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ÚLTIMO POEMA DOS AMANTES
Os amantes abrem o livro do que sentem
e só aceitam fechá-lo quanto tudo
está já dito, sofrido, confessado.
só eles existem enquanto a paixão dura
e só a luz do que sentem e sonham
é capaz de iluminar as veredas em que se perdem.
Só eles sabem o que sentem
e são de ontem, de hoje e de sempre,
eternos e livres, grandiosos e trágicos
como uma obra que quisesse resumir
a história toda do coração do mundo.
Ei-los sentados à beira de um rio,
de um precipício, de uma cidade ofuscante,
de uma aflição brutal e sem nome.
São tantos e tão poucos, tão iguais a nós
e tão diversos, porque o seu tempo
sempre foi e será único e indivisível,
por apenas fazer sentido a dois.
Os amantes são uma árvore e um mar,
são os ramos e as ondas
movendo-se para assombro dos olhos
e dos dias, enquanto o tempo se evade
da prisão dos relógios para lhes
conceder um pouco mais de tempo
para tentarem ainda ser felizes.
Os amantes são uma cama e uma casa,
um universo inteiro de palavras sussurradas,
o pão e a água da sede e da fome nocturnas.
São tudo e são nada. Somos nós, afinal,
a agarrar a vida pelos cabelos
para que ela cumpra o que nos prometeu,
nem que seja por um instante a fingir-se eterno.
Os amantes não cabem todos
Neste ou noutro livro, em livro algum,
por serem tantos e tão poucos,
únicos e totais enquanto o amor perdura.
Por isso aqui se celebra o que são
enquanto se dão, se ganham e se perdem,
fugazes corpos celestes voando em direcção à luz
que os atrai e os condena, talvez porque está escrito
na derradeira página do que somos quando amamos.
José Jorge Letria in Grandes Histórias de Amor

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Último poema dos amantes

  • 1. ÚLTIMO POEMA DOS AMANTES Os amantes abrem o livro do que sentem e só aceitam fechá-lo quanto tudo está já dito, sofrido, confessado. só eles existem enquanto a paixão dura e só a luz do que sentem e sonham é capaz de iluminar as veredas em que se perdem. Só eles sabem o que sentem e são de ontem, de hoje e de sempre, eternos e livres, grandiosos e trágicos como uma obra que quisesse resumir a história toda do coração do mundo. Ei-los sentados à beira de um rio, de um precipício, de uma cidade ofuscante, de uma aflição brutal e sem nome. São tantos e tão poucos, tão iguais a nós e tão diversos, porque o seu tempo sempre foi e será único e indivisível, por apenas fazer sentido a dois. Os amantes são uma árvore e um mar, são os ramos e as ondas movendo-se para assombro dos olhos
  • 2. e dos dias, enquanto o tempo se evade da prisão dos relógios para lhes conceder um pouco mais de tempo para tentarem ainda ser felizes. Os amantes são uma cama e uma casa, um universo inteiro de palavras sussurradas, o pão e a água da sede e da fome nocturnas. São tudo e são nada. Somos nós, afinal, a agarrar a vida pelos cabelos para que ela cumpra o que nos prometeu, nem que seja por um instante a fingir-se eterno. Os amantes não cabem todos Neste ou noutro livro, em livro algum, por serem tantos e tão poucos, únicos e totais enquanto o amor perdura. Por isso aqui se celebra o que são enquanto se dão, se ganham e se perdem, fugazes corpos celestes voando em direcção à luz que os atrai e os condena, talvez porque está escrito na derradeira página do que somos quando amamos. José Jorge Letria in Grandes Histórias de Amor