O documento discute como o medo de perder, principalmente no contexto do ciúme em relacionamentos, é a principal causa do sofrimento humano. O ciúme surge do medo de ser abandonado e dispensável para outra pessoa. Ele destrói a identidade individual e amarra as pessoas em um relacionamento tóxico. A única maneira de viver feliz é aceitar que todas as coisas são transitórias, incluindo as pessoas e os relacionamentos, e viver plenamente no presente.
Medo de perder: o maior obstáculo para o crescimento
1. Medo de Perder (Ciúme)
Antônio Roberto Soares
O medo de perder é o maior obstáculo para o nosso crescimento. Sobretudo o medo de perder alguém que nós
dizemos amar. Essa emoção é a principal responsável pelo nosso sofrimento vital. Pois temos medo de sermos
rejeitados pela pessoa que dizemos amar. O medo de perder aparece sob várias formas.
Medo de sermos criticados, rejeitados, de não sermos importantes, ilustres, amados e medo da solidão. Isso tudo se
resume numa só palavra: Ciúme.
Ciúme é o medo de não possuir alguém, de não ser dono de alguém. Na relação ciumenta colocamos nós e o outro
como objeto, como se objeto e pessoa fossem a mesma coisa. No ciúme temos medo de algum dia sermos rejeitados,
dispensáveis à outra pessoa. Esta emoção é sofrimento de apego, torna a relação confusa, sofrida. Isto já vem de
nossa cultura quando dizem que o ciúme é a maior prova de amor. O que é justamente o oposto do amor. Na relação
amorosa existe identidade: “eu sou independente de você”. Perde-se a identidade quando se diz: “eu sem você não
valho nada, pra mim você é tudo”. O amor é solto, livre, vem do verdadeiro querer. Sem prisão de sentimentos, bem
o contrário do ciúme, que amarra, prende, condiciona. A pessoa já não é ela mesma, mas ela é o que o outro quer
que ela seja. Pra que também ela seja o que o outro quer. É um pacto de destruição mútua. Quando um usa o outro
na garantia de não ficar sozinho, de não ser abandonada, passamos a vida inteira com medo de sermos hoje
totalmente dispensáveis.
O homem é por definição dispensável, transitório e efêmero, aquilo que passa, isto é bastante real em todas as
relações. Hoje somos substituíveis, o mundo sempre existiu sem nós, está existindo conosco e continuará a existir sem
nós. Somos necessários aqui e agora. Mas seremos dispensáveis além. O medo da morte é o ciúme da vida, é a
vontade falsa irreal de sermos permanentes, eternos e imutáveis, isso nos leva a crer que as coisas só têm valor, só
valem a pena se forem eternas, só se tivermos garantia que sempre será assim como é. Mas como tudo é transitório e
mutável pode se transformar. O medo de perder nos leva a um estado contínuo de sofrimento.
As conseqüências do ciúme são bem claras: se eu tenho medo de não ser amado, de ser abandonado, de ser
dispensável a alguém, em vez de eu fazer tudo cada vez melhor, vou gastar toda minha energia, minha vida, para
provar que já sou melhor, que já sou o primeiro, o que é mentira e nos conduz ao delírio. A falsidade de nossos atos,
nossas iniciativas, nossas considerações, é tudo para mostrar que somos bons, fortes, perfeitos, capazes. Tudo é o
medo de perder. É a vontade de ganhar. O medo de perder é assim, ganhando ninguém vai nos tirar. Gastamos nossas
energias para defender o que já possuímos, e para conservar o que já ganhamos. Só temos que perder.
Com a vontade de ganhar por outro lado estamos sempre ativos procurando ganhar cada vez mais, ao invés de nos
preocuparmos com possíveis perdas. O mais valioso para nós é a nossa vida, e esta nós já vamos perder, o resto é
secundário. O medo de perder é justificativo, reativo, a pessoa fica sempre com o pé atrás e o outro no frente,
sempre se prevenindo para não perder. A pessoa com vontade de ganhar é sempre ativa, sem medo de arriscar, sem
medo de perder, sem a vivência antecipada do futuro, vive a beleza do momento, sabe que em tudo existe riscos e
oportunidades. No medo da perda só vê os riscos. Na vontade de ganhar não significa ganhar de alguém, mas de si
mesmo. A dar um passo em frente, estar sempre disposto a crescer um pouco mais, ninguém chega a seu limite
máximo. Idade adulta não é o máximo de nossa vida, de nossa potência. Não existe pessoa madura, mas em
amadurecimento. Quando paramos de crescer vem o sofrimento, e cada um sabe onde paralisou. Onde bloqueou a
energia.
Até hoje não vimos um relacionamento deteriorar sem a presença marcante do ciúme, querendo ser o controlador dos
sentimentos e ações da pessoa que se diz amar. Um profundo desamor a si mesmo e ao outro também. E a dor da
incerteza é a raiva de não ter a segurança absoluta no relacionamento, a insegurança frente ao futuro. A loucura está
aí, passamos a vida inteira tentando conseguir segurança. Segurança não existe. Ser seguro não significa acabar com
a insegurança, mas sim aceitá-la como inerente à natureza humana. Nós não curtimos o hoje, que é importante, nem
nos relacionamentos com os amigos, nem com os filhos. Não temos tempo, estamos cuidando do seu futuro, da nossa
segurança.
O ciúme é a incapacidade de vivermos hoje a gratuidade da vida. Hoje é o primeiro dia do resto de nossa vida. Viver é
deixar cada dia segundo seu próprio cuidado. O medo daquilo que pode acontecer tira a alegria de estar aqui e agora.
O medo da morte tira a vontade de viver. Quando temos medo de perder alguém, é porque imaginamos que as
pessoas são nossas. E não podemos perder o que não temos. Ninguém é de ninguém. Cada pessoa é única e
exclusivamente dela mesma. Podemos perder tudo, bolsa, carteira, casaco, qualquer coisa, jamais uma pessoa.
Medo de perder é a obsessão do primeiro lugar, é querer ser sempre o primeiro em todos os lugares, em casa, no
emprego, com os amigos. O primeiro lugar é amarelante, deteriorante, pois quando alguém chega ao cume da
montanha só lhe resta descer. O segundo lugar é verdejante, esperançoso ainda tem aonde ir, para onde crescer. A
postura do segundo lugar nos leva ao crescimento contínuo por que você se sente em segundo lugar mesmo que
2. estivesse ocupando socialmente o primeiro lugar, não em relação ao outro mas a você mesmo, ou seja ainda teremos
por onde crescer e melhorar.
Você sabe porque o mar é tão grande, tão imenso, tão poderoso? É porque teve a humildade de se colocar apenas a
alguns centímetros abaixo de todos os rios do mundo, sabendo receber tornou-se grande. Se quisesse ser o primeiro,
alguns centímetros acima de todos os rios, não seria o mar, seria uma ilha e toda sua água iria para os outros, e ele
estaria isolado. É impossível vivermos satisfatoriamente se não aceitarmos a queda, a perda, a morte. Precisamos
aprender a perder, a cair, a errar e a morrer. Em outras palavras, se temos medo de cair, andar seria muito doloroso.
Se temos medo da morte a vida é muito ruim. Se temos medo da perda, o ganho nos enche de preocupações. Esta é a
figura do fracassado, dentro do sucesso. Pessoas quanto mais ganham, quanto mais melhoram na vida mais sofrem.
Para a pessoa que tem medo de ficar pobre, quanto mais dinheiro tem, mais preocupada fica. Quanto mais sobe na
escala social, mais desgraçada é a sua vida. Em compensação se você aprende a cair, a errar, a perder ninguém o
controla mais. Pois o máximo que pode acontecer a você é cair, errar, perder, e isso você já sabe.
Bem aventurado aquele que já consegue receber com a mesma naturalidade, o ganho, a perda, o acerto, o erro, o
triunfo, a queda, a vida e a morte.
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