SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 1
Baixar para ler offline
28/03/2016 PSI ­ Jornal ­ Edição 121 ­ Orientação ­ Voluntariado: de graça não quer dizer de qualquer jeito
http://www.crpsp.org.br/portal/comunicacao/jornal_crp/121/frames/fr_orientacao.aspx?print=true 1/1
Orientação
Voluntariado: de graça não quer dizer de qualquer jeito
É prática antiga em nossa profissão a oferta de serviços voluntários a instituições, principalmente as de natureza filantrópica. Psicólogos
recém­formados muitas vezes colocam­se à disposição do voluntariado com objetivo diversos, como adquirir experiência, abrir espaço
para  um  futuro  posto  de  trabalho  ou  simplesmente  desenvolver  uma  atividade  baseada  em  ideologias  religiosas  e/ou  políticas.  Alguns
deles  consultam  o  Conselho  para  saber  se  podem  fazer  publicidade  oferecendo  atendimento  gratuito,  fazendo  posteriormente
encaminhamentos para clínica/consultório próprio ou para outras instituições.
A variedade de situações verificadas mostra que o voluntariado não é uma questão simples e pode se desdobrar em inúmeras outras que
merecem diferentes respostas. Não cabe ao Conselho, em princípio, proibir o psicólogo de oferecer serviços gratuitamente, mas sim zelar
para  que  esses  serviços  sejam  de  qualidade  e  atendam  aos  princípios  éticos  da  profissão.  Em  função  disso,  o  psicólogo,  mesmo
voluntário, deve estar registado no CRP SP (e também a instituição a que preste assistência na área psicológica). Esta exigência não é
apenas burocrática, mas aponta para a necessidade de reforçarmos o compromisso profissional e combater a mentalidade de que ?de
graça pode­se fazer qualquer coisa, de qualquer jeito?. Além disso, há de se ter todo cuidado para não se estabelecer com a clientela um
vínculo de gratidão e submissão que não favorece a saúde mental, particularmente nos aspectos psicossociais, e menos ainda de fazer do
serviço prestado um veículo de doutrinação, seja ela qual for, o que caracterizaria infração ética (Artigo 2o, alínea e do Código de Ética).
Problema maior se coloca quando se tratam de psicólogos formados trabalhando como voluntários na rede pública. Poderíamos entender
que  estes  estariam  amparados  pela  Lei  do  Voluntariado  (No  9.608,  de  18/2/98),  que  define  o  serviço  voluntário  como  ?atividade  não
remunerada, prestada por pessoa física a entidade pública de qualquer natureza ou instituição privada de fins não lucrativos, que tenha
objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência social ...? É uma lei que regulamenta uma atividade
cada vez mais presente em nossa sociedade e amplamente discutida por este jornal em sua última edição, referente ao chamado terceiro
setor e as polêmicas que suscita.
Um  psicólogo  voluntário  se  desobrigaria  de  qualquer  vínculo  trabalhista  com  a  instituição  em  que  presta  serviço,  tendo  por  isso  plena
liberdade de ação no que diz respeito a horários, férias etc. Esse tipo de relação, contudo, pode também impedir a existência de uma
atividade planejada e integrada com os outros profissionais, prejudicando a qualidade da assistência prestada. Além disso, o voluntário
está prestando serviços no lugar de um profissional regularmente contratado para sua função, desobrigando o Estado de cumprir com seu
dever. Por isso mesmo, a posição do Conselho neste caso é de que o trabalho do psicólogo voluntário deve ser parte de um projeto maior,
oferecido e aceito pela instância responsável pelo equipamento e/ou instituição. Reproduzindo o que diz a legislação citada, deve haver
um contrato ou termo de adesão entre a entidade pública ou privada e o prestador de serviço voluntário, nele constando o objetivo e as
condições para o exercício da atividade.
As ofertas de serviços gratuitos em clínicas privadas ou consultórios, divulgadas em publicidade, ficam muito próximas das promoções
que existem para o consumo em geral (ganhe um cartão de crédito e não pague a primeira anuidade, compre três produtos e leve um de
graça  etc.).  Sem  esquecer  que  no  exercício  das  profissões  liberais  existe  o  mercado  e  a  competição,  preferimos  considerar  que  é  a
qualidade  de  nossos  serviços  e  o  preço  justo  cobrado  que  nos  garantirá  clientela.  Muitos  ?jeitinhos?  criativos,  aparentemente  bem
intencionados, não condizem com a natureza de nossas atividades.
volta ao índice deste número

Mais conteúdo relacionado

Semelhante a Voluntariado psicológico: qualidade e ética

Clinica de Recuperacao Mogi Das Cruzes Sao Paulo.pdf
Clinica de Recuperacao Mogi Das Cruzes Sao Paulo.pdfClinica de Recuperacao Mogi Das Cruzes Sao Paulo.pdf
Clinica de Recuperacao Mogi Das Cruzes Sao Paulo.pdffOTÓGRAFO DE cASAMENTO sAMPA
 
Intervencao breve na ubs
Intervencao breve na ubsIntervencao breve na ubs
Intervencao breve na ubsFlora Couto
 
Diretrizes aconselhamento
Diretrizes aconselhamentoDiretrizes aconselhamento
Diretrizes aconselhamentoTânia Souza
 
Clínica Dasein - Apresentação
Clínica Dasein - ApresentaçãoClínica Dasein - Apresentação
Clínica Dasein - ApresentaçãoClínica Dasein
 
Integracao institucional
Integracao institucionalIntegracao institucional
Integracao institucionalPROIDDBahiana
 
Conhecendo a psicoterapia
Conhecendo a psicoterapiaConhecendo a psicoterapia
Conhecendo a psicoterapiaGeazi San
 
Aula 02_Aconselhamento e Psico. Breve[1].pptx
Aula 02_Aconselhamento e Psico. Breve[1].pptxAula 02_Aconselhamento e Psico. Breve[1].pptx
Aula 02_Aconselhamento e Psico. Breve[1].pptxCarlaNishimura3
 
O acolhimento nas práticas de produção de saúde hrms
O acolhimento nas práticas de produção de saúde  hrmsO acolhimento nas práticas de produção de saúde  hrms
O acolhimento nas práticas de produção de saúde hrmsAdélia Correia
 

Semelhante a Voluntariado psicológico: qualidade e ética (20)

Como sua mentalidade afeta os resultados financeiros do seu consultório
Como sua mentalidade afeta os resultados financeiros do seu consultórioComo sua mentalidade afeta os resultados financeiros do seu consultório
Como sua mentalidade afeta os resultados financeiros do seu consultório
 
Clinica de Recuperacao Mogi Das Cruzes Sao Paulo.pdf
Clinica de Recuperacao Mogi Das Cruzes Sao Paulo.pdfClinica de Recuperacao Mogi Das Cruzes Sao Paulo.pdf
Clinica de Recuperacao Mogi Das Cruzes Sao Paulo.pdf
 
Entrevista motivacional
Entrevista motivacionalEntrevista motivacional
Entrevista motivacional
 
Intervencao breve na ubs
Intervencao breve na ubsIntervencao breve na ubs
Intervencao breve na ubs
 
O Segredo da convivência
O Segredo da convivênciaO Segredo da convivência
O Segredo da convivência
 
Diretrizes aconselhamento
Diretrizes aconselhamentoDiretrizes aconselhamento
Diretrizes aconselhamento
 
Clínica Dasein - Apresentação
Clínica Dasein - ApresentaçãoClínica Dasein - Apresentação
Clínica Dasein - Apresentação
 
Pit
PitPit
Pit
 
Como o médico pode diminuir a dependência dos planos de saúde
Como o médico pode diminuir a dependência dos planos de saúdeComo o médico pode diminuir a dependência dos planos de saúde
Como o médico pode diminuir a dependência dos planos de saúde
 
Integracao institucional
Integracao institucionalIntegracao institucional
Integracao institucional
 
Como medicos devem utilizar as redes sociais.pdf
Como medicos devem utilizar as redes sociais.pdfComo medicos devem utilizar as redes sociais.pdf
Como medicos devem utilizar as redes sociais.pdf
 
Mitos sobre a psicoterapia
Mitos sobre a psicoterapiaMitos sobre a psicoterapia
Mitos sobre a psicoterapia
 
Conhecendo a psicoterapia
Conhecendo a psicoterapiaConhecendo a psicoterapia
Conhecendo a psicoterapia
 
Aula 02_Aconselhamento e Psico. Breve[1].pptx
Aula 02_Aconselhamento e Psico. Breve[1].pptxAula 02_Aconselhamento e Psico. Breve[1].pptx
Aula 02_Aconselhamento e Psico. Breve[1].pptx
 
Ética na saúde.pptx
Ética na saúde.pptxÉtica na saúde.pptx
Ética na saúde.pptx
 
Jose_Clemente_Aconselhamento
Jose_Clemente_AconselhamentoJose_Clemente_Aconselhamento
Jose_Clemente_Aconselhamento
 
O acolhimento nas práticas de produção de saúde hrms
O acolhimento nas práticas de produção de saúde  hrmsO acolhimento nas práticas de produção de saúde  hrms
O acolhimento nas práticas de produção de saúde hrms
 
Humanização em saúde
Humanização em saúdeHumanização em saúde
Humanização em saúde
 
Publicidade e propaganda na odontologia
Publicidade e propaganda na odontologiaPublicidade e propaganda na odontologia
Publicidade e propaganda na odontologia
 
Críticas à medicalização
Críticas à medicalizaçãoCríticas à medicalização
Críticas à medicalização
 

Mais de Michelli Godoi

Texto - O processo empreendedor
Texto -  O processo empreendedorTexto -  O processo empreendedor
Texto - O processo empreendedorMichelli Godoi
 
A gestão de recursos humanos
A gestão de recursos humanosA gestão de recursos humanos
A gestão de recursos humanosMichelli Godoi
 
A gestão de Recursos Humanos
A gestão de Recursos HumanosA gestão de Recursos Humanos
A gestão de Recursos HumanosMichelli Godoi
 
Causas e Efeitos da rotatividade de pessoal - Turnover
Causas e Efeitos da rotatividade de pessoal - TurnoverCausas e Efeitos da rotatividade de pessoal - Turnover
Causas e Efeitos da rotatividade de pessoal - TurnoverMichelli Godoi
 
Intervenções em Assédio moral no trabalho: Uma Revisão Bibliográfica
Intervenções em Assédio moral no trabalho: Uma Revisão BibliográficaIntervenções em Assédio moral no trabalho: Uma Revisão Bibliográfica
Intervenções em Assédio moral no trabalho: Uma Revisão BibliográficaMichelli Godoi
 

Mais de Michelli Godoi (7)

Texto - O processo empreendedor
Texto -  O processo empreendedorTexto -  O processo empreendedor
Texto - O processo empreendedor
 
Empreendedorismo
EmpreendedorismoEmpreendedorismo
Empreendedorismo
 
O menino e a flor
O menino e a florO menino e a flor
O menino e a flor
 
A gestão de recursos humanos
A gestão de recursos humanosA gestão de recursos humanos
A gestão de recursos humanos
 
A gestão de Recursos Humanos
A gestão de Recursos HumanosA gestão de Recursos Humanos
A gestão de Recursos Humanos
 
Causas e Efeitos da rotatividade de pessoal - Turnover
Causas e Efeitos da rotatividade de pessoal - TurnoverCausas e Efeitos da rotatividade de pessoal - Turnover
Causas e Efeitos da rotatividade de pessoal - Turnover
 
Intervenções em Assédio moral no trabalho: Uma Revisão Bibliográfica
Intervenções em Assédio moral no trabalho: Uma Revisão BibliográficaIntervenções em Assédio moral no trabalho: Uma Revisão Bibliográfica
Intervenções em Assédio moral no trabalho: Uma Revisão Bibliográfica
 

Voluntariado psicológico: qualidade e ética

  • 1. 28/03/2016 PSI ­ Jornal ­ Edição 121 ­ Orientação ­ Voluntariado: de graça não quer dizer de qualquer jeito http://www.crpsp.org.br/portal/comunicacao/jornal_crp/121/frames/fr_orientacao.aspx?print=true 1/1 Orientação Voluntariado: de graça não quer dizer de qualquer jeito É prática antiga em nossa profissão a oferta de serviços voluntários a instituições, principalmente as de natureza filantrópica. Psicólogos recém­formados muitas vezes colocam­se à disposição do voluntariado com objetivo diversos, como adquirir experiência, abrir espaço para  um  futuro  posto  de  trabalho  ou  simplesmente  desenvolver  uma  atividade  baseada  em  ideologias  religiosas  e/ou  políticas.  Alguns deles  consultam  o  Conselho  para  saber  se  podem  fazer  publicidade  oferecendo  atendimento  gratuito,  fazendo  posteriormente encaminhamentos para clínica/consultório próprio ou para outras instituições. A variedade de situações verificadas mostra que o voluntariado não é uma questão simples e pode se desdobrar em inúmeras outras que merecem diferentes respostas. Não cabe ao Conselho, em princípio, proibir o psicólogo de oferecer serviços gratuitamente, mas sim zelar para  que  esses  serviços  sejam  de  qualidade  e  atendam  aos  princípios  éticos  da  profissão.  Em  função  disso,  o  psicólogo,  mesmo voluntário, deve estar registado no CRP SP (e também a instituição a que preste assistência na área psicológica). Esta exigência não é apenas burocrática, mas aponta para a necessidade de reforçarmos o compromisso profissional e combater a mentalidade de que ?de graça pode­se fazer qualquer coisa, de qualquer jeito?. Além disso, há de se ter todo cuidado para não se estabelecer com a clientela um vínculo de gratidão e submissão que não favorece a saúde mental, particularmente nos aspectos psicossociais, e menos ainda de fazer do serviço prestado um veículo de doutrinação, seja ela qual for, o que caracterizaria infração ética (Artigo 2o, alínea e do Código de Ética). Problema maior se coloca quando se tratam de psicólogos formados trabalhando como voluntários na rede pública. Poderíamos entender que  estes  estariam  amparados  pela  Lei  do  Voluntariado  (No  9.608,  de  18/2/98),  que  define  o  serviço  voluntário  como  ?atividade  não remunerada, prestada por pessoa física a entidade pública de qualquer natureza ou instituição privada de fins não lucrativos, que tenha objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência social ...? É uma lei que regulamenta uma atividade cada vez mais presente em nossa sociedade e amplamente discutida por este jornal em sua última edição, referente ao chamado terceiro setor e as polêmicas que suscita. Um  psicólogo  voluntário  se  desobrigaria  de  qualquer  vínculo  trabalhista  com  a  instituição  em  que  presta  serviço,  tendo  por  isso  plena liberdade de ação no que diz respeito a horários, férias etc. Esse tipo de relação, contudo, pode também impedir a existência de uma atividade planejada e integrada com os outros profissionais, prejudicando a qualidade da assistência prestada. Além disso, o voluntário está prestando serviços no lugar de um profissional regularmente contratado para sua função, desobrigando o Estado de cumprir com seu dever. Por isso mesmo, a posição do Conselho neste caso é de que o trabalho do psicólogo voluntário deve ser parte de um projeto maior, oferecido e aceito pela instância responsável pelo equipamento e/ou instituição. Reproduzindo o que diz a legislação citada, deve haver um contrato ou termo de adesão entre a entidade pública ou privada e o prestador de serviço voluntário, nele constando o objetivo e as condições para o exercício da atividade. As ofertas de serviços gratuitos em clínicas privadas ou consultórios, divulgadas em publicidade, ficam muito próximas das promoções que existem para o consumo em geral (ganhe um cartão de crédito e não pague a primeira anuidade, compre três produtos e leve um de graça  etc.).  Sem  esquecer  que  no  exercício  das  profissões  liberais  existe  o  mercado  e  a  competição,  preferimos  considerar  que  é  a qualidade  de  nossos  serviços  e  o  preço  justo  cobrado  que  nos  garantirá  clientela.  Muitos  ?jeitinhos?  criativos,  aparentemente  bem intencionados, não condizem com a natureza de nossas atividades. volta ao índice deste número