usual, digno de análise no presente. Um dos maiores clássicos da
literatura grega é Ilíada. Nesta obra dois personagens, Aquiles e Patroclus expressam,
de alguma forma, o amor unissexual. Contudo, algumas considerações são
pertinentes: a primeira se dá pela controvérsia existente no relacionamento desses
dois personagens, pois não há nenhuma evidência de relacionamento sexual entre os
dois, a segunda é que a narrativa não pertence ao padrão erastes-eromenos, (vide
Grécia e Roma Antiga), pois Aquiles é o mais novo, mais bonito e o personagem
dominante. Por fim, outra característica da narrativa está no fato que ambos têm
relações com mulheres.
Apesar do exposto, menciona-se que apesar de não
haver existido o relacionamento sexual anal entre ambos, a homoafetividade estava
presente. Uma passagem da narrativa explicita que Aquiles desejava que todos os
outros guerreiros estivessem mortos menos ele e Patroclus para que fossem
glorificados na vitória contra os Troianos. Sabe-se pela narrativa que a vitória grega
fora apenas possível pelo desejo de vingança de Aquiles em relação à morte de seu
amante, mostrando que seu amor pelo mesmo fora determinante para o desfecho final
da narrativa. Apesar de em momento nenhum o autor deixar claro essa opção para o
enredo.
Fosse qual fosse a intenção de Homero, se ele é autor
do texto, Aquiles ficara popular em tempos mais tarde, não apenas por sua habilidade
bélica, mas também por ser um herói e companheiro de guerra perfeito, quando se
sacrifica para salvar Patroclus. Quando Patroclus morre no campo de guerra Aquiles
não permite que seu amante seja enterrado, mas permanece chorando e lamentando
sua morte. Sua mãe intervém e diz: “Meu filho, até quando permanecerás a chorar
26
lágrimas de lamento e pranto, esquecendo a comida e o sono? Dormir com mulheres
também é algo muito bom”.17
Quando Aquiles chora a morte de seu companheiro ele
menciona “muitos beijos” e a “santa união de nossas coxas”.18
A figura abaixo ilustra
Aquiles tratando os curativos de Patroclus.
Ilustração 2
Apolo e Hyacintus
Outra história de mitologia grega é a vivida pelos dois
personagens mencionados acima. Hyacintus o filho mais novo do rei de Esparta, tão
bonito quanto os deuses do Olimpo, era amado pelo deus Apolo19
, considerado deus
do arco de prata, senhor das horas claras, pai do entusiasmo, da música, da poesia, da
saúde e da fecundidade.20
Narra a história que o deus Apolo geralmente descia às
margens do rio Eurota para passar tempo com seu garoto de companhia e desfrutar
17
http://www.androphile.org/preview/Library/Mythology/Greek/GreekMythology.htm. 16/02/2006.
18
http://www.glbtq.com/. 19/02/2006
19
Apolo, para os gregos, era o deus brilhante da claridade do dia, revelava-se no sol. Zeus, seu pai, era
o céu de onde nos vem a luz, e sua mão, Latona, personificava a noite de onde vem a aurora,
anunciadora do soberano senhor das horas douradas do dia. Mário Meunier. A Legenda Dourada:
Nova Mitologia Clássica. 1961, p.31.
20
Mário Meunier. A Legenda Dourada: Nova Mitologia Clássica. 1961, p.38.
27
dos prazeres dessa relação. Apolo levava o garoto para caçar e praticar ginástica, a
propósito, os moradores de Esparta são conhecidos pela habilidade de praticar
ginástica, em virtude dessa amizade entre Apolo e o garoto. A vida simples de
Hyacintus provocou em Apolo um aumento de seu apetite sexual. Apolo deu ao
menino todo seu amor, esquecendo que o mesmo era um simples mortal.
Não obstante, em uma tarde de verão quando ambos
andavam nus pelo bosque, Apolo resolveu mostrar ao garoto sua força. Lançando um
disco no céu que fora alto e cada vez mais alto. Hyacintus resolveu então, mostrar a
Apolo que apesar de mortal não era fraco e correu em sua direção, porém o disco que
Apolo lançara fora tão alto que quando tocou o solo o fez com violência e
inesperadamente atingiu Hyacintus na cabeça, o qual morreu instantaneamente.
Apolo segurou seu amigo ensangüentado no peito, foi então que Apolo disse: “Em
meu coração você viverá para sempre, lindo Hyacintus. Que sua memória viva para
sempre entre os mortais também.”21
Abaixo uma foto desse momento homoafetivo
entre os dois.
Ilustração 3
1. 3 Grécia e Roma Antiga
21
http://www.androphile.org/preview/Library/Mythology/Greek/GreekMythology.htm. 16/02/2006.
28
O que se vê na Grécia Antiga é um costume bem
diferente dos demais lugares já observados. Apesar do termo homossexual ser de
recente criação, 1869, por Karoly Maria Benkert na Hungria, sua prática era bastante
comum. Anteriormente não havia uma palavra que descrevesse a relação
homossexual, ela era parte da expressão do amor afrodisíaco. O qual incluía homens
e mulheres. A homossexualidade na Grécia era praticada em escala universal e quase
universalmente aceita como expressão sexual comum da vida cotidiana. Não existia,
na época, no sentido em que se entende hoje, grupos de pessoas que se classificavam
ou classificavam os outros como homossexuais ou heterossexuais. Em decorrência
dessa não classificação, não existia a mesma incompreensão, nem a desaprovação
existente hoje.
Pensar em práticas homossexuais na Grécia é também
pensar no deus Dionísio22
, filho do deus Zeus com a personificação da terra Sêmele.
Antes de tornar-se inventor do purpúreo licor que escorre da uva Dionísio foi
considerado, segundo se acredita, no deus da seiva que floresce nas árvores e nos
vegetais.23
Tanto o deus Dionísio quanto seus seguidores, chamados “Sátiros”, são
ilustrados em grandes festas e facilmente associados às práticas homossexuais como
mostrado nas figuras24
abaixo:
22
O deus Dionísio era conhecido como o deus do vinho. Mário Meunier escreve: “Aconteceu,
entretanto, que um dia Dionísio colheu, na vinha que decorava com parra as paredes da gruta, pesados
cachos maduros. Espremeu-lhes o suco numa taça de ouro e fez, assim, escorrer, pela primeira vez, a
majestade líquida do púrpuro vinho. Desde que experimentou o divino néctar que espanta a fadiga,
convidou as ninfas, as amas e todos os Gênios das florestas, das fontes e das montanhas a
compartilharem de sua alegria (...) O vinho acabara de nascer (...) Glória ao deus que acabara de
descobrir a única beberagem capaz de dissipar os aborrecimentos e as penas dos mortais aflitos.” A
Legenda Dourada: Nova Mitologia Clássica. 1961, p.105.
23
Mário Meunier. A Legenda Dourada: Nova Mitologia Clássica. 1961, p.103.
24
A revelação de um homem bêbado entre os “Sátiros”, homem de aspectos bestiais. Todos os
“Sátiros” estão com o pênis ereto e o homem do lado esquerdo penetra o jarro de vinho, sugerindo
uma interrelação entre bebida e ereção do membro sexual masculino. A datação aproximada para a
pintura é 510 a.C. Esta figura mostra homens engajados em sexo anal e orgias. A datação provável
para a pintura é 560 a.C. http://www.utexas.edu/courses/cc348hubbard/
29
Ilustração 4
Ilustração 5
Também, como cita Michael Grant, o deus Dionísio
tinha como elemento de seu culto práticas de orgias sexuais que não eram apenas
amplamente divulgadas na Grécia Antiga como também violentas. Essas práticas
cultuais tinham naturais afinidades com elementos orgiásticos de cultos de fertilidade
na região do Oriente Antigo.25
25
Michael Grant. Myths of the Greeks and Romans. 1995, p.247-248.
30
O que chama a atenção, nos relatos de mitologia grega,
é quanto ao possível início das relações homossexuais. Apesar de não haver consenso
sobre o assunto, sugere-se que a pederastia tenha sido de fundamental importância na
divulgação da prática sexual entre pessoas do mesmo sexo.
Alguns autores sugerem que a pederastia tenha surgido
em Dorian, última tribo a imigrar para Grécia, os que apóiam a teoria dizem que os
homens mais velhos seqüestravam adolescentes. Com a divulgação dessa prática na
cidade de Esparta e Tebes, os soldados começaram a cuidar de recrutas novatos,
assim, enquanto em campo de batalha estivessem um ao lado do outro,
definitivamente permaneceriam fiéis até a morte. Não apenas isso, mas o amor entre
os homens era honrado e visto como garantia da eficiência militar e liberdade civil.
Em várias inscrições, vasos, figuras, observa-se dois homens em atividade carinhosa,
neles o mais velho, erastes, com barba, é quem guia o mais novo, eromenos, na
relação. Como mostram as figuras26
abaixo:
Ilustração 4
26
A primeira figura mostra duas imagens masculinas com pênis ereto segurando as mãos. Os dois
usam capacetes, sugerindo situação militar. Mas um é significamente menor que o outro significando
mentoriamento do parceiro menor pelo maior. Poderia esta imagem representar uma cena de
pederastia? A datação mais provável para a figura é o 7º século a.C. A segunda figura mostra um
jovem, segurando uma lança, um pouco mais alto e mais velho em comparação ao que está próximo.
Poderia, também, está imagem ilustrar um tipo de pederastia? Citado em:
http://www.utexas.edu/courses/cc348hubbard/
31
Ilustração 5
Esse tipo de relação se tornou fonte de inspiração na
Grécia antiga. A poesia temática e a arte eram aplaudidas nas assembléias e nos
teatros. Os filósofos encorajavam a procura por um mentor-amante. Nas escolas
também havia esse tipo de relacionamento professor-aluno que indicasse
homoafetividade. A figura27
abaixo é testemunho desse tipo de prática nas escolas.
27
Na figura, dois garotos estão em sala de aula, um lendo um livro e o outro segurando a lira. Note a
nudez do tocador de lira, sugerindo alguma erotisação na cena. De autoria de Shuvalov Painter do ano
de 440 a.C. Citado em: http://www.utexas.edu/courses/cc348hubbard/
32
Ilustração 6
Em Roma, a idealização do homossexualismo é
diferente do que fora previamente observado na Grécia. A homossexualidade no
passado, em Roma, não era a mesma homossexualidade pensada como hoje. O
homoerotismo masculino não era condenado, desde que o relacionamento fosse com
escravos, o que era socialmente aceitável. Assim, essa associação criou o papel do
passivo na relação, ou seja, era inaceitável que qualquer cidadão romano abrisse mão
de sua posição de dominante e se subjugasse a um escravo. Era comum homens
romanos terem relações sexuais anais com demais homens, desde que esses fossem
os penetradores e os penetrados fossem inferiores ou escravos.
A relação homossexual no Império Romano estava à
disposição dos prazeres masculinos dos homens livres. Esses poderiam abusar de,
preferencialmente um garoto escravo, no momento que desejassem, desde que fosse
escravo. Parece haver grande diferença no conceito de homossexualidade da época
romana em relação ao modo de se entregar ao sexo anal. Assim, se qualquer tipo de
relação sexual anal fugisse do convencional: o homem livre por cima e o escravo
como o parceiro receptivo, o momento seria constrangedor para o homem livre se o
33
mesmo fosse pego como passivo na relação. Assim como aconteceu com Julio César,
citado por Seutonius, quando se entregou ao rei Necomedes da Bitinia. O mesmo
passou a ser chamado entre outras coisas de: a rainha da Bitinia.28
É relevante notar
que ninguém fez piadas por Julio César ter-se dormido com Necomedes, mas de
como tudo aquilo havia acontecido.
Lourdes M. G. Conde Feitosa, no artigo “Gênero e o
‘erótico’ em Pompéia” escreve:
A questão da masculinidade romana tem sido muito
discutida, e uma idéia que se firmou nos últimos anos
em relação ao comportamento sexual no mundo greco-
romano, durante o final da República e o início do
Império, é que as categorias homo e heterossexuais são
instrumentos analíticos inadequados, sendo
substituídos por funções de passivo e ativo. Baseados
em fontes literárias, aristocráticas, diversos estudos
apresentam o “homem romano” como aquele que não
deveria ser objeto de prazer de outros, seja de outro
homem ou de outra mulher, e tanto felação como
cunilíngua aparecem como atos degradantes (...) A
pederastia constituía pecado menor, desde que fosse a
relação ativa de um homem livre com um escravo ou
um homem de baixa condição.29
Ainda que não mencione homossexualidade, Pedro
Paulo Funari escreve que o membro masculino em ereção era associado, na
antiguidade clássica, à vida, à fecundidade e à sorte. A própria palavra falo,
emprestada pelos romanos aos gregos, designava, primordialmente, objetos
religiosos em forma de pênis usados no culto ao deus Baco. O mesmo autor escreve
que o falo não apenas tinha esse poder simbólico-religioso, como também servia de
objetos de decoração nas casas, em áreas públicas, nos tijolos e paredes.30
Vê-se que
a importância do membro masculino na sociedade romana era, pelo menos, diferente
de demais sociedades antigas.
28
http://personal.monm.edu/RBAY/homosexuality_in_rome.htm 17/01/2006.
29
Lourdes M. G. Conde Feitosa. “Gênero e o ‘erótico’ em Pompéia.” Em: Amor, desejo e poder na
antiguidade. Relações de gênero e representações do feminino. 2003, p.303.
30
Pedro Paulo A. Funari. “Falos e relações sexuais: representações romanas para além da ‘natureza’.
Em: Amor, desejo e poder na antiguidade. Relações de gênero e representações do feminino. 2003,
p.319.
34
Ainda na época do Império Romano, sabe-se de
práticas que envolvessem a homossexualidade feminina, como escreve Theodore
Jennings: “o culto ao deus Dionísio envolveu práticas homossexuais entre as
mulheres na Grécia e essa prática pode ter continuado, na Roma Antiga, quando esse
culto foi importado sob o nome do deus Baco. A evidência dessa transição pode ser
encontrada nos escritos de Livy sobre a descoberta e a supressão do plano chamado
Bacchanalian em Roma durante o ano de 186 a.C.”.31
A partir do advento do cristianismo, inicia-se uma era
incomum. Com o cristianismo não apenas a prática unissexual como também seus
praticantes são condenados. Constantino, primeiro imperador romano cristão,
exerceu sua autoridade exterminando sacerdotes efeminados, por investigação de
Filo. Assim, especialmente com Filo de Alexandria a perseguição por homossexuais
ganha expressão, o mesmo escreve: “Homens efeminados não devem viver nem mais
um dia, nem mais uma hora”.32
Em 14 de Maio de 390 a.C. um decreto imperial fora
colocado na parede romana de Minerva, lugar de confraternização de atores,
escritores e artistas. Este decreto condenava aqueles que eram identificados como
homossexuais, o que jamais havia acontecido na história do direito. A pena prevista
era a morte e morte na fogueira.33
A igreja cristã desenvolvendo seu regime ganha
vasto poder na educação, na moral, na família e na política social. Uma conseqüência
disso fora a imposição da ética sexual judaica-cristã no Império no lugar da moral
helênica-pagã. Evidentemente isso era má notícia para os homossexuais.34
Seguindo Filo aparecem Tertuliano, Eusébio e alguns
autores da Constituição Apostólica. Por volta de 390 Teodósio, imperador romano,
se sente incumbido de livrar Roma do “veneno da vergonha efeminada”.35
Na Idade Média a homossexualidade é chamada de a
“heresia do espírito” e “heresia da carne”. Como resultado, muitas fraternidades
31
Theodore W. Jennings Jr.. Jacob’s Wound: Homoerotic Narrative in the Literature of Ancient
Israel. 2005, p.223. Citando: Livy. The history of Rome 38-39. Cambridge: Harvard University Press,
1936, p.240-275.
32
Louis Crompton. “Homosexuality and Civilization.” 2003, p.537.
33
“The Historic Origins of Church Condemnation of Homosexuality.” Em:
http://www.well.com/user/aquarius/rome.htm 17/01/2006.
34
http://www.edam-carr.net/014.html / 17/01/2006.
35
Louis Crompton. “Homosexuality and Civilization.” 2003, p.537.
35
religiosas e cidades inteiras se envolvem na busca pela ordem do recém inaugurado
projeto papal, a Inquisição. Neste período sansões contra a homossexualidade
encontram base nos ensinos cristãos. Nenhuma outra razão é dada à força da
perseguição, senão chamar abominação o deitar com homem como se fosse mulher,
Levítico 18,22 e 20,13.36
Os textos de Levítico são amplamente usados para não
apenas condenar de morte seus praticantes como também para culpá-los de
catástrofes, terremotos e eventos epidêmicos.
Em período mais recente, já com reformadores em
destaque, percebe-se opressões e execuções. Uma delas é sob o comando de João
Calvino e seus sucessores em Genebra. Historicamente, cruzadas contra hereges,
bruxas, muçulmanos, judeus, mataram muitos mais que a caçada a homossexuais,
lembrando que todas elas tinham sustentação bíblico-cristã.37
1. 4 A discussão da questão em momentos atuais
1. 4. 1 Nos Estados Unidos
O que mais chama a atenção nos Estados Unidos da
América do Norte, entre todos os movimentos surgidos no início do século XX, todas
as descobertas científicas e todos os posicionamentos político-sociais, fora a
divulgação em 1948 do “relatório Kinsey”, feito por Alfred Kinsey, sob o título:
Sexual Behavior in the Human Male surpreendendo quase todos os norte americanos
pela constatação que 4% de todos os homens pesquisados consideravam-se
exclusivamente homossexuais e que 37% dos mesmos já haviam tido qualquer tipo
de experiência sexual com outro homem.38
36
Escreve o mesmo autor que em nenhum outro lugar mais homossexuais morreram do que na
Espanha, durante os anos de severa atividade da inquisição espanhola. Em Aragon, Catalunha e
Valência mais de 1000 homens foram acusados de “sodomia” e em algumas décadas mais morreram
por heresia sexual do que doutrinária. Louis Crompton. “Homosexuality and civilization.” 2003,
p.538.
37
Louis Crompton. “Homosexuality and civilization.” 2003, p.540.
38
http://edweb.sdsu.edu/people/cmathison/gay_les/ev5064.html
36
Outro sim, que há um grupo de 46% que mostra uma
grande variação na orientação sexual entre a heterossexualidade e a
homossexualidade. 25% dos homens entre 16 e 25 anos tiveram mais do que apenas
experiências unissexuais isoladas, sendo que durante três anos reagiram com
sentimentos homossexuais. Segundo o “relatório Kinsey”, mais homens
heterossexuais do que homossexuais relatam que a sua primeira experiência sexual
foi com um homem ou rapaz, (62% contra 39%).39
Essa constatação chamava a
atenção para uma realidade diferente da imaginada até o momento. Havia mais gays
homens e mulheres do que se imaginava e se esperava no país. Mais tarde o mesmo
autor divulgou outro livro sob o título: Sexual Behavior in the Human Female. O
chamado “relatório Kinsey” continua a ser o maior estudo já conduzido sobre a
sexualidade humana.
Com essa realidade um pouco diferente, foram
surgindo movimentos gays alternativos no seio da sociedade. Movimentos que
principalmente deram força e vitalidade a um novo tipo de expressão sexual na
sociedade: a de “sair do armário”. Porém, pode-se dizer que paralelamente surgiram
também os movimentos anti-homossexualidade que agiram e mataram nos Estados
Unidos. Lá o número de suicídios entre os jovens gays foi maior que em qualquer
outro lugar.
O comportamento social norte americano, pode-se
dizer, evoluiu para um status de liberdade de expressão sexual. Algumas datas e
eventos marcaram essa evolução. Em 1947 surge a primeira revista lésbica nos
Estados Unidos: Vice-versa. Em 1969 começou a se formar um movimento político
para defender os direitos humanos de homens e mulheres gays. No mesmo ano, em
Nova York, ocorre a primeira organização política, a partir da rebelião de Stone
Wall, um protesto em massa da comunidade gay confrontando a violência exercida
39
Christoph Scheneider-Harpprecht. “Homossexualidade na perspectiva da teologia prática.” Em:
Estudos Teológicos. Ano 39. N°1. 1999, p.67-68.
37
pela polícia contra os mesmos. Em 14 de outubro de 1979 ocorre a primeira marcha
nacional em Washington D.C., mais de 100 mil pessoas participam.40
Não se pode dirimir a importância desses movimentos
no seio da comunidade norte americana, pois foram essas expressões sociais que
motivaram a legitimação da comunidade gay nacional e internacional. Até que
houvesse essa maciça manifestação do movimento de “sair do armário”
homossexuais, homens e mulheres, sofreram violências, discriminação, maus tratos e
opressão.41
Pode-se ainda dizer que há lugares em todo o mundo que pessoas
homossexuais são discriminados hoje.
Com todos esses movimentos e protestos do
movimento gay, houve consideráveis avanços para o desenvolvimento de uma
sociedade livre de preconceitos. Assim, conseguiu-se que a Associação Psicológica
Americana retirasse a homossexualidade masculina e feminina do Manual de
Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais, do seu código oficial de doenças
mentais. Outra medida considerada de grande sucesso para o movimento tem a ver
com o casamento homossexual. Um grande desejo das pessoas do mesmo sexo que
vivem juntas era o de ter sua união oficialmente aceita pelo Estado. Essa luta
começou na década de 1970, teve avanços consideráveis nos anos 1980, mas fora no
final do século passado e no início deste que algo realmente mudou em favor
daqueles que buscavam reconhecimento de sua união. Em 12 de fevereiro de 2004 o
prefeito de São Francisco, cidade da Califórnia, ordenou que fossem emitidas
licenças matrimoniais para casais do mesmo sexo. Desde então inúmeros outros
estados seguiram seus passos. Inclusive o Estado de Massachusetts que atualmente
reconhece o casamento civil homossexual.42
É interessante também saber do envolvimento das
igrejas protestantes e católicas com o movimento homossexual. Mais de 40 estados
americanos possuem igrejas que apóiam o movimento gay. Apenas na Califórnia são
40
Christoph Scheneider-Harpprecht. “Homossexualidade na perspectiva da teologia prática.” Em:
Estudos Teológicos. Ano 39. N°1. 1999, p.63.
41
Christoph Scheneider-Harpprecht. “Homossexualidade na perspectiva da teologia prática.” Em:
Estudos Teológicos. Ano 39. N°1. 1999, p.63.
42
http://www.nolo.com/article.cfm/objectID 21/02/2006.
38
567 igrejas oficialmente abertas à pessoas que vivem em relações unissexuais. No
Estado de Massachusetts são 111 igrejas.43
Entre as confissões que dão apoio estão:
Igreja Metodista, Igreja Episcopal, Igreja Mórmons, Igreja Anglicana, Igreja
Presbiteriana, Igreja Menonita, Igreja Batista, Igreja Luterana, Igreja Católica
Romana, Igreja Adventista do Sétimo dia, Igreja Metropolitana da Comunidade,
Igreja da Aliança Pentecostal e outras.44
É importante mencionar que nem todas as
igrejas locais pertencentes a essas confissões dão total apoio a pessoas homossexuais
e que em algumas dessas confissões apenas as igrejas locais apóiam ou dão suporte
ao movimento.
Em 1970 discutiu-se o primeiro documento no plenário
da Assembléia Geral da Igreja Presbiteriana nos Estados Unidos sobre a matéria
referente a questões sexuais e homossexuais, o documento tinha o seguinte título:
Sexuality and the human community, em 1976 o segundo documento, com o seguinte
título: The church and homosexuality.45
Desde então a Igreja se vê imbuída na
discussão da matéria. Atualmente a Igreja Presbiteriana nos Estados Unidos não
discrimina qualquer tipo de “categoria” baseada em diferentes opções sexuais,
incluindo gays homens e mulheres, bissexuais e transexuais para ordenação de
presbíteros e diáconos. Quanto aos casamentos homossexuais a Igreja Presbiteriana
permite e reconhece a celebração do que se chama: same-gender holy union,
celebração matrimonial que confere ao casal a benção da igreja. No entanto, ainda
não permite e nem reconhece a: same-gender marriage cerimony,46
celebração
matrimonial que envolve questões civis.
1. 4. 2 Na sociedade brasileira
Na sociedade brasileira tem-se algo um pouco diferente
do que se vira nos Estados Unidos. Pode-se afirmar que a diferença principal é o
atraso no processo de diálogo e de livre expressão da sexualidade em uma sociedade
43
http://www.gaychurch.org/Find_a_church/united_states 21/02/2006.
44
http://www.angelfire.com/az/christiangaynet/USA.html 21/02/2006.
45
http://www.gaychurch.org/Find_a_church/united_states 21/02/2006.
46
http://www.mlp.org/resources/mlp-faq.htm 21/02/2006.
39
que possui membros considerados ou tidos como homossexuais na mesma proporção
que em qualquer outro lugar no mundo.
A perseguição nessa porção sul do hemisfério fora
sustentada até as primeiras décadas do século XX, momento que a homossexualidade
ainda era considerada crime, doença física e mental. Os Estados Unidos, juntamente
com alguns países na Europa é que serão precursores de uma voz libertadora, porém
dissonante a favor da minoria sexual oprimida. No entanto, apenas no final da década
de 1970 e início da década de 1980 é que se assiste, principalmente no Brasil, um
fortalecimento da luta pelos direitos humanos de gays, lésbicas, travestis,
transgêneros e bissexuais (GLTB).
O ano de 1977 pode ser considerado como a data
inicial do movimento homossexual brasileiro. Neste ano fora convidado para
palestrar em alguns lugares no Brasil o editor do Gay Sunshine, Winston Leyland.
Motivados por esse evento alguns intelectuais do Rio de Janeiro e de São Paulo
fundam em Abril de 1978 o primeiro jornal homossexual brasileiro: “O Lampião”, o
qual serviu de veículo e esforço para no ano seguinte ser fundado o primeiro grupo
brasileiro de militância gay o: “Somos”, que contou com a participação de diversos
autores de renome no circuito nacional, entre eles Glauco Matoso.
Atualmente, há cerca de 140 desses grupos espalhados
por todo o território nacional. Atuando em áreas como a saúde, a educação e a
justiça, sem mencionar a religião. Os homossexuais brasileiros organizados têm
enfrentado uma trágica, porém, histórica situação de discriminação e marginalização
em que foram colocados no seio da sociedade, bem como em toda América Latina.
Entretanto, quase nada mudou no conceito da
homossexualidade entre os períodos da Idade Média e hoje. Muitas formas de
violência tem sido evidenciadas entre pessoas homoeróticas. Algumas envolvem
familiares, vizinhos, colegas de trabalho, de escola, forças armadas ou polícia.
Pesquisas recentes sobre a violência que envolve essas pessoas dão uma idéia mais
precisa sobre as dinâmicas mais silenciosas da homofobia, que englobam a
humilhação, a ofensa e a extorsão. Mulheres homoeróticas são as mais vulneráveis à
40
violência doméstica. Ainda, mostrou uma pesquisa feita pela UNESCO que, na
escola, professores tendem a não apenas se silenciarem frente a homofobia, como
também a incentivá-la.47
A sociedade brasileira, como observado acima, vê-se
em desenvolvimento no que diz respeito à discussão da homoeroticidade, masculina
e feminina. No entanto, a igreja cristã, no Brasil e na América Latina, de forma geral,
nem se quer iniciou essa discussão, com poucas exceções. Wanda Deifelt escreve
que dentro das igrejas carecemos de uma discussão séria sobre a relação unissexual e
para compreender a questão ela propõe questionamentos sexuais no tratamento da
sexualidade como um todo, ela escreve: “veja: se deixarmos de ver a
heterossexualidade como norma absoluta e encararmos a homossexualidade como
expressão legítima da sexualidade humana, vamos ter a oportunidade de dialogar
sobre os valores que guiam nossas atitudes em relação ao sexo, e assim ao
relacionamento humano”.48
Ainda, quando se trata das igrejas brasileiras nota-se,
segundo Luiz Mott, que: “em questões político-sociais as igrejas brasileiras cristãs
são jovens e arrojadas, mas em questões de moral sexual continuam dominadas pelas
trevas da intolerância”.49
Com efeito, há a necessidade de usar a leitura da bíblia
nas comunidades como instrumento na libertação de pessoas eroticamente
escravizadas por sua opção sexual. A leitura de textos bíblicos tem mostrado o sexo e
a sexualidade como algo perigoso, caótico e demoníaco. David Carr, professor de
Antigo Testamento no Union Theological Seminary, Nova York, escreve que essa
leitura anti-sexual sofreu influência de elementos da tradição grega que pregava a
pureza sexual, talvez influenciados pelo trabalho de Platão: “A República”, que
mencionava: “a única maneira da alma alcançar a liberdade do caos de prazeres
temporários como o sexo, era direcionar os desejos aos deuses, beleza e verdade”. O
47
Em: “Brasil Sem Homofobia. Programa de combate à violência e a discriminação contra GLTB e de
promoção da cidadania homossexual. Normalização; Maria Amélia Elisabeth Carneiro Veríssimo.
Ministério da Saúde/Conselho Nacional de Combate à Discriminação, Secretaria Especial dos direitos
Humanos.” 2004, p.15-18.
48
Wanda Deifelt. “Os tortuosos caminhos de Deus: Igreja e Homossexualidade.” Em: Estudos
Teológicos. Ano 39. N°1. 1999, p.46.
49
Luiz Mott. “A igreja e a questão homossexual no Brasil.” Em: Mandrágora. Religião e
Homossexualidade. 1999, p.37-41. Citando Jacobo Schifer & P. J. Madrigal. Psiquiatria y homofobia.
1997.
41
movimento Estóico, continua David Carr, também encorajava a cultivação do
aphateia, a liberdade de ser movido por qualquer paixão.50
Apesar de toda a influência sofrida é bom saber que,
segundo Scheneider-Harpprecht: “a bíblia desconhece a prática homoerótica e a
prática homoafetiva entre parceiros iguais que tenham os mesmos direitos e
consintam quanto a sua ação. Assim, não se pode aplicar a rejeição bíblica da prática
homoerótica sem restrições à realidade contemporânea”.51
1. 5 Questões, autores e obras contemporâneas
Usar os textos bíblicos para rejeitar práticas
unissexuais é algo que carece de atualização, pois diversos autores têm encontrado na
bíblia, Antigo e Novo Testamento, textos que permitem leituras homoafetivas como,
por exemplo: Mona West, uma das pastoras de uma das maiores igrejas para
homossexuais no mundo Spiritual Life at the Cathedral of Hope que no artigo:
Outsiders, Aliens, and Boudary Crossers. A queer reading of the Hebrew Exodus,
escreve que assim como a história dos hebreus no deserto tem sido contada e
recontada como fonte de inspiração para povos escravizados, assim também servirá
para nós: “é recontando histórias de nossas saídas, fugas, transformações que
iniciaremos um movimento de passagem da escravidão para a liberdade, morte para a
vida.”52
Outro exemplo de uma leitura queer da bíblia hebraica
é proposta por Theodore W. Jennings Jr., em seu artigo: YHWH as erastes. Nesse
artigo o autor propõe uma leitura queer do relacionamento de YHWH com Davi, o
rei. A argumentação de Theodore Jennings é baseada na relação de amante erastes e
amado eromenos em culturas que sugerem um paralelo de situação militar. Ou seja,
50
David M. Carr. The erotic word. Sexuality, spirituality, and the bible. 2003, p.5.
51
Christoph Scheneider-Harpprecht. “Homossexualidade na perspectiva da teologia prática.” Em:
Estudos Teológicos. Ano 39. N°1. 1999, p.70.
52
Mona West. “Outsiders, aliens, and boundary crossers: a queer reading of the Hebrew exodus.” Em:
Take back the word. 2000, p.71.
42
Davi é o guerreiro aprendiz dentro da estrutura social bélica (I Samuel), e YHWH é o
chefe, guerreiro, que tem em Davi a companhia do jovem aprendiz.53
Também, Michael S. Pizza faz uma leitura queer do
livro de Neemias para sua comunidade, The Cathedral of Hope. Ele é o pastor
principal da maior e mais antiga igreja para homossexuais nos Estados Unidos, igreja
fundada em Dallas em 1970. A leitura que o autor faz no artigo: Nehemiah as queer
model for the servant leadership é análoga à vida de milhares de homossexuais que
não possuem morada para si. São incontáveis homens e mulheres vulneráveis às
implacáveis críticas de religiosos fundamentalistas. A situação destes hoje é, de
acordo com o autor, semelhante ao povo que retorna do exílio e não possui lugar de
paz e segurança. Assim como Neemias, o eunuco, que fora chamado para reconstruir
a cidade de Jerusalém, sem muros e sem proteção, o autor revela que fora chamado
para construir uma comunidade de abrigo e proteção aos gays de hoje, sua
comunidade de fé.54
A conceituação do termo queer é de fundamental
importância para o presente estudo. A palavra fora primeiramente usada pelo
historiador George Chauncey. Em momentos entre o final do século XIX e a
Segunda Grande Guerra, existe a necessidade de se denominar um grupo de homens
que apreciavam se relacionar sexualmente com demais homens e também mulheres,
estes não eram chamados heterossexuais e nem homossexuais, passam assim a serem
chamados de queers.55
Quando se faz uso do termo em relação aos escritos
bíblicos quer-se tentar um tipo de leitura diferenciada, da bíblia, das demais leituras
existentes hoje. Por exemplo, como escreve Theodore Jennings Jr., esse tipo de
leitura procura mostrar como um texto aparece, ou é lido, quando visto de um outro
angulo ou perspectiva. Essa não é uma questão do que todos devem ver no texto, mas
de o que pode-se ver em relação aos demais tantos outros pontos de vista. Essa não é
53
Theodore W. Jennings Jr. “YHWH as Erastes.” Em: Queer commentary and the Hebrew Bible.
2001, p. 39-42.
54
Michael S. Pizza. “Nehemiah as queer model for the servant leadership”. Em: Take back the word.
2000, p.115.
55
Ken Stone. “Lovers and raisin cakes: food, sex and divine insecurity in Hosea.” Em: Queer
commentary and the Hebrew Bible. 2001, p.14.
43
uma situação de questionar ou legitimar a homossexualidade, porém de apenas
reconhecer a possibilidade da existência de uma leitura queeriana ou diferente da
bíblia.56
Laurel C. Schneider escreve que a leitura queer da bíblia é uma leitura
daqueles que estão de fora57
, ou seja, de um grupo, certamente a minoria que deseja
ler textos bíblicos em seu próprio ponto de vista.
Também, uma leitura estritamente homoerótica do
texto bíblico não responderia a questionamentos vigentes, como por exemplo, quanto
à situação dos transexuais e bissexuais. Marcella M. Althaus-Reid propõe, também, o
uso do termo queer, como definição um pouco diferente da anterior. Queer, para
Marcella Althaus-Reid, é um movimento marginal que deseja permanecer de alguma
forma marginal para contestar o discurso heterossexual sem assimilar-se a ele. A
palavra queer, significa “estranho” e se refere a uma pessoa “estranha”. Portanto,
poder-se-ia fazer uma releitura teológica-sexual do movimento queer em associação
com a teologia da libertação? Marcella Althaus-Reid diz que sim, e propõe uma
leitura da “Teologia Indecente”58
, que seria a união das duas, como opção para a
questão na América Latina.59
A Igreja Católica Apostólica Romana recentemente
viveu no centro de suas atenções, principalmente com o antigo papa João Paulo II, a
experiência da intransigência sexual. Luiz Mott escreve que as pessoas homossexuais
viveram tempos sombrios sob o pontificado de João Paulo II. Este, mais do que
qualquer outro papa, foi quem estigmatizou de forma cruel o amor entre pessoas do
mesmo sexo ao oficializar a intolerância do antigo Cardeal alemão Joseph Ratzinger.
Este último, quando ainda era cardeal, escreveu o que se constituiu mais tarde no
56
Theodore W. Jennings Jr. “YHWH as Erastes” Em: Queer commentary and the Hebrew Bible.
2001, p.37.
57
Laurel C. Schneider. “Yahwist desires: imagining divinity queerly”. 2001, p.211.
58
A teologia indecente é uma teologia ‘queer’ porém da libertação. É uma teologia sexual
transgressiva, mas que usa a epistemologia corrompida em relação a crise produzida pela
globalização, a exclusão social e o capitalismo selvagem. Então, uma teologia indecente é uma
teologia feminista da libertação que usa a suspeita sexual para desmontar as ideologias sexuais que
estruturam doutrinas e organizam as igrejas... Disto se trata: tirar Deus do armário, ou reconhecer que
em Jesus temos um Deus já fora do armário. Que armário? O armário que não o permitia caminhar
como Deus entre os seres humanos, de sofrer a fragilidade humana, a dúvida, a fome, o desejo, a
amizade, o carinho, o medo, a morte. Um Deus promíscuo, cujo amor circula sem limites e sem leis
que o contenham. Um Deus que sai de sua centralidade divina para unir-se com o marginalizado.
Marcella M. Althaus-Reid. “Marx en un bar gay.” Em: Revista Eletrônica ‘Margens’. Nº1. 2005.
59
Marcella M. Althaus-Reid. “Marx en un bar gay.” Em: Revista Eletrônica ‘Margens’. Nº1. 2005.
44
manual “anti-gay” da Igreja Católica Romana, nele Joseph Ratsinger declarava que
“a homossexualidade era intrinsecamente má.” Luiz Mott continua: “nem mesmo Pio
IV, Gregório XIII e Paulo V, os sumos pontífices que delegaram poderes à
Inquisição portuguesa para perseguir os sodomitas chegaram a uma conceitualização
tão malévola contra os praticantes do amor unissexual.”60
Mais adiante, no mesmo artigo, Luiz Mott acredita que
tão logo seja sepultado o pontífice polaco, Roma retomaria a tolerância de mil anos
atrás. Todavia, mal ele sabia, em 1999, que o próximo pontífice seria o maior
opositor do movimento gay, agora chamado Bento XVI, mas o mesmo cardeal de
outrora Joseph Ratzinger.
Assim, a homossexualidade chega ao século XXI em
situação não muito diferente de como vinha através dos séculos: oprimida,
negligenciada e amordaçada. Apenas nas últimas décadas é que a sociedade e a
academia bíblica vão abrir oportunidade para a reflexão sobre a vida sexual, seja ela
qual for como opção.
Alguns dos maiores autores contemporâneos e
comprometidos com os desafios do tema são apresentados agora com algumas de
suas obras. Thomas Hanks, Ph.D., diretor executivo e fundador do ministério Other
Sheep (www.othersheep.com) trabalho com ênfase no auxílio às minorias. Rebecca
T. Alpert, Ph.D., diretora do programa de estudos feministas e professora assistente
de religião da Temple University. Robert E. Goss, Th.D., presidente do departamento
de estudos de religião na Webster University, autor de Jesus acted up: a gay and
lesbian manifesto (HarperSanFrancisco, 1993). Ken Stone, Ph.D., professor
assistente de bíblia hebraica no Chicago Theological Seminary. Também, Theodore
W. Jennings Jr., professor de bíblia no Chicago Theological Seminary e autor do The
man Jesus Loved: homoerotic narratives from the New Testament. Esses e tantos
outros, como por exemplo: Jerome T. Walsh, Daniel Boyarin, Wanda Deifelt, Saul
M. Olyan, Luiz Mott, compõem, no cenário internacional, grandes nomes do estudo
da sexualidade e homossexualidade em dias atuais.
60
Luiz Mott. “A igreja e a questão homossexual no Brasil.” Em: Mandrágora. Religião e
Homossexualidade. 1999, p.37-41.
45
O capítulo primeiro da presente pesquisa apurou com
tranqüilidade a existência das relações homoeróticas bem como homoafetivas na
história da humanidade. Constatou-se a presença desse tipo de relacionamento em
quase todos os momentos, pelo menos os mais importantes da história. Apesar das
evidências da homossexualidade entre mulheres ser também fato histórico, não se
pode encontrar com tanta facilidade, nos textos, para as mulheres, o que se pode
encontrar para os homens.
Não apenas isso, o presente capítulo serviu de ponto de
origem para as futuras discussões que se darão em níveis bíblicos. Pois por toda
história se evidenciou a existência de relações unissexuais, tanto relações
homoeróticas que envolvessem práticas cultuais como não. Tanto relacionamentos
unissexuais que envolvessem deuses e humanos como humanos e humanos.
Também, mostra o capítulo em questão, que toda a
discussão envolvendo a homossexualidade teve, no decorrer da história, seus
apogeus e declínios. Observa-se, assim, um apogeu sobremodo atual para a discussão
da questão que não se faz presente na América Latina.
Nada do que se pretende a partir de agora, deve ser
analisado sem levar em consideração toda a história da questão, por isso este capítulo
fora demasiadamente necessário para o desenvolvimento dos demais capítulos da
dissertação. Mesmo porque o próximo capítulo é também histórico, mas seu ponto de
origem, bem como seu destino, abrangem tão somente a história da narrativa bíblica
em momento específico.
46
2 SOBRE O CONTEXTO SÓCIO-HISTÓRICO
Encontrar o lugar histórico dos textos de Levítico
18,22 e 20,13 é essencial para a relevância de sua mensagem, bem como para
compreender a influência sofrida no evento de sua redação. O momento encontrado
para a construção do texto de Levítico, ou pelo menos o assim chamado “Código de
Santidade” (17-26), é o cenário internacional de dominação persa e de reconstrução
para a comunidade recém chegada da golá em Judá.
Ciro funda o primeiro Império com pretensões
realmente universais, afirma François Castel.61
De fato, a imensidão do que fora
construído pelo Império Persa é também admirada por Yohanan Aharoni, o qual
escreve ser o Império Persa o maior e mais extenso Império do Oriente Médio. Com
dimensões universais o novo Império toma automaticamente o que outrora pertencia
ao Império Babilônico, inclusive a Palestina. Não existe nenhum dado histórico de
lutas travadas entre os que habitavam na Palestina e os persas, afirma Yohanan
Aharoni.62
Assim, passa a Palestina a pertencer a outro Império. A
sociedade, geográfica e politicamente, não mudara em relação à dominação Imperial
exercida, como por exemplo: pela Assíria e Babilônia. No entanto, é evidente a mão
persa na estruturação das subdivisões que se apresentam. Hebert Donner escreve,
fora Dario quem se ocupara dessa estruturação interna. Todo o Império estava
dividido entre satrapias (do persa xshatrapavan: protetor do domínio), cada uma
delas governada por um comissário persa. As maiores satrapias eram subdivididas
61
François Castel. Historia de Israel y Judá. 1998, p.142.
62
Yohanan Aharoni. The Land of the Bible. 1979, p.411.
47
em províncias, mais uma vez cada uma delas supervisionada por um governador. É
sabido da liberdade que cada satrapia desfrutava de possuir seu governador local. A
Palestina pertencia a satrapia chamada “Além do Rio”, um termo generalizado que
reunia em si a Síria, a Fenícia e a Palestina. A região local de Judá, que tem interesse
maior ao estudo, pertencia à província da Samaria.63
Quando Ciro toma a Babilônia ele não penas liberta
aqueles que estavam em cativeiro como também os orienta e financia a reconstrução
de sua estrutura religiosa na volta para casa. É interessante mencionar que os grupos
que vão para o exílio são, em sua maioria, compostos de autoridades de Judá.
Euclides Balancin escreve que quando os exilados saem, a terra não fica vazia, mas é
ocupada por camponeses. A situação que permanece na terra é precária e de
tristeza.64
Assim, tem-se o recém chegado grupo de ex-exilados
em Judá. Estes quando iniciam uma nova vida na antiga pátria enfrentam diversas
complicações sociais, mas principalmente religiosas, no que diz respeito aos usos e
costumes daqueles que permaneceram na terra, fossem israelitas, judaitas ou não o
livro do Levítico aparece como regulamentação legal para uma nova construção da
sociedade com bases religiosas e extensas listas de orientações divinas, como
observado nos capítulos seguintes. O que segue ajuda a compreender um pouco mais
desse momento vivencial.
2. 1 O Império Persa
O cenário político internacional, para o período que
corresponde à construção do texto de Levítico, segundo escrevem Erhard
63
Hebert Donner cita como referência as inscrições reais persas de Beshistun, Naqsh-i-rustan,
Persépolis, Susa e Heródoto III, 89ss. Também escreve que o território total fora dividido em 23
satrapias. Para o Oriente Próximo são importantes quarto satrapias: 1. Babairu:
Babilônia/Mesopotâmia; 2. Atura: Síria (em aramaico imperial significa “trans-eufrates” Além do Rio;
3. Arabaya: Arábia do Norte e 4. Mudraya: Egito. Cada satrapia tinha que pagar tributos regulares e
cuidar do sistema de correios. Herbert Donner. História de Israel e dos povos vizinhos. 1997, p.444.
64
Euclides Martins Balancin. História do povo de Deus. 1989, p.100.
48
Gerstenberger, Julius Wellhausenn e também Marcos P. M. da Cruz Bailão em sua
tese de doutorado em 200165
, é de dominação persa. Período que corresponde a 539 a
332 a.C., segundo Jorge Pixley, Marcos Bailão e também Yohanan Aharoni.66
Com a expansão do Império Persa, a queda da
Babilônia já estava prevista. John Bright narra os pormenores da situação de
conquista: “de um lado os persas em marcha triunfante, e de outro os moradores da
Babilônia festejando sua libertação, em relação ao seu próprio soberano
Nabônides.”67
Este havia retirado os deuses dos templos das cidades circunvizinhas e
levado os mesmos para a capital, na Babilônia. Decisão que evidentemente não
agradara os moradores locais que passam, por esse motivo e outros, a desgostar de
Nabônides. O livro, Judá e Israel, textos do Antigo Oriente Médio narra os meandros
da conquista persa, liderada por Ciro à Babilônia:
No décimo quarto dia, Sippar foi tomada sem combate.
Nabônides fugiu. No décimo sexto dia, Gubaru,
governador do país de Gutium e as tropas de Ciro
entraram na Babilônia, sem combate (...) Nenhuma
interrupção do que quer que seja teve lugar em Esagil e
nos outros templos (...) No mês de arahsamu, no
terceiro dia Ciro entrou na Babilônia. O estado de paz
foi assinado na cidade, Ciro decretou o estado de paz
para a Babilônia inteira (...) Os deuses no país de
Babilônia que Nabônides havia feito descer para
Babilônia retornaram aos seus santuários.68
65
Erhard Gerstenberger. Leviticus. A Commentary. The Old Testament Library. 1996, p.7, Julius
Wellhausenn. Prolegomena to the history of Ancient Israel. The classic and original statement of the
theory of “Higher Criticism” of the Old Testament. 1957, p.497, Marcos P. M. da Cruz Bailão.
“Doença Impura como Limite da Identidade Comunitária.” Tese de Doutorado: 2001, p.208ss.
66
Jorge Pixley. A História de Israel a partir dos pobres. 7ª Edição. 2001, p.91. E Marcos P. M. da
Cruz Bailão. “Doença Impura como Limite da Identidade Comunitária.” Tese de Doutorado: 2001,
p.208. Yohanan Aharoni. The Land of the Bible. 1979, p.411.
67
Nabônides (556-539), escreve John Bright, contava naturalmente com o apoio dos elementos
dissidentes da Babilônia, talvez, sobretudo daqueles que sentiam o peso da terrível força econômica e
espiritual dos sacerdotes de Marduk. Mas seu reinado trouxe grandes discórdias à Babilônia, citando
Pritchard, em ANET, p. 305; Albright, em Basor, 120 (1950), p. 22-25, 1978, p.477. Acompanhando
Tadmor H. A history of the Jewish people. 1976, p.165 que também escreve o mesmo.
68
VV.AA. Israel e Judá. Textos do Antigo Oriente Médio. 1985, p.90. Também, cilindros de argila
encontrados na Babilônia celebram a entrada de Ciro na capital quando restabelece o culto a Marduk
como deus supremo, pois Nabônides havia preferido a Sin. “Marduk, o grande senhor, o que cuida das
gentes, viu com alegria suas boas ações e seu reto coração. Lhe ordenou ir a Babilônia, lhe fez tomar o
caminho da Babilônia, caminhou a seu lado como amigo e companheiro. Suas numerosas tropas,
incontáveis como gotas de um rio, avançavam a seu lado com armas erguidas. Lhe fez entrar na
Babilônia sem combate nem luta. Salvou da dificuldade a sua cidade Babilônia. Entregou em sua mão
a Nabônides, rei que não o temia. Todas as gentes da Babilônia, a totalidade do país, da Suméria a
49
Semelhantemente narra-se, na língua acádica e em
cilindro de cerâmica, o seguinte a respeito da entrada triunfal de Ciro na cidade
Babilônia:
Eu, Ciro, o rei do império mundial, o grande e
poderoso rei, o rei de Babel, o rei da Suméria e o rei de
Acade (...), por cujo governo Bel e Nabu se afeiçoaram
e cujo reinado desejavam para alegrar seu coração –
depois de entrar pacificamente em Babel, sob júbilo e
alegria, estabeleci a sede régia no palácio do soberano
(...) Marduk, o grande senhor, alegrou-se com minhas
boas ações. Ele abençoou graciosamente a mim, Ciro,
o rei que o venera, e Cambises, meu filho biológico,
assim como todas as minhas tropas. Em bem-estar nós
vivemos alegremente diante dele (...) Sob a ordem de
Marduk, o grande senhor, mandei que os deuses da
Suméria e de Acade, os quais Nabônides tinhas trazido
para Betel, causando a ira do senhor dos deuses,
ocupassem de bem-estar uma morada agradável em
seus santuários.69
Com toda a fragilidade do antigo Império Babilônico, é
sob o comando do rei medo Ciro II, (559-530 a.C.) que os exércitos persas entram na
capital Babilônia já sem forças para reagir em 539. O texto acima mostra as
condições precárias de resistência babilônica, bem como o restabelecimento dos
cultos nas cidades locais. Também, o texto de Isaías 45,1-4 narra o soberano Ciro
entrando na Babilônia como libertador do antigo Judá exilado, outrora sob
dominação babilônica.
A partir deste momento, tem-se, principalmente, no
livro de Esdras, relatos da preocupação do rei Ciro em relação à reconstrução do
templo em Jerusalém e, com isso, a devolução dos utensílios do templo, levados por
Nabucodonozor, quando da investida babilônica à Judá. Não que essa preocupação se
constituísse de grande importância para o imperador, mas sim que fazia parte de seu
plano de governo observado a seguir. Esdras 1,2-4 constitui o decreto de Ciro para a
construção do templo em Jerusalém. Semelhante acontece em 3,6-5 quando é
Acádia, os príncipes e governadores se inclinaram a seus pés, beijaram seus pés e se alegraram por sua
realeza.” François Castel. Historia de Israel y Judá. 1998, p.142.
69
Herbert Donner. História de Israel e dos povos vizinhos. 1997, p.444.
50
mencionada a permissão do rei Ciro para a reconstrução do templo. Em 6,3-5 há,
novamente, menção à reconstrução do templo, como também a devolução dos
utensílios da “casa de Deus”.
O que se vê agora é uma sucessão de missões para a
reconstrução do templo. O primeiro a ser enviado com uma delegação para Judá é
Sasabassar 538 a.C., Esdras 1,5-11 e 5,13-15. Depois dessa campanha, Zorobabel e
Josué são enviados em 250 a.C. a pedido de Dario, sucessor de Cambises, para serem
acompanhados de uma maior delegação a fim de definitivamente povoar Judá - local
geográfico de relevância estratégica em relação ao Egito. Depois disso, tem-se a
missão de Neemias 445-430 a.C. e a missão de Esdras 458 a.C.
O regresso dos exilados para Jerusalém e Judá não
ocorreu imediatamente em 538 a.C., mas apenas nos anos 20 do século VI, sob o
comando do Imperador Dario I. Isto é inteiramente compreensível. Os exilados não
podiam partir da noite para o dia e atropeladamente. O desligamento da Babilônia,
onde entrementes já se criava a terceira geração, tinha de ser feito com cautela. Havia
negócios a realizar, vínculos a desfazer, dificuldades a resolver. Euclides Balancin
escreve que a vida não era fácil no exílio, mas que certamente os exilados de
Jerusalém não foram jogados em masmorras ou prisões. Uns se tornaram
comerciantes, até banqueiros, outros assumiram postos administrativos, e inclusive
altos cargos.70
Também, Gerhard Von Rad escreve que fora um
engano a associação do edito de Ciro com a volta dos exilados para Judá e que o
Cronista já estava distante dos acontecimentos que marcaram o evento. Apesar das
dificuldades de datação os dois autores se aproximam consideravelmente em suas
propostas, Von Rad afirma que a datação da volta dos mesmos é muito difícil de
situar, mas que possivelmente efetivou-se apenas em 529-522 com Cambises.71
Seguramente, o entusiasmo com o regresso manteve-se
dentro de certos limites por parte de muitas pessoas que haviam se acostumado a
70
Euclides M. Balancin. História do povo de Deus. 1989, p.101-102.
71
Gerhard Von Rad. Teologia do Antigo Testamento. Vol.2. 1973, p.96.
51
viver ali. Por outro lado, às famílias que regressavam tinham de ser conferidas
propriedades de terra na Palestina, se possível de acordo com a situação pré-exílica.
Isso não era tão simples, pois durante o tempo do exílio, de modo algum fora uma
terra baldia e desabitada, que se pudesse retomar como propriedade. Para tanto, o
Imperador nomeia Zorobabel para supervisionar todo tipo de acerto a se realizar na
terra.72
Essa dificuldade no retorno e na ocupação da terra
teve, para a construção de Levítico, fundamental importância. As ordenações que se
apresenta em Levítico, quanto as observações religiosas, nada mais sustentam do que
a legitimação dos que chegam na terra, como sendo eles os possuidores da terra e não
os que ficaram. Muito possivelmente tem-se, até mesmo que divina, a legitimação da
herança dos exilados em relação à posse da terra.
As dificuldades de relacionamento entre os pequenos
grupos na região era evidente. Geo Widen Gren escreve que a hostilidade entre
Jerusalém e Samaria era sem dúvida um fator de conflito no período persa. Isso se
dava mais por fatores políticos do que por religiosos, apesar de haver severas
dificuldades religiosas entre ambos. Porém, observa-se o pensamento de Meyer que
escreve: “houve grande ressentimento de Samaria por Judá ter sido tratada com
especial atenção pelo governo persa quando da tomada do poder”.73
É bem verdade
que textos bíblicos evidenciam o tratamento especial que Judá teve em relação a
Samaria, o que mais chama a atenção, no entanto, é a disputa de poder dos dois
grupos sociais que vivem em conflito em Judá.
Euclides Balancin, mais uma vez, apresenta essas
dificuldades e escreve que a comunidade judaica reunida em torno de Jerusalém,
depois do exílio, teve de enfrentar diversas dificuldades para sobreviver e se
organizar. Os conflitos podem ser percebidos em três instâncias: 1) Com o poder
central persa; enquanto demais povos conquistadores oprimiam seus subjugados, o
Império Persa não agia assim, no entanto, vigiava com extrema cautela Judá. Sabe-se
72
Herbert Donner. História de Israel e dos povos vizinhos. 1997, p.465. Também, Euclides Balancin.
História do povo de Deus. 1989, p.100-103.
73
Geo Widen Gren. Israelite and Judaean History. 1990, p.512.
52
que Judá não se envolveu em rebeliões. 2) Com a província de Samaria; o
governador instalado na Samaria era a mão estendida do rei para preservar o controle
da região. Juntamente com um grupo de comerciantes ricos e influentes, o
governador acusava constantemente a comunidade de Jerusalém de ultrapassar seus
direitos dentro do Império. Os interesses eram de ordem econômica, evitar uma
concorrência no território que pudesse impedir a exploração do comércio e da
intermediação dos tributos da região. 3) Os conflitos surgidos dentro da própria
comunidade; com a chegada dos exilados, há motivos de esperança, mas as coisas se
complicam, pois o território não estava desabitado. Cria-se grandes disputas entre os
que chegam, os camponeses da terra que ficaram e outros que ainda brigam pela
terra.74
Todavia, sabe-se da dificuldade teológica,
especialmente da reconstrução do templo, que envolvia Judá e Samaria. Gerhard Von
Rad escreve que a desconfiança dos samaritanos fundava-se na ambigüidade da
renovação cultual. O templo de Salomão era o santuário oficial da dinastia davídica,
no entanto, Judá não era mais uma província autônoma, mas estava sujeita ao
governador de Samaria. Ainda mais, os samaritanos não poderiam aceitar a
reconstrução com tranqüilidade, pois, ao que parece, consideravam-se também
adoradores de YHWH (Esdras 4,1 e ss). Por isso, a oposição dos samaritanos aos
jerusalemitas tornou-se mais aguçada como a de um “direito contra outro direito”.75
Assim funcionavam as listas de prescrições sexuais dos
capítulos 18 e 20 de Levítico, apresentavam a maior das diferenças entre os variados
grupos étnicos na região, evidentemente a diferença está nos que observavam as
listas de ordenações sexuais e os que não. Demais listas como as dos capítulos 18 e
20 perpassam todo o texto de Levítico.
Observa-se que todo Levítico é construído nesse
ambiente, já não mais em uma identidade nacional israelita, mas sim, em um
74
Euclides M. Balancin. História do povo de Deus. 1989, p.107-108.
75
Gerhard Von Rad. Teologia do Antigo Testamento. Vol.2. 1973, p.97.
53
colonialismo judaico, dentro de diversos grupos étnicos, mas todos pertencentes à
província de Samaria.76
2. 2 A política de dominação persa
É sabido da falta de consenso quando o assunto refere-
se à vida social, política e religiosa de Judá no pós-exílio. No entanto, parece não
haver dificuldades quando se menciona a política de dominação persa, especialmente
com Ciro, mas também com seus sucessores, quando da conquista dos povos. Dentre
suas atitudes parecia haver tolerância. Os soldados persas haviam sido orientados
para respeitar a sensibilidade religiosa das pessoas e evitar aterrorizar as mesmas. Os
deuses tirados dos templos nas províncias e levados para a capital por Nabônides,
foram devolvidos por Ciro, como lido acima.77
Herbert Donner, acompanhando John
Bright, escreve de uma das marcas mais estridentes da dominação persa, no desejo de
não cometer erros do passado, como fizeram os assírios e babilônios, a dominação
persa é marcada pela simpatia com as culturas dominadas. Ele ainda escreve que, em
contraposição com o Império Assírio que eliminava tanto quanto possível os povos
subjugados, através de saques e destruição, deportações implacáveis, altos tributos,
regime duro e tentativa de pacificar o Império por meio da violência, estava o
Império Persa.78
Assim, como mencionado anteriormente, Ciro
governava com política de dominação branda. Ou seja, era permitido aos povos
conquistados, continuar observando seu culto, sua religião, sua cultura. Tanto Milton
Schwantes como John Bright79
destacam com propriedade essa característica peculiar
de dominação tão diferente dos demais impérios anteriores como assírio e babilônico
que destruíam os povos conquistados e deportavam prisioneiros. Ciro, o grande
76
Norman K. Gottwald. Introdução Socioliterária à Bíblia Hebraica. 1988, p. 401.
77
John Bright. História de Israel. 1978, p.488.
78
Herbert Donner. História de Israel e dos povos vizinhos. 1997, p.445.
79
Milton Schwantes. Sofrimento e esperança no exílio. História e teologia do povo de Deus no século
VI a.C. 1987, p.117 e John Bright. História de Israel. 1978, p.489.
54
libertador dos exilados, é por essa e outras razões aclamado pelo profeta Isaías em
45,1 e ss.
No entanto, esse estilo de dominação jamais deixou de
ser atenciosa e vigilante com as províncias jurisdicionadas. Tanto é assim, que recebe
grande destaque a habilidade e competência de administração do Império. Bem como
a instauração de um complexo esquema de comunicações e correios. É importante
dizer que, toda liberdade garantida pela presença e autoridade persa nas províncias,
cessava quando essa liberdade contestava a vontade do Império mundial.80
Também
escreve John Bright que através de uma complexa burocracia, a maior parte dos altos
oficiais de seu exército eram persas ou medos, mas quando possível dava
responsabilidades a príncipes nativos.81
Contudo, nem sempre era como o Império desejava ou
esperava. Há relatos de diversos focos de conflitos entre os repatriados, recém
chegados da Babilônia e os atuais moradores. Se por um lado existia a mão do
Império na vida diária do povo em Judá, bem como no estabelecimento sócio-
religioso já definido pelos moradores da capital da província de Samaria, de outro
lado havia o antigo sentimento de posse da terra daqueles que acabavam de chegar.
Apesar desta informação não ser consenso entre estudiosos, ainda assim, Norman
Gottwald escreve:
É evidente que a restauração da colônia de Judá
prosseguia de maneira vagarosa. Em parte porque o
Império estava envolvido em projetos de todo Império
e em parte porque confiavam na liderança de Judá para
a restauração da comunidade (...) A restauração judaica
exigia harmonia dos interesses dos judeus
palestinenses e dos judeus repatriados de Babilônia (...)
Além disso, entre os judeus palestinenses existiam os
que prestavam fidelidade à forma samaritana de
religião judaica, que se desenvolvera entre os
descendentes do anterior reino do norte de Israel.82
80
Milton Schwantes. Sofrimento e esperança no exílio. História e teologia do povo de Deus no século
VI a.C. 1987, p.117.
81
John Bright. História de Israel. 1978, p.490.
82
Norman Gottwald. Introdução Socioliterária à Bíblia Hebraica. 1988, p.403.
55
Vê-se no texto toda a fragilidade do momento sócio-
político e religioso, o que faz ressaltar a habilidade do novo Império ao lidar com
pequenas províncias, entretanto, províncias de grande interesse. Judá, apesar de
pequena, figurava entre as de maior importância para o Império.
A posição geográfica de Judá lhe concedeu grande
prioridade de atenção dos imperadores persas. Marcos Bailão menciona a existência
de um certo remanejamento populacional. Instrumento usado pelos poderosos,
inclusive os antigos, para que suas terras fossem defendidas por seus moradores,
sempre em nome da ordem imperial. Nesse deslocamento, eram usadas pessoas de
origens diferentes: presos de guerra, camponeses endividados e trabalhadores
assalariados. Apesar de não haver contundentes provas de que Judá fosse objeto
desse remanejamento populacional, quando os exilados são autorizados a sair da
Babilônia, muito permanece sem resposta.83
A maior dúvida existente está na importância
geográfica que Judá, província de Samaria, teria para o Império Persa. Apesar de não
haver consenso, o que chama a atenção é a relevância de Judá frente às decisões do
Imperador Ciro nos primeiros anos de seu reinado, questão levantada, entre outros,
por Siegfried Herrmann.84
Apesar de toda controvérsia existente sobre o tema da
reconstrução do Judá colonial, não restava dúvidas que Judá era importante. Yohanan
Aharoni em The Land of the Bible cita que se sabe muito pouco sobre qualquer
evento histórico nas satrapias, “Além do Rio” ou seja, trans-Eufrates, durante o
período persa. Das várias campanhas contra o Egito sabe-se, ainda que
indiretamente, da passagem do exército persa pela Palestina em direção ao Egito.
Cambises passou pela Palestina a caminho do Egito em 525 a.C.85
Judá estava localizada, de novo, nessa região chamada
satrapia. Esta fazia fronteira com o Egito, país que, segundo narra a história, estava
dentro dos planos do imperador. O Egito fora anexado ao Império pelo filho de Ciro,
83
Marcos P. M. da Cruz Bailão. “Doença impura como limite da identidade comunitária.” p.219
citando Kenneth Hoglund. The Achaemenid Context. p.65-67, quem sustenta essa hipótese de que
Judá fosse, não em sua totalidade, um grupo remanejado intencionalmente.
84
Siegfried Herrmann. Historia de Israel. En la epoca del Antigo Testamento. 1985, p.385.
85
Yohanan Aharoni. The land of the Bible. 1979, p.412.
56
Cambises, em 525 a.C. Norman Gottwald esclarece que o Império Persa subitamente
passou a dominar um território mais de duas vezes o tamanho de qualquer Império
anterior. Suas possessões estendiam-se desde a Índia até o mar Egeu em frente à
Grécia e para o sul através do Egito. Sendo assim, era vital que, prontamente, Ciro
não apenas enviasse de volta os exilados para sua terra natal, como também os
apoiasse na reconstrução do templo em Jerusalém, devolvendo utensílios e ainda
requisitando ajuda aos mesmos, Esdras 1,1 e ss. Seja como for, a hipótese de
Kenneth Hoglund não é de toda descartada.86
Assim estava composta a comunidade de Judá no pós-
exílio. Uma comunidade que respondia imediatamente à província de Samaria. É
possível dizer que o maior interesse do Imperador persa, fosse ele qual fosse, na
região de Judá, era a posição estrategicamente localizada no caminho do norte, com o
sul no Egito. Se não fosse esta peculiaridade, pouco significaria a comunidade de
Judá para o Império. Portanto, para o Império Persa, a comunidade de Judá fora de
grande relevância histórica.
2. 3 O campo e a cidade
Como já mencionado anteriormente, existiu o conflito
entre os que chegavam do exílio e os que haviam permanecido na terra. A razão da
existência do conflito figura entre os pontos centrais para a compreensão histórica do
período em questão. Portanto, o deslocamento social no início do Império Persa é,
também, extremamente relevante.
Com a chegada dos da gola dá-se início a um
movimento de ruralização na província. Os que chegam se ajuntam com os que já
trabalham no campo ou com aqueles que mudariam da cidade para o campo. Marcos
Bailão cita, mais uma vez, Kenneth Hoglund quando esse apresenta o resultado de
um levantamento arqueológico, mostrando grande aumento de pequenas vilas em
86
Norman K. Gottwald. Introdução Socioliterária à Bíblia Hebraica. 1988, p.402.
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Homossexualidade na Bíblia Hebraica

  • 1. UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS DA RELIGIÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO Por Dallmer Palmeira Rodrigues de Assis A HOMOSSEXUALIDADE DESCONSTRUÍDA EM LEVÍTICO 18,22 e 20,13 São Bernardo do Campo, Maio de 2006
  • 2. 2 Dallmer Palmeira Rodrigues de Assis A HOMOSSEXUALIDADE DESCONSTRUÍDA EM LEVÍTICO 18,22 e 20,13 Dissertação apresentada em cumprimento parcial às exigências do programa de Pós- Graduação em Ciências da Religião, sob a orientação do Prof. Dr. Tércio Machado Siqueira para a obtenção do grau de Mestre da Universidade Metodista de São Paulo. São Bernardo do Campo, Maio de 2006
  • 3. 3 AGRADEÇO Primeira Igreja Presbiteriana Independente de São José do Rio Preto, seu conselho, sua equipe pastoral, seus mais estimados membros, Larissa L. G. de Assis, Hudson e Maria Lúcia, Thomas Hanks, José Adriano Filho, Tércio Machado Siqueira, Fábio Augusto dos Santos e Juliana Lobo dos Santos, Mário Sérgio de Góis, Fundação Mary H. Speers, Instituto Ecumênico de Pós Graduação. Sem estes nada seria possível! Obrigado!
  • 5. 5 DALLMER PALMEIRA RODRIGUES DE ASSIS. A HOMOSSEXUALIDADE DESCONSTRUÍDA EM LEVÍTICO 18,22 e 20,13. UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO, FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS DA RELIGIÃO, PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO. ORIENTADOR: PROF. DR. TÉRCIO MACHADO SIQUEIRA. Resumo Esta pesquisa apresenta uma leitura desconstruída do conceito de homossexualidade, presumidamente, presente em Levítico 18,22 e 20,13. A busca por indícios históricos de relacionamentos homossexuais encontrou evidências claras desse tipo de prática em épocas como o século X a.C. Também, a pesquisa serviu para mostrar até onde e como se encontram temas, títulos e autores que trabalham com a questão da homossexualidade. Os versos analisados são parte de um código de leis chamado “Código de Santidade” (Levítico 17-26). O lugar histórico da composição do código se encontra, inicialmente, no evento do retorno dos exilados da Babilônia e vai até meados do exercício da influência grega, séculos seguintes. Evidentemente, o período imperial persa ganha destaque na composição do “Código de Santidade”. Esse momento mostra como foi relevante a idealização deste “Código” para que a comunidade em Judá não perdesse sua identidade existencial. A análise exegética dos dois versos mostra como o autor(es) de Levítico não se preocupou, nem ao menos mencionou, o relacionamento unissexual em sua totalidade, mas sim proibiu o sexo anal entre dois homens que fosse misturar categorias de gêneros, fosse violentar a autoridade masculina patriarcal e também fosse assemelhar a comunidade, sua cultura e religião com outras culturas e povos vizinhos. O trabalho chega à conclusão hermenêutica que Levítico 18,22 e 20,13 não sabiam nada sobre o relacionamento homossexual moderno e eram completamente silenciosos quanto ao conceito de homossexualidade em Judá no pós-exílio. Assim, a presente pesquisa deseja ser provocação para a discussão da questão na academia e
  • 6. 6 nas comunidades religiosas, pois, conforme exposto não há nada na bíblia hebraica que se possa utilizar para reprimir a livre expressão da relação unissexual moderna.
  • 7. 7 DALLMER PALMEIRA RODRIGUES DE ASSIS. A HOMOSSEXUALIDADE DESCONSTRUÍDA EM LEVÍTICO 18,22 e 20,13. UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO, FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS DA RELIGIÃO, PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO. ORIENTADOR: PROF. DR. TÉRCIO MACHADO SIQUEIRA. Resumen Esta pesquisa presenta una lectura desconstruida del concepto de homosexualidad presupuesto del libro de Levítico 18,22 y 20,13. La busca por indicios históricos de relaciones homosexuales encontró evidencias claras de este tipo de práctica en épocas como el siglo X a.C. También, la pesquisa sirvió para demostrar hasta donde y como encontrar temas, títulos y autores que trabajan con la cuestión de la homosexualidad. Los versos analizados son parte de un código de reglas llamado “Código de Santidad” (Levítico 17-26). La localización histórica de la formación del código se encuentra desde el acontecimiento del regreso de los exilados de Babilonia hasta mediados del ejercicio de la influencia greca, siglos siguientes. Verdaderamente, el período imperial persa gana realce en la formación del “Código de Santidad”. Este momento evidencia como fue esencial a la formación de este “Código” para que la comunidad en Judá no perdiera su identidad existencial. El análisis exegética de los dos versos demostra como el autor(es) de Levítico no se preocupó, ni siquiera aludió a la relación unisexual en su plenitud, pero sí prohibió el sexo anal entre dos hombres que fuera mezclar categorías de géneros, fuera violentar la autoridad masculina patriarcal y también fuera asemejar la comunidad, su cultura y religión a otras culturas y pueblos linderos. El trabajo llega a la conclusión hermenéutica que Levítico 18,22 y 20,13 no sabía nada sobre la relación homosexual moderna y era completamente silencioso cuanto al concepto de homosexualidad en Judá después del exilio. De esta manera, la presente pesquisa desea ser provocación para la discusión de la cuestión en la academia y en las comunidades religiosas, pues
  • 8. 8 no hay nada en la biblia hebraica que se pueda utilizar para reprimir la libre expresión unisexual moderna.
  • 9. 9 DALLMER PALMEIRA RODRIGUES DE ASSIS. A HOMOSSEXUALIDADE DESCONSTRUÍDA EM LEVÍTICO 18,22 e 20,13. UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO, FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS DA RELIGIÃO, PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO. ORIENTADOR: PROF. DR. TÉRCIO MACHADO SIQUEIRA. Abstract This research presents a deconstruct reading of homosexualism presumable presented in Leviticus 18,22 and 20,13. The research found clear historical evidences of homosexual relations in many historical periods, even back to the X century. Also, the present study shows where and how this theme, books and authors related to homosexualism are found nowadays. These verses studied are part of a legal code called “Holiness Code” (Leviticus 17-26). The historical place for the composition of the code is initially found in the event of the returned Israel from exile in Babylon and goes until the beginning of Greek influence, centuries latter. Surely, Persia imperial period gains special relevance in the final composition of the “Holiness Code”. This period shows how relevant the idealization of the “Code” was to the community of faith in Judah and how important was to the community so it could not loose its existential identity. The exegetical analyses of the two verses attests how the author of Leviticus was not concerned and did not even mentioned homosexual relations in its fullness, but the texts did prohibit anal intercourse between males, in special occasions, gender mixture, violence to the male authority and every idea that would relate Israel to others communities and neighbors. The present research gets to the hermeneutic conclusion that Leviticus 18,22 e 20,13 knew nothing about modern homoerotic relations and were completely silent to the concept of homosexualism in the post exilic Judah. So this research wants to be the motivation to the discussion on the issue of homosexualism in the Academy and in the religious communities. As studied in this paper, there is nothing
  • 10. 10 that the hebrew bible can say to oppress men and women that want to live their life in the free expression of a unisexual relation today.
  • 11. 11 SUMÁRIO INTRODUÇÃO....................................................................................................... 1 RELAÇÕES HOMOSSEXUAIS NA HISTÓRIA DAS CIVILIZAÇÕES.......... 1.1 A origem conhecida das relações homossexuais............................................... 1. 2 Relações homossexuais em relatos de mitologia.............................................. 1. 3 Grécia e Roma Antiga....................................................................................... 1. 4 A discussão da questão em momentos atuais.................................................... 1. 4. 1 Nos Estados Unidos....................................................................... 1. 4. 2 Na sociedade brasileira.................................................................. 1. 5 Questões, autores e obras contemporâneas....................................................... 2 SOBRE O CONTEXTO SÓCIO-HISTÓRICO.................................................... 2. 1 O Império Persa................................................................................................ 2. 2 A política de dominação persa.......................................................................... 2. 3 O campo e a cidade........................................................................................... 2. 4 A religião no Império........................................................................................ 2. 5 Simbologia aplicada ao texto............................................................................ 2. 5. 1 O símbolo por trás do templo......................................................... 2. 6 O templo como ideal de “exclusão”.................................................................. 3 ANÁLISE CRÍTICA DE LEVÍTICO 18,22 E 20,13........................................... 3.1 O “Código de Santidade”................................................................................... 3. 2 O capítulo 19 no “Código de Santidade”.......................................................... 3. 3 Os capítulos 18 e 20 em Levítico...................................................................... 3. 3. 1 O capítulo 18.................................................................................. 14 20 20 23 28 36 36 39 42 47 48 54 57 59 64 64 68 71 72 80 86 86
  • 12. 12 3. 3. 2 O capítulo 20.................................................................................. 3. 4 Estudo do texto proposto: Levítico 18,22 e 20,13............................................ 3. 4. 1 Levítico 18,22................................................................................ 3. 4. 2 Levítico 20,13................................................................................ 3. 5 Análise comparativa dos textos de Levítico 18,22 e 20,13............................... 3. 6 Considerações finais......................................................................................... 4 A DESCONSTRUÇÃO DA HOMOSSEXUALIDADE EM LEVÍTICO............................................................................................................... 4. 1 Levítico 18,22 e 20,13 na moldura sócio-religiosa do “Código de Santidade”................................................................................................................ 4. 2 A preservação da família no “Código de Santidade”........................................ 4. 3 A violência sexual como “abominação”........................................................... 4. 4 A relação unissexual não é proibida................................................................. CONCLUSÃO......................................................................................................... BIBLIOGRAFIA BÁSICA...................................................................................... BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR................................................................... 95 100 100 110 112 115 118 121 124 126 128 133 138 151
  • 13. 13 INTRODUÇÃO Um trabalho que abertamente trate do assunto da homossexualidade requer atenção especial. Muito possivelmente qualquer autor diria o mesmo de seu objeto de estudo, porém o assunto que fora a causa de grandes divergências sociais, de inúmeras problematizações teológicas e de várias atrocidades históricas, tem que ser trabalhado com atenção e cuidado diferenciado em relação aos demais temas. Este talvez seja o ponto chave do presente, uma dissertação exaustivamente preocupada com a atenção que requer o assunto da homossexualidade. Principalmente por estar diretamente ligado a assuntos bíblico- religiosos como é o caso aqui. O que segue é fruto de pesquisas bibliográficas, bem como pesquisas à internet, e até mesmo viagens de participação em congressos, nacionais e internacionais, com o desejo de um melhor, se não o mais apropriado, desenvolvimento do trabalho. Livros, artigos, dicionários, revistas, palestras, sermões, entrevistas e grande parte dos artigos disponíveis foram usados no presente. O presente é resultado da pesquisa teórica e de campo de seu idealizador, que em todos os momentos desejou manter firme seu desejo de trabalhar para encontrar no texto bíblico sua mensagem mais real. O trabalho a seguir é uma pesquisa exegética dos dois versos de Levítico: 18,22 e 20,13. Os versos analisados foram os dois versos causadores de revolucionários posicionamentos bíblico-sociais da questão da homossexualidade na história, motivando perseguições e delimitando um conceito anti-homoerotismo em escala universal. Por esse mesmo motivo é que se propõe uma análise dos versos em Levítico, pois os versos em questão foram, por vários séculos,
  • 14. 14 aplicados, usados e interpretados aleatoriamente em relação a um grupo de pessoas com práticas divergentes das consideradas normais, e que em nada correspondiam às abominações do texto bíblico. Por essa razão, há no trabalho a tentativa de desconstrução de sentido, sentido esse que indica não apenas a presença, das relações homoeróticas, como também sua severa condenação, a pena de morte, nos textos de Levítico 18,22 e 20,13. Esse tipo de leitura é, ainda em dias atuais, comumente aceita em círculos religiosos mais conservadores. O próprio título do trabalho apresenta em sua composição essa tentativa de desconstrução de sentido. O que se propõe com o presente é uma leitura alternativa dos versos e também de seu contexto literário mais próximo, ou seja, ler-se-á Levítico 18,22 e o 20,13 juntamente com seus capítulos e também o capítulo 19. O presente está dividido em introdução, quatro capítulos e conclusão. O capítulo primeiro (Relações homossexuais na história) contém uma vasta pesquisa bibliográfica histórica dos eventos mais importantes que marcaram a questão da relação unissexual na história da vida humana. Neste momento, voltar-se-á a tempos além narrativa bíblica, épocas que denunciam a existência dos relacionamentos homossexuais e seus desdobramentos no meio da sociedade local. Para melhor compreensão da questão neste capítulo, usou-se de textos de relatos de mitologia de povos próximos aos povos na Palestina. A pesquisa histórica tem por objetivo apresentar ao leitor não apenas o desenvolvimento da questão na vida da sociedade, fosse ela qual fosse, mas também revelar como se apresenta toda a discussão da matéria hoje. Para isso, autores contemporâneos são citados na parte final do capítulo, bem como suas obras e argumentação. Todo o trabalho do primeiro capítulo está focalizado no desenvolvimento histórico-social e também religioso do assunto da homossexualidade.
  • 15. 15 É interessante mencionar que a leitura histórica da questão faz revelar não apenas a importância do presente trabalho, mas também o situa em relação aos demais trabalhos científicos contemporâneos. O capítulo segundo (Sobre o contexto sócio-histórico) é parte fundamental na compreensão dos textos. É justamente o capítulo que dará base histórica para o posicionamento dos textos em seu contexto vivencial. Ou seja, os textos de Levítico são textos que foram escritos a partir de uma data e um local específico. Este capítulo abordará a que momento histórico ambos os textos remetem. Saber a localização histórica dos textos é parte essencial na metodologia do trabalho para compreender os mesmos em sua mensagem mais inicial. Este capítulo é instrumento de grande auxílio para que justamente se evite uma leitura textual desfocada da que o próprio texto pretende apresentar. A localização histórica do texto revela a mensagem em seu contexto de origem, seus destinatários, bem como todo o pano de fundo que motivou e influenciou a redação dos textos. O momento sócio-político internacional, bem como nacional, as relações com demais grupos na Palestina e fora dela marcam a relevância do capítulo. O terceiro capítulo (Análise crítica em Levítico 18,22 e 20,13) contém a análise exegética dos textos. Para reler o texto bíblico em dias atuais não se pode prescindir de uma cuidadosa exegese do texto antigo. Entende-se que o capítulo anterior fora parte integrante na análise exegética do texto, mas é com o complemento de outras abordagens científicas que se obterá resultados esperados. Para tanto, o capítulo conta com uma análise literária de todo o capítulo 18 e o capítulo 20. Nesta mesma análise percebeu-se que o capítulo 19 era importante para compreender a mensagem maior dos capítulos anterior e posterior. Após este momento tem-se a tradução e conceituação dos termos e palavras mais importantes nos versos.
  • 16. 16 Não se tem no trabalho uma abordagem de perícope, mas sim dos textos 18,22 e 20,13. Evidentemente que se apresenta o resultado da pesquisa dos capítulos 18-20, pois para a compreensão dos versos não se poderia omitir seus contextos mais próximos. O capítulo quarto (A desconstrução da homossexualidade em Levítico) leva o nome do título do trabalho. Este capítulo tende a ser o momento definitivo de toda a pesquisa, momento em que serão apresentadas, não apenas os resultados da pesquisa, mas também o ponto chave e central de todo o trabalho, o significado dos textos de Levítico 18,22 e 20,13 em seu contexto original e em dias atuais. Essa parte central e final da pesquisa apresentará assim, conclusões alcançadas, em decorrência dos passos estudados anteriormente, bem como intentará na argumentação da desconstrução do conceito de homossexualidade para a realidade contemporânea. Assim, o momento final do trabalho será ocupado com o desenvolvimento do título do mesmo. Os dois textos de Levítico foram escolhidos por apresentar a única suposta fórmula de condenação para pessoas homossexuais: e com homem não deitará ‘como se deita com mulher’ abominável é isto (18,22), e homem que deitar com homem ‘como se deita com mulher’ abominação fazem, os dois devem morrer, são mortos com seu sangue sobre eles (20,13). É evidente que alguma fórmula de condenação é apresentada nos versos, no entanto, essa mesma fórmula apresentada não esclarece com propriedade, não apenas quem são condenados à morte, como também quais práticas são condenáveis e em quais lugares e situações. Durante vários séculos homens e mulheres morreram debaixo dessa condenação, homens e mulheres que não correspondiam realmente aos condenados dos versos. Os próprios versos não esclarecem se apenas um ou ambos são condenados na relação, que tipo de relação é esta prevista no texto, qual o significado das proibições anteriores e posteriores aos versos, o que faz o texto dentro do “Código de Santidade”, se o texto faz qualquer referência a qualquer tipo de relação unissexual moderna, e por fim, evidenciar que nenhum tipo de relação homossexual feminina é mencionada no texto. Estas e outras questões serão abordadas no presente.
  • 17. 17 É importante destacar que o que se pretende com o presente não é ler os textos de Levítico 18,22 e 20,13 através de um viés queer, nem tão pouco repetir erros do passado e ler os mesmos textos bíblicos como justificação da condenação de homossexuais. Todavia, pretende-se fazer aqui, conforme escreveu Theodore W. Jennings Jr., uma leitura um tanto incomum do texto bíblico chamada: “leitura defensiva”1 . Assim, os textos de Sodoma e do próprio Levítico foram lidos no passado mais recente e serviram para ser melhores compreendidos nas comunidades de fé hoje. É interessante observar como os textos do Novo Testamento foram também melhores compreendidos depois de leituras defensivas dos demais textos bíblicos. São usados, no presente trabalho, termos diferenciados para os diferentes tipos de relacionamento sexual. A terminologia: homossexualidade e homossexual, já não corresponde mais a diversos anseios para outros tipos de relação. Com afeito, quando aparecer termos como homoafetivo e homofilia pretende-se referir ao relacionamento entre duas pessoas do mesmo sexo que não necessariamente use de contato físico. Quando se usar termos como homoerótico pretende-se mencionar o relacionamento entre duas pessoas do mesmo sexo que tenha contato físico. Termos como homossexual e unissexual fazem menção ao relacionamento entre duas pessoas do mesmo sexo de forma mais abrangente, ou seja, todo tipo de atividade sexual, de contato ou não, que exista. Chegara, então, o momento destes textos serem usados de forma apropriada em círculos religiosos e acadêmicos, bem como em comunidades cristãs. É por esta razão que se apresenta o trabalho, para que sirva de instrumento na desconstrução de um conceito erroneamente construído, para que sirva de instrumento na libertação de pessoas, homens e mulheres, e comunidades inteiras que outrora perseguidos, mas que agora gozam de liberdade religiosa. A bibliografia do trabalho apresenta em sua composição o que se chama de bibliografia complementar. Objetivou-se nesta área 1 Theodore W. Jennings Jr. Queer commentary and the Hebrew Bible. 2001, p.36.
  • 18. 18 apresentar uma ferramenta de auxílio à pesquisa que tratasse do tema da homossexualidade, bem como de obras atuais e de expressão para a pesquisa bíblica do mesmo.
  • 19. 19 1 RELAÇÕES HOMOSSEXUAIS NA HISTÓRIA DAS CIVILIZAÇÕES Apesar do número de homossexuais mortos no holocausto nazista ser pequeno em relação ao número de judeus mortos, provavelmente porque eram mais facilmente reconhecidos, recentes estudos contém clara evidência que a quantidade de representantes de minorias sexuais mortos nos últimos mil anos pode exceder aos seis milhões de judeus assassinados na segunda grande guerra. Se pudéssemos desenhar uma linha de casualidades históricas de Levítico a Hitler, poucos considerariam a bíblia um manual de ajuda para a vida moderna e muito menos um livro divinamente inspirado.2 - Thomas Hanks 1. 1 A origem conhecida das relações homossexuais Não é conhecida a origem das relações homossexuais na história. No entanto, afirma Wanda Deifelt que durante todos os períodos da história constata-se a existência de práticas homossexuais.3 Pode-se assim dizer que o homoerotismo e a homoafetividade, masculina e feminina, são existentes desde os primórdios da raça humana. Porém, escassas são as evidências históricas desse tipo de relação entre pessoas do mesmo sexo. Se o que se encontra hoje evidencia, de 2 Thomas Hanks. “Violence to the bible or inspired by the bible?” http://www.othersheep.com 20/02/2005. 3 Wanda Deifelt. “Os tortuosos caminhos de Deus: Igreja e homossexualidade.” Em: Estudos Teológicos. Nº. 1. 1999, p.37.
  • 20. 20 forma pouco substanciada, a homoerotização masculina, quanto mais escassos ainda são textos que esclarecem sobre a relação homossexual entre mulheres. Sabe-se que a sexualidade estava amplamente presente nos templos religiosos antigos, fossem estes sumérios, assírios, cananitas, babilônicos ou até egípcios. Algum tipo de relação unissexual havia e era comum entre os sacerdotes ou mestres de cerimônia religiosa. Sabe-se que nos templos sumérios os mesmos vestiam roupas de mulheres para serem revestidos de poderes pela deusa Ishtar, se prostituíam com homens freqüentadores dos templos para simbolicamente recolherem fértil sêmen da entidade, mas na prática, visavam manter financeiramente os templos. Acredita-se que garotos e homens, usados exclusivamente para tais práticas, passaram a ser explorados nos templos. Estes eram chamados no hebraico de qědōšîm, mais comumente traduzido por santos, veja alguns textos bíblicos para a ocorrência da palavra: I Reis 14,22-24, Deuteronômio 23,17-18. As evidências mais conhecidas da prática homoerótica nos períodos antigos estão, em sua maioria, relacionadas com o culto às divindades. Rituais religiosos relacionados à fertilidade4 envolviam em suas cerimônias atos sexuais. Se se acreditava que relações sexuais trariam fertilidade, depositar sêmen em outro homem, traria fertilidade duplicada.5 Como Baal era símbolo de fertilização dos deuses, este era sexualmente venerado. Observa-se, também, que um dos rituais religiosos mais predominantes nas culturas vizinhas a Israel era o “ritual de nudez” nos templos e os “rituais de masturbação” diante dos ídolos.6 Também é comum associar o culto de algumas divindades ao “falo” ou ao “pênis” com circunstâncias homoeróticas. Tammuz, na 4 Em cultos relacionados a fertilidade, ejaculava-se no chão acreditando que assim a semente jogada, penetrando a terra, entendida como fêmea, fazia com que os deuses perpetuassem uma terra fértil. Robert J. Buchanan. “Homosexuality in History.” http://hometown.aol.com/GraceEACA/chapter2.html 19/09/2003. Para mitologia relacionada ao culto da fertilidade ver: G. Del Olmo Lete. Mitos y Leyendas de Canaan. Segun la Tradicion de Ugarit. 1981. 5 Robert J. Buchanan. “Homosexuality in History.” http://hometown.aol.com/GraceEACA/chapter2.html 19/09/2003. 6 Rictor Norton. “Essays by Rictor Norton on the historical roots of homophobia from ancient Israel to the end of the middle Ages. 1 The Ancient Hebrews.” http://www.infopt.demon.co.uk/homopho1.htm.
  • 21. 21 Fenícia (Dumuzi na Suméria) era uma divindade consorte de Ishtar, também conhecida com Asherah. Adoradores de Tammuz acreditavam que ele era um bonito pastor e que também fora morto por uma besta selvagem. O culto a essa divindade envolvia símbolos fálicos ou réplica de pênis e se desenvolveu basicamente com rituais sexuais. Muitas vezes o culto a Baal também incluía símbolos fálicos. As torres de Ziggurat, na Babilônia, eram lugares associados a cultos religiosos com ampla divulgação de atividades sexuais relacionadas à masculinidade. Por fim, o deus grego Dionísio era venerado e seguido por homens conhecidos como Sátiros, que eram sempre representados com pênis ereto.7 Sabendo da existência de práticas sexuais diversas, os exilados que voltam da Babilônia procuram observar para que sua cultura não fosse absorvida pela cultura de povos vizinhos, que como visto, tinham a prática homossexual em rituais religiosos. Para que não houvesse essa absorção foram criadas leis, as quais mais tarde se constituíram no Levítico, que trouxera uma nova identidade ao povo em Judá. Uma das descobertas mais relevantes para a pesquisa da sexualidade ou homossexualidade na história aconteceu em 1964. Naquele ano, fora descoberta, pelo arqueólogo egípcio Ahmed Moussa, na antiga necrópolis de Saqqara, Egito, uma tumba um tanto quanto diferente das demais. Nela uma cena singular: dois homens num abraço eterno. Foi revelado que essa tumba fora construída para dois homens que viveram por volta de 2400 a.C. e que dividiam o título, “Os vigias dos(as) manicuras no palácio do rei”. Muitos dizem que eram gêmeos (homens), uns que eram irmão e irmã, outros amigos, porém é importante que se diga que sua representação é semelhante com demais representações de tumbas para casais heterossexuais, marido e mulher. Portanto, seria essa uma representação do primeiro casal masculino, unissexual, da história?8 Não se sabe muito sobre o retrato abaixo, mas fica como evidência que a tumba onde se encontrou o retrato fora construída para que 7 Robert J. Buchanan. “Homosexuality in History.” http://hometown.aol.com/GraceEACA/chapter2.html 19/09/2003. 8 http://www.egyptology.com/niankhkhnum_khnumhotep/. 28/09/2005. Ver também: http://en.wikipedia.org/wiki/khnumhotep_%26_niankhkhnum. 28/09/2005.
  • 22. 22 estes dois homens vivessem juntos e ali, agissem da forma que agissem, viveriam um relacionamento homossexual. Ilustração 1 1. 2 Relações homossexuais em relatos de mitologia Gilgamesh Na metade do século XIX, arqueólogos em escavação na cidade assírica de Nínive encontram e traduzem cartas cuneiformes escritas e conservadas em pequenas tábuas. Considera-se o achado como a mais antiga obra literária viva. O assim conhecido “Épico de Gilgamesh” relata a história de um semi- deus, dois-terços divino e um-terço humano. O relato toma lugar possivelmente no final do terceiro milênio a.C. Sabe-se de um Gilgamesh histórico que tenha governado Uruk, cidade da Mesopotâmia antiga, por volta de 2700 a.C.9 9 Raymond –Jean Frontain. “Gilgamesh.” http://glbtq.com/literatura/gilgamesh.html.
  • 23. 23 “Gilgamesh, filho do guerreiro rei Lugalbanda e da sábia deusa Ninsun.” Assim narra a primeira tábua do épico sumério.10 Essa narrativa chama a atenção para a relação homoerótica entre seu personagem principal e Enkidu. O qual teria sido criado para conter o desejo heterossexual opressor de Gilgamesh, o rei, por mulheres na comunidade. Dessa forma, o relato é estruturado no amor do heróico casal masculino Gilgamesh e Enkidu.11 O épico se inicia com a frase: “Eu proclamarei ao mundo as proezas de Gilgamesh”. As proezas deste semi-deus, listadas abaixo, oprimem e maltratam os moradores de Uruk: É Gilgamesh o pastor de Uruk, Ele é o pastor?... Gilgamesh não deixa uma filha pra sua mãe, A filha do guerreiro, a noiva do jovem homem, Os deuses continuam a ouvir suas reclamações, Os deuses imploram ao senhor de Uruk (Anu), Você trouxe a existência um poderoso touro selvagem, cabeça erguida, Não há rival que levante arma contra ele... Anu, escute essa reclamação, Então os deuses chamaram por Aruru: Foi você, Aruru, quem criou a humanidade? Agora crie um zikru para ele/isto. Permita que ele encontre um parceiro e deixe Uruk em paz.12 Observa-se no próprio texto que o plano para a criação de Enkidu funciona de diversas formas, primeiro ele impede Gilgamesh de entrar na casa dos noivos e atrapalhar a cerimônia religiosa, existe luta e depois eles se abraçam como amigos. Após, fazem uma jornada juntos pela floresta para se confrontarem com o terrível Humbaba, ali encorajam-se mutuamente para enfrentarem a morte triunfantemente.13 10 Siren, Christopher B. “Myths and Legends. The Assyro-Babylonian Mythology.” http://members.bellatlantic.net/~vze33gpz/assyrbaby1-faq.html 19/09/2003. 11 Para essa interpretação ver também artigo disponível on-line: http://pages.zoom.co.uk/lgs/gwint.html “The Gay history of planet earth. From Gilgamesh to Gertrude.” 27/09/2005. 12 Wolf Carnahan. “The Epic of Gilgamesh.” Edição eletrônica. 1998, http://www.ancienttexts.org/library/mesopotamian/gilgamesh/tab1.htm 28/09/2005. 13 Arthur A. Brown. “Storytelling, the meaning of life, and the epic of Gilgamesh.” 29/09/2005.
  • 24. 24 Uma das passagens do épico que mais revela o relacionamento entre Gilgamesh e Enkidu é esta: A mãe de Gilgamesh, o sábio, conhecedor de todas as coisas disse para seu filho: O machado que você viu (em sonho) é um homem, Que você o amará e o abraçará como esposa... Depois de Gilgamesh contar a Enkidu o sonho, os dois tiveram relações sexuais.14 Quando a presença de Enkidu, ao lado de Gilgamesh, e o relacionamento de ambos se torna ofensa aos deuses, a situação muda. Gilgamesh se recusa a casar com Ashtar, deusa do amor e da guerra. Para punir essa atitude, os deuses fazem adoecer a Enkidu e o matam. Então, Enkidu lamenta por não poder nunca mais olhar para seu “querido irmão” a quem ele chama de “água da vida”. A resposta de Gilgamesh à morte de Enkidu chama a atenção. Depois de observar o corpo por sete dias e sete noites ele veste o corpo sem vida com véu de noiva e ordena que uma estátua seja erguida em homenagem a Enkidu. O rei confessa: “depois que Enkidu se foi, minha vida é nada”.15 É evidente que o texto revela uma prática já existente e divulgada na sociedade, mas se tornará um dos mais antigos relatos de mitologia do gênero. O épico de Gilgamesh se tornou um arquétipo para os grandes casais heróicos da antiguidade. As palavras de Gilgamesh no funeral de Enkidu lembram outros textos antigos como a passagem bíblica de Davi e Jônatas, I Samuel 18-20.16 A sexualidade presente na cultura e no culto de povos antigos faz crer em uma ampla divulgação de práticas homoeróticas, principalmente 14 “The Epic of Gilgamesh.” http://www.ancienttexts.org/library/mesopotamian/gilgamesh/tab1.htm 28/09/2005. Uma outra tradução para a mesma passagem do épico é esta: “Mãe, tive um sonho. Nas ruas de Uruk, estava no chão um machado. Viu e fiquei contente. Inclinei-me, profundamente atraído para ele, e amei-o como a uma mulher. Esse machado que viste, que te atraiu tão poderosamente como o amor de uma mulher, é o companheiro que te dou”. Mais ao final, narra-se, após a luta e o primeiro encontro dos dois: “E então Enkidu e Gilgamesh abraçaram-se, e foi selada sua amizade.” “Gilgamesh, Rei de Uruk: Uma lenda bíblica.” 1992, p. 25ss. 15 Raymond – Jean Frontain. “Gilgamesh.” http://glbtq.com/literatura/gilgamesh.html 28/09/2005. 16 Raymond – Jean Frontain. “Gilgamesh.” http://glbtq.com/literatura/gilgamesh.html 28/09/2005.
  • 25. 25 masculina. Essas práticas estavam diretamente relacionadas a rituais de fertilidade, veneração a divindades, cultos funestos e demais rituais religiosos. Aquiles e Patroclus Os relatos de mitologia grega apresentam um amor diferente do usual, digno de análise no presente. Um dos maiores clássicos da literatura grega é Ilíada. Nesta obra dois personagens, Aquiles e Patroclus expressam, de alguma forma, o amor unissexual. Contudo, algumas considerações são pertinentes: a primeira se dá pela controvérsia existente no relacionamento desses dois personagens, pois não há nenhuma evidência de relacionamento sexual entre os dois, a segunda é que a narrativa não pertence ao padrão erastes-eromenos, (vide Grécia e Roma Antiga), pois Aquiles é o mais novo, mais bonito e o personagem dominante. Por fim, outra característica da narrativa está no fato que ambos têm relações com mulheres. Apesar do exposto, menciona-se que apesar de não haver existido o relacionamento sexual anal entre ambos, a homoafetividade estava presente. Uma passagem da narrativa explicita que Aquiles desejava que todos os outros guerreiros estivessem mortos menos ele e Patroclus para que fossem glorificados na vitória contra os Troianos. Sabe-se pela narrativa que a vitória grega fora apenas possível pelo desejo de vingança de Aquiles em relação à morte de seu amante, mostrando que seu amor pelo mesmo fora determinante para o desfecho final da narrativa. Apesar de em momento nenhum o autor deixar claro essa opção para o enredo. Fosse qual fosse a intenção de Homero, se ele é autor do texto, Aquiles ficara popular em tempos mais tarde, não apenas por sua habilidade bélica, mas também por ser um herói e companheiro de guerra perfeito, quando se sacrifica para salvar Patroclus. Quando Patroclus morre no campo de guerra Aquiles não permite que seu amante seja enterrado, mas permanece chorando e lamentando sua morte. Sua mãe intervém e diz: “Meu filho, até quando permanecerás a chorar
  • 26. 26 lágrimas de lamento e pranto, esquecendo a comida e o sono? Dormir com mulheres também é algo muito bom”.17 Quando Aquiles chora a morte de seu companheiro ele menciona “muitos beijos” e a “santa união de nossas coxas”.18 A figura abaixo ilustra Aquiles tratando os curativos de Patroclus. Ilustração 2 Apolo e Hyacintus Outra história de mitologia grega é a vivida pelos dois personagens mencionados acima. Hyacintus o filho mais novo do rei de Esparta, tão bonito quanto os deuses do Olimpo, era amado pelo deus Apolo19 , considerado deus do arco de prata, senhor das horas claras, pai do entusiasmo, da música, da poesia, da saúde e da fecundidade.20 Narra a história que o deus Apolo geralmente descia às margens do rio Eurota para passar tempo com seu garoto de companhia e desfrutar 17 http://www.androphile.org/preview/Library/Mythology/Greek/GreekMythology.htm. 16/02/2006. 18 http://www.glbtq.com/. 19/02/2006 19 Apolo, para os gregos, era o deus brilhante da claridade do dia, revelava-se no sol. Zeus, seu pai, era o céu de onde nos vem a luz, e sua mão, Latona, personificava a noite de onde vem a aurora, anunciadora do soberano senhor das horas douradas do dia. Mário Meunier. A Legenda Dourada: Nova Mitologia Clássica. 1961, p.31. 20 Mário Meunier. A Legenda Dourada: Nova Mitologia Clássica. 1961, p.38.
  • 27. 27 dos prazeres dessa relação. Apolo levava o garoto para caçar e praticar ginástica, a propósito, os moradores de Esparta são conhecidos pela habilidade de praticar ginástica, em virtude dessa amizade entre Apolo e o garoto. A vida simples de Hyacintus provocou em Apolo um aumento de seu apetite sexual. Apolo deu ao menino todo seu amor, esquecendo que o mesmo era um simples mortal. Não obstante, em uma tarde de verão quando ambos andavam nus pelo bosque, Apolo resolveu mostrar ao garoto sua força. Lançando um disco no céu que fora alto e cada vez mais alto. Hyacintus resolveu então, mostrar a Apolo que apesar de mortal não era fraco e correu em sua direção, porém o disco que Apolo lançara fora tão alto que quando tocou o solo o fez com violência e inesperadamente atingiu Hyacintus na cabeça, o qual morreu instantaneamente. Apolo segurou seu amigo ensangüentado no peito, foi então que Apolo disse: “Em meu coração você viverá para sempre, lindo Hyacintus. Que sua memória viva para sempre entre os mortais também.”21 Abaixo uma foto desse momento homoafetivo entre os dois. Ilustração 3 1. 3 Grécia e Roma Antiga 21 http://www.androphile.org/preview/Library/Mythology/Greek/GreekMythology.htm. 16/02/2006.
  • 28. 28 O que se vê na Grécia Antiga é um costume bem diferente dos demais lugares já observados. Apesar do termo homossexual ser de recente criação, 1869, por Karoly Maria Benkert na Hungria, sua prática era bastante comum. Anteriormente não havia uma palavra que descrevesse a relação homossexual, ela era parte da expressão do amor afrodisíaco. O qual incluía homens e mulheres. A homossexualidade na Grécia era praticada em escala universal e quase universalmente aceita como expressão sexual comum da vida cotidiana. Não existia, na época, no sentido em que se entende hoje, grupos de pessoas que se classificavam ou classificavam os outros como homossexuais ou heterossexuais. Em decorrência dessa não classificação, não existia a mesma incompreensão, nem a desaprovação existente hoje. Pensar em práticas homossexuais na Grécia é também pensar no deus Dionísio22 , filho do deus Zeus com a personificação da terra Sêmele. Antes de tornar-se inventor do purpúreo licor que escorre da uva Dionísio foi considerado, segundo se acredita, no deus da seiva que floresce nas árvores e nos vegetais.23 Tanto o deus Dionísio quanto seus seguidores, chamados “Sátiros”, são ilustrados em grandes festas e facilmente associados às práticas homossexuais como mostrado nas figuras24 abaixo: 22 O deus Dionísio era conhecido como o deus do vinho. Mário Meunier escreve: “Aconteceu, entretanto, que um dia Dionísio colheu, na vinha que decorava com parra as paredes da gruta, pesados cachos maduros. Espremeu-lhes o suco numa taça de ouro e fez, assim, escorrer, pela primeira vez, a majestade líquida do púrpuro vinho. Desde que experimentou o divino néctar que espanta a fadiga, convidou as ninfas, as amas e todos os Gênios das florestas, das fontes e das montanhas a compartilharem de sua alegria (...) O vinho acabara de nascer (...) Glória ao deus que acabara de descobrir a única beberagem capaz de dissipar os aborrecimentos e as penas dos mortais aflitos.” A Legenda Dourada: Nova Mitologia Clássica. 1961, p.105. 23 Mário Meunier. A Legenda Dourada: Nova Mitologia Clássica. 1961, p.103. 24 A revelação de um homem bêbado entre os “Sátiros”, homem de aspectos bestiais. Todos os “Sátiros” estão com o pênis ereto e o homem do lado esquerdo penetra o jarro de vinho, sugerindo uma interrelação entre bebida e ereção do membro sexual masculino. A datação aproximada para a pintura é 510 a.C. Esta figura mostra homens engajados em sexo anal e orgias. A datação provável para a pintura é 560 a.C. http://www.utexas.edu/courses/cc348hubbard/
  • 29. 29 Ilustração 4 Ilustração 5 Também, como cita Michael Grant, o deus Dionísio tinha como elemento de seu culto práticas de orgias sexuais que não eram apenas amplamente divulgadas na Grécia Antiga como também violentas. Essas práticas cultuais tinham naturais afinidades com elementos orgiásticos de cultos de fertilidade na região do Oriente Antigo.25 25 Michael Grant. Myths of the Greeks and Romans. 1995, p.247-248.
  • 30. 30 O que chama a atenção, nos relatos de mitologia grega, é quanto ao possível início das relações homossexuais. Apesar de não haver consenso sobre o assunto, sugere-se que a pederastia tenha sido de fundamental importância na divulgação da prática sexual entre pessoas do mesmo sexo. Alguns autores sugerem que a pederastia tenha surgido em Dorian, última tribo a imigrar para Grécia, os que apóiam a teoria dizem que os homens mais velhos seqüestravam adolescentes. Com a divulgação dessa prática na cidade de Esparta e Tebes, os soldados começaram a cuidar de recrutas novatos, assim, enquanto em campo de batalha estivessem um ao lado do outro, definitivamente permaneceriam fiéis até a morte. Não apenas isso, mas o amor entre os homens era honrado e visto como garantia da eficiência militar e liberdade civil. Em várias inscrições, vasos, figuras, observa-se dois homens em atividade carinhosa, neles o mais velho, erastes, com barba, é quem guia o mais novo, eromenos, na relação. Como mostram as figuras26 abaixo: Ilustração 4 26 A primeira figura mostra duas imagens masculinas com pênis ereto segurando as mãos. Os dois usam capacetes, sugerindo situação militar. Mas um é significamente menor que o outro significando mentoriamento do parceiro menor pelo maior. Poderia esta imagem representar uma cena de pederastia? A datação mais provável para a figura é o 7º século a.C. A segunda figura mostra um jovem, segurando uma lança, um pouco mais alto e mais velho em comparação ao que está próximo. Poderia, também, está imagem ilustrar um tipo de pederastia? Citado em: http://www.utexas.edu/courses/cc348hubbard/
  • 31. 31 Ilustração 5 Esse tipo de relação se tornou fonte de inspiração na Grécia antiga. A poesia temática e a arte eram aplaudidas nas assembléias e nos teatros. Os filósofos encorajavam a procura por um mentor-amante. Nas escolas também havia esse tipo de relacionamento professor-aluno que indicasse homoafetividade. A figura27 abaixo é testemunho desse tipo de prática nas escolas. 27 Na figura, dois garotos estão em sala de aula, um lendo um livro e o outro segurando a lira. Note a nudez do tocador de lira, sugerindo alguma erotisação na cena. De autoria de Shuvalov Painter do ano de 440 a.C. Citado em: http://www.utexas.edu/courses/cc348hubbard/
  • 32. 32 Ilustração 6 Em Roma, a idealização do homossexualismo é diferente do que fora previamente observado na Grécia. A homossexualidade no passado, em Roma, não era a mesma homossexualidade pensada como hoje. O homoerotismo masculino não era condenado, desde que o relacionamento fosse com escravos, o que era socialmente aceitável. Assim, essa associação criou o papel do passivo na relação, ou seja, era inaceitável que qualquer cidadão romano abrisse mão de sua posição de dominante e se subjugasse a um escravo. Era comum homens romanos terem relações sexuais anais com demais homens, desde que esses fossem os penetradores e os penetrados fossem inferiores ou escravos. A relação homossexual no Império Romano estava à disposição dos prazeres masculinos dos homens livres. Esses poderiam abusar de, preferencialmente um garoto escravo, no momento que desejassem, desde que fosse escravo. Parece haver grande diferença no conceito de homossexualidade da época romana em relação ao modo de se entregar ao sexo anal. Assim, se qualquer tipo de relação sexual anal fugisse do convencional: o homem livre por cima e o escravo como o parceiro receptivo, o momento seria constrangedor para o homem livre se o
  • 33. 33 mesmo fosse pego como passivo na relação. Assim como aconteceu com Julio César, citado por Seutonius, quando se entregou ao rei Necomedes da Bitinia. O mesmo passou a ser chamado entre outras coisas de: a rainha da Bitinia.28 É relevante notar que ninguém fez piadas por Julio César ter-se dormido com Necomedes, mas de como tudo aquilo havia acontecido. Lourdes M. G. Conde Feitosa, no artigo “Gênero e o ‘erótico’ em Pompéia” escreve: A questão da masculinidade romana tem sido muito discutida, e uma idéia que se firmou nos últimos anos em relação ao comportamento sexual no mundo greco- romano, durante o final da República e o início do Império, é que as categorias homo e heterossexuais são instrumentos analíticos inadequados, sendo substituídos por funções de passivo e ativo. Baseados em fontes literárias, aristocráticas, diversos estudos apresentam o “homem romano” como aquele que não deveria ser objeto de prazer de outros, seja de outro homem ou de outra mulher, e tanto felação como cunilíngua aparecem como atos degradantes (...) A pederastia constituía pecado menor, desde que fosse a relação ativa de um homem livre com um escravo ou um homem de baixa condição.29 Ainda que não mencione homossexualidade, Pedro Paulo Funari escreve que o membro masculino em ereção era associado, na antiguidade clássica, à vida, à fecundidade e à sorte. A própria palavra falo, emprestada pelos romanos aos gregos, designava, primordialmente, objetos religiosos em forma de pênis usados no culto ao deus Baco. O mesmo autor escreve que o falo não apenas tinha esse poder simbólico-religioso, como também servia de objetos de decoração nas casas, em áreas públicas, nos tijolos e paredes.30 Vê-se que a importância do membro masculino na sociedade romana era, pelo menos, diferente de demais sociedades antigas. 28 http://personal.monm.edu/RBAY/homosexuality_in_rome.htm 17/01/2006. 29 Lourdes M. G. Conde Feitosa. “Gênero e o ‘erótico’ em Pompéia.” Em: Amor, desejo e poder na antiguidade. Relações de gênero e representações do feminino. 2003, p.303. 30 Pedro Paulo A. Funari. “Falos e relações sexuais: representações romanas para além da ‘natureza’. Em: Amor, desejo e poder na antiguidade. Relações de gênero e representações do feminino. 2003, p.319.
  • 34. 34 Ainda na época do Império Romano, sabe-se de práticas que envolvessem a homossexualidade feminina, como escreve Theodore Jennings: “o culto ao deus Dionísio envolveu práticas homossexuais entre as mulheres na Grécia e essa prática pode ter continuado, na Roma Antiga, quando esse culto foi importado sob o nome do deus Baco. A evidência dessa transição pode ser encontrada nos escritos de Livy sobre a descoberta e a supressão do plano chamado Bacchanalian em Roma durante o ano de 186 a.C.”.31 A partir do advento do cristianismo, inicia-se uma era incomum. Com o cristianismo não apenas a prática unissexual como também seus praticantes são condenados. Constantino, primeiro imperador romano cristão, exerceu sua autoridade exterminando sacerdotes efeminados, por investigação de Filo. Assim, especialmente com Filo de Alexandria a perseguição por homossexuais ganha expressão, o mesmo escreve: “Homens efeminados não devem viver nem mais um dia, nem mais uma hora”.32 Em 14 de Maio de 390 a.C. um decreto imperial fora colocado na parede romana de Minerva, lugar de confraternização de atores, escritores e artistas. Este decreto condenava aqueles que eram identificados como homossexuais, o que jamais havia acontecido na história do direito. A pena prevista era a morte e morte na fogueira.33 A igreja cristã desenvolvendo seu regime ganha vasto poder na educação, na moral, na família e na política social. Uma conseqüência disso fora a imposição da ética sexual judaica-cristã no Império no lugar da moral helênica-pagã. Evidentemente isso era má notícia para os homossexuais.34 Seguindo Filo aparecem Tertuliano, Eusébio e alguns autores da Constituição Apostólica. Por volta de 390 Teodósio, imperador romano, se sente incumbido de livrar Roma do “veneno da vergonha efeminada”.35 Na Idade Média a homossexualidade é chamada de a “heresia do espírito” e “heresia da carne”. Como resultado, muitas fraternidades 31 Theodore W. Jennings Jr.. Jacob’s Wound: Homoerotic Narrative in the Literature of Ancient Israel. 2005, p.223. Citando: Livy. The history of Rome 38-39. Cambridge: Harvard University Press, 1936, p.240-275. 32 Louis Crompton. “Homosexuality and Civilization.” 2003, p.537. 33 “The Historic Origins of Church Condemnation of Homosexuality.” Em: http://www.well.com/user/aquarius/rome.htm 17/01/2006. 34 http://www.edam-carr.net/014.html / 17/01/2006. 35 Louis Crompton. “Homosexuality and Civilization.” 2003, p.537.
  • 35. 35 religiosas e cidades inteiras se envolvem na busca pela ordem do recém inaugurado projeto papal, a Inquisição. Neste período sansões contra a homossexualidade encontram base nos ensinos cristãos. Nenhuma outra razão é dada à força da perseguição, senão chamar abominação o deitar com homem como se fosse mulher, Levítico 18,22 e 20,13.36 Os textos de Levítico são amplamente usados para não apenas condenar de morte seus praticantes como também para culpá-los de catástrofes, terremotos e eventos epidêmicos. Em período mais recente, já com reformadores em destaque, percebe-se opressões e execuções. Uma delas é sob o comando de João Calvino e seus sucessores em Genebra. Historicamente, cruzadas contra hereges, bruxas, muçulmanos, judeus, mataram muitos mais que a caçada a homossexuais, lembrando que todas elas tinham sustentação bíblico-cristã.37 1. 4 A discussão da questão em momentos atuais 1. 4. 1 Nos Estados Unidos O que mais chama a atenção nos Estados Unidos da América do Norte, entre todos os movimentos surgidos no início do século XX, todas as descobertas científicas e todos os posicionamentos político-sociais, fora a divulgação em 1948 do “relatório Kinsey”, feito por Alfred Kinsey, sob o título: Sexual Behavior in the Human Male surpreendendo quase todos os norte americanos pela constatação que 4% de todos os homens pesquisados consideravam-se exclusivamente homossexuais e que 37% dos mesmos já haviam tido qualquer tipo de experiência sexual com outro homem.38 36 Escreve o mesmo autor que em nenhum outro lugar mais homossexuais morreram do que na Espanha, durante os anos de severa atividade da inquisição espanhola. Em Aragon, Catalunha e Valência mais de 1000 homens foram acusados de “sodomia” e em algumas décadas mais morreram por heresia sexual do que doutrinária. Louis Crompton. “Homosexuality and civilization.” 2003, p.538. 37 Louis Crompton. “Homosexuality and civilization.” 2003, p.540. 38 http://edweb.sdsu.edu/people/cmathison/gay_les/ev5064.html
  • 36. 36 Outro sim, que há um grupo de 46% que mostra uma grande variação na orientação sexual entre a heterossexualidade e a homossexualidade. 25% dos homens entre 16 e 25 anos tiveram mais do que apenas experiências unissexuais isoladas, sendo que durante três anos reagiram com sentimentos homossexuais. Segundo o “relatório Kinsey”, mais homens heterossexuais do que homossexuais relatam que a sua primeira experiência sexual foi com um homem ou rapaz, (62% contra 39%).39 Essa constatação chamava a atenção para uma realidade diferente da imaginada até o momento. Havia mais gays homens e mulheres do que se imaginava e se esperava no país. Mais tarde o mesmo autor divulgou outro livro sob o título: Sexual Behavior in the Human Female. O chamado “relatório Kinsey” continua a ser o maior estudo já conduzido sobre a sexualidade humana. Com essa realidade um pouco diferente, foram surgindo movimentos gays alternativos no seio da sociedade. Movimentos que principalmente deram força e vitalidade a um novo tipo de expressão sexual na sociedade: a de “sair do armário”. Porém, pode-se dizer que paralelamente surgiram também os movimentos anti-homossexualidade que agiram e mataram nos Estados Unidos. Lá o número de suicídios entre os jovens gays foi maior que em qualquer outro lugar. O comportamento social norte americano, pode-se dizer, evoluiu para um status de liberdade de expressão sexual. Algumas datas e eventos marcaram essa evolução. Em 1947 surge a primeira revista lésbica nos Estados Unidos: Vice-versa. Em 1969 começou a se formar um movimento político para defender os direitos humanos de homens e mulheres gays. No mesmo ano, em Nova York, ocorre a primeira organização política, a partir da rebelião de Stone Wall, um protesto em massa da comunidade gay confrontando a violência exercida 39 Christoph Scheneider-Harpprecht. “Homossexualidade na perspectiva da teologia prática.” Em: Estudos Teológicos. Ano 39. N°1. 1999, p.67-68.
  • 37. 37 pela polícia contra os mesmos. Em 14 de outubro de 1979 ocorre a primeira marcha nacional em Washington D.C., mais de 100 mil pessoas participam.40 Não se pode dirimir a importância desses movimentos no seio da comunidade norte americana, pois foram essas expressões sociais que motivaram a legitimação da comunidade gay nacional e internacional. Até que houvesse essa maciça manifestação do movimento de “sair do armário” homossexuais, homens e mulheres, sofreram violências, discriminação, maus tratos e opressão.41 Pode-se ainda dizer que há lugares em todo o mundo que pessoas homossexuais são discriminados hoje. Com todos esses movimentos e protestos do movimento gay, houve consideráveis avanços para o desenvolvimento de uma sociedade livre de preconceitos. Assim, conseguiu-se que a Associação Psicológica Americana retirasse a homossexualidade masculina e feminina do Manual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais, do seu código oficial de doenças mentais. Outra medida considerada de grande sucesso para o movimento tem a ver com o casamento homossexual. Um grande desejo das pessoas do mesmo sexo que vivem juntas era o de ter sua união oficialmente aceita pelo Estado. Essa luta começou na década de 1970, teve avanços consideráveis nos anos 1980, mas fora no final do século passado e no início deste que algo realmente mudou em favor daqueles que buscavam reconhecimento de sua união. Em 12 de fevereiro de 2004 o prefeito de São Francisco, cidade da Califórnia, ordenou que fossem emitidas licenças matrimoniais para casais do mesmo sexo. Desde então inúmeros outros estados seguiram seus passos. Inclusive o Estado de Massachusetts que atualmente reconhece o casamento civil homossexual.42 É interessante também saber do envolvimento das igrejas protestantes e católicas com o movimento homossexual. Mais de 40 estados americanos possuem igrejas que apóiam o movimento gay. Apenas na Califórnia são 40 Christoph Scheneider-Harpprecht. “Homossexualidade na perspectiva da teologia prática.” Em: Estudos Teológicos. Ano 39. N°1. 1999, p.63. 41 Christoph Scheneider-Harpprecht. “Homossexualidade na perspectiva da teologia prática.” Em: Estudos Teológicos. Ano 39. N°1. 1999, p.63. 42 http://www.nolo.com/article.cfm/objectID 21/02/2006.
  • 38. 38 567 igrejas oficialmente abertas à pessoas que vivem em relações unissexuais. No Estado de Massachusetts são 111 igrejas.43 Entre as confissões que dão apoio estão: Igreja Metodista, Igreja Episcopal, Igreja Mórmons, Igreja Anglicana, Igreja Presbiteriana, Igreja Menonita, Igreja Batista, Igreja Luterana, Igreja Católica Romana, Igreja Adventista do Sétimo dia, Igreja Metropolitana da Comunidade, Igreja da Aliança Pentecostal e outras.44 É importante mencionar que nem todas as igrejas locais pertencentes a essas confissões dão total apoio a pessoas homossexuais e que em algumas dessas confissões apenas as igrejas locais apóiam ou dão suporte ao movimento. Em 1970 discutiu-se o primeiro documento no plenário da Assembléia Geral da Igreja Presbiteriana nos Estados Unidos sobre a matéria referente a questões sexuais e homossexuais, o documento tinha o seguinte título: Sexuality and the human community, em 1976 o segundo documento, com o seguinte título: The church and homosexuality.45 Desde então a Igreja se vê imbuída na discussão da matéria. Atualmente a Igreja Presbiteriana nos Estados Unidos não discrimina qualquer tipo de “categoria” baseada em diferentes opções sexuais, incluindo gays homens e mulheres, bissexuais e transexuais para ordenação de presbíteros e diáconos. Quanto aos casamentos homossexuais a Igreja Presbiteriana permite e reconhece a celebração do que se chama: same-gender holy union, celebração matrimonial que confere ao casal a benção da igreja. No entanto, ainda não permite e nem reconhece a: same-gender marriage cerimony,46 celebração matrimonial que envolve questões civis. 1. 4. 2 Na sociedade brasileira Na sociedade brasileira tem-se algo um pouco diferente do que se vira nos Estados Unidos. Pode-se afirmar que a diferença principal é o atraso no processo de diálogo e de livre expressão da sexualidade em uma sociedade 43 http://www.gaychurch.org/Find_a_church/united_states 21/02/2006. 44 http://www.angelfire.com/az/christiangaynet/USA.html 21/02/2006. 45 http://www.gaychurch.org/Find_a_church/united_states 21/02/2006. 46 http://www.mlp.org/resources/mlp-faq.htm 21/02/2006.
  • 39. 39 que possui membros considerados ou tidos como homossexuais na mesma proporção que em qualquer outro lugar no mundo. A perseguição nessa porção sul do hemisfério fora sustentada até as primeiras décadas do século XX, momento que a homossexualidade ainda era considerada crime, doença física e mental. Os Estados Unidos, juntamente com alguns países na Europa é que serão precursores de uma voz libertadora, porém dissonante a favor da minoria sexual oprimida. No entanto, apenas no final da década de 1970 e início da década de 1980 é que se assiste, principalmente no Brasil, um fortalecimento da luta pelos direitos humanos de gays, lésbicas, travestis, transgêneros e bissexuais (GLTB). O ano de 1977 pode ser considerado como a data inicial do movimento homossexual brasileiro. Neste ano fora convidado para palestrar em alguns lugares no Brasil o editor do Gay Sunshine, Winston Leyland. Motivados por esse evento alguns intelectuais do Rio de Janeiro e de São Paulo fundam em Abril de 1978 o primeiro jornal homossexual brasileiro: “O Lampião”, o qual serviu de veículo e esforço para no ano seguinte ser fundado o primeiro grupo brasileiro de militância gay o: “Somos”, que contou com a participação de diversos autores de renome no circuito nacional, entre eles Glauco Matoso. Atualmente, há cerca de 140 desses grupos espalhados por todo o território nacional. Atuando em áreas como a saúde, a educação e a justiça, sem mencionar a religião. Os homossexuais brasileiros organizados têm enfrentado uma trágica, porém, histórica situação de discriminação e marginalização em que foram colocados no seio da sociedade, bem como em toda América Latina. Entretanto, quase nada mudou no conceito da homossexualidade entre os períodos da Idade Média e hoje. Muitas formas de violência tem sido evidenciadas entre pessoas homoeróticas. Algumas envolvem familiares, vizinhos, colegas de trabalho, de escola, forças armadas ou polícia. Pesquisas recentes sobre a violência que envolve essas pessoas dão uma idéia mais precisa sobre as dinâmicas mais silenciosas da homofobia, que englobam a humilhação, a ofensa e a extorsão. Mulheres homoeróticas são as mais vulneráveis à
  • 40. 40 violência doméstica. Ainda, mostrou uma pesquisa feita pela UNESCO que, na escola, professores tendem a não apenas se silenciarem frente a homofobia, como também a incentivá-la.47 A sociedade brasileira, como observado acima, vê-se em desenvolvimento no que diz respeito à discussão da homoeroticidade, masculina e feminina. No entanto, a igreja cristã, no Brasil e na América Latina, de forma geral, nem se quer iniciou essa discussão, com poucas exceções. Wanda Deifelt escreve que dentro das igrejas carecemos de uma discussão séria sobre a relação unissexual e para compreender a questão ela propõe questionamentos sexuais no tratamento da sexualidade como um todo, ela escreve: “veja: se deixarmos de ver a heterossexualidade como norma absoluta e encararmos a homossexualidade como expressão legítima da sexualidade humana, vamos ter a oportunidade de dialogar sobre os valores que guiam nossas atitudes em relação ao sexo, e assim ao relacionamento humano”.48 Ainda, quando se trata das igrejas brasileiras nota-se, segundo Luiz Mott, que: “em questões político-sociais as igrejas brasileiras cristãs são jovens e arrojadas, mas em questões de moral sexual continuam dominadas pelas trevas da intolerância”.49 Com efeito, há a necessidade de usar a leitura da bíblia nas comunidades como instrumento na libertação de pessoas eroticamente escravizadas por sua opção sexual. A leitura de textos bíblicos tem mostrado o sexo e a sexualidade como algo perigoso, caótico e demoníaco. David Carr, professor de Antigo Testamento no Union Theological Seminary, Nova York, escreve que essa leitura anti-sexual sofreu influência de elementos da tradição grega que pregava a pureza sexual, talvez influenciados pelo trabalho de Platão: “A República”, que mencionava: “a única maneira da alma alcançar a liberdade do caos de prazeres temporários como o sexo, era direcionar os desejos aos deuses, beleza e verdade”. O 47 Em: “Brasil Sem Homofobia. Programa de combate à violência e a discriminação contra GLTB e de promoção da cidadania homossexual. Normalização; Maria Amélia Elisabeth Carneiro Veríssimo. Ministério da Saúde/Conselho Nacional de Combate à Discriminação, Secretaria Especial dos direitos Humanos.” 2004, p.15-18. 48 Wanda Deifelt. “Os tortuosos caminhos de Deus: Igreja e Homossexualidade.” Em: Estudos Teológicos. Ano 39. N°1. 1999, p.46. 49 Luiz Mott. “A igreja e a questão homossexual no Brasil.” Em: Mandrágora. Religião e Homossexualidade. 1999, p.37-41. Citando Jacobo Schifer & P. J. Madrigal. Psiquiatria y homofobia. 1997.
  • 41. 41 movimento Estóico, continua David Carr, também encorajava a cultivação do aphateia, a liberdade de ser movido por qualquer paixão.50 Apesar de toda a influência sofrida é bom saber que, segundo Scheneider-Harpprecht: “a bíblia desconhece a prática homoerótica e a prática homoafetiva entre parceiros iguais que tenham os mesmos direitos e consintam quanto a sua ação. Assim, não se pode aplicar a rejeição bíblica da prática homoerótica sem restrições à realidade contemporânea”.51 1. 5 Questões, autores e obras contemporâneas Usar os textos bíblicos para rejeitar práticas unissexuais é algo que carece de atualização, pois diversos autores têm encontrado na bíblia, Antigo e Novo Testamento, textos que permitem leituras homoafetivas como, por exemplo: Mona West, uma das pastoras de uma das maiores igrejas para homossexuais no mundo Spiritual Life at the Cathedral of Hope que no artigo: Outsiders, Aliens, and Boudary Crossers. A queer reading of the Hebrew Exodus, escreve que assim como a história dos hebreus no deserto tem sido contada e recontada como fonte de inspiração para povos escravizados, assim também servirá para nós: “é recontando histórias de nossas saídas, fugas, transformações que iniciaremos um movimento de passagem da escravidão para a liberdade, morte para a vida.”52 Outro exemplo de uma leitura queer da bíblia hebraica é proposta por Theodore W. Jennings Jr., em seu artigo: YHWH as erastes. Nesse artigo o autor propõe uma leitura queer do relacionamento de YHWH com Davi, o rei. A argumentação de Theodore Jennings é baseada na relação de amante erastes e amado eromenos em culturas que sugerem um paralelo de situação militar. Ou seja, 50 David M. Carr. The erotic word. Sexuality, spirituality, and the bible. 2003, p.5. 51 Christoph Scheneider-Harpprecht. “Homossexualidade na perspectiva da teologia prática.” Em: Estudos Teológicos. Ano 39. N°1. 1999, p.70. 52 Mona West. “Outsiders, aliens, and boundary crossers: a queer reading of the Hebrew exodus.” Em: Take back the word. 2000, p.71.
  • 42. 42 Davi é o guerreiro aprendiz dentro da estrutura social bélica (I Samuel), e YHWH é o chefe, guerreiro, que tem em Davi a companhia do jovem aprendiz.53 Também, Michael S. Pizza faz uma leitura queer do livro de Neemias para sua comunidade, The Cathedral of Hope. Ele é o pastor principal da maior e mais antiga igreja para homossexuais nos Estados Unidos, igreja fundada em Dallas em 1970. A leitura que o autor faz no artigo: Nehemiah as queer model for the servant leadership é análoga à vida de milhares de homossexuais que não possuem morada para si. São incontáveis homens e mulheres vulneráveis às implacáveis críticas de religiosos fundamentalistas. A situação destes hoje é, de acordo com o autor, semelhante ao povo que retorna do exílio e não possui lugar de paz e segurança. Assim como Neemias, o eunuco, que fora chamado para reconstruir a cidade de Jerusalém, sem muros e sem proteção, o autor revela que fora chamado para construir uma comunidade de abrigo e proteção aos gays de hoje, sua comunidade de fé.54 A conceituação do termo queer é de fundamental importância para o presente estudo. A palavra fora primeiramente usada pelo historiador George Chauncey. Em momentos entre o final do século XIX e a Segunda Grande Guerra, existe a necessidade de se denominar um grupo de homens que apreciavam se relacionar sexualmente com demais homens e também mulheres, estes não eram chamados heterossexuais e nem homossexuais, passam assim a serem chamados de queers.55 Quando se faz uso do termo em relação aos escritos bíblicos quer-se tentar um tipo de leitura diferenciada, da bíblia, das demais leituras existentes hoje. Por exemplo, como escreve Theodore Jennings Jr., esse tipo de leitura procura mostrar como um texto aparece, ou é lido, quando visto de um outro angulo ou perspectiva. Essa não é uma questão do que todos devem ver no texto, mas de o que pode-se ver em relação aos demais tantos outros pontos de vista. Essa não é 53 Theodore W. Jennings Jr. “YHWH as Erastes.” Em: Queer commentary and the Hebrew Bible. 2001, p. 39-42. 54 Michael S. Pizza. “Nehemiah as queer model for the servant leadership”. Em: Take back the word. 2000, p.115. 55 Ken Stone. “Lovers and raisin cakes: food, sex and divine insecurity in Hosea.” Em: Queer commentary and the Hebrew Bible. 2001, p.14.
  • 43. 43 uma situação de questionar ou legitimar a homossexualidade, porém de apenas reconhecer a possibilidade da existência de uma leitura queeriana ou diferente da bíblia.56 Laurel C. Schneider escreve que a leitura queer da bíblia é uma leitura daqueles que estão de fora57 , ou seja, de um grupo, certamente a minoria que deseja ler textos bíblicos em seu próprio ponto de vista. Também, uma leitura estritamente homoerótica do texto bíblico não responderia a questionamentos vigentes, como por exemplo, quanto à situação dos transexuais e bissexuais. Marcella M. Althaus-Reid propõe, também, o uso do termo queer, como definição um pouco diferente da anterior. Queer, para Marcella Althaus-Reid, é um movimento marginal que deseja permanecer de alguma forma marginal para contestar o discurso heterossexual sem assimilar-se a ele. A palavra queer, significa “estranho” e se refere a uma pessoa “estranha”. Portanto, poder-se-ia fazer uma releitura teológica-sexual do movimento queer em associação com a teologia da libertação? Marcella Althaus-Reid diz que sim, e propõe uma leitura da “Teologia Indecente”58 , que seria a união das duas, como opção para a questão na América Latina.59 A Igreja Católica Apostólica Romana recentemente viveu no centro de suas atenções, principalmente com o antigo papa João Paulo II, a experiência da intransigência sexual. Luiz Mott escreve que as pessoas homossexuais viveram tempos sombrios sob o pontificado de João Paulo II. Este, mais do que qualquer outro papa, foi quem estigmatizou de forma cruel o amor entre pessoas do mesmo sexo ao oficializar a intolerância do antigo Cardeal alemão Joseph Ratzinger. Este último, quando ainda era cardeal, escreveu o que se constituiu mais tarde no 56 Theodore W. Jennings Jr. “YHWH as Erastes” Em: Queer commentary and the Hebrew Bible. 2001, p.37. 57 Laurel C. Schneider. “Yahwist desires: imagining divinity queerly”. 2001, p.211. 58 A teologia indecente é uma teologia ‘queer’ porém da libertação. É uma teologia sexual transgressiva, mas que usa a epistemologia corrompida em relação a crise produzida pela globalização, a exclusão social e o capitalismo selvagem. Então, uma teologia indecente é uma teologia feminista da libertação que usa a suspeita sexual para desmontar as ideologias sexuais que estruturam doutrinas e organizam as igrejas... Disto se trata: tirar Deus do armário, ou reconhecer que em Jesus temos um Deus já fora do armário. Que armário? O armário que não o permitia caminhar como Deus entre os seres humanos, de sofrer a fragilidade humana, a dúvida, a fome, o desejo, a amizade, o carinho, o medo, a morte. Um Deus promíscuo, cujo amor circula sem limites e sem leis que o contenham. Um Deus que sai de sua centralidade divina para unir-se com o marginalizado. Marcella M. Althaus-Reid. “Marx en un bar gay.” Em: Revista Eletrônica ‘Margens’. Nº1. 2005. 59 Marcella M. Althaus-Reid. “Marx en un bar gay.” Em: Revista Eletrônica ‘Margens’. Nº1. 2005.
  • 44. 44 manual “anti-gay” da Igreja Católica Romana, nele Joseph Ratsinger declarava que “a homossexualidade era intrinsecamente má.” Luiz Mott continua: “nem mesmo Pio IV, Gregório XIII e Paulo V, os sumos pontífices que delegaram poderes à Inquisição portuguesa para perseguir os sodomitas chegaram a uma conceitualização tão malévola contra os praticantes do amor unissexual.”60 Mais adiante, no mesmo artigo, Luiz Mott acredita que tão logo seja sepultado o pontífice polaco, Roma retomaria a tolerância de mil anos atrás. Todavia, mal ele sabia, em 1999, que o próximo pontífice seria o maior opositor do movimento gay, agora chamado Bento XVI, mas o mesmo cardeal de outrora Joseph Ratzinger. Assim, a homossexualidade chega ao século XXI em situação não muito diferente de como vinha através dos séculos: oprimida, negligenciada e amordaçada. Apenas nas últimas décadas é que a sociedade e a academia bíblica vão abrir oportunidade para a reflexão sobre a vida sexual, seja ela qual for como opção. Alguns dos maiores autores contemporâneos e comprometidos com os desafios do tema são apresentados agora com algumas de suas obras. Thomas Hanks, Ph.D., diretor executivo e fundador do ministério Other Sheep (www.othersheep.com) trabalho com ênfase no auxílio às minorias. Rebecca T. Alpert, Ph.D., diretora do programa de estudos feministas e professora assistente de religião da Temple University. Robert E. Goss, Th.D., presidente do departamento de estudos de religião na Webster University, autor de Jesus acted up: a gay and lesbian manifesto (HarperSanFrancisco, 1993). Ken Stone, Ph.D., professor assistente de bíblia hebraica no Chicago Theological Seminary. Também, Theodore W. Jennings Jr., professor de bíblia no Chicago Theological Seminary e autor do The man Jesus Loved: homoerotic narratives from the New Testament. Esses e tantos outros, como por exemplo: Jerome T. Walsh, Daniel Boyarin, Wanda Deifelt, Saul M. Olyan, Luiz Mott, compõem, no cenário internacional, grandes nomes do estudo da sexualidade e homossexualidade em dias atuais. 60 Luiz Mott. “A igreja e a questão homossexual no Brasil.” Em: Mandrágora. Religião e Homossexualidade. 1999, p.37-41.
  • 45. 45 O capítulo primeiro da presente pesquisa apurou com tranqüilidade a existência das relações homoeróticas bem como homoafetivas na história da humanidade. Constatou-se a presença desse tipo de relacionamento em quase todos os momentos, pelo menos os mais importantes da história. Apesar das evidências da homossexualidade entre mulheres ser também fato histórico, não se pode encontrar com tanta facilidade, nos textos, para as mulheres, o que se pode encontrar para os homens. Não apenas isso, o presente capítulo serviu de ponto de origem para as futuras discussões que se darão em níveis bíblicos. Pois por toda história se evidenciou a existência de relações unissexuais, tanto relações homoeróticas que envolvessem práticas cultuais como não. Tanto relacionamentos unissexuais que envolvessem deuses e humanos como humanos e humanos. Também, mostra o capítulo em questão, que toda a discussão envolvendo a homossexualidade teve, no decorrer da história, seus apogeus e declínios. Observa-se, assim, um apogeu sobremodo atual para a discussão da questão que não se faz presente na América Latina. Nada do que se pretende a partir de agora, deve ser analisado sem levar em consideração toda a história da questão, por isso este capítulo fora demasiadamente necessário para o desenvolvimento dos demais capítulos da dissertação. Mesmo porque o próximo capítulo é também histórico, mas seu ponto de origem, bem como seu destino, abrangem tão somente a história da narrativa bíblica em momento específico.
  • 46. 46 2 SOBRE O CONTEXTO SÓCIO-HISTÓRICO Encontrar o lugar histórico dos textos de Levítico 18,22 e 20,13 é essencial para a relevância de sua mensagem, bem como para compreender a influência sofrida no evento de sua redação. O momento encontrado para a construção do texto de Levítico, ou pelo menos o assim chamado “Código de Santidade” (17-26), é o cenário internacional de dominação persa e de reconstrução para a comunidade recém chegada da golá em Judá. Ciro funda o primeiro Império com pretensões realmente universais, afirma François Castel.61 De fato, a imensidão do que fora construído pelo Império Persa é também admirada por Yohanan Aharoni, o qual escreve ser o Império Persa o maior e mais extenso Império do Oriente Médio. Com dimensões universais o novo Império toma automaticamente o que outrora pertencia ao Império Babilônico, inclusive a Palestina. Não existe nenhum dado histórico de lutas travadas entre os que habitavam na Palestina e os persas, afirma Yohanan Aharoni.62 Assim, passa a Palestina a pertencer a outro Império. A sociedade, geográfica e politicamente, não mudara em relação à dominação Imperial exercida, como por exemplo: pela Assíria e Babilônia. No entanto, é evidente a mão persa na estruturação das subdivisões que se apresentam. Hebert Donner escreve, fora Dario quem se ocupara dessa estruturação interna. Todo o Império estava dividido entre satrapias (do persa xshatrapavan: protetor do domínio), cada uma delas governada por um comissário persa. As maiores satrapias eram subdivididas 61 François Castel. Historia de Israel y Judá. 1998, p.142. 62 Yohanan Aharoni. The Land of the Bible. 1979, p.411.
  • 47. 47 em províncias, mais uma vez cada uma delas supervisionada por um governador. É sabido da liberdade que cada satrapia desfrutava de possuir seu governador local. A Palestina pertencia a satrapia chamada “Além do Rio”, um termo generalizado que reunia em si a Síria, a Fenícia e a Palestina. A região local de Judá, que tem interesse maior ao estudo, pertencia à província da Samaria.63 Quando Ciro toma a Babilônia ele não penas liberta aqueles que estavam em cativeiro como também os orienta e financia a reconstrução de sua estrutura religiosa na volta para casa. É interessante mencionar que os grupos que vão para o exílio são, em sua maioria, compostos de autoridades de Judá. Euclides Balancin escreve que quando os exilados saem, a terra não fica vazia, mas é ocupada por camponeses. A situação que permanece na terra é precária e de tristeza.64 Assim, tem-se o recém chegado grupo de ex-exilados em Judá. Estes quando iniciam uma nova vida na antiga pátria enfrentam diversas complicações sociais, mas principalmente religiosas, no que diz respeito aos usos e costumes daqueles que permaneceram na terra, fossem israelitas, judaitas ou não o livro do Levítico aparece como regulamentação legal para uma nova construção da sociedade com bases religiosas e extensas listas de orientações divinas, como observado nos capítulos seguintes. O que segue ajuda a compreender um pouco mais desse momento vivencial. 2. 1 O Império Persa O cenário político internacional, para o período que corresponde à construção do texto de Levítico, segundo escrevem Erhard 63 Hebert Donner cita como referência as inscrições reais persas de Beshistun, Naqsh-i-rustan, Persépolis, Susa e Heródoto III, 89ss. Também escreve que o território total fora dividido em 23 satrapias. Para o Oriente Próximo são importantes quarto satrapias: 1. Babairu: Babilônia/Mesopotâmia; 2. Atura: Síria (em aramaico imperial significa “trans-eufrates” Além do Rio; 3. Arabaya: Arábia do Norte e 4. Mudraya: Egito. Cada satrapia tinha que pagar tributos regulares e cuidar do sistema de correios. Herbert Donner. História de Israel e dos povos vizinhos. 1997, p.444. 64 Euclides Martins Balancin. História do povo de Deus. 1989, p.100.
  • 48. 48 Gerstenberger, Julius Wellhausenn e também Marcos P. M. da Cruz Bailão em sua tese de doutorado em 200165 , é de dominação persa. Período que corresponde a 539 a 332 a.C., segundo Jorge Pixley, Marcos Bailão e também Yohanan Aharoni.66 Com a expansão do Império Persa, a queda da Babilônia já estava prevista. John Bright narra os pormenores da situação de conquista: “de um lado os persas em marcha triunfante, e de outro os moradores da Babilônia festejando sua libertação, em relação ao seu próprio soberano Nabônides.”67 Este havia retirado os deuses dos templos das cidades circunvizinhas e levado os mesmos para a capital, na Babilônia. Decisão que evidentemente não agradara os moradores locais que passam, por esse motivo e outros, a desgostar de Nabônides. O livro, Judá e Israel, textos do Antigo Oriente Médio narra os meandros da conquista persa, liderada por Ciro à Babilônia: No décimo quarto dia, Sippar foi tomada sem combate. Nabônides fugiu. No décimo sexto dia, Gubaru, governador do país de Gutium e as tropas de Ciro entraram na Babilônia, sem combate (...) Nenhuma interrupção do que quer que seja teve lugar em Esagil e nos outros templos (...) No mês de arahsamu, no terceiro dia Ciro entrou na Babilônia. O estado de paz foi assinado na cidade, Ciro decretou o estado de paz para a Babilônia inteira (...) Os deuses no país de Babilônia que Nabônides havia feito descer para Babilônia retornaram aos seus santuários.68 65 Erhard Gerstenberger. Leviticus. A Commentary. The Old Testament Library. 1996, p.7, Julius Wellhausenn. Prolegomena to the history of Ancient Israel. The classic and original statement of the theory of “Higher Criticism” of the Old Testament. 1957, p.497, Marcos P. M. da Cruz Bailão. “Doença Impura como Limite da Identidade Comunitária.” Tese de Doutorado: 2001, p.208ss. 66 Jorge Pixley. A História de Israel a partir dos pobres. 7ª Edição. 2001, p.91. E Marcos P. M. da Cruz Bailão. “Doença Impura como Limite da Identidade Comunitária.” Tese de Doutorado: 2001, p.208. Yohanan Aharoni. The Land of the Bible. 1979, p.411. 67 Nabônides (556-539), escreve John Bright, contava naturalmente com o apoio dos elementos dissidentes da Babilônia, talvez, sobretudo daqueles que sentiam o peso da terrível força econômica e espiritual dos sacerdotes de Marduk. Mas seu reinado trouxe grandes discórdias à Babilônia, citando Pritchard, em ANET, p. 305; Albright, em Basor, 120 (1950), p. 22-25, 1978, p.477. Acompanhando Tadmor H. A history of the Jewish people. 1976, p.165 que também escreve o mesmo. 68 VV.AA. Israel e Judá. Textos do Antigo Oriente Médio. 1985, p.90. Também, cilindros de argila encontrados na Babilônia celebram a entrada de Ciro na capital quando restabelece o culto a Marduk como deus supremo, pois Nabônides havia preferido a Sin. “Marduk, o grande senhor, o que cuida das gentes, viu com alegria suas boas ações e seu reto coração. Lhe ordenou ir a Babilônia, lhe fez tomar o caminho da Babilônia, caminhou a seu lado como amigo e companheiro. Suas numerosas tropas, incontáveis como gotas de um rio, avançavam a seu lado com armas erguidas. Lhe fez entrar na Babilônia sem combate nem luta. Salvou da dificuldade a sua cidade Babilônia. Entregou em sua mão a Nabônides, rei que não o temia. Todas as gentes da Babilônia, a totalidade do país, da Suméria a
  • 49. 49 Semelhantemente narra-se, na língua acádica e em cilindro de cerâmica, o seguinte a respeito da entrada triunfal de Ciro na cidade Babilônia: Eu, Ciro, o rei do império mundial, o grande e poderoso rei, o rei de Babel, o rei da Suméria e o rei de Acade (...), por cujo governo Bel e Nabu se afeiçoaram e cujo reinado desejavam para alegrar seu coração – depois de entrar pacificamente em Babel, sob júbilo e alegria, estabeleci a sede régia no palácio do soberano (...) Marduk, o grande senhor, alegrou-se com minhas boas ações. Ele abençoou graciosamente a mim, Ciro, o rei que o venera, e Cambises, meu filho biológico, assim como todas as minhas tropas. Em bem-estar nós vivemos alegremente diante dele (...) Sob a ordem de Marduk, o grande senhor, mandei que os deuses da Suméria e de Acade, os quais Nabônides tinhas trazido para Betel, causando a ira do senhor dos deuses, ocupassem de bem-estar uma morada agradável em seus santuários.69 Com toda a fragilidade do antigo Império Babilônico, é sob o comando do rei medo Ciro II, (559-530 a.C.) que os exércitos persas entram na capital Babilônia já sem forças para reagir em 539. O texto acima mostra as condições precárias de resistência babilônica, bem como o restabelecimento dos cultos nas cidades locais. Também, o texto de Isaías 45,1-4 narra o soberano Ciro entrando na Babilônia como libertador do antigo Judá exilado, outrora sob dominação babilônica. A partir deste momento, tem-se, principalmente, no livro de Esdras, relatos da preocupação do rei Ciro em relação à reconstrução do templo em Jerusalém e, com isso, a devolução dos utensílios do templo, levados por Nabucodonozor, quando da investida babilônica à Judá. Não que essa preocupação se constituísse de grande importância para o imperador, mas sim que fazia parte de seu plano de governo observado a seguir. Esdras 1,2-4 constitui o decreto de Ciro para a construção do templo em Jerusalém. Semelhante acontece em 3,6-5 quando é Acádia, os príncipes e governadores se inclinaram a seus pés, beijaram seus pés e se alegraram por sua realeza.” François Castel. Historia de Israel y Judá. 1998, p.142. 69 Herbert Donner. História de Israel e dos povos vizinhos. 1997, p.444.
  • 50. 50 mencionada a permissão do rei Ciro para a reconstrução do templo. Em 6,3-5 há, novamente, menção à reconstrução do templo, como também a devolução dos utensílios da “casa de Deus”. O que se vê agora é uma sucessão de missões para a reconstrução do templo. O primeiro a ser enviado com uma delegação para Judá é Sasabassar 538 a.C., Esdras 1,5-11 e 5,13-15. Depois dessa campanha, Zorobabel e Josué são enviados em 250 a.C. a pedido de Dario, sucessor de Cambises, para serem acompanhados de uma maior delegação a fim de definitivamente povoar Judá - local geográfico de relevância estratégica em relação ao Egito. Depois disso, tem-se a missão de Neemias 445-430 a.C. e a missão de Esdras 458 a.C. O regresso dos exilados para Jerusalém e Judá não ocorreu imediatamente em 538 a.C., mas apenas nos anos 20 do século VI, sob o comando do Imperador Dario I. Isto é inteiramente compreensível. Os exilados não podiam partir da noite para o dia e atropeladamente. O desligamento da Babilônia, onde entrementes já se criava a terceira geração, tinha de ser feito com cautela. Havia negócios a realizar, vínculos a desfazer, dificuldades a resolver. Euclides Balancin escreve que a vida não era fácil no exílio, mas que certamente os exilados de Jerusalém não foram jogados em masmorras ou prisões. Uns se tornaram comerciantes, até banqueiros, outros assumiram postos administrativos, e inclusive altos cargos.70 Também, Gerhard Von Rad escreve que fora um engano a associação do edito de Ciro com a volta dos exilados para Judá e que o Cronista já estava distante dos acontecimentos que marcaram o evento. Apesar das dificuldades de datação os dois autores se aproximam consideravelmente em suas propostas, Von Rad afirma que a datação da volta dos mesmos é muito difícil de situar, mas que possivelmente efetivou-se apenas em 529-522 com Cambises.71 Seguramente, o entusiasmo com o regresso manteve-se dentro de certos limites por parte de muitas pessoas que haviam se acostumado a 70 Euclides M. Balancin. História do povo de Deus. 1989, p.101-102. 71 Gerhard Von Rad. Teologia do Antigo Testamento. Vol.2. 1973, p.96.
  • 51. 51 viver ali. Por outro lado, às famílias que regressavam tinham de ser conferidas propriedades de terra na Palestina, se possível de acordo com a situação pré-exílica. Isso não era tão simples, pois durante o tempo do exílio, de modo algum fora uma terra baldia e desabitada, que se pudesse retomar como propriedade. Para tanto, o Imperador nomeia Zorobabel para supervisionar todo tipo de acerto a se realizar na terra.72 Essa dificuldade no retorno e na ocupação da terra teve, para a construção de Levítico, fundamental importância. As ordenações que se apresenta em Levítico, quanto as observações religiosas, nada mais sustentam do que a legitimação dos que chegam na terra, como sendo eles os possuidores da terra e não os que ficaram. Muito possivelmente tem-se, até mesmo que divina, a legitimação da herança dos exilados em relação à posse da terra. As dificuldades de relacionamento entre os pequenos grupos na região era evidente. Geo Widen Gren escreve que a hostilidade entre Jerusalém e Samaria era sem dúvida um fator de conflito no período persa. Isso se dava mais por fatores políticos do que por religiosos, apesar de haver severas dificuldades religiosas entre ambos. Porém, observa-se o pensamento de Meyer que escreve: “houve grande ressentimento de Samaria por Judá ter sido tratada com especial atenção pelo governo persa quando da tomada do poder”.73 É bem verdade que textos bíblicos evidenciam o tratamento especial que Judá teve em relação a Samaria, o que mais chama a atenção, no entanto, é a disputa de poder dos dois grupos sociais que vivem em conflito em Judá. Euclides Balancin, mais uma vez, apresenta essas dificuldades e escreve que a comunidade judaica reunida em torno de Jerusalém, depois do exílio, teve de enfrentar diversas dificuldades para sobreviver e se organizar. Os conflitos podem ser percebidos em três instâncias: 1) Com o poder central persa; enquanto demais povos conquistadores oprimiam seus subjugados, o Império Persa não agia assim, no entanto, vigiava com extrema cautela Judá. Sabe-se 72 Herbert Donner. História de Israel e dos povos vizinhos. 1997, p.465. Também, Euclides Balancin. História do povo de Deus. 1989, p.100-103. 73 Geo Widen Gren. Israelite and Judaean History. 1990, p.512.
  • 52. 52 que Judá não se envolveu em rebeliões. 2) Com a província de Samaria; o governador instalado na Samaria era a mão estendida do rei para preservar o controle da região. Juntamente com um grupo de comerciantes ricos e influentes, o governador acusava constantemente a comunidade de Jerusalém de ultrapassar seus direitos dentro do Império. Os interesses eram de ordem econômica, evitar uma concorrência no território que pudesse impedir a exploração do comércio e da intermediação dos tributos da região. 3) Os conflitos surgidos dentro da própria comunidade; com a chegada dos exilados, há motivos de esperança, mas as coisas se complicam, pois o território não estava desabitado. Cria-se grandes disputas entre os que chegam, os camponeses da terra que ficaram e outros que ainda brigam pela terra.74 Todavia, sabe-se da dificuldade teológica, especialmente da reconstrução do templo, que envolvia Judá e Samaria. Gerhard Von Rad escreve que a desconfiança dos samaritanos fundava-se na ambigüidade da renovação cultual. O templo de Salomão era o santuário oficial da dinastia davídica, no entanto, Judá não era mais uma província autônoma, mas estava sujeita ao governador de Samaria. Ainda mais, os samaritanos não poderiam aceitar a reconstrução com tranqüilidade, pois, ao que parece, consideravam-se também adoradores de YHWH (Esdras 4,1 e ss). Por isso, a oposição dos samaritanos aos jerusalemitas tornou-se mais aguçada como a de um “direito contra outro direito”.75 Assim funcionavam as listas de prescrições sexuais dos capítulos 18 e 20 de Levítico, apresentavam a maior das diferenças entre os variados grupos étnicos na região, evidentemente a diferença está nos que observavam as listas de ordenações sexuais e os que não. Demais listas como as dos capítulos 18 e 20 perpassam todo o texto de Levítico. Observa-se que todo Levítico é construído nesse ambiente, já não mais em uma identidade nacional israelita, mas sim, em um 74 Euclides M. Balancin. História do povo de Deus. 1989, p.107-108. 75 Gerhard Von Rad. Teologia do Antigo Testamento. Vol.2. 1973, p.97.
  • 53. 53 colonialismo judaico, dentro de diversos grupos étnicos, mas todos pertencentes à província de Samaria.76 2. 2 A política de dominação persa É sabido da falta de consenso quando o assunto refere- se à vida social, política e religiosa de Judá no pós-exílio. No entanto, parece não haver dificuldades quando se menciona a política de dominação persa, especialmente com Ciro, mas também com seus sucessores, quando da conquista dos povos. Dentre suas atitudes parecia haver tolerância. Os soldados persas haviam sido orientados para respeitar a sensibilidade religiosa das pessoas e evitar aterrorizar as mesmas. Os deuses tirados dos templos nas províncias e levados para a capital por Nabônides, foram devolvidos por Ciro, como lido acima.77 Herbert Donner, acompanhando John Bright, escreve de uma das marcas mais estridentes da dominação persa, no desejo de não cometer erros do passado, como fizeram os assírios e babilônios, a dominação persa é marcada pela simpatia com as culturas dominadas. Ele ainda escreve que, em contraposição com o Império Assírio que eliminava tanto quanto possível os povos subjugados, através de saques e destruição, deportações implacáveis, altos tributos, regime duro e tentativa de pacificar o Império por meio da violência, estava o Império Persa.78 Assim, como mencionado anteriormente, Ciro governava com política de dominação branda. Ou seja, era permitido aos povos conquistados, continuar observando seu culto, sua religião, sua cultura. Tanto Milton Schwantes como John Bright79 destacam com propriedade essa característica peculiar de dominação tão diferente dos demais impérios anteriores como assírio e babilônico que destruíam os povos conquistados e deportavam prisioneiros. Ciro, o grande 76 Norman K. Gottwald. Introdução Socioliterária à Bíblia Hebraica. 1988, p. 401. 77 John Bright. História de Israel. 1978, p.488. 78 Herbert Donner. História de Israel e dos povos vizinhos. 1997, p.445. 79 Milton Schwantes. Sofrimento e esperança no exílio. História e teologia do povo de Deus no século VI a.C. 1987, p.117 e John Bright. História de Israel. 1978, p.489.
  • 54. 54 libertador dos exilados, é por essa e outras razões aclamado pelo profeta Isaías em 45,1 e ss. No entanto, esse estilo de dominação jamais deixou de ser atenciosa e vigilante com as províncias jurisdicionadas. Tanto é assim, que recebe grande destaque a habilidade e competência de administração do Império. Bem como a instauração de um complexo esquema de comunicações e correios. É importante dizer que, toda liberdade garantida pela presença e autoridade persa nas províncias, cessava quando essa liberdade contestava a vontade do Império mundial.80 Também escreve John Bright que através de uma complexa burocracia, a maior parte dos altos oficiais de seu exército eram persas ou medos, mas quando possível dava responsabilidades a príncipes nativos.81 Contudo, nem sempre era como o Império desejava ou esperava. Há relatos de diversos focos de conflitos entre os repatriados, recém chegados da Babilônia e os atuais moradores. Se por um lado existia a mão do Império na vida diária do povo em Judá, bem como no estabelecimento sócio- religioso já definido pelos moradores da capital da província de Samaria, de outro lado havia o antigo sentimento de posse da terra daqueles que acabavam de chegar. Apesar desta informação não ser consenso entre estudiosos, ainda assim, Norman Gottwald escreve: É evidente que a restauração da colônia de Judá prosseguia de maneira vagarosa. Em parte porque o Império estava envolvido em projetos de todo Império e em parte porque confiavam na liderança de Judá para a restauração da comunidade (...) A restauração judaica exigia harmonia dos interesses dos judeus palestinenses e dos judeus repatriados de Babilônia (...) Além disso, entre os judeus palestinenses existiam os que prestavam fidelidade à forma samaritana de religião judaica, que se desenvolvera entre os descendentes do anterior reino do norte de Israel.82 80 Milton Schwantes. Sofrimento e esperança no exílio. História e teologia do povo de Deus no século VI a.C. 1987, p.117. 81 John Bright. História de Israel. 1978, p.490. 82 Norman Gottwald. Introdução Socioliterária à Bíblia Hebraica. 1988, p.403.
  • 55. 55 Vê-se no texto toda a fragilidade do momento sócio- político e religioso, o que faz ressaltar a habilidade do novo Império ao lidar com pequenas províncias, entretanto, províncias de grande interesse. Judá, apesar de pequena, figurava entre as de maior importância para o Império. A posição geográfica de Judá lhe concedeu grande prioridade de atenção dos imperadores persas. Marcos Bailão menciona a existência de um certo remanejamento populacional. Instrumento usado pelos poderosos, inclusive os antigos, para que suas terras fossem defendidas por seus moradores, sempre em nome da ordem imperial. Nesse deslocamento, eram usadas pessoas de origens diferentes: presos de guerra, camponeses endividados e trabalhadores assalariados. Apesar de não haver contundentes provas de que Judá fosse objeto desse remanejamento populacional, quando os exilados são autorizados a sair da Babilônia, muito permanece sem resposta.83 A maior dúvida existente está na importância geográfica que Judá, província de Samaria, teria para o Império Persa. Apesar de não haver consenso, o que chama a atenção é a relevância de Judá frente às decisões do Imperador Ciro nos primeiros anos de seu reinado, questão levantada, entre outros, por Siegfried Herrmann.84 Apesar de toda controvérsia existente sobre o tema da reconstrução do Judá colonial, não restava dúvidas que Judá era importante. Yohanan Aharoni em The Land of the Bible cita que se sabe muito pouco sobre qualquer evento histórico nas satrapias, “Além do Rio” ou seja, trans-Eufrates, durante o período persa. Das várias campanhas contra o Egito sabe-se, ainda que indiretamente, da passagem do exército persa pela Palestina em direção ao Egito. Cambises passou pela Palestina a caminho do Egito em 525 a.C.85 Judá estava localizada, de novo, nessa região chamada satrapia. Esta fazia fronteira com o Egito, país que, segundo narra a história, estava dentro dos planos do imperador. O Egito fora anexado ao Império pelo filho de Ciro, 83 Marcos P. M. da Cruz Bailão. “Doença impura como limite da identidade comunitária.” p.219 citando Kenneth Hoglund. The Achaemenid Context. p.65-67, quem sustenta essa hipótese de que Judá fosse, não em sua totalidade, um grupo remanejado intencionalmente. 84 Siegfried Herrmann. Historia de Israel. En la epoca del Antigo Testamento. 1985, p.385. 85 Yohanan Aharoni. The land of the Bible. 1979, p.412.
  • 56. 56 Cambises, em 525 a.C. Norman Gottwald esclarece que o Império Persa subitamente passou a dominar um território mais de duas vezes o tamanho de qualquer Império anterior. Suas possessões estendiam-se desde a Índia até o mar Egeu em frente à Grécia e para o sul através do Egito. Sendo assim, era vital que, prontamente, Ciro não apenas enviasse de volta os exilados para sua terra natal, como também os apoiasse na reconstrução do templo em Jerusalém, devolvendo utensílios e ainda requisitando ajuda aos mesmos, Esdras 1,1 e ss. Seja como for, a hipótese de Kenneth Hoglund não é de toda descartada.86 Assim estava composta a comunidade de Judá no pós- exílio. Uma comunidade que respondia imediatamente à província de Samaria. É possível dizer que o maior interesse do Imperador persa, fosse ele qual fosse, na região de Judá, era a posição estrategicamente localizada no caminho do norte, com o sul no Egito. Se não fosse esta peculiaridade, pouco significaria a comunidade de Judá para o Império. Portanto, para o Império Persa, a comunidade de Judá fora de grande relevância histórica. 2. 3 O campo e a cidade Como já mencionado anteriormente, existiu o conflito entre os que chegavam do exílio e os que haviam permanecido na terra. A razão da existência do conflito figura entre os pontos centrais para a compreensão histórica do período em questão. Portanto, o deslocamento social no início do Império Persa é, também, extremamente relevante. Com a chegada dos da gola dá-se início a um movimento de ruralização na província. Os que chegam se ajuntam com os que já trabalham no campo ou com aqueles que mudariam da cidade para o campo. Marcos Bailão cita, mais uma vez, Kenneth Hoglund quando esse apresenta o resultado de um levantamento arqueológico, mostrando grande aumento de pequenas vilas em 86 Norman K. Gottwald. Introdução Socioliterária à Bíblia Hebraica. 1988, p.402.