Livro O QUE É LUGAR DE FALA - Autora Djamila Ribeiro
Newsletter conceitos sobre multideficiência
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Desenvolvimento de Conceitos
Escola Superior de Educação de Lisboa
Mestrado em Educação Especial
Fátima Pires, Ana Sofia Diniz e Sandra Borges
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criança surdacega, não é uma
criança surda que não vê, nem
um cego que não ouve. É uma
criança com deficiência multissensorial,
privada dos seus sentidos especiais (visão e
audição) o que faz com que a combinação
destas duas incapacidades a façam
pertencer a uma categoria única e distinta
– o surdocego1¹.
Comunicação
A comunicação nas crianças com
surdocegueira e multideficiência é um
processo que envolve totalmente a pessoa,
é querer entender e responder a pessoas
que apresentam formas
diferentes de trocar informação.
A sua capacidade de o fazer
depende totalmente da nossa
capacidade de adaptação à sua
forma individual de se exprimir.
Trabalhar e interagir com este tipo de
pessoas, implica decidirmo-nos a utilizar
todos os nossos esforços para que estes
direitos básicos de comunicação e de
controlo do ambiente sejam respeitados e
desenvolvidos.
À criança com surdocegueira restam-lhe
informações olfactivas, gustativas, tácteis,
quinestésicas e vestibulares, sendo que
nem sempre se pode contar com a
compreensão do adulto para ajudar a
integrar essas informações sensoriais,
elaboradas para que se transformem em
conceitos e ampliem o seu conhecimento.
¹Rebelo (1996)
Maio2008
Desenvolvimento de Conceitos
A Comunicação é constituída por três
partes:
A “Forma” é o modo como a
comunicação acontece. Trata-se do
comportamento utilizado para
comunicar. Seja a fala, a Língua
Gestual, o choro, usando objectos,
imagens ou até mesmo adormecer.
A "Utilização" é outra parte da
comunicação. Qual é o objectivo da
comunicação? A partilha de
informações, pedir algo, perguntar ou
responder a uma pergunta.
A terceira parte da
comunicação é o "Conteúdo"
que trata do sentido. Inclui as
ideias que se partilham, os
conceitos que temos em
comum com as pessoas com quem
comunicamos. O conteúdo
desenvolve-se como resultado de
vários factores entre as quais a
repetição de acções, cheiros, sons ou
objectos que associamos a
determinado conceito.
Exemplo: Cada indivíduo desenvolve o seu
próprio significado ou conceito de
"almoço", com base nas suas experiências
pessoais.
Muitas pessoas pensam em conceitos
como aspectos como "direita" e
"esquerda". Este é um tipo particular de
conceito relativo a posições no espaço.
A
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Mas "árvore" é um conceito, tal como
"cão", "casa", e "trabalho". E os conceitos
também podem ser sobre eventos, tais
como "fazer compras" ou "visitar a avó".
Todas as palavras que sabemos têm
conceitos subjacentes. Alguns conceitos
são expressos numa palavra, como
"almoço" e outros conceitos são expressos
por meio de diversas palavras
de maneira específica.
Por vezes existe a tendência
de que as crianças precisam
apenas das palavras. Mas tal
não é realmente verdade.
Bebés com deficiência visual não
manipulam objectos, da mesma forma que
os bebés com nenhuma perda de visão o
fazem. Eles não exploram o meio
ambiente da mesma forma.
É portanto, mais complexa a noção de que
um pedaço do mundo diz respeito a vários
outros pedaços do mundo.
As crianças com deficiência visual vêem o
mundo peça por peça sendo necessário
colocá-las em conjunto para compreender
todo o panorama. Não podem ver a
“grande figura” em primeiro lugar e só
depois então olhar para as peças.
Exemplo: uma criança sem nenhuma perda
de visão vai ver que uma pessoa tem um
apito. Ela irá analisar o apito e a pessoa, e
vê a imagem de que o objecto acompanha
a pessoa. Uma criança surdacega pode não
entender essa união. Para essa criança os
objectos aparecem a flutuar no espaço, a
menos que nós a ajudemos a chegar à
grande perspectiva.
Como é que podemos ajudar uma criança
surdacega a desenvolver uma base sólida
de conceitos?
O fundamental é proporcionar às crianças
experiências que lhes permitam criar estes
conceitos para si próprias. Dizer a uma
criança que não tem qualquer visão que
alguém vai lavar louça não é, certamente,
tão benéfico como ter a criança
directamente na acção, a participar. Ela
precisa de aprender sobre como lavar
louça, sentir a louça suja, a água a
“correr”, quente ou fria. Podem
ser utilizadas palavras para
descrever o que a criança está a
realizar (mas não usar palavras
sem a experiência real).
Outra forma de ajudar a criança a
desenvolver estes conceitos é dar-lhes
oportunidades de exploração e jogo.
Trabalhar com as famílias para ajudar as
crianças a desenvolver habilidades motoras
que possam usar para explorar o mundo.
Às vezes, isso significa que as crianças
precisam de ajuda para avançar de forma
independente.
Necessitam de brinquedos e objectos que
devem responder à acção da criança, ou
seja, devem ser passíveis de ser apertados,
abanados, virados, desmanchados e
montados de novo bem como produzir
sons.
As rotinas são extremamente importantes
porque permitem à criança compreender
como o mundo se “liga” através de acções
com sequência no tempo.
O ambiente deve ser, por isso, previsível e
permitir à criança desenvolver o conceito
de permanência dos objectos, encontrá-
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los, poder manuseá-los, compará-los e
distinguir materiais, tamanhos e formas.
Devem ser providenciados à criança
objectos e experiências do dia-a-dia como
ir a lojas, aos correios, a parques e centros
comerciais.
A criança deve estar junto do adulto nas
tarefas como lavar a loiça, arrumar roupa e
preparar refeições;
As novas actividades e conceitos devem ser
introduzidos de modo a que não seja
assustador, tentando reforçar novos
aspectos com aspectos que a criança já
conhece.
A construção de conceitos inicia-se em
espiral, com a criança no centro. Numa
primeira fase com a mãe (que responde às
suas necessidades) a criança aprende que
pode influenciar outro ser humano através
do choro e outras manifestações. De forma
gradual, à medida que vai crescendo, as
suas experiências vão sendo cada vez mais
numerosas.
Devem ser estabelecidas inúmeras
conversas significativas, para partilhar
interesses e sentimentos, aproveitando as
oportunidades que surgem.
Efectuar a exploração de objectos com
a criança sem forçar ou dirigir os seus
movimentos.
Quando a criança sente
compreendidos os seus sentimentos,
desenvolve um auto-conceito mais
sólido.
Utilizar a linguagem para falar de um
conceito no momento em que acha
que a criança tem essa noção na sua
mente.
Incentivar a antecipação e a memória
efectuando gestos e falando de coisas
que tenham experimentado em
conjunto. (caixas e livros de memória)
Ser curioso sobre os conceitos da
criança e as histórias que ele tem para
contar.
Demonstrar as acções antes de pedir à
criança que as faça.
Usar a família e as rotinas da escola
como oportunidades de aprendizagem.
Usar imagens e desenhos, para
reforçar conceitos (crianças com visão
parcial).
Os conceitos vão-se construindo uns
sobre os outros através das memórias
e ideias que a criança acumula com o
tempo. Ao compreender um primeiro
conceito será mais fácil adquirir outros.
Realizar a distinção entre conceitos e
competências. Ter certas competências
não significa que a criança tenha,
necessariamente, entendido os
conceitos das mesmas.
Exemplo: A criança pode colocar loiça na
máquina e depois arrumá-la sem entender
os conceitos relacionados com a actividade
(sujo/limpo).
Cada experiência ensina conceitos, de
alguma forma, mesmo se as pessoas
que interagem com as crianças não
sejam conscientes disso.
Experiência: A criança bate com uma
colher, em simultâneo com a sua mãe,
antes de comer. A mãe efectua gestos com
a colher como se estivesse a comer.
Conceito que se pode desenvolver:
Quando mãe mostra uma colher, estou
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prestes a comer. Objectos e gestos podem
servir para comunicar.
Este desenvolvimento requer tempo para
experimentação e repetição e deve ser
divertido tanto para a criança como para o
adulto.
A Importância das relações
Todos os conceitos começam com
relacionamentos significativos.
Uma relação significativa serve como
centro a partir do qual se explora o
mundo e se alargam
progressivamente os
círculos.
Tipos de Conceitos
O modo como o
mundo funciona
(rotinas, para que
se utilizam as
coisas e relação
causa-efeito)
O modo como o ambiente físico
está organizado (orientação e
mobilidade)
De onde surgem as coisas (o
mundo natural, os seus ciclos e
leis)
Como as coisas são sequenciados
(tempo e sequência das
actividades)
Auto-conceitos e conceitos sociais tais
como; “Pertenço a uma família ou grupo” e
“Eu posso contribuir para a minha
comunidade”.
Conclusão
A aprendizagem de uma criança surdacega
não deverá ser deixada ao acaso. Tudo
terá de ser planeado e programado de
modo a que as coisas tenham sentido e
interesse para assim dar um significado à
sua vida.
A autonomia individual de cada um e a sua
realização são princípios fundamentais.
É de toda a pertinência uma intervenção
precoce, com conhecimento e respeito
pelo perfil individual de cada criança, com
a articulação de todos os
sujeitos envolvidos no
processo educativo,
numa avaliação
permanente e numa
relação estreita com a
família.
O desenvolvimento de
conceitos é uma partilha
de aventura em que os
adultos e as crianças podem aprender uns
com os outros de forma a explorar o
mundo em conjunto. Podemos ajudá-los a
participar com significado na sociedade.
Bibliografia
Amaral, I. (1997). Comunicação com Crianças Surdocegas.
Cadernos de Educação de Infância
REBELO, A. (1996). Comunicar com a Pessoa Surdocega.
Lisboa: Casa Pia.
BARBARA MILES, E BARBARA MCLETCHIE, (2005) Desarrollo
de Conceptos con Niños Sordo-Ciegos. Centro Nacional de
Distribución de Información sobre Niños que son Sordo-
Ciegos
JIM DURKEL, (2000) what a concept! Texas School for the
Blind and Visually Impaired Outreach