O documento apresenta um resumo biográfico do autor Max Mallmann e informações sobre seu novo livro "Tomai e bebei". O livro conta a história de um padre que recebe a visita inesperada de um bispo durante a noite em sua paróquia rural.
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Tomai e bebei
Max Mallmann
Trazido a você com licença do autor pela
Aquário Editorial para a coleção Experimental.
Vende-se nas melhores casas do ramo.
MMXV
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Pedimos atenção aos nossos caríssimos leitores para uma
observação importante.
Esta é uma obra de ficção, apesar do autor tê-la concebido
como um relato e insistir em tentar nos convencer do
contrário. No entanto, desencorajamos aos leitores a repetirem
as situações e comportamentos descritos neste impresso.
Esta obra é de autoria do escritor Max Mallmann, sob égide de
Ana Cristina Rodrigues e de Estevão Ribeiro, sendo este também
o ilustrador.
A casa editorial Aquário Produções Editoriais situa-se à
rua Antônio Cordeiro, nº 492 – Jacarepaguá. Código de
endereçamento postal de número 22750-310, Cidade do Rio de
Janeiro - RJ
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As irregularidades tipográficas do relato original foram
mantidas nesta reprodução.
M22t
Mallmann, Max
Tomai e bebei / Max Mallmann ; ilustrações por Estevão Ribeiro. –
Rio de Janeiro: Aquário, 2015.
ISBN: 978-85-68766-03-3
1. Ficção brasileira. 2. Romance histórico. I. Ribeiro, Estevão. II.
Título
CDD-869.93
CDU-821.134.3(81)-3
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I
M
eu sonho de juventude era ser poeta.
Para aprender o ofício, dediquei-me
com vigor à imitar a vida boêmia dos
literatos que admirava. Aprendi como um poeta
bebe, como se comporta numa roda de carteado
e como gasta dinheiro aos baldes quando vai a
um cabaré e sai carregado pelos outros poetas.
Nunca escrevi um verso. Encerrei minha
carreira por causa de umas pontadas nas costas
(meus heróis estavam morrendo de tuberculose)
e em obediência a um acordo de cavalheiros
com meu pai, que prometeu me excluir do
testamento se eu continuasse a desonrar o nome
da família.
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Acreditei, com a sensatez dos meus quase
dezessete anos, que meu destino era tornar-
me bacharel, conseguir uma sinecura qualquer,
casar-me, ter filhos, e daí voltar a beber, jogar e
importunar as dançarinas. Meu pai, no entanto,
arquitetava uma punição digna de um deus do
Velho Testamento.
EscolaMilitar,eusupunha.Errei.Elemandou-
me ao seminário. Para isso precisou invocar
amigos na Cúria, já que eu era mais velho que
a maioria dos noviços. Mamãe ficou tão feliz...
No início, pensei em suicídio, mas minha alma
de poeta já andava minguada para tais gestos.
Depois de algum tempo numa estação de
águas para tratar dos pulmões, abri meu coração
e fui ao encontro de Deus. A igreja deu-me uma
vidinha não muito diferente da que eu esperava
como bacharel: sem mulher ou filhos, mas com
uma casa e um pecúlio. Claro, nunca pude voltar
à boemia, mas o vinho da missa era razoável.
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Coube-me a paróquia de uma aldeia onde a
gente simples precisava de conforto espiritual
rico de admoestações e pobre em teologia.
Cuidei bem do meu rebanho.
Vejam meus verbos: estão todos no passado.
Se fui um padre cínico, hoje sou um padre
proscrito, que vive como professor itinerante.
Mas notem: proscrito por decisão própria. Não
fui excomungado; apenas, um dia, fiz as malas.
Entre mim e a Igreja rasgou-se um abismo,
escavado não por questões da teologia, embora
talvez da metodologia, se bem que aí são
eufemismos. Deixemo-los e vamos aos eventos,
que não são poucos nem belos.
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II
O
relógio de pêndulo na sala da casa
paroquial anunciava meia-noite,
batendo devagar. Eu odiava aquele
relógio, mas não podia pô-lo fora. Não pertencia
a mim, mas à Igreja. A minha esperança era de
que a Providência Divina e os cupins um dia
acabariam com sua pontualidade mesquinha.
Entre uma badalada e outra, ouvi a porta de meu
quarto abrir. Virei-me: uma mulher morena e
nua avançava como loba. Ela subiu em minha
cama, arrastando-se decidida entre minhas
pernas. Depois de momentos de estupefação,
desejo e culpa, abracei-a, sentindo seu torso
quente como um choque nas palmas das mãos.
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Acordei. Em meus braços, apenas a garrafa
de vinho que me aliviara o tédio horas antes.
O relógio ainda badalava. A chuva caía no
telhado.
— Merda! — blasfemei, atirando a garrafa na
parede.
As badaladas pararam, mas havia ainda outro
ruído além da chuva e dos trovões. Alguém
batia na porta da rua.
Provavelmente alguma família pedindo a
extrema-unção para o avozinho doente. Meus
paroquianos nunca morriam em horários
cômodos.
Acendi o lampião, atravessei a sala bocejando
e escancarei a porta. A chuva me esbofeteou
na cara. De início, não vi nada, só breu. De
repente, algo me cutucou nos joelhos. Olhei
para baixo, e o que pensei por alguns segundos
ser um menino gordo vestido em roupas de
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adulto, revelou-se, à aproximação da luz, um
anão muito feio, de cabelos desgrenhados e
gotejantes, enfiado num capote encharcado
que quase lhe cobria os pés. Recuei um passo,
assustado.
— O que você quer? — perguntei.
A boca dele, larga como a de um sapo e
ladeada por duas rugas verticais muito fundas,
cheias de sombra, abriu-se como se fosse falar
alguma coisa, mas ele apenas grunhiu e arfou.
Estendendo o braço, alcançou-me um papel
dobrado que havia tirado do bolso. Um pouco
trêmulo, desdobrei o papel, e isso pareceu
fazer um ruído que se sobrepôs à chuva. Estava
escrito:
Senhor pároco
Estou em viagem pela região, a visitar
diversas comunidades. Ciente de vossa boa
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vontade, solicito o obséquio de conceder-
nos, a mim e ao portador desta, pouso por
alguns dias.
Assinado
Domingos Faial
Bispo de Alcantis
Enquanto eu lia, um raio, caindo bem
próximo, iluminou uma carruagem negra,
puxada por duas parelhas de cavalos cinzentos
e magros. Um bispo! E eu bêbado e de ceroulas.
Deus, orei mentalmente, por que não uma
praga de gafanhotos, de rãs, de bichos-de-pé
ou de qualquer coisa, qualquer coisa em vez de
um bispo!
— Diga à Sua Reverendíssima que entre,
vou ficar feliz em recebê-lo. Ele tem muita
bagagem? Bom, disso você cuida, não? Mas
espere um minutinho, não saia daí, isto é, pode
entrar, saia da chuva.
Corri até meu quarto, enfiei a batina por cima
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das ceroulas, ajeitei os cabelos no espelhinho
da parede e voltei quando o bispo entrava,
protegido por um vasto guarda-chuva negro
que o anão, na ponta dos pés, segurava para
ele. Era um homem que poderia ser localizado
facilmente no meio de uma procissão, ou em
qualquer outro ajuntamento, não tanto pela
altura, e sim pelo porte e estampa. Bastante
magro, mas de ombros largos, seu rosto era
comprido e encovado, com um nariz fino,
longo, levemente torto. Sua pele possuía a cor
branco-amarelecida do papel-bíblia, e seus
lábios, finos e pouco afeitos ao sorriso, uma
tonalidade entre o vermelho-sangue e o cinza-
lápide. Os olhos escuros, assentados em olheiras
fundas, combinavam com um dignitário da
Igreja, porém cairiam melhor em um pirata
sarraceno, um conquistador espanhol ou um
bandoleiro platino. Tinha cabelos brancos e
idade indefinível.
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Sobre o autor
Max Mallmann
Max nasceu em 1968 perto do Rio Guaíba, que é
mais lago do que rio, em Porto Alegre, que é mais
irônica do que alegre.
Trabalhou por alguns anos numa repartição
pública, no setor de fiscalização de impostos,
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onde aprendeu a preencher formulários, mentir
educadamente e disparar armas de fogo. Mudou-
se para o Rio de Janeiro e iniciou sua carreira
como roteirista de TV, na Globo, em 1998. Fez
parte do time de redatores de Malhação, da novela
das seis Coração de estudante e escreveu episódios
de Carga Pesada.
A partir de 2005, passou a integrar a equipe que
escreve A Grande Família. Tenta fazer literatura
desde sempre. Pouco antes de completar vinte e um
anos, quando sua barba ainda teimava em não nascer,
publicou seu primeiro livro: Confissão do Minotauro
(IEL/IGEL 1989). Depois vieram Mundo bizarro
(Mercado Aberto, 1996), Síndrome de quimera
(Rocco, 2000), Zigurate (Rocco, 2003), O centésimo
em Roma (Rocco, 2010) e As mil mortes de César
(Rocco, 2014). Dedica-se à assim chamada literatura
de gênero: realismo fantástico, ficção científica e
romance histórico. O centésimo em Roma e As mil
mortes de César são os dois primeiros volumes da
saga do legionário Publius Desiderius Dolens, um
romano que sabe preencher formulários, mentir
educadamente e lutar com armas brancas. Tomai
e bebei foi um conto que escreveu em 1997 e, até
agora, estava inédito.