1. ÚLTIMO POEMA DOS AMANTES
Os amantes abrem o livro do que sentem
e só aceitam fechá-lo quanto tudo
está já dito, sofrido, confessado.
só eles existem enquanto a paixão dura
e só a luz do que sentem e sonham
é capaz de iluminar as veredas em que se perdem.
Só eles sabem o que sentem
e são de ontem, de hoje e de sempre,
eternos e livres, grandiosos e trágicos
como uma obra que quisesse resumir
a história toda do coração do mundo.
Ei-los sentados à beira de um rio,
de um precipício, de uma cidade ofuscante,
de uma aflição brutal e sem nome.
São tantos e tão poucos, tão iguais a nós
e tão diversos, porque o seu tempo
sempre foi e será único e indivisível,
por apenas fazer sentido a dois.
Os amantes são uma árvore e um mar,
são os ramos e as ondas
movendo-se para assombro dos olhos
2. e dos dias, enquanto o tempo se evade
da prisão dos relógios para lhes
conceder um pouco mais de tempo
para tentarem ainda ser felizes.
Os amantes são uma cama e uma casa,
um universo inteiro de palavras sussurradas,
o pão e a água da sede e da fome nocturnas.
São tudo e são nada. Somos nós, afinal,
a agarrar a vida pelos cabelos
para que ela cumpra o que nos prometeu,
nem que seja por um instante a fingir-se eterno.
Os amantes não cabem todos
Neste ou noutro livro, em livro algum,
por serem tantos e tão poucos,
únicos e totais enquanto o amor perdura.
Por isso aqui se celebra o que são
enquanto se dão, se ganham e se perdem,
fugazes corpos celestes voando em direcção à luz
que os atrai e os condena, talvez porque está escrito
na derradeira página do que somos quando amamos.
José Jorge Letria in Grandes Histórias de Amor