1) O documento discute as relações de trabalho no serviço público brasileiro e a negociação coletiva.
2) Historicamente, as relações foram autoritárias, mas a Constituição de 1988 reconheceu direitos como sindicalização e greve.
3) Nos governos Lula, houve democratização com negociação coletiva, mas o Supremo Tribunal Federal se opôs inicialmente.
1. XIII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Buenos Aires, Argentina, 4 - 7 nov. 2008
Negociação coletiva de trabalho no serviço público brasileiro
Duvanier Paiva Ferreira
Idel Profeta Ribeiro
Charles Moura Alves
1. Relações de trabalho no Brasil: introdução e nota histórica
As relações de trabalho no Brasil têm, por origem e marca histórica, o autoritarismo. Pesa sobre a
sociedade brasileira a ignomínia da escravidão. Foi sob o jugo do açoite que se desenvolveu a
exploração da força de trabalho ao longo de todo o período colonial até o final do Império.
No início do século XX, aurora da República, era igualmente incipiente e difusa a industrialização
no país. Os trabalhadores estavam submetidos a precárias condições de vida e de trabalho e a
organização de manifestações políticas e greves era sistemática e brutalmente sufocada pelo patronato,
que contava com o auxílio do aparelho estatal, por meio da mobilização repressiva de forças policias
truculentas, especialmente durante o governo de Artur Bernardes (1922-1926).
Neste quadrante da história, no centro do capitalismo, a institucionalização das normas de regência
do universo do trabalho decorria, principalmente, dos conflitos de onde emergia o ordenamento de
caráter coletivo, à margem da intervenção estatal e de fonte autônoma.
Diferentemente da Europa, por aqui, a consolidação de direitos tem raízes heterônomas, na
imposição das normas, de modo coercitivo, pelo Estado e foi nessa esteira que, em meados do século
passado, tomando por paradigma o instrumental normativo fascista de Mussolini, o Presidente Getúlio
Vargas regulamentou o Direito do Trabalho no país.
Do ponto de vista dos direitos individuais a Consolidação das Leis de Trabalho (1943) garantiu aos
trabalhadores acesso a direitos como férias, salário mínimo, descanso semanal remunerado e jornada de
trabalho e significou a consolidação de avanços históricos que, gize-se, mantém-se até os dias atuais.
Todavia, sob o ponto de vista dos direitos transindividuais e da identidade coletiva dos
trabalhadores, a inspiração totalitária do arranjo normativo trabalhista enfrenta críticas por trazer
consigo instrumentos como a unicidade sindical, o imposto sindical compulsório, o controle sindical e
o poder normativo atribuído à Justiça do Trabalho que teriam por objetivo precípuo o exercício pelo
Estado de controle sobre a classe operária, de modo a engendrar um sistema no qual a instituição de
direitos individuais serviria de moeda de troca a barrar a liberdade de organização.
Ainda que não se possa tomar a parte como o todo, como assevera Angelo D'Agostini Junior:
"O sistema de relações de trabalho no Brasil, não se fundou em um diálogo social como,
por exemplo, o experimentado na Europa do pós-guerra. Em sua origem, na década de 40,
não se buscou um arranjo institucional que fortalecesse as relações diretas entre capital e
trabalho, nem que fortalecesse a contratação coletiva ou a intervenção em políticas
públicas. Este arcabouço legal caracteriza-se pela intervenção direta do Estado sobre as
relações de trabalho e negociação coletiva, incluindo a organização sindical, modelo este
utilizado amplamente pelo regime militar nas décadas de 60 e 80 para intervir nas
organizações sindicais e nos processos negociais." (BRAGA:2007:23).
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No que concerne ao serviço público, a organização coletiva das relações de trabalho não teve
melhor sorte. Até o advento da reabertura democrática e promulgação da Constituição de 1988, que
garantiu aos servidores públicos o direito à liberdade de associação sindical e o direito de greve (a ser
exercido nos termos da lei) as cartas políticas que a antecederam, desde a Constituição do Império de
1824, mantiveram-se silentes quanto à possibilidade de organização coletiva dos servidores públicos
em torno de sindicatos e de relacionamento propositivo com o Estado na busca de intervir naquilo que
lhes dizia respeito, chegando mesmo a Constituição de 1967 a vedar expressamente o exercício do
direito à greve no serviço público.
Se por mais não fosse, o desenvolvimento de relações de trabalho amparadas no reconhecimento da
autonomia coletiva encontraria obstáculos ainda, por um lado, no clientelismo e na subserviência,
heranças da administração patrimonialista não superadas pela reforma administrativa do Estado Novo,
cujo êxito na instituição de um verdadeiro regime legal-burocrático não obteve o alcance que lhe seria
próprio. Por outro, a possibilidade de contratação de servidores sob os mais diversos regimes jurídicos,
dificultava a formação de uma identidade coletiva.
Melissa Demari, aponta que:
"O suporte ideológico daquela realidade era uma concepção autoritária de Estado, que
não admitia a existência de conflitos de interesse nas relações de trabalho mantidas com o
Poder Público e tampouco a possibilidade de se instituir uma relação democrática com
aquele, na qual as partes poderiam acordar ou apenas ajustar a relação entre si
estabelecida. Conforme ressalta Ernildo Stein, "sem a participação efetiva de todos na
elaboração das instituições, estas sempre se convertem em estruturas de violência e
dominação". (DEMARI:2007:33).
A Constituição de 1988, veio reconhecer aos servidores públicos os direitos de sindicalização e
greve, todavia, não obstante o fato de a autonomia coletiva dos servidores públicos ter sido elevada à
estatura constitucional e não guardar compatibilidade com a permanência do modelo autoritário até
então vigente, tal ruptura de paradigma não foi prontamente capturada pelos gestores do Estado até
recentemente.
Os dois governos que antecederam aos atuais mandatos do Presidente Lula (1995/1998 e
1999/2002), que tiveram a frente o Presidente Fernando Henrique Cardoso, notabilizaram-se pela
introdução no cenário político-institucional brasileiro do conceito de Estado Mínimo.
Há que se destacar que tal concepção de Estado não fortaleceu os ditames, os preceitos e os
princípios consagrados pela Carta de 1988, que já vinham enfraquecidos com o impeachment do
Presidente Fernando Collor.
Especialmente no que concerne ao modelo de relações que mantiveram com o funcionalismo
público federal, estas pouco ou nada se amoldam à diretriz constitucional, na medida em que não
buscaram dar tratamento aos conflitos de trabalho na Administração Pública Federal. Utilizaram como
tática derrotar politicamente categorias profissionais (como foi o caso dos petroleiros em 1996) com
demissões e imposição de multas vultuosas contra os sindicatos que acabaram por criar um anticlímax
à construção democrática do Estado. Se por um lado reprimiu o movimento sindical do funcionalismo,
por outro criou o sentimento de profundo desinteresse na máquina pública e contribui para aprofundar
o desmonte do aparelho estatal.
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No segundo mandato do Presidente Fernando Henrique Cardoso (1999/2002) as crise política e
econômica (a inflação em 2002, medida pelo IPCA, chegou a 12,53%) somadas à ausência de diálogo
com os servidores desaguaram na vivência de inúmeras greves, como nunca antes havia ocorrido, como
por exemplo, a greve do Instituto Nacional do Seguro Social, que se estendeu por mais de 100 (cem)
dias. Como conseqüência deste processo, houve banalização do recurso às greves, aumento dos
conflitos e enfraquecimento total das relações de trabalho, demonstrações do nítido enfraquecimento do
Estado.
Rompendo o viés autoritário histórico nas relações entre o Estado e seus servidores, nos governos
do Presidente Lula o amálgama e nota característica da política de gestão de recursos humanos em
prática no governo federal desde 2003 é a democratização das relações de trabalho.
As ações desenvolvidas trazem consigo a marca do estabelecimento de um novo paradigma, que
valoriza a participação dos servidores na definição de políticas e nos processos decisórios que dizem
respeito à vida funcional; que reforça a transparência e a moral administrativa e que contribui para a
construção de mecanismos de controle social da função administrativa do Estado.
Se por um lado a criação de um ambiente democrático, includente e participativo nas relações entre
a administração e seus servidores vai na direção de efetivar a diretriz constitucional de modelo de
Estado inaugurado com a nova Constituição (democrático, social e de direitos), por outro, revela-se
instrumento fundamental de gestão a interferir positivamente na eficiência, resolutividade e qualidade
dos serviços e ações que são objetivo da Administração Publica Federal.
Dos instrumentos de democratização em prática, cabe relevar o desenvolvimento da cultura da
negociação, em especial da negociação coletiva de trabalho. A instituição de processo sistematizado e
permanente de negociação privilegia o pensar e o fazer coletivos e a autotutela dos conflitos que são
inerentes às relações de trabalho, evitando sua exacerbação por meio de greves e paralisações, nem
sempre conciliadas à necessária continuidade dos serviços públicos.
2. Estado Democrático e Democratização das Relações de Trabalho no Serviço Público
Federal
2.1 A negociação coletiva como exigência político-constitucional.
Ao instituir em favor dos servidores públicos o direito à livre associação sindical e ao recurso
extremo da greve, a Constituição manteve-se omissa quanto a, expressamente, estender-lhes o direito
de negociação coletiva, ao qual os demais encontram-se visceralmente ligados, formando um tripé.
Em razão da dita ausência de manifestação expressa do texto constitucional quanto à possibilidade
de os trabalhadores no serviço público participarem da determinação de suas condições de trabalho,
persistem entendimentos que rechaçam a possibilidade de sua coexistência com os deveres de
obediência, hierarquia e reserva legal aos quais estão vinculados os servidores públicos.
Aliás, foi nesse sentido que a Corte Suprema, calcada nos argumentos tradicionalmente veiculados
pela doutrina administrativista, negou vigência a dispositivo inserto no Estatuto do Funcionalismo
Público Federal que tratou do acesso à negociação coletiva como recurso para para composição de
conflitos originados dos antagonismos próprios às relações entre trabalhador e empregador.
Não obstante o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, as interações da vida cotidiana na
esfera político-administrativa, aliadas à disposição política neste sentido, impuseram a construção de
espaços como o que vimos construindo no Governo Federal, à exemplo da Mesa Nacional de
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Negociação Permanente. Há experiências outras, históricas, de defesa e instituição de mecanismos de
diálogo entre a administração pública e seus servidores, o que impõem necessária a regulação da
negociação coletiva de trabalho no serviço público brasileiro a fim dar conseqüência aos direitos
sociais dos seus trabalhadores.
Entendemos que a construção deste marco legal não se choca com a diretriz normativa da
Constituição e encontra amparo dentro dos limites inerentes à atuação do Estado, pois, justamente no
ambiente de superação do autoritarismo e da violência que marcaram os anos de chumbo da Ditadura
Militar convocou-se a Assembléia Constituinte que trouxe a lume a Constituição de 1988, a
constituição cidadã.
Como decisão política fundamental a Carta Magna consagra a concepção de um Estado
Democrático de Direito ao qual não basta a regência unilateral de direitos e de proteção social mas,
antes, pela sua matriz democrática, exige que tais garantias sejam conformadas a partir da participação
pública e do diálogo com todos os atores sociais envolvidos na sua construção.
Isso inclui, naturalmente, frisamos, dentro das linhas que delimitam a formação de um Estado
Democrático, a relação que ele mantém para com aqueles que são a sua face externa, os servidores
públicos, aos quais incumbe a prestação direta à população dos serviços, bens, garantia e promoção de
direitos que dão conseqüência à sua própria existência.
Pela relevância que os serviços públicos assumem na materialização da cidadania as questões que
envolvem a relação mantida entre o Estado e seus servidores afetam toda a sociedade, especialmente
porque refletem seus resultados na qualidade e eficiência do que se dispõem à população, de modo que
a pacificação destas relações não importa apenas ao Estados e aos sindicatos, mas também àqueles aos
quais se destinam o seu mister de persecução do interesse público.
Não foi por outro motivo que o texto constitucional de 1988 veio garantir aos servidores o direito à
sindicalização e à greve. A par destes direitos está o direito à negociação coletiva de trabalho, como
instrumentos que exigem do Estado o tratamento dos conflitos imanentes à dinâmica social.
Alerta Luciana Bullamah Stoll:
"Destarte, ponto de suma importância em relação à possibilidade de negociação coletiva
no setor público no Brasil é que não se pode pensar em um sistema sindical e no direito de
greve que não admita, antes, a negociação coletiva de trabalho, como decorrência lógica
do direito à liberdade sindical, que deve ser exercida amplamente." (STOLL:2007:148).
Prefaciando a mesma obra, em análise às decisões do Poder Judiciário brasileiro quanto ao tema,
ressalta a reflexão do Professor Enoque Ribeiro dos Santos:
" Data maxima venia, trata-se a nosso sentir, de entendimento equivocado, uma vez que
assim procedendo agride e restringe os direitos humanos fundamentais dos trabalhadores,
cuja interpretação deve ser a mais ampliativa possível, jamais restritiva, bem como o
direito de liberdade sindical, no qual se acha inserido o direito de livre negociação
coletiva (...) A negação de direitos fundamentais – como o direito de negociação coletiva
de trabalho dos servidores públicos – não se harmoniza com o Estado Democrático de
Direito, fundado no princípio nuclear da dignidade da pessoa humana, fundamento de
validade de todo arcabouço normativo constitucional e no pleno exercício da liberdade
sindical." (STOLL:2007:11 e 12).
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2.2. Premissas para institucionalização de um sistema permanente de negociação coletiva
Temos pensado que a construção do modelo institucional de negociação coletiva para o setor
público deve constituir-se em forma de sistema e expressar, como concepção política, a democratização
das relações de trabalho da qual é pressuposto. Desse modo, a construção passa pela convergência e
ajuste de expectativas entre os protagonistas da cena administrativa.
Para tanto, cabe destacar, o movimento sindical precisa priorizar este debate, se não mais, ao menos
do mesmo modo que prioriza a sua pauta de demandas econômicas e remuneratórias, sob o risco de ver
passar a oportunidade histórica de consolidação orgânica no Estado brasileiro de espaços permanentes
de debate acerca da vida funcional dos servidores que representa. A aplicação desta concepção, que
propõe metodologia participativa para explicitação de conflitos e encaminhamento de demandas
administrativas, exige regulamentação e formatação balizadas em termos admissíveis no âmbito do
Direito Administrativo.
Socorremo-nos, na compreensão de tais limites, do criterioso estudo de Melissa Demari para quem
as dificuldades de compreensão da compatibilidade jurídica do instituto com o modelo organizacional e
legal vigentes podem ser superadas pois "não se trata, portanto, de ignorar o valor da lei e de suas
dimensões como constitutivas de uma sociedade democrática, mas de ressignificar o seu papel social,
permitindo sua interação com a sociedade e evitando-se absolutizar o seu sentido" (DEMARI:2007:65).
E nesse curso o sistema apóia-se nos seguintes princípios e garantias constitucionais:
Legalidade: considerando que a vontade da administração decorre da lei e que
“certamente, a legalidade e a competência são dispositivos constitucionais insuperáveis
juridicamente, tendo o acordo firmado entre os interessados cunho político e moral, com o
comprometimento da autoridade competente de enviar projeto de lei nos termos do
pactuado para o Poder Legislativo”. (STOLL:2007:119).
Moralidade: seja por reforçar e favorecer a “moral administrativa”, seja por tratar-se de
regra de conduta no processo negocial.
Impessoalidade, Finalidade ou Indisponibilidade do Interesse Público: na medida em
que os interesses em disputa, primeiro, não são tratados de modo fisiológico, segundo,
devem corresponder às finalidades que são essência do Estado.
Eficiência: pela qual incumbe à gestão pública o dever de “boa administração”, conceito
que inclui, além da obediência à lei e à honestidade, a produtividade, o profissionalismo e
a adequação técnica e política do exercício funcional no prisma de satisfazer ao interesse
público, considerando ainda, do ponto de vista do processo político, que “a idéia de Estado
Democrático de Direito, como o próprio tema da Democracia, passa pela avaliação da
eficiência e legitimidade dos procedimentos utilizados no exercício da gestão dos interesses
públicos e sua própria demarcação, a partir de novos espaços ideológicos e novos
instrumentos políticos de participação.” (LEAL:1997:107).
Participação: que fundamenta o nosso modelo de Estado cujo “conteúdo ultrapassa o
aspecto material de concretização de uma vida digna ao homem e passa a agir,
simbolicamente, como fomentador da participação pública quando o democrático qualifica
o Estado, o que irradia os valores da democracia sobre todos os seus elementos
constitutivos e sobre a ordem jurídica” assegurando, inclusive, a participação e o controle
da sociedade sobre os atos de gestão do governo.” (STRECK e MORAIS: 2001 in
DEMARI: 2007: 30).
Publicidade: externada pela transparência que o processo engendra, seja para os
servidores, seja para a sociedade, e pela garantia de acesso a informações relativas à
administração.
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Liberdade sindical: reconhecendo, de fato, aos sindicatos a legitimidade de defesa dos
interesses em conflito decorrentes das relações funcionais e de trabalho na administração
pública, assegurando a livre organização sindical com os instrumentos que lhe são
inerentes.
Em harmonia com os preceitos constitucionais acima apontados, o modelo institucional em
discussão requer a garantia de atendimento a pressupostos essenciais em um sistema de negociação,
segundo aponta a experiência histórica acumulada. Tais pressupostos servirão à composição do
ambiente negocial, quais sejam:
I. reconhecimento da legitimidade dos conflitos e dos interesses que eles envolvem;
II. participação dos diretamente interessados:
• Governante como agente político e gestor público;
• Sindicatos e entidades de classe do funcionalismo;
• Sociedade em nome dos interesses de cidadãos e usuários.
III. garantia de amplo espaço de liberdade e de autonomia das partes, inclusive quanto
ao exercício do direito de greve;
IV. caráter permanente e eficácia do processo;
V. normatização de procedimentos para a defesa de pleitos e debates de propostas;
VI. instituição de mecanismos de apoio, tais como mediação, organização nos locais de
trabalho e acesso à informação para promover equilíbrio interpartes no processo de
correlação de forças.
2.3. A negociação coletiva como instrumento estratégico de gestão
Ao assegurar aos servidores públicos os mais radicais instrumentos de defesa (sindicalização e
greve) a Constituição Federal reconheceu o caráter conflituoso das relações de trabalho, inclusive
naquelas que vinculam o Estado e seus trabalhadores.
Como bem nota Luciana Bullamah Stoll:
"(...) os conflitos são inerentes à própria vida em sociedade, sendo esta o palco de
interesses opostos, dada a pluralidade humana e o estreitamento do mesmo espaço pessoal,
profissional, cultural, e outros, nos quais os homens se relacionam. As tensões entre os
trabalhadores do Estado se avolumam e reclamam meios de solução, que por certo advêm
dos direitos por eles conquistados paulatinamente, tais como o direito à sindicalização e à
greve" (STOLL:2007:70).
Maior será a conflituosidade no serviço público em comparação à iniciativa privada. Seja pelo
volume e importância da ação estatal na economia, seja porque nela não se envolve apenas o
tradicional conflito entre capital e trabalho, patrão e empregado, mas, para além disso, estão envolvidos
os interesses de toda a coletividade, dos usuários dos serviços. Interesses que ensejam e demandam a
adoção de meio para articular expectativas divergentes e igualmente legítimas acerca da consecução do
interesse público inafastável.
Estas aparentes contradições, como todo conflito, têm uma finalidade normativa que lhe é inerente,
pois trazem consigo uma incompatibilidade que reclama decisão. O administrar tais contradições talvez
seja uma das tarefas mais espinhosas enfrentadas pelos gestores na máquina pública, em qualquer
posição estejam. Nesse passo são valiosas as ponderações de Douglas Gerson Braga, para quem:
"Nunca é demais repetir que a eficiência administrativa está intimamente relacionada à
capacidade de gerenciamento de conflitos de interesses, dentre os quais se situam os
conflitos do trabalho. Posto de outra forma, conflito não administrado transforma-se,
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com freqüência, em ineficiência e em confrontos. As intermináveis greves do setor
público federal,ocorridas no ano de 2001, alcançando períodos superiores a cem dias, em
áreas como, saúde, educação e previdência social, atestam essa percepção. Tal
exacerbação de conflitos costuma causar prejuízos generalizados, mas é evidente que
penaliza mais os setores menos favorecidos da sociedade. Com efeito, no caso apontado,
em que pese afetar interesses indiscutíveis e até mesmo vitais da população, o gestor
público não adotou medidas administrativas eficazes para que os“interesses públicos
indisponíveis” fossem preservados. Talvez porque tais medidas devessem ser pensadas e
implementadas antes da exacerbação do conflito." (BRAGA:2007).
A par disso, a negociação coletiva, como instrumento de democratização da relações de trabalho,
assume caráter estratégico na gestão do Estado. O trato democrático de interesses coletivos estimula
pensamento, debate e construção acerca da cultura de prestação dos serviços públicos direcionando-a
para a formação do Estado Democrático, presente e atuante face às demandas populares. Isso porque o
tratamento dispensado à relação com os trabalhadores tem reflexo intrínseco na qualidade e eficiência
dos serviços prestados, de modo que a negociação acaba por se configurar em instrumento de
gerenciamento de conflitos que interfere na realização dos serviços, na direção de garantir a realização
do princípio constitucional da eficiência, que, diga-se, não se confunde com pregações neoliberais de
recorte fiscalista.
A democratização das relações de trabalho é condição e caminho para gerar novos padrões de
compromisso no aparelho do Estado posto que "a valorização dos servidores, mediante a instituição de
canais de comunicação que possibilitem a melhoria de suas condições de trabalho, contribui para a
formação de um "espírito do serviço público" e de uma "moral profissional"da categoria, ambos
capazes de superar a apatia e indiferença que a vêm dominando nos últimos anos e contribuindo para o
notório desmonte dos serviços públicos". (DEMARI:2007:14).
A participação sistemática dos servidores nos espaços de negociação estimula compromissos com a
resolutividade administrativa e concretiza política conjugada de valorização dos servidores com
qualidade dos serviços que prestam, paradigma que deve funcionar como núcleo da metodologia em
discussão. A participação social no processo negocial, por meios próprios, efetiva recurso de controle
social sobre a função administrativa do Estado.
2.4. A negociação coletiva como alternativa à greve e à exacerbação dos conflitos.
Merece destaque a importância que o processo permanente de negociação coletiva de trabalho no
serviço público pode ter como alternativa à greve, na medida em que é instrumento privilegiado de
gestão a potencializar possibilidades de composição dos conflitos capazes de evitar o confronto. Não se
propugna, por óbvio, que a negociação seja condicionante ao exercício do direito de greve, todavia
poderá, sim, situar-se enquanto um recurso primário, deixando a greve como recurso final.
Mais aguda é nossa percepção nesse sentido quando notamos que parte significativa das
paralisações no serviço público, até recentemente, tinham por escopo inicial pressionar pela abertura da
negociação.
No que concerne ao assunto merece vista a percepção do Ministro do Tribunal Superior do
Trabalho José Luciano Castilho Pereira em análise à situação até então configurada relativamente ao
destino e à motivação dos movimentos paredistas:
" O servidor público pode sindicalizar-se, sem qualquer restrição, como decorre do
comando do art. 37, VI, da Constituição, sem, portanto, os limites previstos para o
trabalhador em geral (art. 8º, II, da Constituição Federal.
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O servidor público pode fazer greve, como decorre do art. 37, VII, embora esta seja de
eficácia contida, pois ela depende de lei específica, ainda não editada.
Mas quando o servidor público, por meio de seu sindicato, apresenta uma reivindicação
coletiva e ela não é acolhida o que ele pode fazer?
Ele não pode negociar, como já decidiu o Supremo Tribunal, na ADIn n. 492-DF.
Ele também não pode fazer greve, pois a lei específica até hoje não foi feita.
Tem sido encontrada uma situação "brasileira" para o impasse.
Contrariado em sua pretensão, o servidor público entra em greve, direito ainda não
exercitável.
Em seguida, com o serviço parado, continua a negociação com o Poder Público,
negociação esta que não é permitida, tudo sem prejuízo do pagamento dos vencimentos dos
servidores que não estão trabalhando. Muitas vezes esta proibida negociação chega a um
bom termo, sendo necessário o encaminhamento de um projeto de lei para consolidar o
que foi negociado.
A lei, que por natureza é abstrata e geral, passa a ser norma concreta, individualizada,
previamente acordada com os beneficiários dela! (...)
Esta solução tem sido trágica na área do ensino público, parecendo que todos querem
destruí-lo; e tem sido ameaçadora na área de segurança, com polícia civil e militar
fazendo greve (...)
Neste ponto, pois, é urgente uma reforma constitucional, para que seja criado um
mecanismo de solução das questões, dos servidores públicos, como indicado por
Süssekind, seguindo Orientação da Organização Internacional do Trabalho." (in STOLL:
2007: 110,111).
A institucionalização do espaço negocial em reconhecimento à identidade coletiva dos servidores
talvez seja a única maneira de compatibilizar o exercício do direito de greve com as demais garantias
constitucionais asseguradas aos cidadãos (que dependem da prestação regular e contínua dos serviços
estatais), de modo a respeitar as liberdades sindicais respaldando-as pelos princípios orientadores da
administração pública. Até porque, como bem demonstra a experiência histórica brasileira, o
posicionamento de cunho conservador ou autoritário é no sentido de ora proibir as greves no serviço
público, ora incriminá-la, levando-a de um direito a um crime.
"Ao se situar como alternativa entre o tudo ou nada, do nada ou da greve, a
implementação do Sinp se coloca como instrumento indispensável da sociedade. Ou seja, o
objeto de que se ocupa situa-se no campo dos interesses públicos indisponíveis da
Administração Pública, sobre os quais não pode haver omissão do administrador. A
instituição desse instrumental significa, portanto, estrita observância ao princípio da
indisponibilidade do interesse público e clara obediência ao princípio constitucional da
eficiência, nos termos estatuídos no Artigo 37 da Constituição Federal. Frise-se que,
segundo a doutrina, os princípios jurídicos que informam a Administração Pública gozam
de eficácia normativa, o que reforça ainda mais o caráter imperioso da adoção de
processos e instrumentos que aperfeiçoem, permanentemente, a eficiência administrativa."
(BRAGA:2007) 1
2.5. As entidades sindicais de servidores públicos e a negociação coletiva.
O uso do canal negocial não aparece como ferramenta estratégica apenas para o gestor e a
sociedade senão também para os servidores e suas entidades de classe.
1Para a expressão Sinp: Sistema Democrático de Negociação Permanente.
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9. XIII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Buenos Aires, Argentina, 4 - 7 nov. 2008
Primeiro, porque efetiva o direito à negociação e dá conseqüência às liberdades sindicais e à
autonomia coletiva dos servidores públicos, no contexto das lutas históricas dos trabalhadores, pelo
aprofundamento da democracia, pela adoção de um sistema democrático de relações de trabalho e por
um novo projeto de sociedade. Depois, os conceitos de eficácia e eficiência do Estado e dos serviços
públicos, que se propõem sejam adotados como elemento paradigmático em um sistema de negociação,
são também bandeiras de luta históricas dos movimentos sindical e social, na percepção de que ao
Estado cabe assegurar e fomentar direitos essenciais de cidadania que se materializam na prestação de
serviços qualificados à população. Concretiza reivindicação histórica de participação dos trabalhadores
nos processos decisórios da administração pública.
Ademais, por um lado, estimula a atuação conjunta das entidades e fortalece a unidade sindical e a
organização nos locais de trabalho, potencializando sua capacidade de mobilização e pressão. Por
outro, promove aliança de interesses entre trabalhadores dos setores público e privado, articulando a
pauta sindical à pauta da cidadania.
3. Breves conclusões.
É de concluir que a negociação coletiva de trabalho no setor público é exigida e contribui para a
consolidação de uma concepção de Estado Democrático, participativo, atuante, eficaz e eficiente na
prestação dos serviços essenciais ao exercício da cidadania na medida em que "a participação e a
consensualidade nas democracias contemporâneas, através da coordenação de ações, mediante
cooperação e colaboração, contribui para o aprimoramento (1) da governabilidade, (2) dos mecanismos
voltados à inibição de abusos, (3) da observância dos interesses gerais, (4) da qualificação das decisões
adotadas, (5) bem como desenvolve a responsabilidade dos cidadãos e (6) confere maior aceitabilidade
e obediência aos comandos estatais, realizando, através de tais aspectos, os postulados da eficiência,
legalidade, justiça, legitimidade, civismo e ordem, respectivamente." (DEMARI:2007:189).
Buscando abrir caminho para a institucionalização desta política o Presidente Lula encaminhou ao
Congresso Nacional o pedido de ratificação por aquela Casa de Leis da Convenção 151 da OIT que,
como se sabe, traça diretrizes nesse sentido. Ainda, desde o ano de 2003 foram firmados, no âmbito da
administração direta, 70 (setenta) acordos de trabalho, envolvendo os mais diversos temas, entre o
Governo Federal e entidades sindicais nacionais. 2 Ora trabalhamos a construção da I Conferência
Nacional de Recursos Humanos, que trará a discussão acerca da democratização das relações de
trabalho como tema de relevância e será articulada a partir de uma interação que envolverá os gestores
estatais, a representação sindical dos trabalhadores no serviço público e a sociedade civil organizada.
BIBLIOGRAFIA
BRAGA, Douglas Gerson. Programa de Capacitação de Negociadores do SUS: construindo o Sistema
Nacional de Negociação Permanente do SUS – SiNNP – SUS. São Paulo: Internacional de
Serviços Públicos, ISP – Brasil, 2007.
CRUZ, Eliane. Saudações a quem tem coragem: dez experiências de negociação sindical no setor
público. São Paulo: Internacional de Serviços Públicos, ISP – Brasil, 2001.
DEMARI, Melissa. Negociação Coletiva no Serviço Público. Porto Alegre: Dom Quixote, 2007.
LEAL, Rogério Gesta. Direitos humanos no Brasil: desafios à democracia. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 1997.
STOLL, Luciana Bullamah. Negociação Coletiva no Setor Público. São Paulo: Ltr, 2007.
STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência política e teoria geral do Estado. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2001.
2A respeito veja-se o quadro da próxima página.
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10. XIII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Buenos Aires, Argentina, 4 - 7 nov. 2008
RESENHA BIOGRÁFICA
DUVANIER PAIVA FERREIRA
Secretário de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão do Governo
Federal. Foi professor em escolas do Estado e da Prefeitura de São Paulo; Chefe de gabinete da
Secretaria de Gestão na Prefeitura de São Paulo durante o Governo Marta Suplicy e Assessor político
da Direção Executiva Nacional da Central Única dos Trabalhadores - CUT. Fundou e coordenou a
Escola Sindical de São Paulo e foi Secretário de Formação da CUT estadual de São Paulo.
E-mail: duvanier.ferreira@planejamento.gov.br e duvanier@hotmail.com
Telefone: (5561) 3313.1114
Fax: (5561) 3322.6539
IDEL PROFETA RIBEIRO
Assessor do Secretário de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão,
advogado, pós graduado “lato sensu” em Filosofia do Direito pela Universidade de São Paulo, servidor
público do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, foi Assessor na Secretaria de Gestão Pública da
Prefeitura de São Paulo atuando na Assessoria de Relações do Trabalho e exerceu por três anos a
Coordenação Geral de Negociação e Relações Sindicais na Secretaria de Recursos Humanos do
Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão do Governo Federal.
E-mails: idel.profeta@planejamento.gov.br ou idel.profeta@ig.com.br
Telefone: (55-61) 3313.1033
Fax: (5561) 3322.6539
CHARLES MOURA ALVES
Advogado, graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito de São Bernardo
do Campo, foi Secretário-Adjunto de Administração da Prefeitura Municipal da Estância Turística de
Ribeirão Pires, Estado de São Paulo, e Assistente de Direção e Diretor do Departamento de Assistência
Judiciária e Defesa do Consumidor da Prefeitura Municipal de Santo André, Estado de São Paulo.
Atualmente é Assessor na Secretaria de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, Orçamento
e Gestão do Governo Federal.
E-mails:charles.alves@planejamento.gov.br e charles.mouraalves@gmail.com
Telefone: (55-61) 3313.1033
Fax: (5561) 3322.6539
QUADRO
Acordos firmados entre 2003 e 2008
ANO 2003 2004 2005 2006 2007 2008
QUANTIDADE 02 10 08 03 14 33
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