1. A atividade de inteligência tem origem há cerca de 3.500 anos e é essencial para governos, empresas e indivíduos tomarem boas decisões e se protegerem de ameaças.
2. No Brasil, devido a eventos do passado, criou-se uma visão distorcida sobre inteligência, mas ela é crucial para o sucesso em todos os setores.
3. Com as revoluções tecnológicas, a inteligência se expandiu para o ciberespaço e a internet, exigindo novas habilidades para lidar
1. Quem precisa de Inteligência?
As Cartas de Amarna, que datam do século XIV a.C., são os primeiros registros existentes
da atividade que viria a ser denominada Inteligência.
Desde então são incontáveis os exemplos de atuação
de homens e mulheres nesta que é uma das profissões
mais antigas do mundo.
Embora seja uma atividade tão antiga, a Inteligência
sempre foi uma grande desconhecida e um capítulo
negligenciado da história da humanidade. Quando os
historiadores trataram do tema, a maioria o fez de
forma absolutamente superficial, frequentemente com
viés ideológico e com uma enorme compulsão por
ignorar completamente a sua importância.
Essa negligência sempre foi muito apreciada pelos
governantes, que dificultam a pesquisa sobre o tema,
mantendo em segredo os registros dos serviços de
inteligência e recusando-se a estabelecer uma data para a divulgação até dos seus arquivos
mais antigos.
Entretanto, nos últimos tempos, a pressão, cada vez maior, por transparência nos assuntos
governamentais tem proporcionado uma mudança nesse cenário.
No Brasil, particularmente, o tema carrega uma carga bastante negativa em função de
acontecimentos políticos do nosso passado. Segundo o General de Exército Alberto
Mendes Cardoso, ex-Ministro-Chefe do Gabinete de Segurança Institucional:
“A história da atividade de Inteligência no Brasil, para muitos, tem sua origem na criação
do Serviço Nacional de Informações – SNI, em 1964. Essa visão incorreta acarretou
desvio de percepção: a vinculação da atividade com a política e a ideologia” (CARDOSO,
A. M. Preâmbulo, In: OLIVEIRA, L. S. P. A história da atividade de Inteligência no
Brasil, 1999).
Entretanto, poucos sabem que os primeiros registros escritos do uso de técnicas de
inteligência no Brasil datam de 1750, durante as negociações do Tratado de Madrid, e
que em 1927, durante o governo democrático do Presidente Washington Luís, foi criado
o Conselho de Defesa Nacional – CDN, que é considerado o primeiro órgão a tratar de
Inteligência no país.
Segundo Mark Lowenthal (From Secrets to Policy, 2017), as agências de inteligência
existem para evitar que o governo seja surpreendido, propiciar condições para que a
experiência adquirida pelo Estado não seja perdida em função das mudanças de gestão
decorrentes do processo eleitoral democrático, apoiar as políticas públicas e manter o
sigilo de informações, objetivos e métodos. Elas diferenciam-se de outras unidades do
governo por, pelo menos, duas razões: a busca incessante pela obtenção de informações
que outros governos pretendem manter em segredo e a necessidade absoluta de sigilo
sobre suas atividades. Ambas têm por objetivo a consecução dos objetivos nacionais. A
INTELIGÊNCIA
1. Os primeiros registros escritos
da atividade têm cerca de
3.500 anos.
2. No Brasil, em função de
acontecimentos do passado,
criou-se uma visão distorcida
sobre a atividade.
3. É um fator indispensável ao
sucesso de governos,
empresas e pessoas.
2. primeira por meio da identificação de oportunidades e a segunda pela neutralização de
quaisquer ameaças, ainda que veladas ou dissimuladas.
Para decidir, os governos precisam considerar as diversas nuances de uma realidade em
constante evolução, considerando as ações dos múltiplos agentes, domésticos e externos,
que em conjunto influem nos rumos de nossa sociedade. Portanto, é fundamental que suas
decisões sejam apoiadas por informações precisas e oportunas.
No Século V a.C., o estrategista chinês Sun Tzu, em seu livro A Arte da Guerra, disse:
“A razão pela qual um soberano brilhante e um general sábio superam o inimigo sempre
que se movem, e suas realizações superam as dos homens comuns, é o conhecimento
prévio da situação inimiga.
O conhecimento não pode ser extraído de espíritos, nem de deuses, nem por analogia com
eventos passados, nem por cálculos astrológicos. Deve ser obtido de homens que
conhecem a situação inimiga.”
É importante ressaltar que a função da atividade de inteligência é de assessoria e que seu
produto tem por objetivo atender a uma necessidade do seu demandante, devendo ser
oportuno, útil e confiável ao usuário. A demanda é parte fundamental do ciclo de
produção da inteligência.
A atuação da inteligência é marcada pela busca de vantagem competitiva, com a aplicação
de ações encobertas, de forma a manter seus objetivos e métodos a salvo de terceiros. O
outro lado desta moeda é a contrainteligência, que tem por objetivo exatamente impedir
o sucesso da inteligência adversária.
Embora seja uma atividade realizada por todos os países do mundo, em maior ou menor
escala, tudo que a cerca é, necessariamente, sigiloso. A Inglaterra, por exemplo, somente
reconheceu a existência do seu serviço secreto, o MI6, em 1986.
Curiosamente, a inteligência é a única atividade dos séculos XX e XXI em que os
personagens da ficção são mais conhecidos do que seus praticantes de carne e osso. E a
imagem do cinema não poderia ser mais distante da realidade.
A revolução tecnológica ampliou o espectro de atuação da inteligência, com a inclusão
do espaço sideral e o ciberespaço numa equação que já tinha uma complexidade
formidável. A capacidade de processamento dos computadores, a velocidade de
transmissão de dados e a entrada de novos e muitos atores no cenário, juntamente com a
explosão do uso dos smartphones, permitem que qualquer pessoa com um equipamento
comprado em um comércio qualquer se torne um agente com capacidade para obter dados
importantes ou destruir informações e infraestrutura. Esse novo campo de atuação
recebeu o nome de Inteligência Cibernética.
A internet possibilitou o surgimento de um descomunal campo de batalha, ainda
desconhecido pela grande maioria das pessoas. No cotidiano, utilizamos apenas uma
fração ínfima do ciberespaço. Vastas áreas estão fora do alcance dos usuários, parte delas
somente acessíveis para pessoas credenciadas por empresas e governos. Mas existem
áreas somente acessíveis por meio de programas específicos e que são frequentadas por
todo tipo de gente, dissidentes políticos, jornalistas e pessoas interessadas em manter sua
privacidade, mas também por criminosos e terroristas. Nesse mundo nada é o que aparenta
e todos são invisíveis, mas ninguém está completamente anônimo, nem a salvo.
3. O futuro próximo será ainda mais desafiador, com a popularização de equipamentos que
dialogarão entre si, a Internet das Coisas (IoT, na sigla em inglês), e a computação
quântica, que promete uma nova revolução e um poder de processamento extraordinário.
Não há atividade econômica que esteja apartada da Internet atualmente, com reflexos
importantes na proteção de conhecimentos, na administração das infraestruturas críticas
e no bem estar da sociedade. A informação é instrumento importante na garantia da
segurança da sociedade.
A quantidade de informações disponíveis na Internet é espantosa, alguns estudos apontam
que 90% dos dados existentes foram gerados nos últimos 2 anos. Consequentemente,
todas as informações acumuladas desde que o Homo Sapiens surgiu, há 300 mil anos, são
equivalentes a apenas 10% do volume total existente. E não há indicativos de que esses
números deixem de crescer a cada ano.
O tratamento desses extensos volumes de dados exige enorme poder de processamento,
técnicas especializadas e o uso crescente da Inteligência Artificial. Os resultados dessas
análises são insumos poderosos para a Inteligência em todas as suas áreas. Como tudo
nessa atividade, sua utilização pode ser para o bem ou para o mal.
As ameaças existentes no espaço cibernético não são novas, lá estão os crimes, a
espionagem, o terrorismo, o extremismo e a guerra. Entretanto, seus danos são
potencializados pelo alcance global da rede, pela rapidez na transmissão de dados e o
relativo anonimato proporcionado pela rede.
Neste contexto surgiu a Inteligência de Ameaças Cibernéticas, ou Cyber Threat
Intelligence no idioma inglês, que se concentra na análise e coleta de informações sobre
ataques cibernéticos reais ou potenciais que ameaçam a segurança de uma organização
ou de seus ativos. Mas não basta conhecer as ameaças potenciais, é preciso ter a
capacidade de prever ataques futuros, permitindo que as respostas sejam priorizadas, que
o processo decisório e o tempo de resposta sejam acelerados. A atuação proativa evita
violações de dados ou de segurança e, na sua ocorrência, minimiza os custos delas
decorrentes, proporcionando uma melhor segurança no conjunto.
Com a popularização da internet, das redes sociais e dos aplicativos, a quantidade de
informações pessoais armazenadas nos bancos de dados das empresas cresceu
exponencialmente. Algumas empresas passaram a ter controle quase absoluto sobre a vida
de cidadãos, que, na maioria das vezes, sequer sonhavam que sua privacidade estivesse
tão comprometida. Campo fértil para malfeitores de todas as espécies.
Esse descontrole, aliado ao comércio indiscriminado de informações pessoais, fez com
que alguns governos propusessem legislações que garantissem alguma segurança para
seus cidadãos. Assim, nasceram a General Data Protection Regulation – GDPR, no
âmbito da União Europeia, e a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais no Brasil.
Por ter se tornado um campo onde informações estratégicas são armazenadas,
manipuladas e transmitidas, o mundo virtual também se tornou estratégico para a
atividade de Inteligência, tanto no que diz respeito à busca por oportunidades quanto na
questão da proteção de conhecimentos.
A terceirização da atividade, com a proliferação de empresas privadas de inteligência
tornou-se realidade a partir da Guerra Fria. Um número incalculável de ex-agentes das
principais e melhores agências de inteligência migrou para empresas especializadas em
fornecimento de software, hardware e serviços de inteligência. Algumas dessas
4. companhias possuem um portfólio de capacidades muito maior do que o da maioria das
agências de inteligência do mundo à disposição dos seus clientes, estatais ou não.
No passado, somente as maiores agências de inteligência tinham conhecimento e
ferramentas sofisticadas para realizar suas atribuições. Nos dias atuais, agências menos
capacitadas, corporações, organizações criminosas e terroristas, além de outros atores
não-estatais, também podem tê-los à disposição.
Se um ator tem interesse em uma informação e pretende usar ferramentas de espionagem
para chegar a ela, bem como os recursos necessários, ele não deverá ter dificuldades em
obtê-las.
Desde meados do século passado, em plena Guerra Fria, as empresas passaram a utilizar
as ferramentas de inteligência em proveito dos seus negócios. Surgia então a Inteligência
Competitiva, que tem atuação diferente da estatal, embora os métodos e processos sejam
muito semelhantes.
Além da vantagem competitiva propiciada pela Inteligência, no mundo corporativo
também existe uma grande preocupação com a espionagem, o terrorismo, o roubo e a
violência, que podem resultar em graves danos físicos, psicológicos, financeiros e
reputacionais. Para prevenir danos e neutralizar riscos e ameaças, as empresas também se
utilizam da contrainteligência.
Em pleno século XXI o Brasil ainda vê essa atividade como algo nefasto, fruto de um
passado já longínquo. Precisamos urgentemente modificar nossa visão e olhar com mais
atenção para o que queremos para o futuro. Não há possibilidade de sucesso sem que
tenhamos Inteligência de boa qualidade.
A atividade de inteligência está presente na vida de todas as pessoas, mesmo que não seja
percebida. Informações de qualidade nos ajudam a identificar as oportunidades, tomar
melhores decisões, a planejar melhor nossos passos futuros e nos defender de ameaças.
Portanto, as instituições governamentais, as empresas e as pessoas não podem abrir mão
desse instrumento que é fator crucial para o sucesso de nossas empreitadas.
Na verdade, todos precisam de Inteligência!